Desafios do trabalho pedagógico do professor de Educação Física em uma escola itinerante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Desafíos del trabajo pedagógico del profesor de Educación Física en una escuela itinerante del Movimiento de Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST) |
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*Estudante de Licenciatura em Educação Física na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS Bolsista de Iniciação Cientifica no Grupo F3P-EFICE com fomento da FAPERGS **Doutoranda/o no Programa de Pós Graduação em Ciências do Esporte Movimento Humano da Escola de Educação Física da UFRGS. Apoio CAPES |
Pedro da Silva Silveira* Giovanni Frizzo** Lisandra Oliveira e Silva** (Brasil) |
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Resumo Esse artigo aborda a Escola de Acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a aproximação da Educação Física (EF) com essa escola. Relaciona o que é trabalhado nas Escolas Itinerantes e o que os estudantes de Educação Física aprendem na Formação Inicial, ou seja, procurando compreender o trabalho pedagógico realizado pelo professor de Educação Física nessas escolas e seus desafios. Trata de uma pesquisa qualitativa, realizada a partir de uma revisão bibliográfica sobre estudos já realizados sobre essa forma de escola e com observações das aulas nas escolas itinerantes, assim como entrevistas com os seus professores de Educação Física. A Escola Itinerante é a escola do acampamento do MST e por ser itinerante acompanham os alunos nas ocupações, marchas e trocas de acampamentos. Quando as famílias acampadas são assentadas e recebem suas terras, as crianças e adolescentes são matriculadas em escolas públicas da Rede de Ensino Estadual ou Municipal. Em 12 anos de existência, as Escolas Itinerantes do Rio Grande do Sul (RS) formaram milhares de crianças e adolescentes no Ensino Fundamental e alfabetizaram milhares de adultos na Educação de Jovens e Adultos. Os resultados desta pesquisa sugerem que a Formação Inicial dos professores de EF deve considerar a Educação para além dos sistemas formais de ensino e também evidencia nas observações e nas entrevistas realizadas o distanciamento que a Formação em Educação Física tem da Educação do Campo, e, principalmente o distanciamento dos Movimentos Sociais. Unitermos: MST. Escola Itinerante. Formação de professores. Educação Física
Abstract This article approaches the Camp School of the Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), and the proximity of de physical education graduation with this school. We try to link the education given by the Itinerant Schools (Escolas Itinerantes) with the knowledge that physical education graduation students learn at the former formation, trying to understand the pedagogical tasks that have been being carried out by the physical education teachers in these schools and its challenges. This is a qualitative research, implemented through a bibliography review about preview researches in this kind of school, observation of classes in the Itinerant Schools as well through interviews with its physical education teachers. The Itinerant School is the school of MST’s camp, which follow the students in the occupations, marching and changes of camps. When the camping families are settled and receive their lands, the children and teenagers are enrolled on public schools at the education service of the state or the city. Within 12 years of existence, the Itinerant Schools of Rio Grande do Sul (RS) have graduated thousand of children and teenagers at the primary school and alphabetize thousand of adults at the Education of Teenagers and Adults (Educação de Jovens e Adultos – EJA). The results of this research suggest that the former formation of physical education teacher must consider education beyond the formal systems of teaching and learning and point on the observations and interviews performed the detachment between the physical education graduation and the countryside education, and, capitally, the detachment of the social movements. Abstract: MST. Itinerant Schools. Teacher training. Physical Education |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 143 - Abril de 2010 |
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Introdução
O presente artigo tem por objetivo compreender a organização do trabalho pedagógico do professor de Educação Física (EF) na Escola Itinerante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Para isso, procuramos, através de uma revisão bibliográfica, caracterizar o que é a escola de acampamento do MST, e sistematizar a aproximação de um grupo de professores e estudantes de EF o qual através de um coletivo organizado, durante aproximadamente um ano, realizou um trabalho pedagógico em uma escola de acampamento do MST através das aulas de Educação Física. A partir de entrevistas com os estudantes e os professores procuramos discutir a organização do trabalho pedagógico do professor de Educação Física na escola de acampamento do MST, e os possíveis desafios enfrentados por esses professores e estudantes de Educação Física.
Além disso, no decorrer do artigo, argumentamos sobre o uso do conceito trabalho pedagógico, assim como esclareceremos sobre a diferença entre assentamento e acampamento, bem como a nomenclatura Escola Itinerante, situando o leitor na terminologia utilizada pelos Movimentos Sociais.
O MST é um Movimento que surgiu há 25 anos em Cascavel no Paraná (Brasil), onde centenas de trabalhadores rurais decidiram criar um movimento social camponês de luta pela terra. Movimento este que fosse autônomo, que lutasse pela Reforma Agrária e pelas transformações sociais necessárias para o Brasil. Esses trabalhadores rurais eram, em sua maioria: posseiros, atingidos por barragens, migrantes, meeiros, parceiros e pequenos agricultores. Nesta perspectiva, entendemos por Reforma Agrária:
A nação, por meio do Estado, do governo, das leis e da organização de seu povo deve zelar permanentemente, pela soberania, pelo patrimônio coletivo e pela sanidade ambiental. É preciso realizar uma ampla Reforma Agrária, com caráter popular, para garantir acesso à terra para todos os que nela trabalham. Garantir a posse e uso de todas as comunidades originárias, dos povos indígenas, ribeirinhos, seringueiros, geraiszeiros e quilombolas. Estabelecer um limite máximo ao tamanho da propriedade de terra, como forma de garantir sua utilização social e racional. É preciso organizar a produção agrícola nacional tendo como objetivo principal a produção de alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos e organismos geneticamente modificados (transgênicos) para toda a população, aplicando assim o princípio da soberania alimentar. A política de exportação de produtos agrícolas deve ser apenas complementar, buscando maior valor agregado possível e evitando a exportação de matérias-primas (MST, 2009, p. 7).
Para analisar a produção do conhecimento recente sobre as discussões acerca da formação de professores e Movimentos Sociais, partiremos da perspectiva do Movimento Estudantil de Educação Física (MEEF). Movimento este que desde 1980 reúne-se anualmente através de seus Encontros Nacionais, em diferentes cidades do Brasil, para discutir os mais diversos assuntos de interesse dos estudantes de EF, dentre eles, o da formação profissional e Movimentos Sociais. São diversos os Encontros Nacionais que em seus temas discutiram esta temática:
1985 – Florianópolis (SC): Educação Física ou Arte de adestrar seres humanos?;
1988 – Rio de Janeiro (RJ): Existe Outra Educação Física?;
1994 – Goiânia (GO): Educação Física Onde Anda a Educação?;
1999 – Brasília (DF): Educação Física na Corda Bamba: da Formação a Atuação Profissional; entre outros.
Em pesquisa realizada ao Sistema de Automação de Bibliotecas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – SABi1 pesquisamos livros, artigos, teses, trabalhos diversos, pelos seguintes descritores: Escola MST, Escola Itinerante, MST, Educação Rural, Movimentos Sociais e foi possível perceber que dos termos pesquisados relacionados ao assunto da temática desse trabalho, nenhuma produção foi realizada na Escola de Educação Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (EsEF/UFRGS), uma vez que, a maioria das produções advém da Faculdade de Educação (FACED).
Do mesmo modo, a pesquisa citada acima demonstra que são poucos livros, artigos, teses e trabalhos diversos disponíveis na biblioteca da ESEF sobre esse tema, dificultando o acesso dos estudantes de Graduação em Educação Física a tal temática. Esse fato sugere um afastamento que a Formação Inicial em EF tem dos Movimentos Sociais no que diz respeito à produção do conhecimento.
Um dos possíveis motivos para compreender essa constatação pode estar relacionado a nossa Formação Inicial, pois são raras as disciplinas no curso de EF que tratam dos Movimentos Sociais especificamente. No currículo de EF da UFRGS apenas uma disciplina trata desse assunto, sendo uma disciplina eletiva da FACED. Percebemos esse fato, também, na fala de um dos professores entrevistados.
A principal dificuldade enquanto professor para além da questão estrutural que [...] tinha uma dificuldade que era relacionada a formação nossa, por mais que a gente fosse professor de educação física a gente não teve uma disciplina na universidade inteira nem fora da educação física que tratasse de educação no campo, a FACED, a educação por exemplo não tem nenhuma disciplina de educação no campo a ESEF nem se fala a educação física nem se fala não tem uma disciplina na ESEF que trate de educação e movimentos sociais, na FACED que eu me lembre tinha uma né (Ernesto, entrevista em agosto de 2009).
A partir disso, construímos o problema desta pesquisa que está configurado na seguinte questão: Na perspectiva dos professores de Educação Física, quais os desafios que enfrentam para desenvolver o trabalho pedagógico nas Escolas Itinerantes do MST?
Tendo como objetivo geral compreender os desafios do trabalho pedagógico dos professores de Educação Física na Escola Itinerante Che Guevara do MST, localizada no Acampamento Jair Antônio da Costa em Nova Santa Rita-RS. E como objetivos específicos: 1) Identificar como se estabelece a relação entre a formação de professores de EF e os Movimentos Sociais; 2) compreender a relação entre a formação de professores de EF e a Educação do Campo; 3) compreender de que maneira a EF pode contribuir com os Movimentos Sociais de luta pela Terra.
Para melhor justificar esta pesquisa, destacamos a contribuição de Santana (2008) que nos aponta que:
[...] o conhecimento científico, uma vez apreendido, tem uma função essencialmente política no processo de transformação da sociedade. É através dele que o pesquisador tomará partido ao lado daqueles que são os mais explorados no sistema capitalista (SANTANA, 2008, p. 30).
Partindo desta reflexão, identificamos a realidade campesina como um cotidiano marcado por violência e preconceito ao longo de sua história.2 No estado do Rio Grande do Sul surgiram os primeiros acampamentos do MST e junto com estes as primeiras discussões sobre a educação no Movimento, antes da década de 1980.
Ainda nos primeiros anos do MST, constituem-se as escolas de acampamento, responsáveis pela educação dos jovens e adultos. Em meio à esta realidade de violência, luta e marginalização, o MST mantém desde sua origem escolas para a formação de suas crianças e adolescentes.
Como podemos observar na pesquisa realizada ao SABi, pouco se discute na Universidade sobre o MST e sua perspectiva de educação. Partindo dessa constatação consideramos relevante aprofundar esta discussão, pois além de resgatar a ideia de formação desse movimento para a discussão política brasileira, este trabalho procura compreender a Educação Física neste contexto repleto de especificidades.
Recentemente no estado do Rio Grande do Sul enfaticamente vem sendo discutido as Escolas Itinerantes do MST, principalmente pelo fato de que, através de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) realizado pelo atual Governo do Estado junto ao Ministério Público Estadual do RS, puseram fim a Escola Itinerante do MST, considerando-a ilegal. Este TAC entrou em vigor no dia 28 de novembro de 2008 e a primeira escola a ser fechada foi no dia 10 de fevereiro de 2009.
Dessa forma, escolhemos a Escola Itinerante Che Guevara do Acampamento Jair Antônio da Costa, localizado em Nova Santa Rita-RS, para a realização desta pesquisa por ter contato com o acampamento e com o grupo de professores e estudantes que desenvolviam as aulas de Educação Física neste contexto.
Metodologia
Esta pesquisa é de cunho qualitativo e utiliza os seguintes instrumentos para a obtenção de informação: a análise de documentos, a observação de campo através da produção de um diário de campo, além de entrevistas semi-estruturadas com os professores da Educação Física da Escola Itinerante investigada.
Inicialmente esta pesquisa seria predominantemente etnográfica, com um tempo de permanência longo no campo com o objetivo de compreender profundamente a cultura, a organização e a “vida” do Movimento. Contudo, devido a conjuntura do Movimento3 e principalmente do acampamento onde se encontra a Escola Itinerante Che Guevara, a ida a campo ficou comprometida, pois este acampamento mudou de localidade, possibilitando cerca de 8 observações das aulas de EF (aproximadamente 40 horas). Salientamos que foram entrevistados dois professores de EF que participaram do início ao fim das atividades desenvolvidas no local.
O campo hoje
Quando se fala em Escola Itinerante, em escola de acampamento ou até mesmo em escola do MST, estamos predominantemente falando em escolas inseridas no Campo. E para melhor entendermos essas escolas é necessário que tenhamos em mente a realidade do Campo atualmente.
Comparando os dados publicados no Censo Rural, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 1996 com os dados de 2006 (os números de 2006 foram divulgados em 2009), percebemos que a concentração de terras aumentou significativamente nos últimos dez anos. Os estabelecimentos com menos de dez hectares, dizem respeito à agricultura familiar no Brasil, diminuíram. Em contrapartida a esse número, os estabelecimentos do agronegócio, latifúndio (latifúndio por dimensão é considerado o imóvel rural com área superior a seiscentas vezes o tamanho médio da propriedade familiar) concentra 46% das terras agricultáveis do território nacional. Isso significa que menos de 1%, que são os grandes fazendeiros, os latifundiários, possuem 46% do território nacional. Importante ainda salientar que essa concentração de terras acaba por gerar mais tensão e violência no campo, pois acaba por aumentar a desigualdade social do campo.
Ainda quando nos referimos às escolas do campo é importante lembrar que a Educação é um direito garantido constitucionalmente à todos, independente de onde resida, campo ou cidade. Pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 6º, todos têm direito a Educação pública, gratuita e de qualidade (BRASIL, 1988). Porém, a realidade é bem diferente e hoje em dia essa exclusão de crianças, jovens e adultos das escolas do campo retrata uma das formas mais profundas de exclusão social.
Nesse sentido, não basta somente uma Educação para o campo, é necessária uma Educação do campo. Dessa forma, pensamos em uma Educação que leve em consideração o cotidiano de quem lida com a terra, pois trata de uma realidade muito diferente do dia-a-dia de quem vive nos grandes centros urbanos. Quando discutimos sobre escola do campo, não basta somente ter a escola próxima às pessoas, mas sim, escolas que na sua proposta pedagógica levem em consideração a realidade do camponês.
A Escola Itinerante
Escola que caminha que não tem medo do risco, por que recusa o imobilismo (FAZENDO ESCOLA, 2000 p. 8).
A Escola Itinerante se caracteriza por ser a escola do acampamento, e por ser itinerante pode se deslocar junto com o acampamento em marchas, ocupações e novos acampamentos, não trazendo perdas para as crianças. Se as mesmas crianças estivessem em escolas formais, perderiam o ano ou teriam que ser afastadas do convívio da família para continuar estudando.
A Escola Itinerante começou junto com a luta pela garantia da educação e de escolas no Movimento, ainda que não com a denominação de Itinerante. Era chamada “Escola do Acampamento”. Desde as primeiras escolas, no início do MST, buscava-se uma prática pedagógica “diferente”, o que de alguma forma permanece até hoje. E mesmo que de forma embrionária já se almejava fazer uma escola que confrontasse a escola hegemônica (CADERNOS DA ESCOLA ITINERANTE – MST, 2009, p. 02).
É importante ressaltar neste momento a diferença entre acampamento e assentamento: acampamento é onde as famílias Sem-Terra ficam em processos de luta, ocupam e ali se estabelecem enquanto não recebem seus lotes. Assentamento é quando as famílias já receberam seus lotes de terra e podem construir suas casas e trabalharem na terra. Comumente a mídia trata as “ocupações” como “invasões” no intuito de tentar criminalizar a luta do Movimento, tendo em vista que invadir significa tomar algo à força, se apropriar de algo que é de outro; enquanto ocupar tem um sentido de tomar posse de algo que a nenhuma pessoa, particularmente, pertence. Esclarecemos que as ações do MST são neste sentido, de ocupar aquelas propriedades que já foram destinadas a serem áreas de Reforma Agrária, como prevê a Constituição Federal, por dívidas ou por não cumprirem a função social da Terra4 prevista na legislação vigente. É uma ação com a intenção de aligeirar os processos de Reforma Agrária.
De acordo com os relatos das famílias do acampamento pesquisado, no momento em que se estabelecem em seus lotes, começam a lutar por escolas municipais e/ou estaduais dentro dos assentamentos, não sendo mais necessário as escolas itinerantes, pois partem do pressuposto que uma vez assentada, as famílias permanecerão no local onde conquistaram suas terras.
Como já vimos anteriormente nesse texto, as Escolas Itinerantes estão proibidas de existir por causa de um TAC acordado entre o Governo do Estado do Rio Grande do Sul e o Ministério Público Estadual. Quando perguntado sobre o assunto, o professor Ernesto5 manifesta o que acredita ser os reais motivos do Termo de Ajustamento:
Com a entrada do governo do PSDB. Governo Yeda. Pra comandar o estado do RS. E essa abertura do governo para as multinacionais, principalmente no setor da monocultura do eucalipto. É essa abertura gerou uma reação tendo em vista todas as problemáticas que traz a monocultura, e a reação se deu principalmente pelo MST, porém essa reação não se vem sozinha ela vem junto com todo um processo de criminalização [...] (Entrevista Ernesto, agosto de 2009).
Ainda quando perguntado sobre como o Movimento entende a Escola Itinerante o professor Ernesto afirma que a educação para o MST é uma prioridade:
A estrutura da escola. O MST tem todo um debate em relação as escolas e as crianças, as crianças se tornam uma prioridade dentro do MST. Então a escola por exemplo ela o acampamento era meio que no morro e tinha uma única parte plaina que tinha arvores grandes e é onde estava a escola, a escola é que recebia as melhores lonas que são as lonas termias porém mesmo assim mesmo com dedicação a escola é com a precarização do estado faltava cadeira faltava quadro faltava giz, faltava um monte de coisas faltava caderno para as crianças então a estrutura era muito fraca muito fraca mesmo, pela precarização do Estado (Entrevista Ernesto, agosto de 2009).
Fato esse, observado na ida a campo na escola Che Guevara do acampamento Jair Antônio da Costa. Nesse Acampamento percebe-se a importância dada a escola itinerante, pois a mesma situava-se no melhor local do acampamento e era a escola que tinha as melhores lonas. Assim como, alguém do acampamento era designado par ficar de responsável da mesma.
As aulas na Escola Itinerante
No ano de 2008 ocorre em Porto Alegre o XXIX Encontro Nacional de Estudantes de Educação Física, e, durante o encontro ocorreria um ato-público com os estudantes de EF. Para isso os alunos responsáveis pelo encontro iniciam uma aproximação com diversos Movimentos Sociais, entre eles, a Federação de Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB) e o MST. O ato público que foi em conjunto com a FEAB e contou com mais de mil estudantes, finalizou no prédio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) que estava ocupado pelo MST. O ato tinha como objetivo prestar solidariedade aos Movimentos Sociais.
Essa aproximação nos permitiu contato com os responsáveis do setor de Educação do Movimento, onde se constatou a falta de professores de EF nas Escolas Itinerantes. Após o Encontro Nacional de Estudantes de Educação Física, um grupo de estudantes e professores de EF da ESEF começou a trabalhar todos os sábados na Escola Itinerante Che Guevara no acampamento Jair Antônio da Costa, em Nova Santa Rita-RS, desenvolvendo aulas de EF.
A preparação dos estudantes e dos professores para desenvolver as aulas ocorria em reuniões quinzenais que eram divididas em dois momentos: formação e planejamento das aulas. A formação era de extrema importância, pois era limitado o contato com os Movimentos Sociais anteriormente, e, também, porque a Formação Inicial pouco permitia subsídios para as aulas no acampamento. O segundo momento, o de planejamento, era coletivo e todos, mesmo os que não davam aulas, ajudavam no preparo destas.
Podemos entender melhor as aulas e a organização do grupo no trecho da entrevista de Ernesto:
Era um coletivo que se destacava do DA (Diretório Acadêmico de EF da UFRGS), destacava em que sentido envolvia estudante e professores, professor não milita pelo DA né. E ai esse coletivo até se apropriava de alguns materiais do MST. Os princípios filosóficos e pedagógicos do MST. Algumas cartilhas alguns cadernos que o próprio movimento nos deu assim né. O próprio livro Pedagogia do Movimento da Roseli Caldart que é referencia nesse sentido né e a partir dessa teoria e a partir da própria teoria critico superadora da educação física eles começavam a formular as aulas para tentar garantir um processo formativo em que trouxesse outros valores lá para as crianças do acampamento a não ser essa mesma aula que a gente tem na educação física daqui para fora (Entrevista Ernesto, agosto de 2009)
Em 2009, quando a Escola Itinerante é proibida de seguir suas atividades, esse coletivo de professores se reestrutura e começa a dar aulas nas segundas-feiras, com responsáveis por cada ciclo.6 Os planejamentos continuavam coletivos, mas os professores tinham mais autonomia quanto a metodologia das aulas, e, a formação continuava quinzenalmente.
Presenciamos essa organização desde o início das primeiras reuniões, até o momento que o acampamento Jair Antônio da Costa é deslocado de cidade, tornando inviável esse grupo de professores continuarem atuando nessa escola.
Desafios do trabalho pedagógico de Educação Física na escola itinerante
Partindo do entendimento que trabalho pedagógico não é somente o ministrar a aula, mas todo o processo anterior de planejamento da mesma e posterior de avaliação desta, continuamente considerando o meio e a sociedade que estamos envolvidos, nesse artigo, apresentamos alguns desafios enfrentados no trabalho pedagógico pelos professores de Educação Física da escola itinerante evidenciados a partir de nossas ida a campo, das observações das aulas, e das entrevistas feitas.
Ainda, tratando de trabalho pedagógico destacamos a citação de Titton:
Ao ser compreendida a natureza da educação, podemos verificar que o trabalho pedagógico é o elemento que, por mediações, materializa uma dada direção do processo de formação pela educação. É pelo trabalho pedagógico, portanto, que devemos proceder à análise dos diferentes projetos de formação humana para aprender seus elementos contraditórios, identificando possibilidades concretas de ação na perspectiva de superação das desigualdades sociais impostas pelo modo de produção da vida (TITTON, 2006, p. 27).
Os desafios observados no trabalho pedagógico eram de todos os tipos.
Em entrevista realizada, o professor Ernesto destaca dois desafios principais para as aulas de EF na Escola Itinerante:
A principal dificuldade enquanto professor para além da questão estrutural que [...] tinha uma dificuldade que era relacionada a formação nossa, por mais que a gente fosse professor de educação física a gente não teve uma disciplina na universidade inteira nem fora da educação física que tratasse de educação no campo (Entrevista Ernesto, agosto de 2009).
Assim ó tinha uma dificuldade porque primeiro que a educação física em qualquer lugar que tu for fazer algo diferente tu vai ter dificuldade porque ta impregnado hoje na área que é ou esporte e se for esporte é rendimento (Entrevista Ernesto, agosto de 2009).
Primeiramente era enfrentada uma dificuldade estrutural para deslocamento até o acampamento; chegando ao acampamento havia a dificuldade de materiais para realizar o trabalho. Apesar de a Educação ser uma prioridade, a Escola Itinerante, assim como todo o acampamento, tinha suas precariedades, por exemplo, aulas realizadas embaixo de lonas, falta de materiais e dificuldade de organização até dos acampados, dificultando e, muitas vezes, atrasando o início das aulas. É possível destacar que um dos desafios mais significativos percebido, tanto nas observações quanto nas entrevistas, trata da questão do preparo e da formação dos professores, pois estes buscavam toda a formação fora da Universidade já que esta se encontra distante da Educação do Campo. Mesmo em aulas, que podemos considerar simples, com poucos estudantes, se percebia uma dificuldade dos professores colocarem na prática o que haviam aprendido na Formação Inicial, demonstrando um distanciamento entre teoria e prática que a Universidade vive hoje em dia. Ainda na ida a campo pudemos observar não somente dificuldades no trabalho pedagógico da EF, do mesmo modo, observamos desafios vivenciados nas demais disciplinas, pois contavam com dificuldades materiais e dificuldades de garantir professores.
Conclusão
Após o término das observações e da análise das entrevistas destacamos três desafios principais para o trabalho pedagógico dos professores de EF na Escola Itinerante:
1. Distanciamento da formação de professores de EF da UFRGS com o campo e com os Movimentos Sociais
Esse desafio pode ser evidenciado a partir da pesquisa que trouxe diversos elementos tanto nas entrevistas realizadas quanto principalmente nas observações feitas, onde percebemos que um estudante, mesmo em fase de conclusão do curso de Educação Física, ao chegar ao campo, não conseguia entender aquele local como um espaço para Educação, pois em sua formação não tinha tido nenhum tipo de contato com a Educação do Campo. Do mesmo modo, podemos evidenciar este desafio com um olhar sobre o currículo da ESEF-UFRGS, em que, em nenhuma disciplina ou súmula é tratado o assunto da Educação do Campo.
2. Formação Inicial de EF distante da prática
Esse é um dos três desafios destacados nesse trabalho, que de maneira mais aprofundada conseguimos observar com nossas idas a campo, e que, em nossa opinião desenvolvemos ao longo desse texto. Nas observações realizadas percebemos o entusiasmo que os professores planejavam as aulas e a extrema dificuldade de colocá-las na prática.
3. Dificuldades Materiais e Estruturais do Acampamento
Percebemos, ao entrar no acampamento, o descaso que os Governos têm com as famílias ali acampadas. Infra-estrutura para moradia, dentre outros aspectos observados, são quase inexistentes. Ao observarmos as escolas itinerantes, aprendemos que muito do que ali existe vem da luta dos acampados, pois pouco o Governo faz para manter essas escolas, o que gera, na realização das aulas de EF, uma dificuldade material muito grande para se desenvolver algumas atividades nessas escolas.
Para finalizar, após o TAC de outubro de 2008 nos questionamos como ficam as crianças Sem Terra ao perderem seus direito de estudar perto do local onde estão acampadas? Quais perspectivas têm a infância campesina e como a Educação Física se insere neste processo através da Educação?
Acreditamos que a Escola de Educação Física da UFRGS através de um trabalho pedagógico consistente, possui possibilidades reais de contribuir na transformação deste quadro a partir do tripé Ensino, Pesquisa e Extensão. Assim, é possível pensar em um curso de EF que não se desloque da realidade, que precisa se atentar ao atendimento a esta demanda social, valendo-se de sua contribuição, entendendo que os Movimentos Sociais organizados constituem uma esfera significativa de nossa sociedade no atual momento histórico. Dessa forma, a ESEF tanto pode contribuir com estas demandas, quanto aprender sobre as experiências pedagógicas desenvolvidas nestes contextos.
Notas
Endereço eletrônico: www.sabi.ufrgs.br.
Como exemplo podemos citar o caso conhecido de Eldorado dos Carajás-PA e recentemente do acampado Elton Brun, morto pela Brigada Militar do RS em São Gabriel durante uma ação de despejo de um Acampamento do MST.
Sempre que utilizar Movimento em maiúsculo estamos nos referindo ao MST.
Os índices de produtividade utilizados pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA) para a avaliação do cumprimento da função social do imóvel rural, sob o aspecto econômico, são ainda os de 1975, permitindo a manutenção das atividades do agronegócio de baixa produtividade, inclusive da pecuária extensiva, que é a atividade agrária mais atrasada no Brasil. Soma-se que os aspectos sociais, como a existência de trabalho escravo, a degradação do meio ambiente e os conflitos pela posse da terra são sistematicamente ignorados pelo Poder Judiciário ao julgar o aspecto do cumprimento da função social, restando somente o critério da produtividade.
Os nomes dos entrevistados foram modificados para garantir o sigilo da fonte.
O Ensino Fundamental na Escola Itinerante é organizado por Ciclos, sendo que a EF trabalhou em 3 ciclos distintos: 1º Ciclo abrangia os 3 primeiros anos do Ensino Fundamental; o 2º Ciclo abrangia o 4º, 5º e 6º ano; e o 3º Ciclo abrangia o 7º, 8º e 9º ano.
Referências
ALMEIDA DA SILVA, J.H. ALMEIDA DA SILVA JUNIOR, S.H. ALVES FERREIRA C.E. y CASTILHO DE SOUZA R. (2008) A educação do Movimento Sem Terra e a Educação Física: possibilidades de (re) encontro. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Nº 121. http://www.efdeportes.com/efd121/a-educacao-do-movimento-sem-terra-e-a-educacao-fisica.htm
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília – DF. 1988.
CADERNOS DA ESCOLA ITINERANTE – MST. Ano II, n. 4. Nov. 2009.
CALDART, R. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 3.ed. São Paulo: Editora Expressão Popular, 2004.
FAZENDO ESCOLA. 4.ed. Escola Itinerante uma prática pedagógica em acampamentos.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Censo Agropecuário 2006. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/agropecuaria/censoagro/default.shtm, Acesso em: 22 dez. 2009
MST, Site Oficial do MST. Disponível em: http://www.mst.org.br. Acesso em: 31 ago. 2009.
SANTANA, P. Uma Breve Análise Didática dos Métodos Científicos Positivismo, Materialismo Histórico e Fenomenologia. Revista Cesumar, v. 13, n. 1, p 30, 2008.
TITTON, M. Organização do trabalho pedagógico na formação de professores do MST: Realidade e Possibilidade. UFBA, 2006. Dissertação (Mestrado em Educação), Faculdade de Educação, Universidade Federal da Bahia, 2006.
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digital · Año 15 · N° 143 | Buenos Aires,
Abril de 2010 |