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Indivíduo, conhecimento, realidade e ensino e 

aprendizagem em Celestin Freinet e Paulo Freire

Individuo, conocimiento, realidad y enseñanza y aprendizaje en Celetin Freinet y Paulo Freire

 

Professor da Rede Pública Estadual Paulista (SEE/SP)

Professor do Centro Universitário Claretiano (CEF/CEUCLAR)

Pesquisador e Diretor Financeiro da

Sociedade de Pesquisa Qualitativa em Motricidade Humana (SPQMH)

Membro do Núcleo de Estudos de Fenomenologia

em Educação Física (NEFEF/UFSCar)

Doutorando em Educação (PPGE/UFSCar)

www.ufscar.br/~defmh/spqmh/

Fábio Ricardo Mizuno Lemos

fabiomizuno@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          O artigo apresenta indicações de compreensões acerca dos conceitos: indivíduo, conhecimento, realidade e ensino e aprendizagem, a partir dos autores Celestin Freinet e Paulo Freire, considerando para a análise, respectivamente, as obras: A educação pelo trabalho e Pedagogia da autonomia.

          Unitermos: Indivíduo. Conhecimento. Realidade. Ensino e Aprendizagem

 

Resumen

          El artículo presenta indicaciones de comprensiones acerca de los conceptos: individuo, conocimiento, realidad y enseñanza y aprendizaje, abordando los autores Celestin Freinet y Paulo Freire, considerando para el análisis, respectivamente, los libros: La educación por el trabajo y Pedagogía de la autonomía.

          Palabras clave: Individuo. Conocimiento. Realidad. Enseñanza y Aprendizaje

 

Abstract

          This article presents indications of understandings concerning the concepts: individual, knowledge, reality and teaching and learning, starting from the authors Celestin Freinet and Paulo Freire, considering for the analysis, respectively, the books: The education by the work and Pedagogy of the autonomy.

          Keywords: Individual. Knowledge. Reality. Teaching and Learning

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 143 - Abril de 2010

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1.     Introdução

    O objetivo do presente trabalho foi analisar as obras, A educação pelo trabalho, de Celestin Freinet e Pedagogia da autonomia, de Paulo Freire, em busca de compreensões a respeito dos conceitos: indivíduo, conhecimento, realidade e ensino e aprendizagem.

    A apresentação dos resultados está divida em três partes. Na primeira, são apresentadas as compreensões resultantes da análise da obra A educação pelo trabalho, de Celestin Freinet (1969), utilizando para isto, excertos da mesma. Na segunda, também evidenciando excertos da obra, são expostos os pensamentos relacionados a indivíduo, conhecimento, realidade e ensino e aprendizagem, presentes no livro Pedagogia da autonomia, de Paulo Freire (2005). Na terceira e última parte, há um movimento de síntese de compreensões sobre os conceitos abordados.

2.     Indivíduo, conhecimento, realidade e ensino e aprendizagem em Celestin Freinet

    Indivíduo

    O ser humano não é um sujeito inerte e passivo, como tratado pela medicina e também pela pedagogia.

    “O nosso ser físico e mental é um todo maravilhoso que tende naturalmente para reestabelecer incessantemente a harmonia que lhe é essencial” (FREINET, 1969, p. 48).

    o homem é como os animais (...) quando o seu estomago é regularmente satisfeito, quando os campos à sua volta são férteis e ricos, ele come em paz sem guerrear com os seus vizinhos (...) Pensa! Mas se o estômago o assedia, se sente escassear o alimento à sua volta, se passa horas e dias sem apaziguar normalmente a sua fome, sem encontrar a segurança dum abrigo ou a fortuna de uma cama quente, então comporta-se como os animais ávidos na Primavera. (...) Vemo-lo errar, irritar-se, correr, lutar. Não seria de esperar desse homem gestos profundos de humanidade. (FREINET, 1969, p. 63).

    O homem sente: “Mathieu SENTE a Primavera.” (FREINET, 1969, p. 82). E o sentir e viver a vida são valorizados: “gostaria de ver vir junto de mim (...) uma jovem (...) com os seus olhos e o seu espírito intrepidamente curiosos, com a sua inteligência e o seu bom senso intactos e que soubesse principalmente sentir e viver a vida” (FREINET, 1969, p. 61).

    Há uma crença no poder da infância e da juventude em “conquistar os cumes”: “Os homens estão fartos de sofrer e de lutar. (...) Só a infância e a juventude possuem ainda, natural e poderoso, esse desejo de viver, de subir, de conquistar, mesmo à custa de esforços e de sofrimentos, o privilégio de ser forte e vigoroso para dominar o mundo” (FREINET, 1969, p. 29).

    Ataco no entanto aqueles que, por sua própria autoridade, se declararam montanha pra gerar e orientar a torrente, para dominar o vale; aqueles que julgam ter descoberto os cumes, mas que esquecem que esses cumes não existiriam sem os flancos dos vales que os erguem para as nuvens, e sem os baixios férteis que valorizam a aridez e a austeridade das encostas; e que se espantam por vezes que o mundo não esteja a seus pés, obedecendo aos movimentos factícios que eles ordenaram. (FREINET, 1969, p. 66).

    Especificamente sobre as crianças, o autor entende que: “A sua função, a sua razão de ser, é antes de mais viver” (FREINET, 1969, p. 149). “as crianças se interessam pela vida do seu meio, pelas flutuações da natureza e dos trabalhos, e que gostariam de estudar principalmente aquilo que lhes diz respeito” (FREINET, 1969, p. 133-134).

    A criança, é como um motor poderoso que se dá até ao extremo limite. Resta-lhe ainda alguma vida para gastar e não pode limitar-se a estar ali sentada, conosco, a escutar o correr do tempo. Vai novamente brincar e será preciso chamá-la repetidas vezes para a arrancar à sua nova actividade... Mal regressa, acabou-se! Adormece... Reação natural... E se vir uma criança sossegada sentada à noitinha ao pé dos pais (...) pode afirmar: “Aí está uma criança doente!”. E se isso for seu costume: “Eis uma criança anormal, gasta, sem vitalidade, velha antes do tempo, que apenas suporta uma amplitude reduzida; a quem a corrida, os gritos, as pancadas, o medo, fatigam e obsidiam. Não se trata dum modelo de criança sossegada, como por vezes se diz; é uma criança velha, que está, desde o nascimento, no declínio da vida”. (FREINET, 1969, p. 181).

    Finalmente, a natureza humana é considerada complexa (FREINET, 1969, p. 192) e todo homem, sobretudo toda criança é detentora de incríveis virtualidades “de vida, de adaptação e de ação” (FREINET, 1969, p. 141).

    Conhecimento

    Há atenção ao conhecimento intuitivo, subjetivo, sensível e vibrante (FREINET, 1969, p. 91), bem como à “reflexão original, baseada na observação, na experiência e no bom senso” (FREINET, 1969, p. 43). Nós camponeses “nós sabemos por experiência” (FREINET, 1969, p. 140).

    Estes aspectos são vistos em integração com a vida e a natureza e como “luzes supremas” e “ensinamentos decisivos” (FREINET, 1969, p. 48).

    Não há o descrédito, nem a negação do conhecimento técnico, a partir da instrução, formação técnica, tendo em vista a consideração deste como uma das funções fundamentais da escola (FREINET, 1969, p. 145). Porém, “Não, não é porque conhece muitas coisas que o homem é melhor. (...) Não, a instrução, os conhecimentos não nos tornam melhores...” (FREINET, 1969, p. 112).

    O conhecimento científico não é visto como imutável: “Que garantias podemos nós ter, razoavelmente, de que aquilo que hoje nos apresentam como científico o é mais do que aquilo que nos diziam ontem igualmente científico para em seguida denunciar impudicamente os seus malefícios?” (FREINET, 1969, p. 32).

    Realidade

    O autor considera a realidade da civilização capitalista e o seu grande drama de colocar como o centro do mundo o conhecimento e as realizações por ele suscitadas, abstraindo o olhar para si mesmo; o refletir sobre a natureza e o devir de seus atos; o pensar o próprio pensamento pessoal sobre os destinos de que participa; o dirigir a sua própria vida (FREINET, 1969, p. 121).

    Diz dos poderes de “hoje”, do poder oculto que “constitui a cama daqueles que detêm o chicote” e do não interesse, de espécie alguma, de se inclinar a eles (FREINET, 1969, p. 57).

    Diz do poder que engana gerações que “acabarão por acreditar que o mundo nunca teve outro aspecto e que basta adaptar-se-lhe para viver” (FREINET, 1969, p. 26).

    para os homens (...) é possível persuadi-los de que devem aceitar a rédea, a sela e o cabresto. Aceitar? Que digo eu? Si se souber atuar, os homens solicitarão por si mesmos essas cargas, essas limitações, essas humilhações como deveres ou recompensas. (...) Para esta tarefa de persuasão que tem algo de maquiavélico, faz-se prudentemente apelo às potências e aos homens susceptíveis de remediar filantropicamente aquilo que não seria na origem mais do que uma espécie de intrujice mercantil. (FREINET, 1969, p. 93).

    Diz das deformações da ciência e o seu sistema de mentiras e de exploração que a desvia de seus objetivos (FREINET, 1969, p. 51). E salienta: “Não é que eu esteja contra as novidades; estou contra o uso que delas se pode fazer” (FREINET, 1969, p. 75).

    E quanto ao uso, os “homens políticos (...) Eles souberam pôr ao seu serviço a ciência e a cultura” e as Escolas, as Faculdades ou as Academias não orientam e estimulam o progresso mas servem-no, seguem-no (FREINET, 1969, p. 95).

    “Um dia, esperemos, o progresso não se limitará mais a essa camuflagem mercantil” (FREINET, 1969, p. 113).

    “O progresso deve fazer-se por assim dizer em função do passado, evitando esse corte cujos perigos medimos, esse corte que nos isolou da vossa ciência, privando-a da nossa seiva e do nosso esforço” (FREINET, 1969, p. 69).

    Ensino e Aprendizagem

    Sobre a relação ensino e aprendizagem apresenta algumas críticas: os sábios e seus discípulos não têm humildade perante a vida “esses homens de ciência são inteiramente comparáveis aos citadinos que pretendem vir instalar-se na terra para nos darem lições” (FREINET, 1969, p. 32); o mundo atual mata a originalidade de pensamento em proveito do conformismo (FREINET, 1969, p. 36); “tudo concorre, na sociedade atual, para impedir os homens de reflectirem, como se eles estivessem sob o domínio duma diabólica conjuração” (FREINET, 1969, p. 58); “o hábito de falar diante de crianças imóveis e nem sempre dóceis, a necessidade que temos de ensinar, mesmo apesar delas, disciplinas que estão longe de as apaixonar!” (FREINET, 1969, p. 87); “o adolescente, o homem, em breve não terão um só momento de encontro com o seu entendimento e a sua consciência; já não têm tempo para reflectir; não fazem mais que registrar, ver e ouvir...” (FREINET, 1969, p. 139);

    No conjunto, vocês praticam mais o adestramento do que a exaltação efetiva de certas possibilidades de ação original. Repare que ao pretender habituar os seus alunos a sofrer, a suportar, a enfrentar tarefas áridas para as quais não sentem nenhuma inclinação, não só não lhes reforça a vontade, como os impele para a passividade, para o desdobramento da sua personalidade, e, em definitivo, para uma temível incapacidade de agir. (FREINET, 1969, p. 137).

    Todavia, se coloca avesso à imobilidade: “não podemos ficar assim vencidos, perante o obstáculo” (FREINET, 1969, p. 21).

    “Ah! se, no seu ensino, os educadores soubessem enfim, também eles, perfurar e dissolver o verniz duma falsa cultura para atingir o fundo das verdades essenciais, deixar agir o seu poderoso fermento, e colocar humildemente a ciência ao serviço das suas revelações!” (FREINET, 1969, p. 54).

    Como funções da escola destaca a formação técnica e de cultura geral como fundamentais, necessárias e complementares uma da outra (FREINET, 1969, p. 145).

    A escola deve munir os seus alunos, com o máximo de eficácia, de método eficiente, mas salvaguardando entretanto, como veremos, os direitos da vida e da humanidade. (...) Dar os conhecimentos e a instrução técnica sem ter em conta essas considerações humanas seria faltar a todas as tradições da escola. Apegar-se pelo contrário a uma formação abstratas negligenciando essa iniciação, seria trair as esperanças que os homens depositam na escola de hoje e na escola do futuro. (FREINET, 1969, p. 118-119).

    Quanto aos professores: “devemos nós tentar construir no domínio da formação e do espírito, sem negligenciar nada daquilo que é, mas sem nos afastarmos no entanto dessa harmonia do conjunto que sentimos como uma necessidade vital” (FREINET, 1969, p. 100-101); “nos empenhamos nós, nas nossas escolas, em dirigir as nossas crianças no bom senso, mas não somos de modo nenhum os senhores exclusivos nem mesmo decisivos do seu destino” (FREINET, 1969, p. 76); é uma linha razoável de conduta “Escutar a voz do passado; penetrar-se dos seus ensinamentos para as tarefas futuras, progredir prudentemente, desconfiando das ilusões e das miragens” (FREINET, 1969, p. 80); “eu queria incitar-vos a não me acreditarem sem reflectir demoradamente sobre aquilo que digo, sem criticarem as minhas idéias, e a preocupar-vos sobretudo por encontrar vós próprios a estrada real pela qual podereis caminhar” (FREINET, 1969, p. 107).

    Na relação ensino e aprendizagem a primeira exigência são as pessoas, no caso, as crianças: “Já lhe indiquei as nossas exigências: crianças primeiro – técnicas de educação depois – e, finalmente educadores e meio” (FREINET, 1969, p. 161).

    Também, propõe a educação pelo trabalho, porque o compreende como essencial para as crianças, mais do que o jogo:

    fora da alimentação e do sono, a maior parte da vida da criança deve ser consagrada ao jogo. Raciocínio superficial que constitui um ponto de partida simplesmente deplorável. (...) Esse jogo, que é essencial, tanto ao jovem animal como ao jovem homem, é em definitivo, trabalho, mas trabalho de criança, cujo objetivo nós nem sempre apreendemos, que nós de modo nenhum reconhecemos porque ele é menos terra a terra, menos baixamente utilitário do que nós comumente o imaginamos. Para a criança, esse trabalho-jogo é uma espécie de explosão e de libertação, como ainda o sente, nos nossos dias, o homem que consegue entregar-se a uma tarefa profunda que o anima e o exalta. (FREINET, 1969, p. 178).

    “E ainda que, em certas circunstâncias, o homem haja pervertido o seu sentido do trabalho, será isso uma razão para continuar com as crianças numa via onde não encontraríamos mais que baixo materialismo, exploração e sofrimento?” (FREINET, 1969, p. 189).

    “Se pensarmos, pois, que a alegria do trabalho é essencialmente vital, e mais do que o jogo; se pensamos que é possível oferecer às crianças atividades que as interessem profundamente, que as empolguem e as mobilizem por completo, é nessa via que devemos embrenhar-nos” (FREINET, 1969, p. 190).

3.     Indivíduo, conhecimento, realidade e ensino e aprendizagem em Paulo Freire

    Indivíduo

    O autor tem a compreensão do homem e da mulher como seres históricos-sociais e inacabados “capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper (...) Só somos porque estamos sendo. Estar sendo é a condição, entre nós, para ser” (FREIRE, 2005, p. 33).

    Com “Natureza entendida como social e historicamente constituindo-se e não como um “a priori” da História” (FREIRE, 2005, p. 36).

    Como um ser num permanente movimento de busca, porque tem a consciência do mundo e a consciência de si como ser inacabado, inconcluso (FREIRE, 2005, p. 57).

    Como um ser condicionado mas não determinado: “porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir além dele. Esta é a diferença profunda entre ser condicionado e o ser determinado” (FREIRE, 2005, p. 53).

    Como um ser que não é apenas objeto da História mas seu sujeito igualmente (FREIRE, 2005, p. 77).

    Como um ser que está no mundo, com o mundo e com os outros e por isso a favor de algo e de alguém ou contra algo ou alguém, nunca de forma neutra (FREIRE, 2005, p. 77).

    Enfim, o autor diz um indivíduo que antes de ser educador – o que se pode expandir para o que quer que seja – é gente (FREIRE, 2005, p. 94).

    Conhecimento

    Para o autor, a “leitura do mundo” precede a “leitura da palavra” (FREIRE, 2005, p. 81), deste modo, esse atenta para o respeito do “saber de experiência feito” do educando (FREIRE, 2005, p. 29).

    Não se trata, então, apenas do conhecimento escolar, construído na escola. Trata-se também, de um “saber ingênuo” (FREIRE, 2005, p. 39).

    Se estivesse claro para nós que foi aprendendo que percebemos ser possível ensinar, teríamos entendido com facilidade a importância das experiências informais nas ruas, nas praças, no trabalho, nas salas de aula das escolas, nos pátios dos recreios, em que variados gestos de alunos, de pessoal administrativo, de pessoal docente se cruzam cheios de significação. (FREIRE, 2005, p. 44).

    “Por que não estabelecer uma “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? Por que não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade? A ética de classe embutida neste descaso?” (FREIRE, 2005, p. 30).

    Diz do conhecimento além dos conteúdos, o conhecimento para “pensar certo” (FREIRE, 2005, p. 26-27).

    E pensar certo, que supera o ingênuo (FREIRE, 2005, p. 39), é um ato comunicante, de entendimento co-participado (FREIRE, 2005, p. 37) que “Supõe a disponibilidade à revisão dos achados, reconhece não apenas a possibilidade de mudar de opção, de apreciação, mas o direito de fazê-lo” (FREIRE, 2005, p. 33-34).

    Realidade

    De acordo com o autor, o conhecimento do mundo se dá quando homens e mulheres, seres históricos, intervém nele (FREIRE, 2005, p. 28). “O suporte veio fazendo-se mundo e a vida, existência, na proporção que o corpo humano vira corpo consciente, captador, apreendedor, transformador, criador de beleza” (FREIRE, 2005, p. 51).

    A História “em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte” é vista como tempo de possibilidades e não de determinismo – “a minha passagem pelo mundo não é predeterminada, preestabelecida” (FREIRE, 2005, p. 53).

    Minha presença no mundo não se faz no isolamento, isenta da influência das forças sociais, não se compreende fora da tensão entre o que herdo geneticamente e o que herdo social, cultural e historicamente (FREIRE, 2005, p. 53).

    E o herdado, o que para o autor é uma imoralidade, é a sobreposição dos interesses do mercado aos “interesses radicalmente humanos” (FREIRE, 2005, p. 100).

    Nesta sobreposição, a ideologia tem a capacidade de penumbrar a realidade, de nos “miopizar”, de nos ensurdecer, de fazer-nos aceitar docilmente discursos fatalistas neoliberais, que proclamam, por exemplo, ser o desemprego no mundo uma desgraça do fim do século (FREIRE, 2005, p. 126).

    Ensino e Aprendizagem

    ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. (FREIRE, 2005, p. 23).

    Nesta relação, a importância do papel do educador se dá em não apenas ensinar os conteúdos mas também ensinar a pensar certo (FREIRE, 2005, p. 26-27) e “Si se respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral do educando” (FREIRE, 2005, p. 33).

    Uma das tarefas mais importantes da prática educativo-crítica é propiciar as condições em que os educandos em suas relações uns com os outros e todos com o professor ou a professora ensaiam a experiência profunda de assumir-se (...) como ser social e histórico como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. (FREIRE, 2005, p. 41).

    “Nenhuma formação docente verdadeira pode fazer-se alheada, de um lado, do exercício da criticidade que implica a promoção da curiosidade ingênua à curiosidade epistemológica, e de outro, sem o reconhecimento do valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição ou adivinhação” (FREIRE, 2005, p. 45).

    O autor também salienta, quanto à escola, que não é possível a esta, “se, na verdade engajada na formação de educandos educadores, alhear-se das condições sociais culturais, econômicas de seus alunos, de suas famílias, de seus vizinhos” (FREIRE, 2005, p. 63).

    Quanto ao educador e à educadora, cabe: a coerência para diminuir a distância entre o discurso e a prática (FREIRE, 2005, p. 65); se recusar a silenciar a liberdade dos educandos e rejeitar a sua supressão do processo de construção da boa disciplina (FREIRE, 2005, p. 93); se assumir como ser inacabado, inconcluso, passível de não saber, mas se preparar ao máximo para não ter que repetir seguidamente que não sabe (FREIRE, 2005, p. 97); perceber “cada vez melhor que, por não poder ser neutra, minha prática exige de mim uma definição. Uma tomada de posição. Decisão. Ruptura. Exige de mim que escolha entre isto e aquilo” (FREIRE, 2005, p. 102); não pensar que “a partir do curso que coordenam ou do seminário que lideram, podem transformar o país. Mas podem demonstrar que é possível mudar. E isto reforça nele ou nela a importância de sua tarefa político-pedagógica” (FREIRE, 2005, p. 112); saber escutar: “Somente quem escuta paciente e criticamente o outro, fala com ele, mesmo que, em certas condições, precise falar a ele. O que jamais faz quem aprende a escutar para poder falar com é falar impositivamente” (FREIRE, 2005, p. 113); usar os avanços tecnológicos, como a televisão mas, sobretudo, discuti-los (FREIRE, 2005, p. 139); ter uma atitude sempre aberta aos demais, aos dados da realidade assim como, uma desconfiança metódica para não se tornar absolutamente certo das certezas (FREIRE, 2005, p. 134); ter a consciência de que “É pensando criticamente a prática de hoje ou ontem que se pode melhorar a próxima prática” (FREIRE, 2005, p. 39);

    Sou professor a favor da decência contra o despudor, a favor da liberdade contra o autoritarismo, da autoridade contra a licenciosidade, da democracia contra a ditadura de direita ou de esquerda. Sou professor a favor da luta constante contra qualquer forma de discriminação, contra a dominação econômica dos indivíduos ou das classes sociais. Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura. Sou professor a favor da esperança que anima apesar de tudo. Sou professor contra o desengano que me consome e imobiliza. Sou professor a favor da boniteza de minha própria prática, boniteza que dela some se não cuido do saber que devo ensinar, se não brigo por este saber, se não luto pelas condições materiais necessárias sem as quais meu corpo, descuidado, corre o risco de se amofinar e de já não ser o testemunho que deve ser de lutador pertinaz, que cansa mas não desiste. Boniteza que se esvai de minha prática se, cheio de mim mesmo, arrogante e desdenhoso dos alunos, não canso de me admirar. (FREIRE, 2005, p. 103).

    “Ensinar e aprender têm que ver com o esforço metodicamente crítico do professor de desvelar a compreensão de algo e com o empenho igualmente crítico do aluno de ir entrando como sujeito em aprendizagem, no processo de desvelamento que o professor ou professora deve deflagrar” (FREIRE, 2005, p. 118-119).

    “No fundo, o essencial nas relações entre educador e educando, entre autoridade e liberdades, entre pais, mães, filhos e filhas é a reinvenção do ser humano no aprendizado de sua autonomia” (FREIRE, 2005, p. 94).

4.     Síntese de compreensões a partir dos autores Celestin Freinet e Paulo Freire

    Indivíduo

    O indivíduo é um ser que antes de ser algo, profissionalmente falando, é gente, sente e comporta-se segundo suas necessidades e privações.

    O homem e a mulher são seres históricos-sociais, complexos, capazes de comparar, de valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper, de “conquistar os cumes”. Não são um “a priori” da História, sujeitos inertes e passivos. Estão num permanente movimento de busca, porque têm a consciência do mundo e a consciência de si como seres inacabados, inconclusos.

    Conhecimento

    O conhecimento não é apenas o conhecimento escolar, construído na escola. O conhecimento também é o “saber ingênuo”/ “saber de experiência feito” / “intuitivo, subjetivo, sensível e vibrante”, porque a “leitura do mundo” precede a “leitura da palavra”.

    O conhecimento vai além dos conteúdos, implicando num conhecimento para “pensar certo”.

    O conhecimento é um ato comunicante, de entendimento co-participado.

    O conhecimento técnico/científico é relevante, porém, além de não ser imutável, não torna homens e mulheres melhores que outros.

    Realidade

    A realidade é de um mundo capitalista que sobrepõe os interesses do mercado aos “interesses radicalmente humanos” e estabelece, por exemplo, que enquanto uns devem deter o “chicote”, outros devem se inclinar a eles.

    A realidade é de um sistema que coloca tudo à sua disposição, ao seu uso.

    Porém, a passagem pelo mundo não é predeterminada, preestabelecida, é tempo de possibilidades e não de determinismo, porque o “homem” é “homem” com o mundo e não somente no mundo.

    Ensino e Aprendizagem

    Na relação ensino e aprendizagem a primeira exigência são as pessoas, depois vêm as técnicas.

    O ensino escolar é para a formação técnica, mas também para a formação para a vida, para a humanidade, reconhecendo-se o valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição ou adivinhação.

    Ensinar não é transferir conhecimentos, conteúdos. Os educadores não são, de modo algum, os senhores exclusivos do conhecimento. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. E na relação, a reflexão e a crítica (desconfiança) sobre as idéias são fundamentais para que não se acredite sem refletir, para que se seja sujeito do processo, favorecendo o aprendizado de sua autonomia.

    Ao educador e à educadora, cabe o favorecimento para que aprendizagem crítica ocorra, para isso o respeito aos educandos, considerando-os como, também, sujeitos do processo, é fundamental, assim como a adoção da postura de falar com o outro e não a ele.

    Porque engajada na formação de educandos, não é possível à escola alhear-se das condições sociais culturais, econômicas de seus alunos, de suas famílias, de seus vizinhos.

Referências

  • FREINET, Celestin. (1969): A educação pelo trabalho. Lisboa: Editorial Presença (1o Volume).

  • FREIRE, Paulo. (2005): Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 31. Ed. São Paulo: Paz e Terra.

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