Concepções de atividade física relacionada à saúde: o embate entre a visão biológica e crítica Concepciones sobre la actividad física relacionada con la salud: la disputa entre la concepción biológica y la crítica |
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*Mestranda em Ciências da Saúde pela UFG Graduada em Educação Física pela Universidade Estadual de Goiás, ESEFFEGO **Graduada em Educação Física pela Universidade Estadual de Goiás |
Thaís Inácio Rolim Póvoa* Andréia Guimarães de Siqueira Vieira** (Brasil) |
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Resumo O debate sobre a relação entre atividade física e saúde tem vigorado em duas vertentes: uma ligada ao viés biológico e outra a uma perspectiva crítica. A primeira apresenta uma relação de causa e efeito entre a prática de atividade física e os ganhos em saúde. A visão crítica enfoca a forma de organização desigual da sociedade e contesta o paradigma hegemônico predominante na visão biológica. Unitermos: Educação Física. Atividade física. Saúde |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 143 - Abril de 2010 |
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Introdução
O desenvolvimento dos países, sob a ótica econômica, tem sido crescentemente associado à necessidade de se melhorar as condições de vida da população para que haja concessões de financiamentos de organismos internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) para o funcionamento do atual sistema. Segundo Gentili (1998):
É importante destacar que o papel exercido pelo Banco Mundial e pelo FMI no planejamento e implementação das políticas sociais tem se caracterizado por duas tendências associadas: o instrumentalismo das propostas setoriais levadas a efeito e o condicionamento dos limites e do conteúdo que tais políticas podem ter no contexto do complexo processo de reestruturação promovido por tais organismos. O instrumentalismo se expressa na subordinação da política social à dinâmica mais ampla da lógica econômica, tendo, como objetivo central, tratar de dar apoio, respaldo e legitimidade aos programas de ajuste. As políticas sociais são assim pensadas como um componente indissolúvel dos processos de reestruturação econômica e planejadas a partir da ótica de um exacerbado reducionismo tecnocrático (p. 31).
O mesmo autor destaca ainda que, a rigor, as políticas sociais limitam-se à lógica custo-benefício, visando retorno dos investimentos. Esse aumento de políticas sociais, mesmo limitadas a amenizar os conflitos sociais, tem propiciado a ampliação de discussões sobre saúde, colocando em debate o conceito e as políticas de promoção de saúde.
Os organismos mundiais passam então a focar a saúde como uma prioridade e, por isso, fornecem diretrizes para a promoção da mesma, como explícito no discurso da 51ª Assembléia Mundial de Saúde (1998), que encorajou os estados- membros a “adotar uma abordagem baseada em evidência da eficácia para as práticas e políticas de promoção em saúde e a utilizar todas as metodologias quantitativas e qualitativas existentes” (OMS/1998, tradução livre citada por McQueen & Anderson, 2004, p 11).
Essas políticas públicas, em sua maioria, visam amenizar as ruins condições de saúde das pessoas sem, contudo, pretender modificar a organização social a que estão submetidas, originadas do processo produtivo. Este, por sua vez, “faz transbordar para os espaços de reprodução (a vida social propriamente dita) as diferentes posições do processo produtivo, o que se traduz em grandes diferenças nas condições de vida e no acesso aos direitos universais do ser humano que deveriam ser oferecidos com qualidade pelo Estado” (STEPANSK, 1999 apud PALMA, 2001, p. 27).
O conceito de saúde apresentado pela OMS, reformulado recentemente, de uma simples ausência de doença, que pode ser traduzido como puramente bem-estar físico, passa a configurar, “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade” (Organização Mundial da Saúde, 1984).
Carvalho (2001, p. 13), cita que “o conceito de saúde está historicamente associado ao de doença”. Logo, a ampliação do conceito inicial, sem, entretanto, desvinculá-lo da relação de causalidade entre saúde-doença, nos leva a inferir que ele continua centrado no viés biológico, no individual e não no coletivo, colocando à margem as condições sociais desiguais que geram doença. Sendo assim, cabe ao indivíduo alterar seus hábitos e estilos de vida para outros mais saudáveis e assim cessar a causa das doenças. Visão que, de acordo com Palma (2003), leva ao processo de culpabilização do indivíduo frente ao aparecimento de doenças, que em última instância poderiam ter sido evitadas.
Um conceito de saúde com um viés mais crítico e que leva em consideração o coletivo em suas relações históricas que influenciam a saúde é o de Minayo (1992). A autora nega a ideia determinista de saúde, centrada apenas no aspecto biológico.
De acordo com este conceito verdadeiramente amplo,
Saúde é o resultante das condições de alimentação, habitação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso aos serviços de saúde. É, assim, antes de tudo, o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida (p. 10, 1992).
As políticas de promoção de saúde são eficazes quando conduzem a mudanças nos determinantes da saúde. Estes por sua vez, tem relação com indicadores socioeconômicos como “o nível educacional, a distribuição da renda, nível de (des)emprego, condições sanitárias básicas, condições de moradia e alimentação, (in) disponibilidade de tempo livre, acesso aos serviços de saúde, entre outros” (BAGRICHEVSKY, et al, 2004, p.3). Dessa maneira, para que haja mudanças na situação da saúde da população deve haver mudanças no sistema como um todo.
Segundo os mesmos autores, o movimento de promoção de saúde fundamentado na Carta de Otawa em 1986 teve seu início marcado pela intervenção mínima do Estado e “coincidiu cronologicamente com o esfacelamento das políticas de saúde e bem-estar (wellfare state), face à queda dos regimes da socialdemocracia no continente europeu” (BAGRICHEVSKY, et al, 2004, p.8). Segundo eles:
O Estado, ao se isentar da responsabilidade de levar a cabo a criação das condições propícias ao desenvolvimento dos pilares fundamentais do movimento, dá claros indícios que a única opção que resta à população é a de modificação de seus próprios hábitos de vida. Cria-se, por assim dizer, uma postura fascista, pois as recomendações ‘oficiais’ adotadas impõem às pessoas, certos estilos de vida ‘desejáveis’ e condenam outros, considerados de risco, tais como, sedentarismo, tabagismo, obesidade, etc., que passam a ser estigmatizados. Esse é um momento marcante, que acaba por se converter num ‘imperialismo da saúde’, uma vez que se apodera de tudo que é, simbolicamente, considerado positivo da vida. Há uma dualidade intencional clara, carregada de moralismo: a adoção de ‘bons comportamentos’, pressupostamente, se traduziria na melhoria da saúde dos indivíduos, ao passo que as ‘condutas de risco’ levariam à sua minoração. (BAGRICHEVSKY et al, 2004, p. 8)
A intervenção na “promoção de saúde” ficara predominantemente a cargo da iniciativa privada, que utilizou ainda mais a atividade física, o exercício físico e o esporte em prol de seus interesses econômicos.
Atividade física e saúde
A pesquisa em saúde tem se apropriado dos benefícios biológicos que as atividades físicas promovem para servir de suporte a programas de promoção de saúde em massa. Sabendo que o conceito de saúde, bem como, o modo como ele tem se apropriado dos conhecimentos próprios da Educação Física que estão ligados a uma forma específica de ler a realidade, hegemônica ou com vistas à igualdade de direitos e acessos, torna-se fundamental que o profissional de Educação Física tenha clareza dos conceitos e nuances que norteiam sua intervenção.
Muitas vezes o conceito de atividade física é confundido com exercício físico e esporte e segundo o dicionário alemão de esporte Der Sport,
A palavra esporte origina-se do inglês sport, que originalmente significava passatempo/jogo. Este termo era uma abreviação de disport, (divertimento), o qual surgiu do termo francês desport, que tem sua raiz no latim popular deportare (se divertir). Na língua portuguesa são utilizados os termos esporte – originário do inglês, assim como desporto – originário do francês, como sinônimos. Segundo estes mesmos autores, esporte “é a coleção de denominações dada a todo movimento, jogo ou forma de competição expressa pelas atividades físicas do ser humano. (SCHULERDUDEN, 1987 apud BÖHME, 2003).
Assim, a simplista conceituação de que esporte é apenas a realização de exercícios físicos com a presença de regras universais caracteriza a não consideração de fatores mais amplos que permeiam o ser humano. O conceito de esporte não pode ser prático, a ele podem ser dadas várias interpretações, dependendo das condições ambientais e culturais de cada indivíduo.
Para Barbanti (1994) “o termo exercício físico refere-se a uma sequencia planejada de movimentos repetidos sistematicamente com o objetivo de elevar o rendimento”. E segundo Mcardle, Katch e Katch (2003) “o treinamento visa à consideração dos aspectos: sobrecarga, especificidade, diferenças individuais e reversibilidade”
É importante o domínio desses conceitos para analisar criticamente se a atividade física, tida como qualquer movimento que resulte em gasto energético (MCERDLE, KATCH, KATCH 2003), por si só possui a capacidade de promover verdadeiramente e de maneira ampla a saúde.
A relação entre atividade física e saúde tem suas bases numa perspectiva positivista e extremamente prática. A formação de profissionais de Educação Física merece análise nessa discussão, pois ela muito “sofreu” e ainda carrega traços de uma influência mecanicista e utilitarista.
No início da formação dos professores em Educação Física, o lema era “aprender a executar para poder ensinar” e, portanto, ofereciam-se muitas disciplinas práticas, particularmente vinculadas às modalidades esportivas tradicionais, nas quais os graduandos experimentavam uma grande variedade de movimentos com o objetivo de adquirir habilidades motoras específicas e de melhorar as então chamadas valências físicas. O professor deveria ser um modelo para seus alunos, não apenas na execução de movimentos para demonstrar, como também no que se refere a hábitos de saúde, higiene e asseio corporal. (MANOEL, p. 14-15, 1999).
A Educação Física esteve ao longo de sua história centrada no aspecto biológico e no contexto atual essa visão pode ser concebida como tradicional. Em oposição a esse movimento e à visão reducionista de saúde, vários autores da Educação Física têm promovido discussões críticas recentes sobre essa temática, como Fraga (2006), Bagrichevsky, Palma e Estevão (2003, 2006), Minayo e Coimbra (2005), os quais buscam investigar o que há por trás do discurso hegemônico e mascarador da realidade.
Metodologia
Trata-se de estudo de revisão da literatura sobre a relação entre atividade física e saúde, tendo como eixo de discussão duas visões: uma biológica ligada ao padrão hegemônico e outra apoiada numa perspectiva crítica.
Resultados e discussão
Com base nos estudos encontrados pôde-se verificar que há uma certa dificuldade na concepção da atividade física relacionada à saúde numa perspectiva crítica, com o predomínio de concepções ligadas ao paradigma hegemônico pautado na adoção da visão biológica. Segundo Rigo, Pardo e Silveira (2006) esta realidade se dá pela complexidade que permeia os sujeitos sociais, em virtude das relações de poder que se utilizam da ideologia da promoção da saúde para enfatizar que o mito de que a atividade física gera saúde seja considerado como uma verdade nos diversos meios sociais.
A caracterização do profissional de Educação Física como da área da saúde possui muitas divergências epistemológicas, não retratadas no presente trabalho, mas não se pode negar a crescente atuação dos mesmos nos diversos campos da saúde como hospitais, centros de reabilitação de doenças de caráter bio psico e sociais, com vistas à reabilitação, inclusão e reinserção de sujeitos na sociedade, dentre outros. Esta realidade intensifica a necessidade de uma compreensão crítica por estes profissionais quanto ao paradigma tratado neste estudo, já que a compreensão meramente biológica e restrita afeta também a população em geral que sofre influências das políticas públicas destinadas à saúde.
Considerações finais
Para a ruptura dessa ideologia da saúde relacionada a aspectos biológicos seria necessária a ruptura com o modelo socioeconômico capitalista, contudo, um passo inicial seria a valorização da saúde coletiva em prol de um bem comum. O rompimento com essa visão deturpada ocorrerá em longo prazo e por se tratar de discussões críticas recentes, pode-se chegar à conclusão de que a maioria das pessoas não tem acesso a elas, por estarem alienadas pela ideologia das políticas públicas dominantes.
São necessários mais investimentos e atitudes na formação crítica de professores de Educação Física quanto ao trato com a área da saúde, já que serão mediadores do conhecimento em seus locais de atuação profissional. Para tanto, é necessário rigor científico, uma educação crítica e a busca incessante pelo desvendamento epistemológico dos conceitos relacionados à saúde e suas vinculações com as relações histórico-sociais. Mas segundo Rigo, Pardo e Silveira (2006) não basta buscar apenas a essência dos conceitos, é preciso ir além, problematizar, “descobrir como os conceitos foram produzidos, onde estão inseridos, de que modo operam” (DELEUZE e GUATTARI, 1992 apud RIGO, PARDO e SILVEIRA 2006, p.58).
Para tanto, só resta o exercício do pensamento, da pesquisa e principalmente, a sede pelo desconhecido. Não basta agir como:
Quando alguém esconde alguma coisa atrás de um arbusto, vai procurá-la ali mesmo e a encontra, não há muito que gabar nesse procurar e encontrar da “verdade” no interior do distrito da razão (...) o pesquisador dessas verdades procura, no fundo, apenas a metamorfose do mundo em homem, luta por um entendimento do mundo como uma coisa à semelhança do homem e conquista, no melhor dos casos, o sentimento de uma assimilação.” (NIETZCHE, 1983 apud RIGO, PARDO e SILVEIRA 2006, p. 65).
É preciso ir além do que já é mostrado na realidade, é necessário buscar melhores condições de saúde ampla aos sujeitos sociais para que possam se beneficiar verdadeiramente das práticas corporais de maneira crítica e consciente.
Referências
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BAGRICHEVSKY, M; PALMA, A; ESTEVÃO, A. (orgs.). A saúde em debate na educação física. Blumenau (SC): Edibes, 2003.
_______ A saúde em debate na educação física-volume 2. Blumenau (SC): Nova letra, 2006.
BARBANTI, V.J. Dicionário de Educação Física e do Esporte. São Paulo. Editora: Manole Ltda. 1994.
BÖHME, M. T. S. Relações entre aptidão física, esporte e treinamento esportivo. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, v.11(3): p. 97-104, 2003.
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FRAGA, A. B. Exercício da informação: governo dos corpos no mercado da vida ativa. Campinas, SP: Autores associados, 2006.
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MACQUEEN, D.V; ANDERSON, L.M. 2004. Utiliser des données probantes pour évaluer l’efficacité de la promotion de la santé: quelques enjeux fondamentaux. In Promotion & Education, Efficacité de la promotion de la santé, p 11- 16, 2004.
MCARDLE, W.D; KATCH, F; KATCH, V. L. Fisiologia do Exercício: energia, nutrição e desempenho humano. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2003.
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PALMA, A. Educação Física, corpo e saúde: uma reflexão sobre “outros modos de olhar”. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v.22(2), p. 23-39, 2001.
RIGO, L; PARDO, E R; SILVEIRA, T. T. Fale consigo: aportes de um plano de imanência ética, estética e política dos conceitos no campo da saúde.Revista Brasileira de Ciências do Esporte, Campinas,v. 27(3), p. 57-71, 2006.
WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Health promotion: a discussion document of the concept and principles. Copenhagen: WHO, 1984.
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