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Os sentidos da beleza: discutindo as 

aparências do corpo na Educação Física

Los sentidos de la belleza: debate sobre las apariencias del cuerpo en la Educación Física

 

*Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação da

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Bolsista da CAPES

Grupo de Pesquisa Corpo e Cultura de Movimento

**Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Grupo de Pesquisa Corpo e Cultura de Movimento

Liege Monique Filgueiras da Silva*

Profª. Dra. Karenine de Oliveira Porpino**

silvaliege@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Falar em corpo e beleza parece algo bastante familiar à Educação Física. Compreendemos que a linguagem do corpo na área, possibilita sentidos e significados diversos sobre a aparência, a beleza e a estética, exigindo, portanto, à necessidade da crítica e a necessidade de interrogá-la para percebemos o modo como a Educação Física vem sendo ressignificada. Nesse sentido, buscamos refletir as relações entre Corpo, Beleza e Educação Física, apontando para alguns discursos advindos das práticas corporais que configuram esta área, tendo Foucault como principal interlocutor para nossas reflexões.

          Unitermos: Corpo. Beleza. Discursos. Educação Física

 

Resumen

          Hablar sobre el cuerpo y la belleza parece bastante familiar para la Educación Física. Entendemos que el lenguaje del cuerpo en el área, permite sentidos y significados diversos sobre la apariencia, la belleza y la estética, lo que exige la necesidad de la crítica y la necesidad de cuestionarla para darse cuenta acerca de cómo la Educación Física está siendo resignificada. En este sentido, intentamos reflexionar sobre la relación entre Cuerpo, Belleza y Educación Física, señalando algunos discursos provenientes de las prácticas corporales que conforman esta área, y Foucault como el principal interlocutor para nuestras reflexiones.

          Palabras - clave: Cuerpo. Belleza. Discursos. Educación Física

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 143 - Abril de 2010

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Introdução

    Falar em corpo e beleza parece algo bastante familiar à Educação Física. Observamos que socialmente ela está atrelada a ambientes que possibilitam intervenções na aparência corporal, como por exemplo, academias, spas e clínicas de estética. Do mesmo modo, uma representação de corpo é veiculada aos bons profissionais, ou seja, o corpo como uma espécie de “currículo”, ao relacionar boa forma à qualidade profissional.

    Aliado a esse pensamento que perpassa socialmente à área, o profissional de Educação Física muitas vezes, compactua, divulgando de forma acrítica a relação corpo e beleza, ao fundamentar e desenvolver suas ações pedagógicas apenas na perspectiva da estética enquanto padrão idealizado de corpo.

    Nesse sentido, compreendemos que a relação corpo e beleza acompanha à área, exigindo, portanto, a necessidade da crítica e a necessidade de interrogá-la para percebemos o modo como a Educação Física vem sendo ressignificada. Assim, perceber criticamente os padrões de beleza pode contribuir para desmistificá-los e abrir possibilidades para além de suas idealizações, pois são as reflexões críticas que nos permitem romper com as condições petrificadas ideologicamente (GONÇALVEZ, 1994).

    A Educação Física enquanto área que lida diretamente com o corpo, a partir do diálogo entre diversas áreas de conhecimento, carece de indagações e reflexões sobre os modelos vigentes de corpo e da forma pela qual, a beleza é compreendida e discutida.

    De acordo com Nóbrega (2003) falar do corpo é falar de um espaço multidisciplinar, porque se pode falar dele a partir de muitas perspectivas, determinismos e condicionantes biológicos, históricos, culturais e estéticos.

    Compreendemos que, embora a discussão em torno do corpo e da beleza nos pareça corriqueira e comum na atualidade, parece encontrar no âmbito da Educação Física, através de suas imagens, um espaço privilegiado para debater as suas concepções e os discursos normatizadores que os cercam. Potencialmente, a área produz e divulga conhecimentos sobre o corpo por meio de uma diversidade de manifestações como, o esporte, os jogos, a dança, as lutas e a ginástica. O que nos faz acreditar que a Educação Física, possa se constituir pela pluralidade de conhecimento, atravessada por diversos saberes e práticas, devendo estar aberta ao diálogo com diferentes tipos de conhecimentos, a partir do corpo e da cultura de movimento (MENDES, 2002).

    Surgida com base nas ciências médicas e instituições militares, a Educação Física inicialmente absorveu a racionalidade científica e a objetivação em sua concepção de corpo. Embora a partir da década de 80, outros referenciais, das Ciências Humanas e Ciências Sociais, tenham possibilitado outras compreensões de corpo, não como instrumento ou objeto, mas como corpo-sujeito, síntese da nossa presença no mundo (NÓBREGA, 2005, p. 52).

    Desse modo, a linguagem do corpo na área, possibilita sentidos e significados diversos sobre a aparência, a beleza e a estética, advindos desses referencias. Formas diversas de perceber o corpo, que permite evidenciar diferentes horizontes para sua compreensão a partir da noção de beleza e de estética.

    Temos percebido que os investimentos sobre o corpo, através de inúmeros métodos e técnicas de transformação corporal, têm levado muitos indivíduos a se enquadrarem ao padrão estético divulgado e difundido pela sociedade como único modelo de beleza, que desconsidera os contextos biológicos, étnicos, sociais, culturais e históricos dos indivíduos.

    Desse modo, as linhas que se seguem, buscam refletir as relações entre Corpo, Beleza e Educação Física, apontando para alguns discursos advindos das práticas corporais que configuram esta área.

    Inicialmente, ressaltaremos a experiência da beleza em sua relação com o corpo, considerando três discursos presentes na Educação Física os quais identificaremos como o discurso do corpo harmonioso, o discurso do corpo magro e o discurso do corpo sarado. Posteriormente, apresentaremos algumas reflexões a partir de diferentes enfoques e sentidos para as questões relativas ao corpo e a beleza, tendo em Foucault o principal interlocutor.

O discurso do corpo harmonioso

    Com um olhar atento ao longo da história da Educação Física, podemos perceber que formas diversas de concepção acerca do corpo, foram sendo construídas, inicialmente relacionada ao Movimento Ginástico Europeu. Esse movimento de origem nas relações cotidianas de festas populares, espetáculos de circo e de rua, de exercícios militares e outros passatempos da aristocracia, configura-se de um modo geral, a princípios de ordem, disciplina e estética (SOARES, 2002a).

    Ainda segundo a autora citada, das práticas criativas e lúdicas, configuradas pelo lazer e entretenimento, extrai-se aquilo que poderia servir aos princípios de uma atividade, uma possibilidade de educação, baseada em pressupostos científicos, técnicos e políticos, restringindo o corpo aos aspectos utilitários e educativos.

    Nesse sentido, podemos compreender que a ginástica se afirma como parte da educação dos indivíduos, mas especificamente, uma educação do corpo, pautados pelos aspectos do controle, da robustez, da disciplina, do alinhamento e da higiene, moldados e adequados do ponto de vista médico, ortopédico e estético (SOARES, 2002a). De um modo geral, disseminava-se a idéia de modelagem e estética do corpo, onde todos deveriam se adequar ao modelo e padrão instituído como ideal na sociedade.

    Nesse contexto, os exercícios físicos atrelados a beleza aparecem por meio dos treinamentos, dos aparelhos ortopédicos e do uso de espartilhos, estando vinculados a Educação Física a bastante tempo, como nos afirma PORPINO (2003):

    As preocupações com a formação estética e com a beleza estão explicitamente vinculadas ao corpo e aos gestos técnicos que esse corpo realiza nas práticas ginásticas, esportivas, dentre as outras que compõe o arsenal da Educação Física a bastante tempo, desde o Movimento Ginástico Europeu no século XIX, e de forma mais significativa no Movimento Ginástico Francês explicitadas nas obras de Amoros e Demeny.

    A partir disto, podemos compreender que historicamente a Educação Física traz consigo concepções de corpo pautadas pela formação estética e idéias de beleza atreladas às práticas corporais, traduzidos em corpos retos, esguios, esbeltos e atléticos. Uma concepção clássica de beleza que se impõe como modelo no mundo grego através do deus Apolo e ganha força nas artes com o Renascimento.

    A relação entre corpo, beleza e exercício físico presente no movimento ginástico francês estava associada a uma educação do gesto e harmonia dos movimentos, como afirma Soares (2002a, p.111) a harmonia traz a beleza. Um movimento não é belo se não é correto, preciso ou bem definido.

    De acordo com a autora supracitada, a beleza aparece na obra de Demeny como conseqüência de uma dada disciplina, onde o exercício físico possui um lugar privilegiado, devendo ser belo, e expressar a harmonia geral do corpo.

    Dessa forma, o corpo para ser considerado belo deve estar ligado aos exercícios realizados de maneira harmoniosa e corretos. O belo nessa concepção se configura a partir da prática de exercícios físicos, ou seja, uma educação do gesto implícito nas formas a serem obtidas através dos exercícios físicos executados corretamente (PORPINO, 2003, p. 149).

    Estando a beleza atrelada aos exercícios físicos no contexto da Educação Física, a partir dos Movimentos Ginásticos, compreendê-la a partir do discurso do corpo magro tão evidente em nossa sociedade, se faz significativo para entendermos os múltiplos sentidos que a Educação Física pode configurar para uma vivência estética do modelo esbelto e esguio, atrelados ao ideal de beleza.

O discurso do corpo magro

    Moda, alimentação, fitness, cosméticos, medicamentos e cirurgias plásticas, são possibilidades de investimentos no corpo, aliadas á prática de atividade física que estrutura-se hoje, principalmente entre as mulheres, uma representação de corpo magro.

    Notadamente, a busca pela estética corporal associada aos desejos em ter corpo magro, em muitos casos, pode levar a diversos transtornos psicológicos, como por exemplo, anorexia e bulimia, mais característicos no contexto feminino. Esse ideal de beleza, no entanto, faz parte de uma minoria geneticamente favorecida.

    Silva (2001) apresenta dados que confirmam que os transtornos alimentares referem-se em grande parte às mulheres, atrelados ao padrão estético de beleza. Nesse sentido, muitos são os sentidos que estão por trás da questão da magreza, em se tratando de mulheres, dentre eles, a reconstrução simbólica do papel da mulher no mundo, numa cultura dominada ainda pelo patriarcado, sendo:

    A magreza uma promessa de superação da feminilidade doméstica e um caminho para se afirmar no mundo público, dada a admiração que ela provoca, inclusive como resultado da vontade, autonomia e rigor necessários à chegada nessa expectativa de corpo (SILVA, 2001, p. 59).

    Nesse sentido, a disseminação do corpo belo, é baseada no corpo magro, de modo que, em sua maioria, a relação do corpo com as práticas corporais perpassam pela preocupação com o peso corporal, fundados a partir da expectativa que lhes são colocadas, a partir dos estudos de Bordo apud Silva (2001, p.59) na obtenção de um corpo ideal:

    Todas as atitudes que se esperam dos indivíduos na transformação das suas dimensões corporais, através das dietas e exercícios intensos, são pautadas por cobranças de comportamento que demonstrem a capacidade de autodeterminação e força de vontade, metáforas culturais de uma expectativa normalizante de corpo.

    Dessa maneira, podemos compreender que o cuidado com o corpo, estar pautado por discursos normatizadores, que estabelecem modelos, formas e comportamentos idéias para o corpo, mais especificamente, o corpo belo.

    A Educação Física como área relacionada às práticas corporais, é vista como uma atividade formadora dos corpos quer no sentido da saúde, quer com o objetivo estético. Nesse sentido, utiliza-se na área, conhecimentos advindo das áreas biológicas, sobretudo, com o uso de tabelas e instrumentos, com o intuito de padronizar e indicar medidas ideais para o corpo, a partir do peso e da estatura dos indivíduos, gerando frustração naqueles que não se enquadram no modelo, uma vez que, o corpo não pode ser aceito a não ser que seja conforme aos modelos culturais e sociais (MARZANO-PARISOLI, 2004, p. 19).

    No entanto, os discursos da beleza, a partir de um corpo magro, dito “ideal”, pode ser transformado em inadequado, feio ou fora dos padrões estéticos de beleza a partir das contínuas mudanças de tendências em uma cultura ou sociedade. Sendo evidente que os modelos de beleza em evidência divergem em épocas distintas pelas necessidades humanas (PORPINO, 2003).

    Stenzel (2003) e Kemp (2005) afirmam que o conceito de beleza não é universal, nem estático, ele varia em uma mesma sociedade ao longo do tempo. À medida que o tempo passa, ele muda e vai sendo mudado e o que era considerado bonito no passado, já não é visto da mesma forma nos dias atuais.

    Nesse sentido, se observamos, por exemplo, do século XIX para o século XX no ocidente, podemos perceber que as silhuetas e os critérios de beleza corporal mudaram. Enquanto no século XIX eram as morenas robustas e gordas que inspiravam os suspiros dos poetas, no século XX, a obesidade começa a torna-se um critério determinante de feiúra, exigindo corpos leves, ágeis e rápidos (DEL PRIORE, 2004).

    Vivemos em tempos em que o corpo deve ser completamente magro, compacto, firme, enxuto, recheado por formas metrificadas, com musculatura definida, jovem e sem marcas. Para tanto, vale ser cortado, emendado, mudado, bombado, enxertado, siliconizado, transformado, disciplinado e educado, objetivando um corpo “perfeito” a ser exibido.

    Sendo assim, da idéia predominante de um corpo magro como símbolo de beleza, passa-se para uma concepção de corpo que além de magro, deve ser “sarado”, enxuto, livre de gorduras e muscularmente definido. Este novo modelo, entretanto, não implica o abandono dos discursos anteriores, mas, sim, uma concepção de corpo atlético.

O discurso do corpo sarado

     Solange Frazão, Sheila Carvalho, “a feiticeira”, “mulher samambaia”, Arnold Schwartzenegger, Jean Claude Van Damme, Vitor Belfort, entre outros homens e mulheres, são exemplos de corpos musculosos, enxutos e quase sem gorduras, que atrelados à alimentação rica em proteínas e carboidratos, suplementação, tratamentos estéticos e prática de musculação, evocam para sociedade a imagem do corpo belo e saudável.

    Nesse sentido, desde as imagens publicitárias até as novelas e filmes, somos cercados por uma concepção de beleza, que nos remete de uma forma ou de outra, a uma representação de um corpo perfeito, atlético, “sarado” e sem gorduras, por isso a gordura deve ser sempre queimada, a barriga eliminada, o tônus muscular recuperado e a flacidez corrigida (PARISOLLI, 2004, p. 31).

    Podemos perceber que o ideal contemporâneo é o ideal de um corpo completamente enxuto, compacto, firme, jovem e musculoso. Ser magro, esbelto, não basta, a flacidez, a gordura e as imperfeições devem ser corrigidas e eliminadas, pois a carne não deve mexer-se e o corpo deve ser firme, harmonioso e sem a presença das marcas do tempo. De acordo com a autora citada o corpo musculoso e tonificado é o sinal mais evidente de um comportamento correto, em compensação o corpo gordo e sem músculos é julgado com desprezo, pois indica falta de cuidado (IDEM, 2004).

    Socialmente o corpo musculoso e tonificado confere não apenas atributos físicos, mas está associado ao cuidado intenso com o corpo, sucesso profissional e sentimental, símbolo de virilidade masculina e sinônimo de ostentação feminina. Para tanto, Silva (2001) clarifica que o cuidado com o corpo transformou-se numa ditadura do corpo, valendo se utilizar de todos os aparatos científicos e tecnológicos que o mercado dispõe para que, de fato, as pessoas possam se enquadrar no modelo dito ideal. Nesse sentido, na busca pela musculatura firme e definida, características que configuram a beleza do corpo atlético, o uso indevido de suplementos alimentares, medicamentos e anabolizantes, objetivando aumento e definição muscular em curto prazo reflete a maneira drástica como os homens vêm lidando com o próprio corpo, na promessa de possuir um corpo belo.

    Sendo assim, a atividade física torna-se um investimento auxiliar diante dos diversos meios que possibilitam manter o corpo atlético, onde os medicamentos e anabolizantes são utilizados como principal meio de alcance e definição muscular. Segundo Soares (2002b) os anabolizantes deixam os consultórios médicos e conquistam adeptos interessados em obter musculatura de forma imediata, não importando os riscos decorrentes de seu uso indiscriminado, desde que se conquiste o corpo idealizado.

    Nesse sentido, compreendemos que na busca excessiva pelo corpo jovem, tonificado, sem imperfeições, sem gorduras e atlético, potencialmente arquitetado e construído pelo próprio homem, parece surgir uma nova forma de dualismo. No entanto, não mais o dualismo que opõe a alma ao corpo, mais sutilmente aquele que opõe o homem ao corpo, no sentido em que, diante das inúmeras possibilidades de intervenção corporal, se modificando a aparência, o próprio homem é modificado (LÊ BRETON, 2007).

    Para tanto, como podemos evidenciar a harmonia dos movimentos, a magreza e os músculos conferem um modelo de corpo ideal. Corpo simétrico, esbelto e musculoso, construídos e difundidos socialmente como símbolo de beleza e como tal, sinônimo de desejo de muitos.

Últimos discursos

    As discussões ressaltando o interesse, a busca e os investimentos de homens e mulheres por um corpo bonito, magro, saudável e atlético, é uma questão que cotidianamente pode ser percebida através dos mais diferentes discursos presentes na sociedade, como por exemplo, revistas, jornais, programas de televisão, rádio, cinema, internet, academias, clubes, dentre outros.

    Entendemos que os discursos e as representações publicadas de um padrão corporal a ser seguido, constroem um sentido e vendem uma imagem determinada sobre a beleza. Sendo esse discurso, por vezes, ao adentrar em nosso cotidiano, construidor de determinadas verdades.

    Em A ordem do Discurso (1996), Michel Foucault lembra essa questão e diz que a produção do discurso é controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certos procedimentos, que se desloca constantemente, construindo verdades. Para o autor, o discurso é fruto das relações entre as interdições e a apropriação social das falas:

    [..] é muito abstrato separar [..] os rituais das palavras, as sociedades de discurso, os grupos doutrinários e as apropriações sociais. A maior parte do tempo, eles se ligam uns nos outros e constituem espécies de edifícios que garantem a distribuição dos sujeitos que falam nos diferentes tipos de discurso e a apropriação dos discursos por certas categorias de sujeitos (FOCAULT, 1996, p. 44).

    Nesse sentido, o corpo e a beleza estão presentes em nosso cotidiano, construídos, moldados e marcados pelo contexto de vida dos indivíduos, onde as trocas e escolhas pessoais são constantes, ou seja, construímos nosso próprio modelo de beleza, mas não há como negar que somos bastante influenciados nesse processo, pelos discursos que nos cercam. Entretanto, é preciso refleti-los, buscando lembrar que não falamos simplesmente de objetos, mas de corpos, de sujeitos, que tem escolhas, sentidos e desejos, por vezes, diferentes.

    Dialogando com Foucault (1998), ao falar sobre a sexualidade, o discurso que se fala e se cala na vontade de saber sobre o sexo, podemos tomar como referência o corpo e a beleza, que tal como o sexo perpassam sobre discursos de poderes. Quanto a isso, ele afirma que, os discursos [...] nem são submetidos de uma vez por todas ao poder, nem opostos a ele [...] o discurso veicula e produz poder; reforça-o mas também o mina, expõe, debilita e permite barrá-lo. (FOUCAULT, 1998, p. 111-112).

    Dessa forma, compreendemos que as concepções de corpo e de beleza aqui explicitados estão pautadas em relações de poder, pois os discursos que enxertam e constroem esse entendimento, estão ligados às relações históricas e culturais de uma sociedade, em outras palavras, em qualquer sociedade o corpo está preso no interior de poderes muito apertados, que lhe impõe limitações, proibições ou obrigações (FOUCAULT, 1987, p. 118).

    Portanto, compreender os discursos acerca do corpo e da beleza, seria compreender as relações históricas, as práticas sociais e corporais que envolvem os seus discursos, haja vista, essas relações produzem um campo de saberes na sociedade ao intervir nos discursos das pessoas.

    Sendo assim, ressaltamos o discurso como uma construção social, não individual, e que só pode ser analisado considerando seu contexto histórico-social, uma vez que, reflete uma visão determinada, necessariamente, aos autores e à sociedade em que vivem. São, portanto, carregados de sentidos que não sabemos como se constituíram, mas que estão amarrados em significados e histórias individuais e coletivas, como afirma Fischer (2001) amarrada às dinâmicas de poder e saber de um tempo.

    Portanto, no corpo que se manipula, se modela, se treina, que obedece, responde, se torna hábil ou cujas forças se multiplicam, encontra-se facilmente sinais do alvo de poder. Um poder que não é unilateral. O corpo dócil, como denomina Foucault (1987), que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado, modificado e aperfeiçoado, também pode exercer o poder e produzir saberes diversos.

    Cabe assim, refletirmos quais os discursos da beleza que permeiam a Educação Física, para vivenciar a experiência da beleza como uma vivência em que os sujeitos estão atados a sua história, seu contexto social e suas predileções pessoais (PORPINO, 2003).

    Essa experiência deve transcender os modelos ditos “ideais” para serem tomados e ancorados pelo deslumbramento e sensibilidade que os nossos olhos podem contemplar. Compreendemos aqui a partir de Nóbrega (2003, p.139) uma descrição fenomenológica de beleza, onde outros sentidos são considerados para além do modelo clássico de beleza:

    O belo não é uma idéia ou modelo, precisa ser experimentado, vivido, solicitando assim, a sensibilidade, como convite a contemplação. Na descrição fenomenológica, o belo não é uma forma idealizada ou uma redução ao gosto exclusivo do sujeito, mas uma articulação que acontece na percepção como interpretação dos sentidos proporcionados pelos jogos expressivos do corpo.

    Dessa maneira, corpo e beleza como campos de reflexões, discursos e intervenções sociais, possuem múltiplos significados que variam ao longo do tempo, fazendo com que um indivíduo nunca seja considerado totalmente belo, ou seja, belo em absoluto, mas de forma relativa, já que esse conceito varia ao longo do tempo e das culturas. Isso ocorre, porque as culturas abarcam as dinâmicas, rupturas e conflitos de geração, de modo que, não apenas a concepção, mas o próprio “gênero” de beleza é modificado (VIGARELO, 2006).

    É possível perceber que essas transformações temporais e coletivas, constituem as concepções de beleza dos indivíduos. Logo, os discursos a cerca da beleza, não podem ser reduzidos a contemplar e divulgar um único modelo, já que são múltiplas as interpretações da beleza criadas na história que podem ser revividas e resignificadas (VIGARELO, 2006, p. 157).

    Nesse contexto, consideramos a experiência estética baseada em Porpino (2003) como uma possibilidade sensível em perceber a beleza para além dos modelos ou das informações contidas no objeto. A beleza na relação de imanência entre o sujeito e o objeto e na troca recíproca entre os mesmos, onde a vivência estética é capaz de fomentar novas interpretações para a beleza, advindas de experiências já realizadas.

    Considerando a experiência da beleza e sua relação com o corpo, a partir da experiência estética, perceberemos que o conceito clássico de beleza, representado pelo deus grego Apolo, pautado pela simetria e harmonia das formas, não é o único, nem o suficiente para abarcar todas as possibilidades do estético, podendo ser considerado apenas um conceito, dentre tantos outros na contemporaneidade (PORPINO, 2003).

    Para tanto, compreendemos que o corpo não é um objeto obrigado a se enquadrar em padrões de beleza, pois se olharmos as diferentes culturas, ou mesmo uma mesma cultura em diferentes épocas, iremos perceber que o ideal de beleza não deve ser único, pois o corpo e o belo se modificam, são (re) criados. O corpo como nos esclarece Baitello Junior (2001) é construído de histórias e de sonhos, emerge de várias maneiras, se desdobrando em múltiplas linguagens simultâneas, capaz de expressar uma sinfonia de mensagens a todo momento.

    Desse modo, o corpo e a beleza como campos de reflexões e intervenções sociais, possuem múltiplos significados frente aos valores que permeiam a sociedade e às constantes mudanças nos modelos ditos belo. Nessa perspectiva, compreender essas nuances constitui um desafio à Educação Física, para quem sabe, outras interpretações de beleza sejam criadas, revividas e resignificadas.

Referências

  • BAITELLO JUNIOR, Norval Junior. O Corpo e suas linguagens. I Colóquio Brasileiro sobre Corpo/consciência. [Texto mimeografado]. Natal, Novembro, 2001.

  • DEL PRIORE, Mary. Corpo a corpo com as mulheres: as transformações do corpo feminino no Brasil. In: STREY, I. N.; CABEDA, S. T. L. (Orgs.). Corpos e subjetividade em exercício interdisciplinar. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. p. 255- 266.

  • FISCHER, Rosa Maria Bueno. Foucault a análise do discurso em Educação. Cadernos de Pesquisa, n. 114, p. 197-223, nov, 2001.

  • FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Tradução Raquel Ramalhete. 31. ed. Petrópolis: Vozes, 1987.

  • ______. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyda, 1996.

  • ______. História da sexualidade I. A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1998.

  • GONÇALVES, Maria Augusta Salin. Sentir, pensar, agir: Corporeidade e educação. Campinas, SP: Papirus, 1994.

  • KEMP, Kênia. Corpo Modificado: Corpo livre?. São Paulo: Paulus, 2005.

  • LE BRETON, David. A sociologia do corpo. 2. ed. Tradução Sonia M.S. Fuhrmann. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.

  • MARZANO-PARISOLI, Maria Michela. Pensar o Corpo. Tradução Lúcia M. Endlich Orth. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.

  • MENDES, Maria Isabel Brandão de Souza. Corpo e Cultura de Movimento: Cenários epistêmicos e Educativos. Natal, 2002. Dissertação (Mestrado em Educação) – PPGEd, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2002.

  • NÓBREGA, Terezinha Petrucia da. Corpo de tango: reflexões sobre gestos e cultura de movimento. In: LUCENA, Ricardo; SOUZA, Edílson (Org.). Educação Física, esporte e sociedade. João Pessoa: UFPB, 2003.

  • ______. Corporeidade e Educação Física – do corpo objeto ao corpo sujeito. 2 ed. Natal: EDUFRN, 2005.

  • PORPINO, Karenine de Oliveira. Interfaces entre Corpo e Estética: (re)desenhando paisagens epistemológicas e pedagógicas na Educação Física. In: LUCENA, Ricardo; SOUZA, Edílson (Org.). Educação Física, esporte e sociedade. João Pessoa: UFPB, 2003. p. 145-160.

  • SILVA, Ana Márcia. Corpo, Ciência e Mercado: reflexões a cerca da gestação de um novo tipo arquétipo da felicidade. Campinas, São Paulo: Editores Associados: Florianópolis: Editora da UFSC, 2001.

  • STENZEL, Lúcia Marques. Obesidade: o peso da exclusão. 2. ed.Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.

  • SOARES, Carmen Lúcia. Imagens da educação no corpo: estudo a partir da ginástica francesa no século XXI. Campinas, SP: Autores associados, 2002a.

  • ______. Corpo, prazer e movimento. São Paulo: SESC, 2002b.

  • VIGARELLO, Georges. A história da beleza: tradução Léo Schlafman. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

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