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A prática deliberada e o treinamento de crianças e jovens

La práctica deliberada y la formación de niños y jóvenes

 

*Mestre em Ciências do Desporto

Departamento de Educação Física

Universidade Estadual do Centro-Oeste (Brasil)

**Doutora em ciências do Desporto

Faculdade de Desporto – Universidade do Porto

(Portugal)

Michel Milistetd*

António Evanhoé Pereira de Sousa Sobrinho*

Isabel Mesquita**

micheldeduf@gmail.com

 

 

 

Resumo

          O desenvolvimento de um atleta no esporte depende de inúmeros fatores biológicos, psíquicos e sociais que se relacionam com uma estrutura formação desportiva a longo prazo. O alcance do expertise, ou seja, a obtenção de altos níveis de performance atlética, depende de milhares de horas despendidas de prática regular, de maneira intencional e com objetivos delineados que pode ser definida como “prática deliberada”. Este estudo de revisão apresenta termos, definições e características de formação de atletas ao longo dos anos, buscando uma estrutura de prática regular que tenha meios e métodos de treinamento que respeitem o crescimento, o desenvolvimento e a integridade de crianças e jovens envolvidos em programas esportivos.

          Unitermos: Prática deliberada. Treinamento. Crianças e jovens

 

Abstract

          The sport development of an athlete depends on numerous biological, psychological and social problems related to a training sport in the long term. The achievement of expertise, ie, obtaining high levels of athletic performance, depends on thousands of hours spent in regular intentionally practice and with goals outlined that can be defined as "deliberate practice." This review provides terms, definitions and characteristics concerning the athlete development over the years, to try to obtain an structure of regular practice wich contain methods of training concerned about the growth, development and integrity of children and youth in sports programs.

          Keywords: Deliberate practice. Training. Children and young

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 15 - Nº 143 - Abril de 2010

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    A cada ano, milhões de crianças iniciam a sua participação em programas de aprendizagem nas mais diversas áreas de conhecimento. Muitos pais e professores investem recursos, conhecimento e tempo para que estes jovens desenvolvam suas habilidades necessárias e alcancem o êxito na área escolhida (Da Matta, 2004). No entanto, apenas uma pequena parcela destas crianças, que se empenham em muitos anos de prática, chegam de forma concreta a desenvolver e atingir o “expertise” (Ericsson, Krampe e Tesch-Homer, 1993), o que, segundo Baker e Horton (2004) pode ser definido como altos níveis de performance ou mesmo uma performance de elite.

    Nossa civilização tem sempre reconhecido que indivíduos excepcionais, os quais têm suas performances em diversas áreas como o esporte, as artes e as ciências, são vastamente superiores ao resto da população. Especulações sobre as causas destas tais habilidades e performances extraordinárias são tão antigas quanto os primeiros registros da sua existência (Ericsson, Krampe e Tesch-Homer, 1993).

    Particularmente no desporto, o desenvolvimento do expertise é o resultado da interação entre os componentes biológicos, psíquicos e sociais do ser humano (Singer e Janelle, 1999). De outra maneira, é explicado pelos fatores genéticos do indivíduo, aliados aos fatores ambientais, nos quais ele está inserido, para que haja um desenvolvimento ótimo e atinja total domínio de suas habilidades desportivas (Ericsson, Krampe e Tesch-Homer, 1993; Cotê, 1999; Baker et al., 2003a; Da Matta, 2004; Bailey e Morley, 2006).

    Janelle e Hillman (2003) e Williams e Hodge (2005), explicam que os pontos cruciais para o desenvolvimento do expertise são: os fatores hereditários que provavelmente tem um papel em moldar as respostas de um indivíduo para prática e treino em conjunto com as habilidades, que são altamente modificáveis e adaptáveis ao treino, além disso todo jogador precisará praticar e treinar durante muitas horas para desenvolver e refinar estas habilidades.

    Simon e Chase (1973 apud Baker et al., 2003b), tentando encontrar as diferenças entre jogadores “experts (Grandmaster chess player)” e não-experts (master and novice chess players)”, foram os primeiros autores na área desportiva a enfatizar a quantidade de tempo despendida na prática para atingir a excelência no xadrez. A sua pesquisa ficou conhecida como a “regra de 10 anos”. A partir de seus resultados, os autores sugeriram que a diferença entre os indivíduos na performance desportiva pode ser explicada pela qualidade e quantidade do treino. Precisamente, não houve diferenças significativas entre experts e não-experts nas capacidades físicas como acuidade visual, velocidade de reação ou memória. Entretanto houve diferenças significativas no domínio específico do jogo, processamento de informação e raciocínio tático, sugerindo desta forma que estas diferenças eram atribuídas a partir do treino e da experiência adquiridas ao longo do tempo.

    Em outro estudo, agora buscando encontrar a trajetória de carreira até atingir a expertise, Bloom (1985) através de entrevistas retrospectivas, analisou 120 indivíduos de grande êxito em suas áreas, dentre eles, atletas olímpicos de natação, jogadores de tênis de nível internacional, escultores, pianistas mundialmente reconhecidos e pesquisadores nas áreas da matemática e da neurologia. Fizeram parte do estudo também pais, treinadores e professores, para maior detalhamento dos caminhos percorridos pelos participantes do estudo. As entrevistas buscaram descrever a trajetória dos sujeitos em seus respectivos campos de conhecimento, modelos e formas de treino e prática, o papel e a influência da família, de professores e de treinadores durante suas carreiras.

    A partir dos resultados, Bloom (1985) identificou 3 estágios de desenvolvimento da expertise ao longo dos anos. O primeiro deles é chamado “play and romance”, em que é um período de experimentação de várias práticas sem compromisso num domínio, em que a principal intenção é o divertimento, a alegria e o gosto pela prática desportiva. Este período é compreendido entre os 5 e os 12 anos e os pais são os principais incentivadores. O segundo estágio é denominado pelo autor por “refinement and precision”, aonde acontece o comprometimento e investimento por uma única prática ou modalidade desportiva e treinadores e professores aparecem com grande importância. A idade compreendida entre os 12 anos até ao final da adolescência, em que há grande dedicação esforço, no sentido da melhoria e da especialização de suas habilidades. O último estágio denominado “individualization” é marcado como uma fase da perfeição onde há um desempenho máximo para atingir os mais altos níveis de suas habilidades, total comprometimento pela atividade chegando a gastar em média 25 horas semanais de prática específica. Desta maneira o autor, descreve diferentes períodos de aquisição de conhecimento e experiência até atingir o grau de excelência da atividade.

    Com o mesmo objetivo de Bloom (1985), Ericsson, Krampe e Tesch-Homer (1993) desenvolveram um estudo em que comprovaram que a experiência adquirida é a principal condição para alcançar o sucesso. Estudando a carreira de músicos, violinistas e pianistas, os autores encontraram que além da relação entre o nível de performance alcançado e a quantidade de tempo despendido na prática regular, a prática deve ser dirigida de maneira intencional e com objetivos delineados no intuito de alcançar altos níveis de performance, denominada desta forma de “prática deliberada”.

    Assim Ericsson, Krampe e Tesch-Homer (1993) a partir deste estudo, afirmaram que para buscar um nível de excelência em qualquer área deve-se ter no mínimo 10 anos de prática regular e acumular em torno de 10 mil horas, desde que nesse período, os indivíduos recebam instruções com qualidade, tenham recursos disponíveis para acesso e oportunidades de práticas, além de estarem altamente motivados e dispostos a gastar consideráveis anos de prática intensiva e dirigida para a atividade.

    Em estudos retrospectivos, dentro do meio desportivo, várias investigações foram realizadas buscando ir ao encontro da teoria da prática deliberada e o desenvolvimento de atletas experts. Pesquisas em desportos individuais e coletivos realizadas nas áreas de Wrestling (Hodges e Starkes, 1996), Artes Marciais (Hodge e Deakin, 1998), Xadrez, (Charness, et al. 2005), Hóquei em Campo, Basquetebol e Netball (Baker, Cotê e Albernethy, 2003a), Futebol (Ward et al., 2004; Helsen et al., 2000), Rugby (Ollis et al., 2006). Todos os autores encontraram, de acordo com a conclusão de Ericsson et al (1993), uma média de 10 mil horas em 10 anos de prática regular e intensiva direcionadas à modalidade, além de comprovar que os atletas experts gastam muito mais tempo em treinos específicos, atividades voltadas ao domínio praticado, jogos e campeonatos, do que os atletas iniciantes.

    Singer e Janelle (1999) descrevem que as principais características que distinguem os experts dentro do desporto são: um maior conhecimento específico da tarefa; melhor interpretação da informação disponível; maior efetividade em guardar e usar informações; reconhecem melhor as estruturas de jogo, usam melhor os dados de probabilidade situacional, têm decisões mais rápidas e mais apropriadas.

    Cotê (1999), estudando atletas de remo e tênis, além do tempo de prática ao longo dos anos despendido, descreve 3 fases de desenvolvimento do expertise do atleta, similares aos estágios de Bloom (1985). “Sampling Years” (6-12 anos); “Specializing Years” (13-15 anos); e o “Investment Years” (16 anos em diante); fases relacionadas respectivamente com o divertimento pela prática desportiva; o gosto e comprometimento por uma modalidade e a prática com a expectativa de atingir altos níveis de desempenho.

    Cotê (1999) e Cotê e Hay (2002) encontram mais um novo fator aliado ao desenvolvimento da expertise, presente nos dois primeiros estágios de desenvolvimento, o “deliberate play”. Este jogo deliberado é constituído por atividades que proporcionem a diversão inerente às crianças, o qual é regido por regras adaptadas dos desportos estandarizados, em que são feitas pelas próprias crianças ou pelos adultos envolvidos na atividade. Segundo Albernethy et al.(2001), o jogo deliberado é a mais importante atividade para manter a motivação das crianças e para as ajudar a adquirir capacidades desportivas básicas. Cotê e Hay (2002) também descrevem duas importantes transições ao longo do desenvolvimento do atleta. A primeira, quando os jovens tomam a decisão de se especializar em apenas um desporto (“Specializing Years”); e a segunda transição ocorre quando os jovens investem todo o seu tempo livre para os treinos e competições (“Investment Years”).

    No Brasil, alguns estudos foram realizados na busca do desenvolvimento de atletas experts. Salmela e Moraes (2003) estudando os jogadores de futebol, relatam que nos primeiros anos da criança, a iniciação e a aquisição de habilidades motoras e desportivas básicas são adquiridas principalmente nas áreas suburbanas, sem nenhuma supervisão técnica; e só posteriormente são encaminhados à “escolinhas de futebol” e clubes de formação; destacando desta maneira a influência sóciocultural do desenvolvimento do atleta.

    Dentro do Voleibol, Da Matta (2004) investigou as diferenças no desenvolvimento de jogadoras experts (integrantes da seleção nacional adulta) e jogadoras não-experts (jogadoras de clubes e de nível universitário). Em seu estudo retrospectivo, o autor encontrou horas de prática acumulada de 10199 para jogadoras experts e 5568 para as não-experts, aos 20 anos de idade. O autor aponta para o sucesso das jogadoras, a motivação durante todos os anos de prática (a intrínseca e a extrínseca, obrigatoriamente) e o respeito às etapas de formação desportiva a partir de uma prática deliberada.

    Baker (2003) alerta para o cuidado que deve haver com estes atletas que apresentam milhares de horas de prática. O autor defende que haja a diversificação das tarefas destes nos primeiros anos de formação, pois essa diversificação deve ser usada como instrumento para o desenvolvimento do repertório motor e da motivação; mas, principalmente, aparece como uma alternativa para que o treino não leve à especialização precoce desses atletas.

    Mesquita (2004), reforçando a importância da motivação na prática deliberada, afirma que para que haja um êxito sustentável do praticante; ele deve atuar por vontade própria, encontrando a satisfação pela atividade. As tarefas proporcionadas também devem ser desafiadoras, havendo sempre adaptações ao nível do praticante, em busca do seu sucesso pessoal.

    Neste sentido, de acordo com Nash & Collins (2006), um treino de qualidade tem vindo a ser reconhecido como um dos aspectos chave no desenvolvimento do atleta e da equipe e por isso a figura do treinador aparece de forma significativa porquê é o responsável em oferecer práticas coerentemente sustentadas contribuindo para tal a sua mestria na tentativa de otimizar o ambiente de prática (Souza Sobrinho, 2007).

    Além disso, na atualidade existem alguns modelos de ensino que são recursos de grande valia no processo de ensino aprendizagem, pois conforme suas estruturas diferenciadas, possibilitam importantes relações entre os treinadores e atletas, no sentido da formação de praticantes a longo prazo, através da prática deliberada, como por exemplo o TGFU (Bunker e Thorpe, 1982) e o Sport Education (Siedentop, 1994).

    Desta forma, podemos perceber que uma prática desportiva, organizada de uma forma que seja provida de intenção, com metas e objetivos coerentemente traçados, respeitando os preceitos da formação de crianças e jovens desportistas, é requisito fundamental para a prática desportiva a longo prazo, da infância à idade adulta, fornecendo subsídios tanto para a formação de desportistas de lazer como para os desportistas de alto nível.

Referências

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