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Jogos Transversais: uma proposta de abordagem 

dos temas transversais nas aulas de Educação Física

 

Licenciatura Plena em Educação Física (UCB)

Especialistas em Educação Física Escolar (UNISUAM)

Prof. de Educação Física da Rede Municipal do

Rio de Janeiro e de Nova Iguaçu

Denis Mendes Bastos

denis.mb@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          O objetivo principal deste estudo foi o de estabelecer uma nova proposta de abordagem dos Temas Transversais nas aulas de Educação Física. Esta proposta é baseada em jogos que foram nomeados de “Jogos Transversais”. Esses jogos, ao estabelecerem uma relação com temas sociais relevantes, visam dar ênfase as aprendizagens relacionadas à formação cidadã e principalmente ao desenvolvimento ético-moral dos alunos, através do conhecimento, apreciação, experimentação, análise e consequente eleição de valores para si. Valores esses pautados nos princípios democráticos constitucionais. O resultado deste estudo foi a confirmação, através das várias fontes pesquisadas, que os “Jogos Transversais” surgem como uma boa proposta didático-metodológica para o trato dos Temas Transversais, principalmente, a medida que usa o jogo e sua ludicidade de forma contextualizada, mantendo assim um nível elevadíssimo de prazer, como meio para se atingir os fins a que se propõem os referidos temas.

          Unitermos: Transversalidade. Cidadania. Educação ético-moral

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 142 - Marzo de 2010

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“A neve e as tempestades matam as flores,

mas nada podem contra as sementes”

Gibran Khalil Gibran

 

1.     Introdução

    A crise na área educacional, principalmente no Brasil, não é uma novidade para ninguém. Alunos, pais ou responsáveis, professores, autoridades e educadores de modo geral, são os principais atores e autores dessa grande engrenagem a qual chamamos “Educação”. Educação esta, que envolve esses elementos e lhes se apresenta como um grande enigma a ser desvendado em função dos muitos, complexos e importantes aspectos relacionados a serem considerados. Destaca-se aqui, como um desses importantes aspectos, a questão da formação do cidadão do século XXI. De acordo com Araújo (2003b), a instrução e a formação ética dos futuros cidadãos, são os dois objetivos centrais da educação, os dois eixos indissociáveis em torno dos quais giram ou deveriam girar as propostas educacionais de um país. O Ministério da Educação e Cultura, através de suas diretrizes e legislações próprias, reconhecem a importância desta formação e estabelecem os “Temas Transversais” como o documento que subsidiará esta referida formação, que está pautada nos princípios democráticos e valores éticos, estabelecidos no texto constitucional, que são: dignidade da pessoa humana, igualdade de direitos, participação e co-responsabilidade pela vida social.

    De acordo com os Temas Transversais (BRASIL, 1998b), o compromisso com a construção da cidadania pede necessariamente uma prática educacional voltada para a compreensão da realidade social e dos direitos e responsabilidades em relação à vida pessoal e coletiva, e a afirmação do princípio da participação política. Nessa perspectiva é que foram incorporados como Temas Transversais as questões da Ética, da Pluralidade Cultural, do Meio Ambiente, da Saúde, da Orientação Sexual e do Trabalho e Consumo. São temas amplos o bastante para traduzir preocupações da sociedade brasileira de hoje, que correspondem a questões importantes, urgentes e presentes sob várias formas na vida cotidiana. Destaca-se ainda, que o grande desafio que se apresenta é o de abrir-se para o seu debate.

    De acordo com Darido et alli (2006), a discussão sobre a inclusão desses conteúdos na área de Educação Física, é extremamente recente e há grandes dificuldades na seleção e implementação de conteúdos relevantes. Além disso, muitas vezes, a comunidade escolar não oferece respaldo para os professores trabalharem com essa proposta, e ainda, os alunos são bastante resistentes a propostas que incluam uma discussão mais sistematizada sobre a dimensão conceitual ou atitudinal nas aulas, até porque há uma tradição muito acentuada na escola de que a Educação Física é muito divertida, pois se resume no fazer, no brincar e não compreender os seus sentidos e significados

    Diante da escassez de propostas específicas de abordagem que contemplassem os Temas Transversais, na área de Ed. Física, como retrata Darido et al., buscou-se assim o seu desenvolvimento, pois se tratam de conteúdos importantes e urgentes, que envolvem questões sociais graves e que se apresentam como obstáculos para o pleno exercício da cidadania. E que, como proposta transversal, devem ser perpassados por todas as áreas do conhecimento para que seus objetivos possam ser atingidos com eficiência.

    De acordo com Lakatos e Marconi (2001, apud Mattos, Rossetto Júnior e Blecher, 2004), realizou-se uma pesquisa indireta, especificamente uma pesquisa bibliográfica, através do método de procedimento bibliográfico. Este estudo buscou a confirmação de bases teóricas que sustentassem a proposta de utilização de jogos como estratégia para a abordagem dos Temas Transversais para 1º segmento (1º ao 5º ano) do Ensino Fundamental. A questão que se propôs verificar foi se os “Jogos Transversais” poderiam configurar-se como proposta didático-metodológica significativa para abordagem dos referidos temas. Após esta etapa, como foco principal deste estudo, descreveu-se a proposta de desenvolvimento dos Jogos Transversais em uma aula de Educação Física.

2.     Desenvolvimento

2.1.     Os temas transversais

    Como já se sabe a proposta dos Temas Transversais não é uma novidade do sistema educacional brasileiro, segundo Araújo (2003a), a Espanha é o país que mais aprofundou esta proposta até o primeiro momento. A inclusão de temas transversais sistematizados em um conjunto de conteúdos considerados fundamentais para a sociedade surgiu na reestruturação do sistema escolar espanhol em 1989, com o objetivo de tentar diminuir a distância entre o desenvolvimento tecnológico e o da cidadania.

    Moraes (2000) expõe que, as reformas curriculares nas escolas vêm acontecendo com maior velocidade em outros países. Estes, dentre outros, vêm demonstrando ao longo destas últimas décadas, a preocupação em delinearem currículos nacionais e de inserirem no currículo da escola fundamental os Temas Transversais.

    A grande maioria dos profissionais da educação reconhece o caráter inovador que tais temas assumiram dentro da nova proposta de conteúdos que referencia e orienta a estrutura curricular no Brasil, bem como a opinião de Araújo (2003a):

    A equipe encarregada pelo MEC de coordenar a discussão propôs, em minha opinião como maior inovação na estrutura curricular brasileira, a inclusão de um núcleo de conteúdos, ou temas, reunidos sob a denominação geral de “Convívio Social e Ética”, em que a ética, a pluralidade cultural, o meio ambiente, a saúde e a orientação sexual devem passar a ser trabalhados na escola transversalmente aos conteúdos tradicionais.” (p.10) (Grifos do autor)

    De acordo com os PCNs (BRASIL, 2008b), os Temas Transversais abarcam uma educação voltada para a formação cidadã, calcada principalmente na formação de valores ético-morais em acordo com os princípios democráticos constitucionais. As questões sociais que são apresentadas foram eleitas através dos critérios de “urgência social”, “abrangência nacional”, “possibilidade de ensino e aprendizagem no ensino fundamental” e a capacidade de “favorecer a compreensão da realidade e a participação social”. Destacam ainda que, a educação para a cidadania requer que questões sociais sejam apresentadas para a aprendizagem e a reflexão dos alunos, buscando um tratamento didático que contemple sua complexidade e dinâmica, dando-lhe a mesma importância das áreas convencionais.

    Aprofundando um pouco mais nos Temas Transversais, Araújo (2003b), nos diz que após ter acompanhado várias experiências com os temas nos últimos anos, no Brasil e no exterior, considera existirem “duas diferentes concepções” para o trabalho pedagógico. Na primeira concepção que destaca, a escola continua organizada em torno das disciplinas tradicionais que formam sua estrutura curricular, ou o que se pode chamar de “eixo vertebrador do sistema educacional” e os temas transversais perpassam os conteúdos disciplinares tradicionais. Este é o caso definido nos PCNs. Já na segunda concepção de transversalidade, os conteúdos tradicionais deixam de ser a finalidade da educação e passam a ser concebidos como “meio”, como instrumentos, para se trabalhar os temas que se constituem o centro das preocupações sociais. Assim essas temáticas viram o eixo vertebrador do sistema educativo em torno do qual serão trabalhados os conteúdos curriculares tradicionais. Este é o caso defendido por alguns autores como Araújo e Monserrat Moreno.

    Existem alguns autores que pensam de forma diferente, e este é o caso de Jacomeli (2007), pois aponta que a proposta dos Temas Transversais representa uma tentativa de reorganização do discurso liberal, ou neoliberal em educação. E que esse discurso, está em sintonia com as políticas sociais, econômicas e culturais do presente momento históricos da sociedade capitalista. Esta proposta, agora reconfigurada pela expressão neoliberal, está calcado em propostas de organizações mundiais, que funcionam como financiadoras e dirigentes da expansão e controle de qualidade da educação dos países latino-americanos e outros.

    Ligando agora os Temas Transversais à área de educação física, segundo Coletivo de Autores (1992), os temas da cultura corporal, tratados na escola, expressam um sentido/significado onde se interpenetram, dialeticamente, a intencionalidade/objetivos e as intenções/objetivos da sociedade. Tratar desse sentido/significado abrange a compreensão das relações de interdependência que jogo, esporte, ginástica e dança, ou outros temas que venham a compor um programa de Educação Física, têm com os grandes problemas sócio-políticos atuais como: ecologia, papéis sexuais, saúde pública, relações sociais do trabalho, preconceitos sociais, raciais, da deficiência, da velhice, distribuição do solo urbano, distribuição de renda, dívida externa e outros. Complementam ainda, afirmando que a reflexão sobre esses problemas é necessária se existe a pretensão de possibilitar ao aluno da escola pública entender a realidade social interpretando-a a partir de seus interesses de classe social. Isso quer dizer que cabe à escola promover a apreensão da prática social, devendo estes conteúdos ser buscados dentro desta prática. Defendem também, que a escola deve ter uma proposta clara de conteúdos do ponto de vista da classe trabalhadora, conteúdo este que viabilize a leitura da realidade estabelecendo laços concretos com projetos políticos de mudanças sociais. E que a percepção do aluno deve ser orientada para um determinado conteúdo que lhe apresente e necessidade de um problema nele implícito.

    Porém este trabalho, com temas sociais relevantes, não parece tão simples assim, como constata Darido et all..(2006):

    “Embora a proposta de incluir as discussões dos temas transversais nos conteúdos de Educação Física seja ainda restrita e numericamente pouco significativa no que se refere ao universo da Educação Física, a inclusão deles nessa área se constrói da perspectiva de sua associação com os grandes problemas sociais que têm afligido a sociedade brasileira como um todo.” (p.31)

    Este é um fato ainda bastante significativo a ser considerado na área de Educação Física, onde, de modo geral, comparado com outros assuntos, pouco tem se produzido a respeito dos referidos temas e com isso poucos professores estejam à vontade para esse tipo de trabalho. A autora afirma ainda que, na verdade, os professores, de maneira geral, e os professores de Educação Física em particular, ainda enfrentam inúmeras dificuldades com o trato da transversalidade e que ainda não há uma tradição na reflexão e encaminhamento de questões que são fundamentais para a formação do cidadão, questões, por exemplo, de “como organizar as aulas com base no tema ‘Saúde’ ou ‘Ética’ sem perder a especificidade desse componente curricular?”. Conclui apontando que a forma de abordagem da transversalidade como ‘currículo oculto’, na Educação Física, também é o que mais se têm observado, inclusive constado em pesquisa de Darido e Impolceto (2007), sobre “Ética como Tema Transversal”.

    Em pesquisa de Ruy e Ramos (2007), sobre “A prática pedagógica dos professores de Educação Física e suas relações com os Temas Transversais”, constataram que o grupo de professores entrevistados considera a proposta dos Temas Transversais muito interessante, porém de difícil aplicação. E colocam ainda que os referidos professores chegam, mesmo que superficialmente, a utilizar alguns conteúdos ligados aos temas, porém na maioria das vezes, fazem isso de forma não consciente e intencional. Além disso, foi possível identificar também que estes professores, achavam que os temas transversais eram conteúdos a serem tratados de forma teórica e estaria restrito só a sala de aula.

2.2.     O jogo como meio

    Muito tem se escrito, estudado e pesquisado acerca do jogo. Autores conceituados já abordaram o tema. Vários conceitos e definições foram estabelecidos. Abordagens diversas foram projetadas, como abordagens sociológicas, educacionais, psicológicas, antropológicas, folclóricas e filosóficas. Discussões, debates, divergências e distanciamentos foram estabelecidos. O que se conclui tratar de um fenômeno cultural muito complexo sobre diversos aspectos. Porém a questão aqui, neste estudo, não é a de aumentar ainda mais as dissensões sobre o tema, mas sim de levantar subsídios para confirmação do poder educativo e da viabilidade de utilização do jogo como estratégia para alcançar os Temas Transversais. Segundo Freire e Scaglia (2003):

    “O jogo é uma categoria maior, uma metáfora da vida, uma simulação lúdica da realidade, que se manifesta, que se concretiza quando as pessoas fazem esporte, quando lutam, quando fazem ginástica, ou quando as crianças brincam.” (p.33)

    O jogo por si só têm esse poder, essa magia de transitar entre o real e o imaginário, de construir personagens, de transformar o sério, no alegre, no descontraído, de tornar o monótono, no divertido e até de transformar ou revelar a verdadeira personalidade de seus praticantes. Este grande poder que possui o jogo, para muitos educadores, é o suficiente para que ele seja ensinado como um fim em si mesmo. Agora, para Kishimoto (1996), quando as situações lúdicas são intencionalmente criadas pelo adulto com vistas a estimular certos tipos de aprendizagem, surge a dimensão educativa. Desde que mantidas as condições para a expressão do jogo, ou seja, a ação intencional da criança para brincar, o educador está potencializando as situações de aprendizagem. Assim, o jogo é tido como um meio para se alcançar os fins pedagógicos. Este é o recorte de jogo que aqui interessa, o jogo educativo, aquele que buscará atingir um fim educacional. Girard apud Brougére (1998), que foi uma das primeiras, ou se não a primeira autora, a registrar a expressão “jogo educativo”, destaca que este, é o que responderá, mas exatamente à idéia que dele se pode fazer após esta definição: agir, aprender, educar-se sem o saber através de exercícios que recreiam, preparando o esforço do trabalho propriamente dito. Destaca ainda, que o meio de conciliar a educação da criança com a necessidade irresistível de jogar, é muito simplesmente fazendo do jogo o meio de educar a criança, ou seja, o jogo, para os alunos, é um fim em si mesmo, já para os educadores deve ser um meio.

    Outros autores, como Mariotti (2007), defendem o jogo como essencial para uma educação integral, onde esse não só é benfeitor, mas também indispensável. Rousseu apud Mariotti (2007), dizia que para aprender a pensar é necessário exercitar nossos membros, nossos sentidos, nossos órgãos, que são os instrumentos de nossa inteligência. Para este autor, o jogo tal qual este entende, é o vértice onde se encontram os homens para liberá-los da rotina e levá-los a ver o mundo de outra perspectiva, para experimentar vivencialmente o que os rodeia e interpretar a linguagem da natureza. Reino da razão para refletir, entabular relações e emitir juízos que apontem novas aberturas e saberes. O autor aponta ainda que, é a linha de educação para a vida que o mobiliza, cujas portas o jogo abre, pois o jogo não ensina, faz com que os participantes aprendam e, sobretudo, que tenham vontade de aprender. Não toma lições, é uma lição de vida em si mesma. Não qualifica, os saberes que o jogo integra não podem quantificar-se. Abrange distintas áreas, toca muitas disciplinas e se converte em aglutinante do saber e do fazer, do conhecer e compreender. Estende seu próprio horizonte em uma linha compartilhada da qual se pode observar a si mesmo e olhar o próximo como no sentido real da palavra, e que nessa proximidade é que se diluem as diferenças físicas, raciais, culturais, econômicas e políticas, e ainda se cria um espaço de contato com a espécie humana.

    Em Soler (2005), a importância do jogo no desenvolvimento integral do ser humano também é destacada, principalmente em função da capacidade de se aprimorar algumas dimensões humanas, como a cognitiva, afetiva, físico-motora, moral, comunicativa, etc., pois além de significar um trabalho sério, podem-se alcançar diversos objetivos educacionais e de uma forma prazerosa e divertida. Vai mais além quando escreve que o jogo possui funções essenciais e importantes na formação do ser humano, como a função de explorar, de reforçar a convivência, equilibrar corpo e alma, fantasiar, induzir a novas experimentações, se sentir livre e a de produzir normas, valores e atitudes. Afirma ainda, que até pouco tempo atrás, só a Educação Física e a Recreação utilizavam o jogo como elemento educativo, mesmo assim de modo incipiente e as outras áreas do conhecimento simplesmente o ignoravam. O jogo era visto como algo menor, só servindo como passatempo. Porém hoje, todas as áreas do conhecimento utilizam-se do jogo, e defendem a sua inclusão, pois já descobriram a força que o mesmo possui. O autor destaca também, que o jogo além do seu poder educativo tem grande significação para os alunos, em função do prazer e alegria que proporciona, que são atributos individuais essenciais para o exercício de uma vida plena. Fechando as muitas contribuições do autor sobre o tema, este afirma que os padrões de comportamento fluem dos valores que adquirimos enquanto brincamos e jogamos durante nossa infância, então o modelo a que estamos expostos resultará no modelo que seguiremos no jogo e fora dele. Como exemplo, o modelo competitivo ou cooperativo.

    Para concluir esta parte do estudo, encontrou-se um questionamento de Darido e Rangel (2005), que nos remete a seguinte interrogação:

    “....que conteúdos os alunos deverão adquirir a respeito dos jogos, a fim se tornarem preparados e aptos para enfrentar as exigências da vida social, exercício da cidadania, e as lutas pela melhoria das condições de vida, de trabalho e de lazer?” (p.160)

    Acredita-se que a resposta a esses questionamentos, será apresentada no item seguinte, através dos chamados “Jogos Transversais”.

2.3.     Jogos transversais: a proposta

    Quando aqui se estabelece os “Jogos Transversais” como proposta para abordagem dos Temas Transversais, pensa-se primeiro nas condições ideais para o seu desenvolvimento. E o ideal é que esse desenvolvimento se dê dentro dos princípios da “transversalidade”. Nesta perspectiva, onde “a união faz a força”, onde as áreas do conhecimento se entrecruzam, surgem às condições mais favoráveis para execução dos fins a que se propõe o processo ensino-aprendizagem. A organização dos Temas Transversais sob forma de “projetos” ou de “temas geradores” também atendem a essa demanda. Segundo Araújo (2003b), a forma de projetos é mais adequada. Outra condição favorável é que haja antes de cada jogo ou como parte inicial de cada aula, uma contextualização do Tema Transversal a ser abordado. Essa contextualização se refere a criar um ambiente favorável para o desenvolvimento da aula e dos Jogos Transversais. Ela se subdivide em três partes, a “constatação”, o “enriquecimento” e a “estimulação”. A “constatação” é a etapa que visa detectar o grau de conhecimento que se tem sobre o tema a ser abordado. Ela se dá através de perguntas básicas relacionados ao tema (Ex. Tema: Ética; pergunta: Quem sabe dizer o que é ética?). A segunda parte é o “enriquecimento” através da utilização de um material de apoio. Esta parte pode se dá sob diversas formas, ou seja, através da leitura um pequeno texto, de uma reportagem, uma música, uma fábula, um caso, um velho ditado, um poema, ou até mesmo uma pequena frase, que esteja relacionado ao tema ou a reflexão proposta pelo jogo. Pode se dar também através da exibição de um vídeo, uma imagem, foto ou um simples desenho. A terceira parte que é a estimulação ocorrerá exclusivamente pela prática dos Jogos Transversais, visando sempre à segurança e possibilitando a inclusão de todos. A prática dos jogos nada mais é do que, a construção de uma situação didática que busca valorizar e potencializar a capacidade de questionar, de debater, de refletir sobre os temas sociais em questão. Todos os jogos podem e devem ser adequados a realidade local e coletiva. Variações poderão surgir. Espera-se também que, principalmente, possam servir de inspiração para que novos jogos sejam criados por qualquer aluno, profissionais ou pessoa que simpatize e os adote. Esta proposta defende basicamente a indissociação da construção dos processos de aprendizagem dos jogos, do processo de construção da cidadania.

    A segunda etapa é a reflexão, que acontecerá após cada jogo e ao final da aula, preferencialmente nos momentos de recuperação e descanso, buscando fazer uma ligação com o tema, com jogo e a realidade social, ou seja, com a vida de seus praticantes buscando propor mudanças para melhorar as condições existentes. Segundo os PCNs (BRASIL, 1998a), o fato de os alunos serem crianças e adolescentes não significa que sejam passivos e recebam sem resistência ou contestação de tudo o que implícita ou explicitamente se lhes quer transmitir; e que mesmo nas séries iniciais é possível oferecer informações, vivências e reflexão sobre as causas e as nuanças dos valores que orientam os comportamentos e tratá-los como produtos de relações sociais, que podem ser transformados. Inicialmente nem todos os alunos de uma turma, ou apenas alguns poucos, terão um nível de consciência crítica favorável as devidas reflexões, porém à medida que esse trabalho for se desenvolvendo isso irá acontecendo de forma lenta e gradativa. Cada jogo transversal contém uma ou mais reflexões que podem ser adaptadas e até serem substituídas, tendo o devido cuidado de não deixar de fazer sentido com o respectivo jogo. As adaptações deverão sempre buscar uma adequação ao nível de consciência e ao vocabulário dos seus alunos.

    A partir dessas condições, os educadores da área de Educação Física ou até de outras áreas, poderão adotar os Jogos Transversais com maiores chances de atingir seus objetivos. Objetivos esses que se confundem com os objetivos dos Temas Transversais.

    Destacam-se agora, a título de ilustração, alguns jogos que foram criados, recriados e/ou adaptados para atender a proposta à cima, particularmente relacionado ao tema Ética. O objetivo principal dessa proposta junto a este tema, de acordo com os Temas Transversais (1998a), é o de propor jogos que levem o aluno a pensar e refletir sobre sua conduta e a dos outros a partir dos princípios democráticos estabelecidos em nossa constituição. Tendo como referencial maior a chamada “lei de ouro da ética”, que é “fazer aos outros, o que gostaria que me fizessem”. Nos Temas Transversais, o tema Ética, é o eixo principal dos demais temas e encontra-se subdividido em blocos, o chamado “conjunto central” de valores: respeito mútuo, justiça, diálogo e solidariedade. Destacou-se então os seguintes jogos:

  1. Black e White

    • Material: Coletes ou fitas pretas e brancas e um apito.

    • Espaço: Quadra ou área ampla.

    • Esquema inicial: um fila de alunos (equipe branca) frente a um fila de Alunos (equipe preta), distância de 3 metros; uma linha atrás de cada fila, distância de 10 metros.

    • Desenvolvimento: Ao sinal de um silvo curto de apito, a equipe branca persegue a preta, que deverá fugir em direção a linha a sua retaguarda; quem alcançar a mesma estará salvo, quem for pego passará para a outra equipe, em seguida todos retornam a posição inicial. Ao sinal de dois silvos curtos de apito a equipe preta persegue a equipe branca.

    • Reflexão: Preconceito racial ou étnico e preconceitos de uma forma geral.

  2. O Justiceiro

    • Material: Nenhum.

    • Espaço: Quadra ou área ampla.

    • Esquema inicial: Um aluno será escolhido para ser o “justiceiro”. Este deverá determinar quem irá carregar quem. O grupo deverá ficar atrás de uma linha demarcada no chão.

    • Desenvolvimento: Após o sinal de início, todos deverão transportar o colega até um determinado ponto.

    • Reflexão: Princípio Igualdade, da Equidade e a distribuição real da justiça entre pobres e ricos.

  3. Diplomata

    • Material: Corda.

    • Espaço: Quadra ou área ampla.

    • Esquema inicial: duas equipes onde um aluno de cada equipe terá a função de “diplomata” e é o que deverá inicialmente escolher a sua equipe.

    • Desenvolvimento: Como no cabo de guerra tradicional, porém com o objetivo de equilibrar as forças e não derrotar o adversário, os diplomatas buscarão cumprir com esse objetivo através do convencimento dos alunos do grupo oposto a fazerem parte do seu, através de argumentos convincentes, isso tudo durante a ação do jogo.

    • Reflexão: A importância do diálogo na resolução de conflitos.

  4. Dê à mão

    • Material: Nenhum.

    • Espaço: Quadra ou área ampla.

    • Esquema inicial: Livre.

    • Desenvolvimento: Como num pique, aquele que for colado ficará agachado aguardando que algum colega o descole. Para descolar é preciso estender a mão a quem está colado.

    • Reflexão: A importância da solidariedade.

    Toda essa proposta visa à transformação do ser, principalmente relacionada à modificação interior, ou seja, pretende-se contribuir para a formação de um ser mais ético, autônomo, participativo, solidário, crítico, responsável, etc. Os PCNs (BRASIL, 1997), destacam que a escola não muda a sociedade, mas pode, partilhando esse projeto com seguimentos sociais que assumem os princípios democráticos, articulando-se a eles, constituir-se não apenas como espaço de reprodução, mas também como espaço de transformação.

3.     Considerações finais

    Diante do estudo feito sobre a viabilidade de se desenvolver jogos para abordagem dos Temas Transversais, foram encontrados muitos argumentos favoráveis a essa utilização, pois a aplicabilidade de “jogos”, no campo educacional, vem sendo cada vez mais reconhecida, ampliada e valorizada. A partir disso, destacam-se abaixo os pontos positivos que dão sustentabilidade a essa proposta e a fazem um significativo meio para se atingir os fins propostos pelos Temas Transversais. Os pontos favoráveis são que os “Jogos Transversais”:

  1. partem do princípio de uma ação pedagógica ativa, onde o importante é provocar situações que favoreçam o interesse e a aprendizagem através dos jogos e que levem a estimular o debate e a reflexão de temas sociais relevantes;

  2. são uma estratégia que, ao tratar, ou melhor, ao se comprometer com a discussão e reflexão de temas sociais relevantes, com vistas à transformação do aluno, podem legitimar ainda mais a Educação Física no âmbito escolar;

  3. possibilitam a participação da Educação Física Escolar, como componente curricular, em qualquer projeto temático da escola;

  4. podem vir a preencher o questionamento de Darido (2005), sobre quais os conteúdos os alunos deverão adquirir a respeito dos jogos, a fim de se tornarem preparados para enfrentar os problemas da vida social e a modificarem para melhor, ou seja, para estarem aptos ao pleno exercício da cidadania;

  5. ao se juntar “Transversalidade” e “Jogo” proporcionam uma união altamente promissora, em função de serem elementos educativos que podem ser utilizados principalmente com o objetivo de resgatar o interesse do aluno para a aprendizagem;

  6. apresentam-se como proposta ou estratégia para se alcançar a tão falada formação cidadã;

  7. surgem em decorrência de uma legitima preocupação e inconformismo com a situação atual da realidade social vigente no país e no mundo;

  8. representam muito bem um recorte epistemológico próprio da área de Educação Física, pois abordam os Temas Transversais sem perder a sua especificidade, ou seja, explorando muito bem seus objetos de trabalho e estudo, que são corpo e o movimento, explorando toda a cultura corporal de movimento;

  9. quando criados, este autor estava pensando em utilizar-se do conhecimento da área de Educação Física como um meio para auxiliar na formação a que acha mais deficitária nos dias atuais, que é a formação ético-moral;

  10. possam contribuir com a expectativa de Guiraldelli (1988), quando coloca que o que deseja é que a prática da Educação Física na Escola Pública encontre fórmulas ricas capazes de utilizar o trabalho corporal e o movimento próprio da área, como aríetes contra a ideologia dominante, e ainda deixe de ser uma ”prática cega”, e transforme-se num real complexo educacional capaz de efetivamente desenvolver as tão proclamadas potencialidades humanas;

  11. possam contribuir com a expectativa de libertar, segundo Kunz (2001), os alunos de falsas ilusões, interesses e desejos criados e construídos neles pela visão de mundo que lhes são apresentados a partir de “conhecimentos” colocados a sua disposição pelo contexto sócio-cultural local. Contexto esse, geralmente impreguinado por uma visão de mundo regida pelo consumo, pelo modelo, pelo melhor, mais bonito e mais correto. Mas para que isso aconteça, é determinante que o educador seja um indivíduo emancipado de tais ilusões e acima de tudo, consciente da importância do seu papel profissional como educador;

  12. ossam contribuir com a expectativa de Libâneo (1988), de buscar através do trabalho docente, ao invés de condicionamento à ordem social, formar um aluno crítico e participativo; ao invés de adestramento físico, a compreensão e uso sadio do corpo; ao invés de esporte-espetáculo e ufanista, o esporte educativo; ao invés de disciplina imposta e da repetição mecânica de ordens do professor, o autodomínio, a formação do caráter, a auto-valorização da atividade física; ao invés do corpo-instrumento, o corpo como ser social.

Referências

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revista digital · Año 14 · N° 142 | Buenos Aires, Marzo de 2010  
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