Qualidade de vida de triatletas de longa distância Calidad de vida de triatletas de larga distancia |
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*Universidade do Estado de Santa Catarina – UDESC Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano **Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Florianópolis, SC (Brasil) |
Arthur Manoel Pires* Luiz Antônio Pereira de Lima** | Lisiane Schilling Poeta** Patricia Belo Orofino Pires** | Roberto Lemos* Francisco Rosa Neto* |
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Resumo Este estudo teve como objetivo avaliar a qualidade de vida de triatletas de longa distância, participantes do Ironman Brasil 2008, residentes em Florianópolis/SC. O estudo, do tipo descritivo e exploratório envolveu uma amostra composta por 26 sujeitos com idades entre 24 e 49 anos que treinam freqüentemente e há pelo menos um ano, com residência fixa em Florianópolis/SC e que estavam se preparando para a prova do Ironman Brasil 2008. Dos 26 participantes da amostra, 2 eram do sexo feminino. Para a avaliação da qualidade de vida foi utilizado o questionário WHOQOL-100 na sua versão em português, envolvendo os seguintes domínios: físico, psicológico, nível de independência, social, ambiental e espiritual. Para a análise dos dados foi utilizada a estatística descritiva. Conforme os resultados, dentre todos os domínios da qualidade de vida relacionada à saúde avaliados nesta amostra, o menor escore foi observado no domínio físico, evidenciando menor qualidade de vida neste aspecto em relação aos outros avaliados. Em contrapartida, o grau de independência e o domínio psicológico apresentaram os maiores escores. Unitermos: Qualidade de vida. Triatletas. Treinamento |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 142 - Marzo de 2010 |
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Introdução
O progresso da medicina trouxe, entre outras conseqüências, um prolongamento na expectativa de vida durante o último século. Por isso, passou a ser de grande importância dispor de instrumentos para mensurar a forma de prolongar a expectativa de vida, sobretudo de maneira saudável. O foco exclusivo na doença, que sempre dominou a pesquisa na área da saúde, vem cedendo espaço ao estudo das características adaptativas, como resiliência, esperança, sabedoria, criatividade, coragem e espiritualidade (FLECK 2007). O conceito de qualidade de vida é bastante amplo, e incorpora, de forma complexa, a saúde física, o estado psicológico o nível de independência, as relações sociais, as crenças pessoais e a relação com aspectos significativos do meio ambiente (WHOQOL, 1995). A constatação de que não havia instrumento que avaliasse qualidade de vida dentro de uma perspectiva transcultural motivou a Organização Mundial da Saúde a desenvolver um instrumento com estas características (WHOQOL, 1995).
A atividade física regular é vista como um dos procedimentos mais eficazes para promover a qualidade de vida em algumas populações (PELUSO, ANDRADE, 2005; PATE et al. 2006). Do nosso conhecimento, não foram encontrados estudos relacionando a qualidade de vida de triatletas de longa distância.
O Triatlo é uma modalidade esportiva que surgiu em meados da década de 70 e combina três diferentes esportes: natação, ciclismo e corrida. Esta modalidade esportiva possui uma variação quanto à distância e conseqüentemente, duração das provas. Existem provas na distância clássica ou também chamada de Olímpica, onde os atletas percorrem 1500 metros de natação, geralmente no mar; 40 quilômetros (km) de ciclismo e finalizando com 10 km de corrida. A duração destas provas varia em torno de duas horas para os atletas mais rápidos e três horas para os atletas mais lentos. Esta modalidade de triatlo tornou-se esporte olímpico a partir do ano de 2000 em Sidnei, Austrália. O triatlo de longa duração consiste em 3,8 km de natação, 180 km de ciclismo, seguidos de 42,2 km de corrida, com duração média de treze horas. Estes eventos, também chamados de Ironman, surgiram no final década de 70 nos Estados Unidos e, atualmente, ocorrem nos cinco continentes, onde, aproximadamente 50.000 competidores com idades entre 18 e 80 anos tentam superar limites, seja tentando baixar o seu tempo pessoal ou apenas completando a prova dentro do tempo limite de 17 horas. No Brasil a prova é realizada em Florianópolis, Santa Catarina, desde 2001. Em 2008 o Ironman Brasil foi realizado com aproximadamente 1300 competidores de 48 países diferentes. Estes competidores treinam em média 18 a 24 horas por semana, sendo 11,5 km de natação, 360 km de ciclismo e 72 km de corrida (O’Toole, 1989; GulbinJP; GaffneyPT, 1999).
As características fisiológicas dos triatletas abrangem uma escala longa do desempenho de resistência similares à dos ciclistas (O’Toole et al., 1987). O desenvolvimento da resistência necessária para o Ironman envolve um plano de treinamento de longo prazo. O objetivo do treinamento é melhorar o condicionamento para alcançar a meta definida no passo anterior. Alguns desses atletas praticam a modalidade pelo prazer que o treino proporciona, além da manutenção ou melhora da qualidade de vida.
Considerando as características de treinamento desses atletas, este estudo teve como objetivo avaliar a qualidade de vida de triatletas de longa distância, participantes do Ironman/2008 – Brasil, residentes em Florianópolis/SC.
Métodos
Este estudo é caracterizado como descritivo e exploratório.
A população foi composta por triatletas de longa distância participantes do Ironman/2008 – Brasil, residentes em Florianópolis/SC e que treinam frequentemente a modalidade. Florianópolis é a capital de Santa Catarina/SC (Brasil) e é a sede do Ironman no Brasil. Algumas equipes treinam os competidores, dentre elas, uma equipe com sede em Jurerê Internacional (Florianópolis/SC). Esta equipe é formada por aproximadamente, 104 atletas de diversas cidades do país, sendo que, em média, 30 a 40 atletas participam do Ironman anualmente, podendo ser considerada uma das maiores equipes de treino desta modalidade no Brasil (Ironmind).
Para esse estudo, a amostra foi composta por 26 sujeitos com idades entre 24 e 49 anos, e que treinam freqüentemente e há pelo menos um ano, com residência fixa em Florianópolis/SC e ainda que, no momento da coleta dos dados para este estudo, estavam se preparando para a prova do Ironman Brasil 2008. Dos 26 participantes da amostra, apenas 2 são do sexo feminino. Esta amostra não é representativa da população de atletas de Ironman, sendo, portanto, representativa apenas da equipe de treino de Jurerê Internacional acima referida.
Para a avaliação da qualidade de vida foi utilizado o questionário do WHOQOL-100 na sua versão em português (OMS) (FLECK, 1999), composto por 100 perguntas objetivas, que devem ser respondidas conforme uma graduação de 1 a 5 e com referência às duas últimas semanas vivenciadas pelo entrevistado antes da ocasião da pesquisa.
As 100 questões acerca da Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS) encontram-se agrupadas, segundo seus tópicos específicos, em 25 blocos de 4 questões cada, denominados facetas. Tais facetas, então agrupadas entre si segundo uma afinidade entre seus tópicos, dão origem aos chamados domínios. Abaixo, os 6 domínios definidos e, entre parênteses, as facetas que acolhem:
Domínio I: Físico (dor e desconforto; energia e fadiga; sono e repouso);
Domínio II: Psicológico (sentimentos positivos; pensamento e aprendizado, memória e concentração; auto-estima; imagem corporal e aparência; sentimentos negativos);
Domínio III: Nível de Independência: (mobilidade; atividades da vida cotidiana; dependência de medicação ou de tratamentos; capacidade de trabalho);
Domínio IV: Social (relações pessoais; suporte/apoio social; atividade sexual);
Domínio V: Ambiental (segurança física e proteção; ambiente no lar; recursos financeiros; cuidados de saúde e sociais – disponibilidade e qualidade; oportunidades de adquirir novas informações e habilidades; participação e oportunidades de participação em atividades de recreação/lazer; ambiente físico – poluição/ruído/trânsito/clima; transporte);
Domínio VI: Espiritual (Espiritualidade, religiosidade, crenças pessoais).
Um sétimo grupo de questões (25ª faceta: auto-percepção da qualidade de vida e saúde) pode ainda ser definido como aquele referente à percepção da Qualidade de Vida e Saúde por parte do próprio entrevistado, e, embora não tenha sido definido pelo Grupo WHOQOL como um domínio, recebe também tratamento numérico-estatístico e é passível de análise tal como os domínios supra-definidos.
Segundo Fleck et al. (1999), este instrumento de avaliação de qualidade de vida da OMS está atualmente disponível em 20 idiomas. O desenvolvimento da versão em português seguiu a metodologia proposta pela Organização Mundial da Saúde e foi descrita em outra publicação (Fleck et al., 1999).
Para a caracterização da amostra foi utilizado um questionário elaborado para a realização desta pesquisa, envolvendo questões relacionadas à idade (em anos), estado civil, tempo de treino semanal (em horas) e tempo máximo de treino semanal (em horas).
Para a medida de massa corporal foi utilizada uma balança da marca Filizola com resolução de 100 gramas; a estatura foi mensurada por meio do estadiômetro da marca Cardiomed com resolução de 1mm. A partir das medidas antropométricas foi calculado o Índice de Massa Corporal (IMC), que representa a razão da massa corporal pela estatura elevada ao quadrado [kg.m-2], e classificado segundo proposição da Organização Mundial da Saúde (WHO, 2000).
Os dados foram coletados entre os meses de junho e julho de 2007 (período de treino para o Ironman em maio de 2008). Os questionários foram entregues aos participantes do estudo no local do treino e preenchidos individualmente. Todo o material foi retornado aos pesquisadores no prazo de duas semanas após a entrega. As medidas antropométricas foram realizadas por um mesmo avaliador utilizando-se dos procedimentos descrito por Alvarez e Pavan (2003).
A análise dos dados referentes à caracterização da amostra foi feita através de ferramentas de estatística descritiva (média, variância, desvio padrão e valores mínimo e máximo) da biblioteca programa computacional SPSS for Windows, versão 11.0. Já a definição das pontuações obtidas no questionário WHOQOL-100 e suas respectivas análises foram efetuadas através do programa computacional WHOQOLEGUINHA 100% (criado para a realização deste estudo) fazendo uso de manipulações algébricas simples e da estatística descritiva (média, desvio padrão e valores mínimo e máximo) e expressando os resultados tanto valores absolutos quanto percentuais.
O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos e todos os participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Resultados e discussão
Foi possível a obtenção de todos os dados do grupo completo de sujeitos pesquisados sem a ocorrência de perdas ou recusas. A caracterização dessa amostra é apresentada na tabela 1.
Tabela 1. Caracterização da amostra do estudo
Os valores médio e máximo do Índice de Massa Corporal (IMC) da equipe pesquisada foram classificados, segundo a Organização Mundial de Saúde (WHO, 1998), dentro das faixas recomendável e de sobrepeso, considerando a média e o valor máximo, respectivamente.
A média de horas de treino semanal foi de 17,07 horas, o que representa uma média diária de 2,4 horas. Porém, o tempo máximo de treino por semana chegou a 20,96 horas, equivalente a quase 3 horas diárias. Ressalte-se o fato de que duas mulheres fazem parte da amostra, apresentando tempos de treino equivalentes aos dos homens. Alguns aspectos são responsáveis pela diferença no tempo de treino dos atletas da mesma equipe, como, por exemplo, a ocupação profissional e o tempo dedicado à família – ambos os fatores causadores de diferenças no tempo destinado ao treino. Em relação ao estado civil, a amostra ficou distribuída em 13 sujeitos casados (50%) e 13 sujeitos não casados (50%) - solteiros, divorciados ou viúvos.
A tabela 2 apresenta as pontuações dos atletas segundo os domínios da Qualidade de Vida Relacionada à Saúde (QVRS). Note que, para fins de visualização geral da ordem de grandeza das pontuações, os dados são mostrados em porcentagem, devendo-se considerar 0 e 100% os valores mínimo e máximos para cada domínio - 4 e 20 pontos, respectivamente - tangíveis no WHOQOL-100.
Tabela 2. Pontuações por domínios da QVRS obtidas no WHOQOL-100 em porcentagem
Na tabela 3 é possível a visualização dos dados de pontuação percentual total em duas condições distintas: 1. Na primeira linha, sem a contabilização da faceta de auto-percepção da qualidade de vida e saúde, constituindo-se como a somatória das pontuações dos domínios e; 2. Na segunda linha, com a contabilização das 24 facetas originais dos domínios e ainda da 25ª faceta, sendo esta definida como a Pontuação Geral obtida no Questionário.
Tabela 3. Pontuações percentuais totais de QVRS obtidas no WHOQOL-100
Ainda na tabela 3, as pontuações isoladas da 25ª faceta e as diferenças obtidas quando da comparação entre as duas condições supra-citadas. Neste caso, quanto mais próxima do zero a diferença, menor a disparidade entre a qualidade de vida diretamente percebida pelo indivíduo e aquela detectada pelas demais questões do questionário. Mais ainda: a auto-percepção da qualidade de vida será tão mais positiva ou negativa em relação àquela definida pelas demais facetas quanto forem os valores dessas diferenças.
Para ilustrar essa análise, um histograma com as pontuações gerais nas condições 1 e 2 dos 26 indivíduos da amostra torna-se útil:
Gráfico 1. Comparativo entre pontuações percentuais totais de QVRS obtidas no WHOQOL-100
Conclusões
Dentre todos os domínios da qualidade de vida relacionada à saúde avaliados nesta amostra, o menor escore foi observado no domínio físico, evidenciando menor qualidade de vida neste aspecto em relação aos outros avaliados, talvez pela alta carga de treinamento destes atletas, o que pode acarretar em dor e desconforto físico. Em contrapartida, o grau de independência e o domínio psicológico apresentaram os maiores escores. Outros estudos necessitam ser realizados com uma amostra mais ampla ou um estudo comparando outros grupos de atletas.
Referências bibliográficas
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FLECK MP. A. A Avaliação de qualidade de vida: guia para profissionais da saúde. Porto Alegre: Artmed, 2008.
GulbinJP; GaffneyPT. Ultraendurance triathlon participation: typical race preparation of lower level triathletes. Sports Med Phys Fitness. 1999; 39(1):12-15.
O’TOOLE ML, HILLER DB, CROSBY LO, et al. The ultraendurance triathlete: a physiological profile. Med Sci Sports Exerc 1987; 19 (1): 45-50.
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PATE RR; DAVIS MG, ROBINSON TN, STONE EJ, MCKENZIE TL, YOUNG J.C. Promoting physical activity in children and youth: a leadership role for schools a scientific statement from the American Heart Association Council on nutrition, physical activity, and metabolism (physical activity committee) in collaboration with the councils on cardiovascular disease in the young and cardiovascular nursing. Circulation 2006; 114 (11): 1214-1224.
PELUSO MA; ANDRADE LH. Physical activity and mental health: the association between exercise and moos. Clinic. 2005; 60 (1): 61-70.
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WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Preventing and managing the global epidemic. Report of a WHO Consultation. Geneva, 2000.
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