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Os grandes eventos esportivos e a Educação 

Física escolar: para além do senso comum

Los grandes eventos deportivos y la Educación Física escolar: más allá del sentido común

 

Docente da rede pública estadual do Rio de Janeiro

(Brasil)

Jonas Henrique Almeida da Silva

professorjonashenrique@gmail.com

 

 

 

Resumo

          O esporte é uma manifestação da cultura corporal, mas apresenta-se atualmente caracterizado por ser um fenômeno social, cultural, político e econômico. Sendo com isso um forte instrumento de mascaramento ideológico, sustentado por um projeto de nação para o desenvolvimento do capital, utilizando-se para isso dos grandes espetáculos esportivos que desenvolvem a formação de mitos, a indústria cultural e esportiva. Esse projeto possui fins de amenização dos conflitos sociais, “inclusão social” e aculturação das massas. Uma das formas de representação das práticas corporais do ser humano que historicamente, baseou-se na lógica urbano-industrial e sendo, portanto, institucionalizado com a criação de confederações e federações, universalização das regras, criação de campeonatos regionais, nacionais e mundiais, aculturação do processo de prática. Esta manifestação apresentou-se e apresenta-se no processo de civilização, como forte instrumento de mascaramento ideológico, que procura transmitir valores, normas, hábitos e costumes como forma de incutir nos seres humanos uma verdade absoluta, ideias de produção capitalista e esconder o real. Esses valores são assim assimilados de forma irrefletida nas diversas práticas esportivas modernas. Diante do sistema capitalista, o esporte institucionalizado é um aparelho ideológico do estado. Tanto que isso é verdade que muitos países com seus representantes políticos o utilizaram para repassar seus ideais metodológico-filosóficos de nação forte, podemos citar Hitler na Alemanha, Mussolini na Itália e Getúlio Vargas no Brasil que utilizaram o esporte no modelo de desenvolvimento econômico. A ditadura militar no Brasil que impôs a formação do cidadão soldado que cumprisse todas as determinações de um modelo de detecção de talentos esportivos, na formação de atletas que representassem o país em competições. E hoje vimos isso incorporado de forma emblemática pelo atual presidente Lula em parceria com o governador do estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral e o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, em seus discursos reproduzem um modelo de nação com a realização de grandes eventos esportivos, citamos os Jogos Pan-americanos (2007), a Copa do Mundo de Futsal (2008), e os próximos, Copa do Mundo de Futebol (2014) e mais atual, a realização dos Jogos Olímpicos de 2016, e na visita do COI ao Rio de Janeiro, vimos claramente o mascaramento da realidade, vários carros de polícia nas ruas, coisa que cotidianamente não se vê; retirada de moradores de ruas, ou seja, tentando transmitir uma falsa tranqüilidade na cidade. Mas o que mais impressiona são as parcerias público-privadas, onde o Estado injeta milhões nos cofres de empresas para a realização de obras, campanhas publicitárias e venda de produtos esportivos, corroborando para o enriquecimento destas empresas, que mesmo antes da realização dos eventos já faturam muito dinheiro, vimos um discurso que estes eventos proporcionam muitos empregos, mas na verdade os trabalhadores são explorados e no final se quer tem condições de utilizar os equipamentos construídos. Isso demonstra um projeto não de desenvolvimento humano e sim para um desenvolvimento econômico. Não deixando nenhum legado social e sim grande “elefantes brancos” sendo construídos e que no fim dos jogos são administrados por empresas privadas, os quais a grande população não tem acesso como um bem público. As propostas do trabalho são tentativas de inserção da Educação Física como componente curricular da escola. O trabalho pretende ainda promover a discussão sobre os megaeventos esportivos e sua influência na educação física escolar e as perspectivas de intervenção, no sentido de estabelecer a mudança do status quo e acreditando na escola pública como espaço-tempo de desafios pedagógicos.

          Unitermos: Esporte. Grandes eventos esportivos. Educação Física Escolar

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 142 - Marzo de 2010

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    No processo de mundialização do esporte os grandes organismos mundiais como ONU/UNESCO tem promovido, através de acordos, documentos legais e pareceres, a reprodução das políticas com parâmetros capitalistas dos países integrantes do G8, sendo organismos legítimos de implantação dos ideais neoliberais, de amenização dos conflitos sociais, propondo que o esporte é uma ferramenta de promoção da igualdade, da paz, que pode funcionar como instrumento de inclusão social.

    Vimos que na sociedade capitalista o argumento é que existem excluídos no modelo e que precisam ser incluídos, e um dos meios seria a prática esportiva. Na verdade neste modelo não existe excluídos, pois todos nós estamos e fazemos parte do sistema capitalista. O que existe são aqueles menos favorecidos, que não dominam os meios de produção e por isso são explorados, oprimidos e massacrados pelo projeto de sociedade em que vivemos. Portanto, como incluir indivíduos neste modelo? Se o próprio esporte de alto rendimento promove uma seleção natural, os mais aptos e os não aptos, o vencedor e o derrotado. Na busca de iludir que o esporte é para todos cria-se a figura de mitos e ídolos que vão promover grandes espetáculos e cabe a população o consumo destes espetáculos, de materiais esportivos utilizados pelos ídolos, etc. Isso acaba sendo uma grande “ventríquola” para o sistema capitalista. Os atletas vistos como ídolos acabam desumanizando-se seus corpos e tornam-se corpos-máquina, corpos-objetos, que têm que produzir cada vez mais, pois o fundamental é o lucro.

    O desporto é um produto da sociedade, mas tem alguma autonomia dela. Esta autonomia dá ao desporto a possibilidade de ser visto como ator que influencia a sociedade;

    Na sociedade capitalista moderna, o desporto tem de ser visto essencialmente em termos econômicos, é um importante artigo de consumo.

    Há, portanto, um grande poder do mito. Ele atua sobre a imaginação das pessoas, cria um sentimento transcendente de unidade entre o ser e o universo, semelhante ao efeito da poesia. Para ser efetivo, o mito deve criar claridade eufórica.

    O mito tem a capacidade de fazer o indivíduo esquecer a realidade social em que vive e passar a viver num mundo em que se sente.

    O desporto hoje em nossa sociedade torna-se mito através das grandes campanhas publicitárias, principalmente dos produtos Nike.

    O desporto é uma agência social e econômica extremamente poderosa devido à sua qualidade mitológica.

    O mito tem a capacidade ideológica de apoiar a ordem social, econômica e estrutura de poder vigente, escondendo as contradições e divisões da realidade social.

    E a Educação Física Escolar fracassou diante desta realidade? Neste contexto, qual o papel da educação física?

    Vimos que no imaginário social impera uma visão da à Educação Física como gasto de energia; atrelada aos ideais olímpicos; e com o professor de educação física como estabelecedor da ordem.

    Observamos que muitas vezes a tarefa principal da aula de Educação Física é introduzir os alunos nos modelos socialmente dominantes do esporte.

    Podemos observar que ainda hoje depois de reflexões profundas acerca da história da Educação Física no imaginário social impera a figura do professor militarista, do professor formador de atleta e que os conteúdos a serem ensinados nas aulas devem ser de preparação esportiva na busca de medalhas em competições. Tanto que isso é verdade que nas últimas olimpíadas como fomos culpabilizados pelos fracassos dos atletas brasileiros e vimos o Galvão Bueno incentivando a cobrança aos professores de Educação Física esse papel. Os pais dos alunos quando nos encontram perguntam logo se o filho será ou não um esportista.

    A Educação Física tem transformado algo no seio da sociedade ao longo deste tempo ou ela tem-se prestado a servir de mascaramento ideológico, onde a inconsciência ocupa o lugar da consciência crítica?

    Notamos que não existe tempo mais propício para a construção e ação de uma práxis pedagógica revolucionária onde educação só pode ser vinculada a uma pedagogia claramente socialista, cuja teoria seja alicerçada no materialismo histórico-dialético e no marxismo como concepção de homem e de história comprometidos com a práxis revolucionária.

    Um dos grandes desafios é pensarmos na organização de uma proposta curricular partindo de debates, a serem realizados no interior da escola.

    Nós podemos avançar na medida em que organizarmos as ações da Educação Física no âmbito escolar como fundamentação teórica, planejamento adequado, conteúdos sistematizados e metodologias participantes.

    Devemos, nesse sentido, trabalhar a Educação Física numa perspectiva de transformação, rompendo com os padrões impostos pela classe dominante do esporte de rendimento. Pois este reflete os ideais do liberalismo econômico instalado em nossa sociedade onde alguém tem que perder para que outro possa ganhar.

    E para romper com esta lógica se fazem necessárias mudanças estruturais, que acabem com todo o sistema neoliberal.

    Diante dos pulos que alguns governantes deram naquele auditório em Copenhague... O semblante deles, ávidos de desejo pelo lucro. Devemos denunciar os bilhões de dólares que serão torrados nas obras superfaturadas e o descaso com a educação, que se gastaria bem menos para resolvermos vários problemas do Brasil... Inclusive pagar um salário mais digno ao profissional da educação...

    Precisamos construir o discurso não-ideológico, isto é, aquele que visa o preenchimento das lacunas pela procura da gênese do processo. Isto não significa que se deva contrapor ao discurso lacunar um discurso “pleno”, mas sim a elaboração da crítica, do contradiscurso que revele a contradição interna do discurso ideológico e que o faça explodir.

    É esse o papel da teoria, que está encarregada de desvendar os processos reais e históricos dos quais se origina a dominação de uma classe sobre a outra.

    Além disso, a teoria estabelece uma relação dialética com a prática, ou seja, uma relação de reciprocidade e simultaneidade, e não hierárquica, como no discurso ideológico.

    A práxis é justamente a relação indissolúvel teoria-prática, de modo que não há agir humano que não tenha sido antecedido por um projeto, da mesma forma que a teoria não é algo que se produza independentemente da prática, pois seu fundamento é a própria prática.

As aulas de Educação Física: ilusão ou transformação?

    O trabalho pretende promover a discussão sobre as perspectivas de intervenção, no sentido de estabelecer a mudança do status quo e acreditando na escola pública como espaço-tempo de desafios pedagógicos.

    Nas tentativas de legitimação utilizamos o currículo ampliado:

    “O currículo capaz de dar conta de uma reflexão pedagógica ampliada e comprometida com os interesses das camadas populares tem como eixo a constatação, a interpretação, a compreensão e a explicação da realidade social complexa e contraditória. Isso vai exigir uma organização curricular em outros moldes, de forma a desenvolver uma outra lógica sobre a realidade, a lógica dialética, com a qual o aluno seja capaz de fazer uma outra leitura. Nesta forma de organização curricular se questiona o objeto de cada disciplina ou matéria curricular e coloca-se em destaque a função social de cada uma delas no currículo. Busca situar a sua contribuição particular para a realidade social e natural no nível do pensamento/reflexão do aluno. Isso porque o conhecimento matemático, geográfico, artístico, histórico, lingüístico, biológico ou corporal expressa uma determinada dimensão da “realidade” e não a sua totalidade” (COLETIVO DE AUTORES, p.28).

    Nas aulas de Educação Física os conteúdos devem ser oferecidos para integrar e introduzir os alunos na cultura corporal de movimento ajudando a transformar a prática educativa.

    O planejamento de ensino e aprendizagem deve buscar dialogar com o Projeto Político-Pedagógico da escola, portanto, o planejamento deve ser construído de maneira participativa, no qual os alunos devem ser motivados no primeiro momento a conceituarem a Educação Física podendo discutir os conteúdos e objetivos propostos, organizando-se para buscar modos de execução das atividades a serem planejadas; no segundo momento os incentivado a experienciação das atividades e apreensão do conhecimento; e no terceiro para conclusões, avaliação da aula e projetos para as aulas seguintes. E por fim, como instrumento de coleta, podemos utilizar a observação participante, respeitando o princípio da não exclusão, segundo o qual, nenhuma atividade planejada possa excluir qualquer aluno das aulas de Educação Física, e o princípio da diversidade, proporcionando atividades diferenciadas e não privilegiando apenas um tipo, por exemplo, futebol. Mas vimos que muitas vezes o futebol acaba sendo negado como conteúdo das aulas de educação física, pois se acha que outros conteúdos de devem serem ensinados e que o futebol sempre os alunos praticam. Mas o problema não é só querer ampliar os conteúdos e sim como esses conteúdos podem ser vivenciados. Por que não o futebol? Somos sujeitos agentes de transformação ou conteudistas?

A educação Física escolar: realidades e desafios

    A Educação Física como área de produção e reprodução de conhecimento se estabeleceu historicamente através da tendência higienista; ora através da tendência militarista; ou influenciada pela tendência pedagogicista; ou ainda influenciada pela tendência competitivista.

    Vimos que todas as tendências da Educação Física serviram ou ainda servem aos interesses da elite brasileira para manter o “status quo”. E aí surge uma questão fundamental: como romper com esse modelo e transformar algo no seio da escola por intermédio da Educação Física?

    Podemos observar que ainda hoje depois de reflexões profundas acerca da história da Educação Física no imaginário social impera a figura do professor militarista, do professor formador de atleta e que os conteúdos a serem ensinados nas aulas devem ser de preparação esportiva na busca de medalhas em competições. Vimos que muitas vezes a tarefa principal da aula de Educação Física é introduzir os alunos nos modelos socialmente dominantes do esporte e qualificar os indivíduos para participar dos contextos específicos de ação e normas do esporte. Rendimento e competição possuem uma dimensão objetiva, isto é, uma comparação possível de mensuração de movimentos, que são nada mais nada menos que as concepções dominantes de normas e valores do esporte, oferecidas cotidianamente nas práticas de Educação Física e que são vistas como desejáveis para transmitir, mas também, estes valores e normas são imutáveis.

    O desporto é um produto da sociedade, mas tem alguma autonomia dela. Esta autonomia dá ao desporto a possibilidade de ser visto como ator que influencia a sociedade.

    Na sociedade capitalista moderna, o desporto tem de ser visto essencialmente em termos econômicos.

    Diante disto somos cobrados a todo o momento a realizar a inclusão dos alunos neste processo, na visão de que a sociedade é que deve facilitar a inclusão dos excluídos e a outra visão é que os excluídos que devem promover a própria inclusão por competências individuais e se não conseguem são culpados pelo fracasso por não terem se esforçado o bastante, mas vimos que não existem excluídos deste processo, pois todos nós fazemos parte dele, o que existe é que alguns são mais favorecidos que outros.

    Precisamos refletir que a responsabilidade é da maioria desfavorecida de lutarem pela transformação social.

    Para a escola que reproduz este imaginário social não há problemas, pois o professor de Educação Física poder manter ainda a disciplina, a ação seletiva, a organização dos eventos festivos e cívicos sem vínculo com ações pedagógicas, onde o papel da Educação Física na escola é gastar as energias dos alunos para ficarem mais calmos, atrelada aos ideais olímpicos.

    O papel do professor de Educação Física se restringe a estabelecer a ordem.

A Educação Física e o conhecimento trabalhado ao longo da vida escolar

    Nas aulas de Educação Física escolar, geralmente identificava-se o professor desenvolvendo seu trabalho de forma mecânica, repetitiva, reproduzindo os mesmos testes no início e no final dos períodos letivos, ao longo dos anos. Esse mesmo professor “planejava” as aulas segundo uns modelos estanques, independentes do Projeto Político-Pedagógico, que poderia ser resumido em: correr em coluna, por um ou por dois, no sentido anti-horário, um determinado número de voltas ao redor da quadra. Podemos observar que os resultados da Educação Física na escola são ações com trabalhos repetitivos, falta de fundamentação teórica e conseqüentemente gera-se a falta de legitimidade da disciplina.

    Diante desta realidade devemos trabalhar a Educação Física numa perspectiva de transformação, rompendo com os padrões impostos pela classe dominante do esporte de rendimento. Pois este reflete os ideais do liberalismo econômico instalado em nossa sociedade onde alguém tem que perder para que outro possa ganhar.

    Além destes aspectos encontramos algumas cadeias de resistência para manter este modelo: a direção, a coordenação, professores, pais e alunos.

    Oliveira (1999) aponta a real situação da Educação Física no sistema de ensino:

    “... uma análise da Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional demonstra o espaço reservado hoje para a Educação Física (no sentido mais amplo) nos currículos básicos: nenhum! A ambigüidade da lei não garante qualquer possibilidade de permanência nos currículos da escola básica”.

    Hoje observamos algumas dificuldades enfrentadas pelos professores que distanciam a Educação Física da legitimidade: desinteresse e indisciplina dos alunos; condições de trabalho (falta de espaço e material; muitas aulas para lecionarem; escolas dominadas pelo crime organizado, etc.).

    Mesmo com essas dificuldades encontramos uma realidade da Educação Física na escola na qual os alunos consideram a disciplina como preferida, crescendo assim, a sua importância; existe uma prática pedagógica diversa com diferentes exigências sobre o perfil do professor; aconteceram também alguns avanços em políticas públicas, na produção acadêmica, na sistematização dos conteúdos com propostas advindas de algumas abordagens da Educação Física e por fim com a construção de alguns materiais didáticos, como exemplo a Proposta Curricular do Estado de São Paulo para a disciplina de Educação Física para o Ensino Fundamental (5º ao 9º ano) e Ensino Médio.

Possibilidades de ampliação dos conteúdos da Educação Física

    O professor de natação não pode ensinar o aluno a nadar na areia fazendo-o imitar seus gestos, mas leva-o a lançar-se na água em sua companhia para que aprenda a nadar lutando contra as ondas, fazendo seu corpo coexistir com o corpo ondulante que o acolhe e repele, revelando que o diálogo do aluno não se trava com seu professor de natação, mas com a água. O diálogo do aluno é com o pensamento, com a cultura corporificada nas obras e nas práticas sociais e transmitidas pela linguagem e pelos gestos do professor, simples mediador.

Marilena Chaui

    Vivemos numa sociedade de classes em que as elites dominantes transmitem os valores de seus interesses, procurando nos fazer crer que esses são os únicos e verdadeiros. Essa inculcação de valores limita o nosso poder de reflexão e contribui no sentido de amenizar os conflitos e perpetuar o sistema. Entendemos, também, que além dos interesses de classe não podemos nos descuidar das questões individuais.

    Acreditamos, portanto que o ensino deve ter como objetivo contribuir para o desenvolvimento da consciência individual e sobre a sociedade em que vivemos.

    Vimos anteriormente que a Educação Física no seu processo histórico serviu e ainda ser muitas das vezes de mascaramento ideológico e reproduziu todos os valores do sistema capitalista.

    A Educação Física tem transformado algo no seio da sociedade ao longo deste tempo ou ela tem-se prestado a servir de mascaramento ideológico, onde a inconsciência ocupa o lugar da consciência crítica?

    Notamos que não existe tempo mais propício para a construção e ação de uma práxis pedagógica revolucionária onde educação só pode ser vinculada a uma pedagogia claramente socialista, cuja teoria seja alicerçada no materialismo histórico-dialético e no marxismo como concepção de homem e de história comprometidos com a práxis revolucionária.

    Os conteúdos da Educação Física devem ser substanciados, significativos aos alunos e desta forma transformados em objeto de estudo. Devendo, portanto, os atores do processo educativo passar pelo processo de letramento dos elementos da cultura corporal de movimento. E desta forma surgem perguntas inquietantes: quais conteúdos? Haverá formas e meios de pensarmos em uma divisão sistematizada dos conteúdos da Educação Física? Qual o conteúdo preferido? Qual o conteúdo mais importante?

    Na busca de legitimação surgiram historicamente contribuições apresentadas segundo Darido (1998): Psicomotricidade, Desenvolvimentista, Construtivista, Críticas (superadora e emancipatória), Jogos cooperativos, Saúde renovada e PCN.

    Notamos que muitas dessas abordagens têm influenciado a prática pedagógica aqui no Rio de Janeiro, mas podemos ver que nenhuma delas foram organizadas por autores que atuam aqui no Rio de Janeiro. O que tem provocado certos problemas pela diversidade de realidades encontradas aqui e que muitas das vezes a internacionalização dessas abordagens provocam limitações no processo de ação-reflexão-ação.

    Um dos grandes desafios seria pensarmos sim em uma organização de uma proposta curricular partindo de debates, encontros, seminários e fóruns feitos por professores e estudantes de Educação Física gerando uma orientação na prática pedagógica aqui no Rio de Janeiro pensando na diversidade de realidades encontradas: a cidade, o meio rural, as regiões praieiras, a baixada fluminense, as favelas, etc.

    Desta forma não mais pensaríamos em trazer algo de fora, como uma “camisa de força” uma “receita de bolo” a serem seguidas, como é o exemplo de algumas propostas curriculares lançadas atualmente por alguns governos.

    Estaríamos elaborando, portanto, uma orientação para o Rio de Janeiro através de uma construção coletiva e não apenas por algumas pessoas.

    Desta forma poderíamos levantar quantas manifestações de jogos e brincadeiras, quantas danças e atividades rítmicas, quantos esportes, quantas lutas, quantas formas de ginástica, atividades circenses podemos registrar aqui no Rio de Janeiro e confrontar com todas as manifestações da cultura corporal.

    Nós podemos avançar na medida em que organizarmos as ações da Educação Física no âmbito escolar como fundamentação teórica, planejamento adequado, conteúdos sistematizados e metodologias participantes.

    Devemos, nesse sentido, trabalhar a Educação Física numa perspectiva de transformação, rompendo com os padrões impostos pela classe dominante do esporte de rendimento.

    Diante do exposto podemos compreender o nosso compromisso como educadores.

    A partir de então, começamos a desenvolver um trabalho na condição de professores de Educação Física da rede pública estadual e no colégio Pedro II, com várias tentativas de legitimação da Educação Física, buscando a superação, primeiramente, da concepção de Educação Física que alguns professores têm, de uma disciplina responsável apenas de cuidar do corpo ou de recrear os alunos para passar o tempo, onde o lugar do raciocínio e do pensamento é o espaço dentro da sala de aula. Mas a efetiva superação desta concepção veio através de um processo árduo de auto-reflexão, debates, troca de experiências, e a superação veio também com a participação no conselho de classe, conscientizando e refletindo sobre a importância da Educação Física.

    O outro passo para vencer a falta de movimento, causada pela permanência em sala de aula, sentados a maior parte do tempo, foi dar importância à experimentação dos movimentos em situação prática.

    Diante do planejamento participativo procuramos vivenciar uma proposta concreta e realizável, na qual, dividimos pedagogicamente em mapeamento, vivências e aprofundamento. Em um primeiro momento os alunos foram conhecer a realidade local: a história do município, a história da escola; os espaços públicos e privados de lazer do município, os projetos da prefeitura para o esporte e lazer, o crescimento demográfico, a estética urbana e o processo de favelarização. No segundo momento fizeram o conhecimento real do espaço escolar realizando o levantamento do espaço físico e material e dos horários da escola na perspectiva apontada por Marcellino: “...democratizar o lazer implica em democratizar o espaço” (1996, p.25). Isso num processo de reflexão da escola que temos e a que queremos. E completar este mapeamento, os alunos responderam três questões: O que significa Educação Física e qual o seu objetivo? Que ações a Educação Física deveria realizar para atingir os objetivos de mudança/transformação? Liste abaixo quais conteúdos você gostaria que as aulas de Educação Física trabalhassem durante esse ano.

    No terceiro momento a realização de debates envolvendo a comunidade escolar e a comunidade local, no sentido de refletir a importância da Educação Física na vida das pessoas, conscientizando-as em se organizarem para reivindicar aos poderes públicos espaços e equipamentos para o lazer.

    No processo pedagógico das vivências os alunos construíram e vivenciaram o futebol e futsal, o voleibol, o handebol, o basquetebol e ampliaram para o cinema, o grafite, o hip-hop, o funk, a capoeira, a poesia, o teatro, caminhadas nos bairros e caminhadas ecológicas, o tênis, atividades de consciência corporal, atividades rítmicas e expressivas, outras formas de manifestações da dança, a transformação e utilização de materiais alternativos nas diversas lutas (barbante, cabo de vassoura, garrafa plástica, TNT, bola de aniversário, papelão, etc.). Nesta fase das vivências puderam vivenciar os elementos históricos de cada atividade planejada, compreendendo, analisando, repensando, criando e recriando novas formas de manifestações corporais atuais. Puderam também construir novos materiais para a realização das práticas corporais. Tudo isso fazendo parte dos conteúdos específicos e planejados da Educação Física. E com isso não havendo a exclusão, garantindo acesso de todos os alunos as atividades planejadas anteriormente, mas vimos uma resistência por parte dos jovens e dos idosos com alguns conflitos geracionais, mas com o passar do tempo que as resistências foram vencidas, pois as aulas promoviam um espaço de superação, confronto de diferenças e rupturas de padrões preestabelecidos.

    Além disso, não trabalhamos apenas com um tipo de conteúdo. Percebemos a importância da aprendizagem de conteúdos diversos e significativos.

    Na fase pedagógica do aprofundamento os alunos registram em seus cadernos através de desenhos ou com construção de textos toda a fase das vivências. Pesquisam temas vivenciados. Utilizamos para isso também o laboratório de informática e biblioteca. Realizam entrevistas com os familiares, amigos e professores da escola sobre as práticas corporais.

    No processo avaliativo utilizamos um questionário aberto com as seguintes perguntas: Do que mais gostou? Do que menos gostou? O que a Educação Física contribuiu na sua formação como estudante e ser humano? O que você achou da participação da turma e também da sua nas aulas de Educação Física? Que nota você daria para a sua participação? Dê sugestões de atividades a serem vivenciadas nas próximas aulas. Utilizamos também um quadro aonde os alunos são motivados a responderem o que aprenderam nas aulas de Educação Física.

Conclusão

Sem teoria revolucionária não há prática revolucionária.

Lênin

    Podemos concluir que a mudança estrutural da sociedade deve perpassar pela educação.

E segundo Aranha (1996):

    “E aí reside nossa tarefa: repensar os rumos da escola sem otimismo ingênuo, mas também sem pessimismo derrotista. O que, afinal, é possível fazer dentro dos limites da escola e a partir se suas reais possibilidades?... queremos reforçar a importância da dupla função da escola: a de transmissora da herança cultural e a de local privilegiado para a crítica do saber apropriado. Tarefa difícil essa, uma vez que já nos referimos à crise (mundial) pela qual passa a escola nos tempos atuais. Se é certo que ela reflete também a crise da cultura, podemos compreender a dimensão do desafio posto aos educadores.

    Se essa instituição torna-se indispensável como instância mediadora, estabelecendo o vínculo entre as novas gerações e a cultura acumulada, à medida que a sociedade contemporânea se torna mais complexa a escola adquire, cada vez mais, um papel insubstituível”. (p.69)

    Mas para isso é necessário repensar todo o currículo das licenciaturas, pois atualmente vimos que a didática, a psicologia, a prática de ensino ainda é voltada para o ensino e aprendizagem apenas de crianças das grandes cidades. E os adultos e idosos? O meio rural? A região dos Lagos do nosso Estado? Portanto, é necessária a construção coletiva de um currículo, onde a educação seja voltada para a prática social considerando todas as especificidades. Vimos que é impossível educar crianças, jovens e adultos se os educadores são desvalorizados. Com isso, se faz urgente o lançamento do movimento de trabalhadores da Educação Física, mas para isso devemos saber quem são esses trabalhadores do ponto de vista da sobrevivência e do trabalho (quais são as atividades remuneradas, níveis de ganho, gastos correntes e extraordinários de todos os membros da família), levantar algumas histórias de vida; promover atividades curriculares e extracurriculares que possam favorecer sua organização; gradativamente articular redes de trabalhadores e educadores organizando feiras de troca; colocar em debate o mundo do trabalho, a economia, a política e a sociedade; o educador deve acordar o desejo de aprender nas crianças, jovens e adultos e refletir que desafios a Educação Física pode trabalhar para estabelecer outra sociedade? As tentativas de legitimação de a Educação Física devem ser grandes avanços, mas não depende somente das nossas aulas, é preciso compreender em que ideologia a escola está situada, pois a escola ainda é o lugar de transmissão de conhecimentos, do pensamento único, do poder estabelecido. E o mecanismo de controle está presente em todos os espaços, considera-se que o importante são os comportamentos manifestos, observáveis, mensuráveis. E para romper com esta lógica se fazem necessárias mudanças estruturais, que acabem com todo o sistema neoliberal.

    Enfim, concluímos que as nossas tentativas de legitimação devem procurar romper com toda a ideologia dominante e de não ser apenas uma disciplina qualquer, sem nenhuma relevância para os alunos e nem somente legal, mas sim legítima.

    “Venho do porão. Lugar de minoria, mas gente rebelde, de mente que pensa, e voz que não cala. Gente que luta, resiste, e mesmo reluta, mas se atreve a pensar. Ser consciente. Ver o que vive, e vivendo a vida, a vida enxergar. Discuto, analiso, revejo valores, corto as amarras. Sem a certeza do certo, me agonio. Nem sempre, tenho a resposta que quero, nem sempre a resposta que espero. Penso em mim, nos outros, na fome, na miséria, no preconceito. Quero um mundo mais justo, mais fraterno, mais solidário. Utopia. Responde a ideologia. Digo que não. A resposta respondo, com elaboração e ação. Respondo com práxis”. (Caderno de textos da disciplina Didática Geral do Curso XVII em especialização em Educação Física Escolar da Universidade Federal Fluminense - Professor Waldyr Lins de Castro)

Bibliografia

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