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O futebol brasileiro e suas interfaces com 

a intervenção estatal: autonomia e crise

 

Centro de Pesquisa em Esporte, Lazer e Sociedade

Universidade Federal do Paraná

(Brasil)

Prof. Saulo Esteves de Camargo Prestes

Prof. Dr. Fernando Marinho Mezzadri

sauloesteves@hotmail.com

 

 

 

Resumo

          O presente artigo visa, através de uma digressão histórica estruturada a partir de uma revisão bibliográfica, expor algumas interfaces entre o futebol brasileiro e a intervenção Estatal. Ressaltam-se os primeiros passos da modalidade no país e sua plena autonomia em relação ao Estado, visto que no início do século XX sua prática se resumia ao interior dos clubes elitistas. A partir do momento em que o acesso à modalidade se amplia aos demais segmentos da sociedade brasileira, o Estado se depara com um fenômeno de massas e passa a se preocupar com os desdobramentos de seus impactos no ambiente urbano em vias de estruturação nas primeiras décadas do século XX. Desde o primeiro governo de Getúlio Vargas, o Estado brasileiro passou a intervir sistematicamente no intuito de organizar e regulamentar este espaço social; tendência que se materializou na regulamentação da profissionalização do futebol, na criação do CND (Conselho Nacional de Desportos), na implementação da lei do passe e, comprometeu a noção de plena autonomia desse espaço social. Essa tendência permaneceu presente na relação entre Estado e futebol brasileiro até meados da década de 1980; momento no qual se expandem em escala global os preceitos neo-liberais e evidenciou-se a ação do não-estado (BOBBIO, 2007), elemento que restringiu a intervenção estatal nas demais esferas da sociedade. Entretanto, o espaço social delimitado pelo futebol brasileiro se demonstrou ineficiente no que tange a sua auto-regulamentação. Assim sendo, quando se fala em autonomia do futebol brasileiro em relação ao Estado, cabe ressaltar que se trata de uma relativa autonomia. Utiliza-se o termo relativa autonomia pois, diante de constantes desequilíbrios, anomias e quadros de ingovernabilidade (RIBEIRO, 2007); o Estado brasileiro tem efetuado constantes intervenções nesse espaço social a vim de regulamentar e estruturar suas diretrizes.

          Unitermos: Futebol. Política. Sociedade

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 142 - Marzo de 2010

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Introdução

    Algumas evidências indicam que o futebol no Brasil alternou períodos nos quais se estabeleceu uma regulamentação diretamente organizada pelo Estado e uma concepção de gestão e estruturação cada vez mais independente desta intervenção e alocada sob o primado do não-Estado, que então se responsabilizou apenas em desenvolver um ordenamento legal normativo para regular e fiscalizar os encaminhamentos seguidos pela modalidade.

    Entretanto, o Estado brasileiro sempre esteve atento aos rumos trilhados pela modalidade no país desde que a prática passou a representar um importante significado social para a população brasileira no início do século XX.

    Os estudos do historiador Nicolau Sevcenko sobre a organização da sociedade paulistana no início do século XX contribuem de maneira singular para ilustrar o significado social que o futebol adquirira já naquele momento e sobre a possibilidade de interferência estatal na modalidade que se desenhara.

    O autor trata de descrever as características do futebol enquanto um fenômeno tipicamente urbano do início do século XX; destaca o imenso público que se dirigia aos estádios1, naquele momento em condições ainda muito aquém das demandas que já se apresentavam, e da necessidade da construção de um “Stadium paulistano” 2 para comportar tamanho contingente populacional, algo que era exaustivamente alertado pela imprensa.

    Esse panorama indica que definitivamente o futebol transcendeu os muros restritivos dos clubes elitistas e passou a figurar como traço característico da população nacional, principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo. Ao se deparar com a magnitude do fenômeno e com os “descompassos” gerados por ele, como indica Sevcenko, o Estado se vê diante da necessidade de adotar uma postura intervencionista em relação ao futebol brasileiro.3

    As tensões, conflitos e os desequilíbrios no futebol brasileiro que até então eram circunscritos às relações estabelecidas no interior dos clubes e nas ligas amadoras extrapola tais limites, comprometendo a noção de absoluta autonomia da modalidade, e passam a configurar um plano mais amplo; demandando uma intervenção direta do Estado na organização e regulamentação do futebol.

    Ademais, a intervenção estatal em todas as esferas componentes da sociedade é impulsionada pela crise da política oligárquica fundamentada na cafeicultura e do próprio liberalismo republicano do início do século XX; acabando por se estruturar uma atuação mais autoritária do Estado, inclusive, no âmbito esportivo.4

A intervenção Estatal se insere no universo do futebol brasileiro

    Para (BOBBIO 1987), o Estado em sua forma totalitária regula todas as esferas da sociedade; o poder político agrega a si todo o poder econômico e ideológico, caracterizando grande concentração de poder no aparelho governamental.

    “No Estado totalitário toda a sociedade está resolvida no Estado, na organização do poder político que reúne em si o poder ideológico e o poder econômico. Não há espaço para o não-Estado.” (BOBBIO 1987, p. 121)

    Na primeira gestão de Getúlio Vargas as práticas desportivas passam a ser supervalorizadas pelo Estado brasileiro; o governo burocrata e centralizador composto por uma minoria política detentora do poder procurava regulamentar todas as áreas de alcance social; e o futebol, que já gozava de grande prestígio na sociedade brasileira, era uma delas.

    Neste momento histórico o Estado emerge enquanto o principal agente no contexto da sociedade brasileira da época; se caracterizava pela detenção do monopólio sobre as tomadas de decisões e pela supressão de movimentos opositores. O governo varguista visava modernizar a nação brasileira tendo como seus pilares a intensificação da industrialização e a consolidação da unidade nacional.5

    O Estado organizado por Getúlio Vargas estruturou inúmeras ações disciplinadoras dirigidas ao universo esportivo visando moldar e consolidar a identidade nacional brasileira, que então se demonstrava fragilizada graças às reações separatistas das velhas oligarquias diante de uma nova ordem política idealizada pelo novo governo.

    Essas tensões se intensificaram e culminaram no episódio conhecido como a Revolução Constitucionalista (1932), que ideologicamente lutava pela soberania paulista.6

    Mesmo conseguindo suprimir a Revolução Constitucionalista, Vargas dirigiu seus esforços em minimizar os impactos da derrota na sociedade paulista intencionando não comprometer sua idéia de dar unicidade e fortalecer a identidade nacional brasileira; portanto, nenhum tipo de represália foi irrompido aos paulistas.7

    O governo de Getúlio Vargas se aproximou das questões referentes ao futebol desenvolvendo uma série de ações visando atenuar desequilíbrios e tensões que se apresentavam à época, idealizando o Torneio Rio-São Paulo (1933) e intensificando os laços entre o Estado brasileiro e o selecionado nacional.

    O próprio Getúlio foi considerado o patrono da seleção brasileira, manifestando a relação entre presidente da república e o futebol, que se tornaria algo recorrente na sociedade brasileira.8

    Entretanto, a principal intervenção do primeiro governo de Getúlio Vargas no futebol brasileiro foi a regulamentação do regime profissional, que superou o chamado “profissionalismo marrom” que caracterizava a modalidade.

    Durante a década de 1920 o futebol brasileiro vivia um período conturbado no qual se acaloravam os debates sobre o rumo da modalidade no país em referência a adoção ou não do profissionalismo. Já naquele momento as equipes de maior expressão se organizavam em ligas para a disputa de torneios, a competitividade se acirrava e para se lograr êxito nos certames era necessário recrutar os melhores jogadores para as equipes.

    Portanto, a iminência do profissionalismo possibilitou que indivíduos até então excluídos da prática do futebol nos principais clubes daquela época, integrassem os quadros dessas associações graças às habilidades e competências com a bola nos pés. Porém, mesmo com o ingresso de indivíduos de camadas mais pobres nas equipes dos clubes, o caráter elitista e distintivo de algumas associações era mantido. Por exemplo, o Fluminense abriu as portas para os bons jogadores, mas não lhes permitia o acesso às demais dependências do clube.9

    As críticas dirigidas à profissionalização do jogador de futebol postulavam que o novo sistema acabaria com o amor ao clube e com o companheirismo; ideais vinculados ao esporte moderno desde seu surgimento na Inglaterra em meados do século XIX e que denotavam características cavalheirescas e fidalgas à manifestação.10

    A manutenção de tais ideais se aplicava aos jogadores abastados da elite, que poderiam até se ofender diante do recebimento de dinheiro para jogar futebol; entretanto, aos jogadores mais pobres não ocorria nenhum tipo de ressentimento ou impedimento moral para o recebimento de recompensas ou prêmios, já que muitos deles até abandonavam um dia ou outro de trabalho para se dedicar aos treinamentos ou jogos.11

    A favor do profissionalismo se apresentava a crescente evasão de craques brasileiros para a Europa sem qualquer recompensa financeira para os clubes do Brasil. Para se ter uma idéia, em 1931, cerca de 39 jogadores brasileiros deixaram o país rumo à Itália12, situação que foi explorada intensamente pelos defensores da profissionalização que seria adotada no Brasil em 1933.13

    Em suma, os impasses e as tensões entre os defensores do amadorismo e os entusiastas do modelo profissional se perpetuaram em meio à distribuição de prêmios e salários indiretos até que o Estado interveio diretamente na questão institucionalizando o sistema profissional.14

    Inserido nesse projeto de consolidação da unidade nacional no decorrer da década de 1930 estava o futebol, que se disseminava com forte intensidade na sociedade brasileira e aglutinava as massas diante dos clubes e do selecionado nacional graças, principalmente, as coberturas jornalísticas e as locuções no rádio.15

    Processo semelhante ao que então se desenvolvera no futebol brasileiro à época, incorporando um significativo número de indivíduos em seu universo graças ao fenômeno da massificação que se evidenciava, com as devidas ressalvas, no cenário político nacional.

    Em decorrência da regulamentação do salário mínimo, do voto secreto e do direito ao voto feminino por intermédio da Constituição de 1934 ocorreu a emergência das classes populares na cena política garantida pela tutela estatal.

    “Com pulso firme e graças ao apoio obtido junto à população das grandes cidades, o novo arranjo político liderado por Getúlio Vargas enquadrava as oligarquias e reduzia a autonomia regional em nome da unidade nacional.” (FRANCO JÚNIOR, 2007 p. 79)

    Ilustrando as intenções levadas a cabo pelo governo Estadonovista em referência aos esportes e especificamente ao futebol, temos a inauguração do estádio do Pacaembú em abril de 1940.

O futebol enquanto um mecanismo de comunicação entre o Estado e as massas populacionais

    O próprio Getúlio Vargas foi encarregado de presidir a solenidade festiva de inauguração; que contou com forte apelo emotivo e caracterizou-se como um grande evento cívico-político.16

    Aquele momento propiciou um profícuo ambiente de interação entre o governo e a massa populacional; além de fomentar o projeto idealizado pelo governo Vargas de fortalecer a identidade nacional, que particularmente em São Paulo, se encontrava fragilizada desde a Revolução Constitucionalista de 1932.17

    Evidências de como o futebol foi um instrumento na tentativa de desenvolver um sentimento de unidade nacional durante o governo Vargas são os estádios do Pacaembú e de São Januário, que não por acaso, foram palcos de comemorações do Dia do Trabalho, levando milhares de espectadores as suas fileiras ao invés da limitada presença das elites.18

    Visava-se atingir o maior número possível de indivíduos com as ações políticas; o Estado se preocupava com a coletividade,19 muito embora mantivesse um modelo tradicional de gestão20, que restringia a intervenção da sociedade na elaboração das políticas e centralizasse o poder em suas mãos.

    O futebol, modalidade que já se profissionalizara, deveria sofrer “rigorosa vigilância por parte do governo”21; toda a organização, fiscalização e promoção do esporte se concentrava nas mãos do Estado. Através do esporte o governo brasileiro enaltecia os sentimentos ufanistas e procurava fortalecer a identidade nacional brasileira.

    Sem dúvidas o governo de Getúlio Vargas difundiu sentimentos nacionalistas através do futebol, que junto do carnaval, se consolidou como o maior espetáculo de massas da sociedade brasileira, fortalecendo a identidade nacional por intermédio de ações, por vezes, autoritárias.

    A implantação do Estado Novo em 1937 estreitou ainda mais a relação estabelecida entre Getúlio Vargas e o esporte brasileiro; acarretando a criação do Conselho Nacional de Desportos (CND), entidade que abarcava a organização de todas as modalidades esportivas e as mantinha sob direta gerência estatal.

    A criação do CND retrata a ação autoritarista do Estado organizada pela gestão Estadonovista e, em especial referência ao futebol, acaba por estabelecer uma “harmonia social” a partir do momento em que suprime as tensões até então geradas entre os defensores e opositores à adoção do regime profissional na modalidade; além disso, as interferências estatais nesse espaço até então privado (caracterizado pelos clubes e pelas Ligas de Esportes), intencionavam uma ação disciplinadora em termos morais e políticos22

    Fato que corrobora a centralização do poder nas mãos do Estado é a inexistência de uma entidade específica que regulamentasse e dirigisse o futebol brasileiro na época; a Federação Brasileira de Futebol (entidade máxima da modalidade durante o período) era vincula ao Conselho Nacional de Desportos -CND.23

    “Na mesma lógica que orientava as medidas corporativas do Estado Novo, em 1941 foi criado o Conselho Nacional dos Desportos, vinculado ao Ministério da Educação e Cultura, que subordinava a CBD (Confederação Brasileira de Desportos) e as federações regionais e tinha poder de fiscalização, normatização e organização de todas as modalidades esportivas do país. Seus objetivos eram a modernização desportiva e sua utilização para a legitimidade do regime. Ou melhor, a modernização esportiva para aquilo que parecia a modernização do Estado e da sociedade.” (FRANCO JÚNIOR, 2007 p. 81)

    As tensões desencadeadas em decorrência da II Guerra Mundial finalmente se irradiaram no Brasil e obrigaram o Estado brasileiro a se posicionar de maneira mais clara diante do cenário que opunha os países do Eixo Roma-Berlim-Tóquio ao restante da Europa e aos Estados Unidos da América.

    Assim sendo, principalmente influenciado pelos ataques japoneses a Pearl Harbor em 1941 e o conseqüente efetivo ingresso norte-americano no conflito, o Estado brasileiro corta relações com os países do Eixo. Este panorama gerou um ambiente extremamente hostil aos imigrantes que viviam no Brasil e se intensificou após o suposto torpedeamento de navios brasileiros por submarinos alemães e italianos, pois passaram a ser atacados e perseguidos por boa parte da opinião pública.24

    Diante deste contexto, o CND decretou uma portaria que proibia terminantemente as manifestações de caráter nacionalista envolvendo qualquer tipo de alusão aos países do Eixo nos eventos esportivos. Dessa maneira, muitas associações e entidades esportivas foram obrigadas a alterarem seus uniformes e até seus nomes.25

    Findado o conflito, o cenário mundial que se apresentava era um continente europeu completamente esfacelado e a emergência de duas Superpotências (Estados Unidos da América e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) que passaram a se “enfrentar” não mais nos campos de batalha, mas principalmente em uma disputa político-ideológica e econômica nos mais diversos “palcos simbólicos”.

    Um desses “palcos simbólicos” nos quais se estabeleceram esses enfrentamentos foi o dos eventos esportivos, especialmente os Jogos Olímpicos.26

    Não por acaso essa tendência se irradiou pelo mundo e se instalou no Brasil; em comparação com o projeto levado a cabo pelo governo Vargas durante o Estado Novo, essa nova relação entre o Estado brasileiro e os esportes (em particular com o futebol) visava afirmar o país enquanto uma nação desenvolvida perante o cenário mundial, se buscava associar o sucesso esportivo com a prosperidade da nação.

    Ao final da Segunda Guerra Mundial no Brasil, Getúlio Vargas acaba por ser deposto e; coube ao país, agora sob a governança de Eurico Gaspar Dutra, organizar o primeiro Mundial pós-guerra. Já naquele momento era consenso entre os governantes políticos que, uma das principais maneiras de manter a popularidade e estabelecer um mecanismo de comunicação eficiente com as grandes massas populacionais era através dos esportes e, especialmente, do futebol.

    Tendo como exemplos bem sucedidos as formas como Uruguai (durante a Copa do Mundo de 1930) e Alemanha (durante os Jogos Olímpicos de 1936) capitalizaram as vantagens em realizar um evento esportivo internacional de tamanhas proporções a favor de seus respectivos regimes políticos; o Brasil fez valer seus interesses diante dos vizinhos argentinos, que também aspiravam receber o Mundial, e conseguiu o direito de ser o país sede.

    Garantindo o direito de sediar o Mundial, o Brasil se comprometeu com a FIFA em construir um estádio que comportasse um grandioso número de espectadores para a realização do torneio. Assim sendo, em 16 de junho de 1950, o grandioso estádio do Maracanã (naquele momento o maior do mundo) se tornou uma referência em todo mundo quando se falava de Brasil, era o palco de celebração da nacionalidade brasileira.

    O fato foi motivo de euforia no país27 e se tornou, ao menos simbolicamente, um sinônimo de prosperidade e sucesso do Brasil no cenário internacional.28

    Vislumbrando se aproximar das massas populacionais através do futebol, os candidatos ao cargo de presidente da república na época, se aproveitaram da euforia causada pelas vitórias brasileiras no Mundial e o clima ufanista que se instalara no Maracanã buscando associar suas respectivas candidaturas ao sucesso do selecionado nacional.29

    Todo o processo que envolveu a realização da Copa do Mundo de 1950 no Brasil faz parte de um projeto de auto-afirmação do país diante de si mesmo; ou seja, uma tentativa de se consolidar uma identidade nacional ameaçada pela extensão geográfica e pelas diversidades e disparidades culturais que se evidenciavam. Além disso, reflete uma intenção do Estado brasileiro, através da organização de um evento de tal porte, transmitir ao mundo uma imagem positiva do Brasil; dar a entender que o país trilhava os rumos da modernidade e da civilidade.30

    Essa intencionalidade foi mantida e potencializada em 1958, ano da primeira conquista brasileira em Copas do Mundo, durante o governo de Juscelino Kubitschek que tratou de se aproximar intimamente do selecionado nacional durante a campanha vitoriosa. Ademais, o clima positivo que o país vivia naquele momento de crescimento econômico era abertamente relacionado com os êxitos obtidos na referida competição internacional.31

    A modernização conservadora32 levada a cabo por Juscelino Kubitschek, numa tentativa de consolidação do capitalismo no Brasil, acabou por gerar um custo social muito oneroso ao país33 e, principalmente, ao ideal populista que caracterizava o governo e alicerçava o modelo econômico. Enquanto resultado desse período crítico emerge no Brasil a ditadura militar em 1964; e que perdurou até 1985.

    Nesse período, a base da gestão pública continuava baseada na centralização do poder. Tais intervenções são perceptíveis tanto na consolidação da construção de estádios de futebol34 e das políticas públicas desenvolvidas nos municípios, quanto na legislação esportiva e do futebol. Nesse período o Governo Federal editou três Decretos Leis, sendo eles Lei n° 6.251 de 1975, Lei 6.354/1976 Lei do Passe, Decreto-Lei n. 80.228/77.

    Durante o governo militar as intervenções estatais no futebol seguiam a lógica de dar sustentabilidade ao regime e de associar os sucessos da seleção nacional, mais uma vez, ao crescimento do país no cenário nacional.

    A maior prova de tentativa de legitimação do regime através da associação do sucesso esportivo à prosperidade da nação é evidente após a conquista brasileira na Copa do Mundo de 1970; período marcado pelo aquecimento da economia nacional que ficou conhecido como o “milagre econômico.”35

A pretensa autonomia se desenha no universo do futebol brasileiro

    Quando se menciona a lei 6.251, que institui voto unitário das federações e confederações; o que aparentemente dava um ar de “democracia” ao campo esportivo, na verdade se constituía como um grande colégio eleitoral ao regime militar. Em termos práticos, os campeonatos organizados pela CBD (Confederação Brasileira de Desportos) apresentavam um inchaço de clubes sem nenhuma expressão na cena futebolística do país (chegando o Campeonato Brasileiro contar com 94 clubes em 1979); mas que rendiam dividendos políticos ao regime por conta da barganha que se estabelecia.36 (AGOSTINO, 2002)

    Apresentou-se a intervenção Estatal mais uma vez materializada na Lei 6.354/1976 Lei do Passe. “Esta Lei regulamentava as relações de trabalho do atleta profissional de futebol com o clube. Deixava praticamente o atleta vinculado à Instituição enquanto esta tivesse interesse. O profissional não podia escolher livremente seu empregador.”37 (MEZZADRI 2007).

    Esta situação evidencia um deslocamento de poder na organização e regulamentação do futebol brasileiro para as mãos dos dirigentes dos clubes no que tange às relações profissionais entre essas entidades e os atletas; aqueles passaram a ser “patrimônio” das agremiações.

    Concomitantemente, fato que corrobora o processo de aumento da autonomia da modalidade e o próprio processo de democratização em curso no país é o advento da criação da Confederação Brasileira de Futebol, que data de 24 de setembro de 1979 e que passa a regular e dirigir a modalidade no país.38

    A principal ruptura entre a direta intervenção Estatal e a ampliação da autonomia no futebol brasileiro; autonomia que, como será relatado adiante, acabou por ocasionar uma série de desequilíbrios e tensões na organização da modalidade.

A pretensa autonomia e o desencadeamento de tensões e desequilíbrios

    A Constituição Federal de 1988 através de seu artigo 21739 alterou de maneira determinante e profundamente o entendimento do esporte; e em conseqüência disso a estrutura do futebol e suas relações com a sociedade e com o Estado também foram alteradas.

    “Obviamente, mesmo com a promulgação da Lei, a estrutura do futebol não mudou do dia para a noite, mas a partir dela foram abertos alguns espaços mais democráticos que possibilitaram maior autonomia na administração das entidades esportivas (clubes, federações e confederações) e na participação dos jogadores de futebol. O próprio Parágrafo primeiro do Art. 217, afirma a autonomia das entidades esportivas. Assim as disputas entre os agentes esportivos começavam a ter novos desdobramentos.” (MEZZADRI 2007)

    Gradativamente esses espaços de maior autonomia vão se ampliando e tornando as diretrizes que determinam o curso da modalidade no Brasil mais dependentes de um número cada vez maior de agentes que se inserem nesse espaço social; ou seja, principalmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988, a trajetória do futebol brasileiro passou a ser determinada também pelas interações entre agentes até então marginalizados neste campo de disputas.

    Com o avanço do liberalismo econômico e dos sistemas democráticos em escala global; e a conseqüente decadência do regime militar ditatorial no Brasil fez com que ganhasse força no país a ação do não-Estado, que nada mais é do que a capacidade de se impor limites ao Estado.

    “A principal conseqüência do primado do não-Estado sobre o Estado é ainda uma vez uma concepção meramente instrumental do estado, a sua redução ao elemento que o caracteriza, o poder coativo, cujo exercício a serviço dos detentores do poder econômico deveria ser o de garantir o autônomo desenvolvimento da sociedade civil...” (BOBBIO 1987, p. 123)

    A ação do não-Estado indica que as inúmeras esferas da sociedade civil, inclusive o universo do futebol, passaram a se organizarem de maneira cada vez mais autônoma em relação à intervenção estatal, que então se esforçara para conter gastos com as políticas sociais, transferir a responsabilidade de gestão sob serviços de utilidade pública ao setor privado, desempenhar o poder coativo (controle da violência) e agir como uma instância normativa, regulamentadora e punitiva.

    No caso específico do futebol brasileiro, essa organização cada vez mais autônoma em relação ao Estado gerou uma série de desequilíbrios e tensões que acabaram por acarretar em uma crise vivida pela modalidade no país, que se intensificou por diversos fatores: despreparo dos dirigentes que deveriam assumir o controle da modalidade pautados nos preceitos da administração profissional, ausência de uma lei específica que regulamentasse o futebol organizado através de uma nova estrutura, por problemas relacionados à violência que passaram a se manifestar no futebol do Brasil, por uma grave crise econômica desencadeada no país que afetou significativamente clubes e federações; entre outros fatores.40

    Abordando alguns problemas sobre a autonomia do futebol atual no continente europeu, o historiador Luiz Ribeiro apresenta alguns apontamentos aplicáveis à realidade brasileira e que ilustram a crise organizacional vivida pela modalidade no Brasil em meados da década de oitenta.

    Esta relativa autonomia que se mantêm até os dias atuais foi profundamente alterada41 em suas raízes em virtude de processos sociais imprevisíveis que alteraram a lógica de funcionamento deste campo social (futebol); o fim do amadorismo, a profissionalização dos jogadores, a popularização da modalidade, a espetacularização, a mercantilização e a consolidação do futebol empresa.

    Segundo o autor, as medidas neoliberais adotadas na Europa, principalmente por Margaret Thatcher na Inglaterra e por Helmut Khol na Alemanha, ao desmantelarem a política de bem-estar social, influenciaram diretamente o futebol no continente em decorrência da livre competição de mercado, do desemprego em massa e da instabilidade social, desencadeando um processo de anomia e ingovernabilidade.42

    Essa noção de anomia indica que o desenvolvimento do futebol na atualidade vem acarretando uma série de desequilíbrios, de tensões que apontam para uma ausência de ações regulamentadores e de regras.

    Destaca-se também que ao relacionar os problemas e as anomias que se inscrevem no futebol profissional com a mentalidade eminentemente empresarial para se administrar o espetáculo esportivo; evidencia-se que um efetivo combate à violência nos estádios e aos escândalos ligados à corrupção e demais falhas estruturais somente se consolidou a partir do momento em que tais desequilíbrios se apresentaram como empecilhos para a comercialização do espetáculo esportivo em fins da década de 1980 e início da de 1990. (PRONI, 2007)

    Desde então é considerado uma prioridade no universo do futebol em escala global preservar a ordem, prover segurança e conforto ao público consumidor do espetáculo, transmitir uma imagem de lisura e estruturar uma forma de entretenimento organizada; que no Brasil se materializou no EDT.

    Partindo dessa consideração, algumas conseqüências neoliberais puseram em xeque a autonomia do futebol europeu principalmente em relação a dois aspectos apontados por (RIBEIRO, 2007 p. 55)

    “Nos últimos trinta anos, dois fenômenos vêm expondo e revelando o perigo – do ponto de vista do poder público instituído – dessa autonomia: o crescimento econômico fabuloso do futebol e seu envolvimento com a violência urbana e com a segurança pública.”

    Os impactos dessas conseqüências neoliberais no futebol também são visíveis no Brasil, principalmente se considerarmos as políticas adotas desde o início da década de noventa por Fernando Collor de Melo.43

    Não por acaso esses dois problemas da autonomia do futebol europeu apontados pelo autor se manifestam também no futebol brasileiro, através dos constantes atos violentos nos estádios e seus arredores ou das obscuras “parcerias”44 entre clubes e supostas empresas interessadas em investir no futebol.

    Portanto, sempre ao se falar em autonomia leia-se autonomia relativa, pois na atualidade o Estado brasileiro tem realizado constantes intervenções, para elucidar esses problemas que, dado o significado social do futebol para a sociedade brasileira, se tornam um problema de direito público.45

    Esta autonomia relativa se comprova ao se observar a própria emergência do futebol-empresa na década de 1970 no futebol italiano, inserido em um contexto de franca expansão da globalização. (PRONI & ZAIA, 2007).

    Os fatores que impulsionaram o desencadear desse processo são exatamente aspectos anômicos conseqüentes da relativa autonomia que caracteriza o campo social que delimita o futebol e o acompanha desde suas origens.

    Neste caso, se efetivou uma ação interventora do Estado italiano46 no intuito de fiscalizar as gestões de clubes e federações, que se demonstravam deficitárias por conta de dívidas previdenciárias, gestões utilizadas como mecanismos de lavagem de dinheiro e escândalos envolvendo manipulação de resultados da loteria esportiva.47

    Ao descrever este contexto é possível compreender como o futebol se desenvolve à margem de uma direta intervenção estatal mas não completamente desvinculada e imune a mesma

    A partir do momento em que, de alguma maneira, o desenvolvimento do futebol transcende as relações limítrofes de seu próprio e exclusivo espaço social, o Estado, enquanto entidade reguladora e normatizadora da sociedade, intervêm de maneira incisiva para que determinados impactos anômicos dessa autonomia sejam suprimidos.

Notas

  1. “A assistência de ontem ao jogo Palestra x Paulistano no Parque Antártica bateu, cremos, o recorde das lutas esportivas em São Paulo. Cerca de 40 mil pessoas acorreram à grande praça de esportes do Palestra.” OESP, 17-11-1919, “Palestra x Paulista – a assistência.” Citado por (SEVCENKO, 1992 p 58-59).

  2. “A paixão futebolística crescia muito mais depressa do que as providências administrativas dos clubes ou do governo podiam acomodar ou sequer acompanhar, estabelecendo a infra-estrutura de recursos e serviços urbanos capaz de garantir a sua plena vazão e desenvolvimento. Já no torneio do primeiro semestre desse ano de 1919, ficara clara a necessidade premente de um grande estádio municipal para os jogos decisivos, e a imprensa, sobressaltada com o evidente descompasso, passaria a fazer da questão da praça de esportes monumental o seu principal cavalo de batalha na área desportiva.” (SEVCENKO, 1992 p. 59).

  3. Em relação ao “Stadium paulistano”, a demanda só veio a ser cumprida durante a década de 1930, quando iniciaram as obras do estádio do Pacaembu.

  4. RIBEIRO, Luiz Carlos. Brasil: Futebol e identidade nacional. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 8, Nº 56. Enero de 2003. http://www.efdeportes.com/efd56/futebol.htm

  5. A dança dos Deuses: Futebol, cultura e sociedade. (FRANCO JÚNIOR, 2007).

  6. AGOSTINO, 2002 p. 140-141.

  7. Idem.

  8. “Uma das primeiras manifestações desta interação entre líder e esporte ocorreu em dezembro de 1932, quando a seleção brasileira foi recebida com festa após uma jornada de vitórias no Uruguai, onde disputou a Copa Rio Branco...” (AGOSTINO, 2002 p. 142).

  9. PEREIRA, 2000.

  10. A este respeito consultar (ELIAS, Norbert; DUNNING, Eric) A Busca da Excitação. Ed. Difel. Lisboa. 1992.

  11. AGOSTINO, Gilberto. Vencer ou morrer: futebol, geopolítica e identidade nacional. – Rio de Janeiro: Mauad. 2002.

  12. Idem.

  13. “Cada vez de forma mais freqüente, dirigentes europeus vinham para a América do Sul atrás de talentos argentinos, uruguaios e brasileiros. Na verdade, como ainda não existia um regime profissional nestes países, um jogador não estava preso a este ou aquele clube. Isto significa que poderia deixá-lo a qualquer momento... Para a FIFA tratava-se de um negócio perfeitamente legal.” (AGOSTINO, 2002 p. 59).

  14. “Ela já se inicia em 1933, com o governo criando a profissão do jogador de futebol e obrigando - como a todo trabalhador assalariado - a sua sindicalização. Na verdade, a profissionalização do jogador de futebol correspondia a um movimento cultural e político mais amplo, envolvendo tanto os interesses de disciplina social do Estado, a dinâmica específica do futebol, quanto um clima cultural, que perpassava toda a sociedade, de produção de uma identidade nacional forte. Com relação à situação específica do futebol, a profissionalização correspondia à tensão que existia entre a tradição elitista e amadora dos primórdios da prática esportiva e a necessidade de regulamentar nos clubes - numa conjuntura de popularização do futebol - a crescente participação de jogadores remunerados, de sua maioria de origem pobre e negra.” (RIBEIRO, 2003).

  15. “As transmissões radiofônicas das partidas, inauguradas no início dos anos trinta, também tiveram papel destacado no aumento da popularidade do futebol. A Copa do Mundo de 1938, na França, a primeira que o brasileiro pôde acompanhar ao pé do rádio, superara todos os índices de audiência registrados até então e tornou o futebol ainda mais popular... Para incentivar o público a comparecer aos jogos do campeonato organizado pela Liga Carioca, Mário Filho convenceu dirigentes de clubes a promoverem campeonatos entre as torcidas pelo jornal O Globo. ... Com essas ações, Mário Filho dava sua contribuição ao desenvolvimento do futebol como espetáculo de massas.” (ANTUNES, 2004, p. 128-129).

  16.  “Poucas vezes, acreditamos, nos será dado presenciar uma festa como essa, em que tão harmoniosamente se entrelaçam, para o deslumbramento de quantos ali tiveram de comparecer, as flâmulas multicores das legiões moças que pugnam pelo aperfeiçoamento eugênico da raça, nas pistas e nas piscinas de São Paulo, de cada um município paulistas, do Rio de Janeiro e das nações irmãs do continente; as melodias suavíssimas da alma em flor da nossa gente ...” Inaugurado o Estádio Municipal do Pacaembú, O Estado de São Paulo, 28-04-1940; citado por NEGREIROS, 1997.

  17.  NEGREIROS, 1997. O Estádio do Pacaembú. In Encontro de história do Esporte, Lazer e Educação Física: As ciências sociais e a história do esporte, lazer e educação física – Coletânea do V encontro – Ijuí: Ed. Da UNIJUÍ, 1997.

  18. A dança dos Deuses: Futebol, cultura e sociedade. (FRANCO JÚNIOR, 2007 p. 80).

  19. “O Estado não conhece direitos de indivíduos contra a coletividade. Os indivíduos não têm direito, têm deveres! Os direitos pertencem à coletividade! O Estado, sobrepondo-se à luta de interesses, garante só os direitos da coletividade e faz cumprir os deveres para com ela. O Estado não quer reconhecer a luta de classes. As leis trabalhistas são as leis de harmonia social.” Discurso de Getúlio Vargas aos trabalhadores de São Paulo, em 27 de julho de 1938.

  20.  “Para Spink, uma administração tradicional é constituída de uma forma autoritária de gestão, ou seja, a administração acontece a partir da centralização do poder, sendo o Estado governado pelos burocratas, cabendo a estes interpretar as necessidades sociais, políticas, econômicas e culturais da população.” (MEZZADRI 2007) “As possíveis interferências do Estado na estrutura do futebol brasileiro. In Futebol e Globalização. Luiz Ribeiro (org.) Ed. Fountoura – Jundiaí-SP”.

  21. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.199 de abril de 1941.

  22. RIBEIRO, 2003.

  23.  “Como os pressupostos básicos da legislação do CND eram a fiscalização e a orientação das atividades esportivas por intermédio de pessoas de elevada expressão cívica, passava-se a idéia da construção da identidade nacional através do esporte.” (MEZZADRI 2007) “As possíveis interferências do Estado na estrutura do futebol brasileiro. In Futebol e Globalização. Luiz Ribeiro (org.) Ed. Fountoura – Jundiaí-SP”.

  24. “Nesta hora, a já combalida liberdade dos estrangeiros no país sofreu mais um duro golpe. Rigidamente vigiados, sendo obrigados a utilizar salvo-condutos para viajar, italianos, alemães e japoneses foram proibidos inclusive de se comunicar em seu idioma natal.” (AGOSTINO, 2002 p. 146).

  25. “... mesmo não fazendo mais alusão à Itália em seu nome, O Palestra de São Paulo também foi obrigado a mudar, transformando-se em Sociedade Esportiva Palmeiras. Isto porque a “simples” expressão Palestra aludia diretamente à colônia italiana. Em outros estados, os Palestras também alteraram as suas denominações, como em Minas Gerais, que veio a se transformar no E. C. Cruzeiro ...” (AGOSTINO, 2002 p. 146).

  26. Exemplos das tensões entre o bloco Soviético e os EUA que adentraram o universo esportivo são os boicotes realizados por parte dos Americanos (aos Jogos Olímpicos de Moscou em 1980) e dos Soviéticos (aos Jogos Olímpicos de 1984 em Los Angeles).

  27. "Os cinco jogos que a seleção brasileira disputou no estádio acabaram por reunir um público total de 725.570 pessoas.” (AGOSTINO, 2002 p. 148).

  28. AGOSTINO, Gilberto. Vencer ou morrer: futebol, geopolítica e identidade nacional. – Rio de Janeiro: Mauad. 2002.

  29. Em plena campanha eleitoral, não surpreende que, em todas as partidas, panfletos pedindo votos circulassem no estádio. Mostrar-se sincronizado com os rumos vitoriosos do esporte brasileiro era uma questão primordial para os políticos em campanha.” (AGOSTINO, 2002 p. 148).

  30. FRAGA, 2006 p. 151-152.

  31. “Na festa principal, no Palácio do Catete, o presidente Juscelino Kubitschek foi o único a beber champanhe na taça dos campeões, imagem que condizia com o clima de otimismo que marcava o discurso governamental comprometido em promover cinqüenta anos de progresso em cinco anos de governo. Para muitos analistas, para além dos aspectos oficiais, a Copa do Mundo seria o primeiro grande momento de interação entre JK e a população, depois de quase dois anos de governo.” (AGOSTINO, 2002 p. 152).

  32. “Pressionado pela expansão capitalista e pelos ideológicos da "Guerra Fria", o Brasil sofre - partir dos anos 50/60 - o impacto de uma nova modernização conservadora. A construção da capital federal, Brasília, a organização de uma malha rodoviária ligando as principais cidades e a instalação de uma indústria pesada e de bens de consumo duráveis, são exemplos dessa modernização. No campo político, a desorganização da estrutura autoritária dos anos 30/40 deu espaço para um nacional-populismo como resposta das classes dirigentes às tensões sociais internas.” (RIBEIRO, 2003).

  33. “O alto custo social dessa modernização - na medida em que endividava o país, pressionava pela alta da inflação e aumentava a desigualdade social -, colocou em xeque o frágil pacto social populista, que dava, até então, alguma sustentabilidade ao modelo econômico.” (RIBEIRO, 2003).

  34. Nesta direção, verificamos que, além do Estádio do Pacaembu, foram construídos neste período inúmeros outros estádios, como por exemplo: Castelão - Governo do Estado Ceará; Maracanã - Governo do Estado do Rio de Janeiro; Fonte Nova - Governo do Estado da Bahia; Mineirão - Governo do Estado de Minas Gerais; Rei Pelé - Governo do Estado de Alagoas; Estádio Cláudio Vasconcelos Machado - Prefeitura Municipal de Natal; Vivaldão - Governo do Estado do Amazonas; Mangueirão - Governo do Estado do Pará, Mané Garrincha - Governo do Distrito Federal, Serra Dourada - Governo do Estado de Goiás; entre centenas de outros estádios estaduais e municipais espalhados pelo país. Dados obtidos no endereço eletrônico http://mavalem.sites.uol.com.br/

  35. “Consumada a vitória, o governo explorou o tricampeonato através de todas as formas possíveis, procurando potencializar o futebol como um fator capaz de promover a “unidade na diversidade... Paralelamente ao presidente Médici, que instituiu feriado nacional para valorizar a recepção dos jogadores em Brasília, não foram pouco os governadores, prefeitos e vereadores que fizeram de tudo para posar ao lado dos craques.” (AGOSTINO, 2002 p. 162).

  36. À administração do Almirante Heleno Nunes frente à CBD foi atribuída a máxima: “Onde a Arena vai mal, mais um time no nacional.” (AGOSTINO, 2002 p. 163).

  37. Art. 1º Considera-se empregador a associação desportiva que, mediante qualquer modalidade de  remuneração, se utilize dos serviços de atletas profissionais de futebol, na forma definida nesta Lei.  Art. 2º Considera-se empregado, para os efeitos desta Lei, o atleta que praticar o futebol, sob a  subordinação de empregador, como tal definido no artigo 1º mediante remuneração e contrato, na forma do artigo seguinte.Art. 3º O contrato de trabalho do atleta, celebrado por escrito, deverá conter (...). BRASIL. Lei 6.354/1976 Lei do Passe.

  38. “Outra antecipação futebolística das transformações políticas em curso foi, em 1980, a criação da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), em substituição à CBD.” (FRANCO JÚNIOR, 2007 p. 152).

  39. Art. 217 – É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais, como direito de cada um, observamos: I. a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento; II. A destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para o desporto de alto rendimento;... BRASIL. Constituição Federal art. 217. 1988.

  40. “... particularmente a partir de fins da década de 1970, se começa a falar de uma “crise” no futebol brasileiro. Essa crise manifesta-se, por exemplo, na queda progressiva do número de espectadores das partidas de futebol, no aumento da violência nos estádios (principalmente entre as chamadas “torcidas organizadas”), na evasão de jogadores para o exterior e no endividamento financeiro dos clubes.” (HELAL & GORDON, 2002 p. 37).

  41. “O “mundo da bola” passou a se constituir uma esfera privada, um direito sui generis, distante do direito público. Distanciou-se também daqueles preceitos de fair play e de distinção social do século XIX. Hierarquicamente centralizada, toda a estrutura do futebol mundial adquiriu uma estrutura própria, centrada em normas rigidamente estabelecidas pela sua entidade máxima, a FIFA.” (RIBEIRO, 2007 p. 55).

  42. “...o relaxamento do Estado de bem-estar social não permitiram que a sociedade européia efetivasse a cidadania à ampla maioria, em especial os jovens... A essa impotência do Estado decorreu um sentimento de anomia, de ingovernabilidade e permitiu a emergência de outros modos culturais de fazer política e de se construir cidadania. ... Grupos surgem à margem do controle social e encontram guarida nos espaços que se caracterizam por uma tradicional autonomia, como por exemplo os clubes de futebol.” (RIBEIRO, 2007 p. 59-60).

  43. “Ele logo implementou inesperado plano econômico, que confiscava por ano e meio os recursos depositados em contas bancárias e poupanças e estabelecia novo congelamento de preços. Ao mesmo tempo, iniciou processo de privatização de empresas públicas e promoveu a abertura da economia brasileira ao capital, tecnologia e produtos estrangeiros.” (FRANCO JÚNIOR, 2007 p. 158).

  44. “No Brasil, a parceria do Corinthians em 2004 com a MSI – Media Sports Inventment, com valores nunca declarados, onde existiria suposta relação com o magnata ruso Boris Berezovsky, apelidado na Rússia como o “Cardeal Cinzento” do Kremlin e do mesmo grupo “político” de Abramovich (dono do Chelsea F. C. da Inglaterra) é outro exemplo notável.” (RIBEIRO, 2007 p. 61).

  45. “O aumento da violência dentro e fora dos estádios por parte de torcedores exaltados, a utilização de clubes como forma de lavagem de dinheiro originário da corrupção e do trafico internacional, o comércio ilegal de jogadores, em especial os mais jovens, apenas para ficarmos com alguns exemplos, têm levado as autoridades políticas e se manifestar e a intervir no campo esportivo.” (RIBEIRO, 2008 p. 7).

  46. “No que diz respeito à fiscalização da atividade futebolística profissional, foi criada a Cosicov, comissão de vigilância designada para auditar os balanços dos times e exigir destes uma administração mais responsável.” (PRONI & ZAIA, 2007 p. 21).

  47. (PRONI & ZAIA, 2007) Gestão empresarial do futebol num mundo globalizado. In Futebol e globalização. Luiz Ribeiro (org.) Ed. Fountoura – Jundiaí-SP.

Referências bibliográficas

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  • ANUNES, Fátima Martin R. Ferreira. “Com brasileiro não há quem possa!”: futebol e identidade nacional em José Lins do Rego, Mário Filho e Nelson Rodrigues. – São Paulo: Editora Unesp, 2004

  • BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade; por uma teoria geral da política. Tradução: Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987;

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  • FRANCO JÚNIOR, Hilário. A dança dos Deuses: futebol, cultura, sociedade. – São Paulo: Companhia das Letras, 2007

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  • MEZZADRI, Fernando Marinho. As possíveis interferências do Estado na estrutura do futebol brasileiro. In Futebol e globalização – Luiz Ribeiro (org.). – Jundiaí, SP: Fontoura, 2007;

  • NEGREIROS, Plínio José Labriola de C. O Estádio do Pacaembú. In Encontro de história do Esporte, Lazer e Educação Física: As ciências sociais e a história do esporte, lazer e educação física – Coletânea do V encontro – Ijuí: Ed. Da UNIJUÍ, 1997

  • PEREIRA, Leonardo A. de Miranda. Footballmania: uma história social do futebol no Rio de Janeiro – 1902 – 1938. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000

  • PRONI, Marcelo. W. A metamorfose do Futebol. Campinas, SP: Unicamp 2000;

  • PRONI, Marcelo. W. & ZAIA, Felipe H. Gestão empresarial do futebol num mundo globalizado. In Futebol e globalização – Luiz Ribeiro (org.). – Jundiaí, SP: Fontoura, 2007;

  • RIBEIRO, Luiz Carlos. A crise da autonomia no futebol globalizado: a experiência européia (1985 – 2007) In Futebol e globalização – Luiz Ribeiro (org.). – Jundiaí, SP: Fontoura, 2007;

  • RIBEIRO, Luiz Carlos. Autonomia no esporte: relação entre política e esporte no modelo europeu. In 1º ENCONTRO DA ALESDE “Esporte na América Latina: atualidade e perspectivas” UFPR (Universidade Federal do Paraná) - Curitiba - Paraná – Brasil, 2008

  • RIBEIRO, Luiz Carlos. Brasil: Futebol e identidade nacional. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 8, Nº 56, Enero de 2003. http://www.efdeportes.com/efd56/futebol.htm

  • SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. – São Paulo: Companhia das Letras, 1992

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