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Para ganhar no futebol precisa-se treinar, mas o que treinar?

Para ganar en el fútbol hay que entrenar, pero ¿qué hay que entrenar?

 

Geffut - Grupo de Estudos em Futebol e Futsal

(Brasil)

Rodrigo Vicenzi Casarin

Luis Alberto de Souza Esteves

chip_vic33@yahoo.com.br

 

 

 

Resumo

          O presente artigo visa colocar alguns pontos contrastantes as díspares metodologias do treinamento no futebol. Esse estudo parte pela lógica de buscar um novo paradigma para o treinamento em alto nível no futebol, baseado em colocações práticas e científicas de estudiosos, que há algum tempo procuram compreender o jogo e o jogador de forma complexa.

          Unitermos: Periodização tática. Especificidade. Recuperação. Complexidade

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 142 - Marzo de 2010

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1.     Introdução

    Quando se trabalha com performance, as condições impostas aos atletas são máximas, exigindo dos mesmos um alto desempenho durante todo o ano competitivo, principalmente em nosso país, onde o calendário de jogos preenche a temporada com até três jogos por semana para alguns clubes que disputam competições a nível continental e mundial. Partindo desse pressuposto, o processo de treino-competição deve ser orientado com algumas particularidades, já que a obrigação pelo resultado exige que se treine, mas o tempo de intervalo entre os jogos é o mínimo necessário para recuperar os atletas do jogo anterior (CAMPOS, 2007). Neste contexto, percebe-se que o tempo para o desenvolvimento do jogar no futebol é escasso; muitos compromissos, jogos, competições e viagens, e, mesmo assim, as equipes perdem muito desse tempo treinando situações que não contribuem para alcançar novos níveis do jogar que se pretende (LEITÃO, 2009). Portanto, os mecanismos que conduzirão a equipe à vitória terão que ter um caráter muito específico (CAMPOS, 2007).

    Para Gomes (2006), o processo de preparação das equipes envolve um conjunto de procedimentos, que resulta da forma como se entende o jogo e o treino. Inicialmente, enxergava-se no futebol a necessidade de dividir para melhor estudar e compreender. Assim, nasceu e subsistem metodologias, onde as diferentes dimensões são estudadas de forma isolada, bem como o estudo da recuperação, refletindo-se a descontextualizarão deste aspecto na operacionalização do treino (CUNHA, 2004). Foi desta forma que a teoria do treinamento, na sua versão tradicional, resolveu o problema taxionômico dos diversos fatores implicados no rendimento desportivo. Cedo se verificou a presença de quatro grandes domínios (físico, técnico, tático e psicológico), os quais foram classificados por dimensão de treino, imperando o aspecto físico (FERREIRA, 2007).

    Mas, se a natureza do futebol evidencia uma atividade complexa, de cunho tático e com interação constante de suas dimensões, porque se valoriza tanto apenas uma de suas dimensões ou às vezes duas ou três artificialmente integradas? Buscando uma inteligibilidade neste contexto, surge outro entendimento no processo de treinamento. Compreendendo o futebol como um sistema aberto de casualidade não linear, essa nova ideia sustenta-se em conceitos construtivistas baseados nas contemporâneas metas-teoria das ciências (complexidade, sistêmica, caos, cibernética, ecológica, cognitiva e fractais). Assim, o paradigma do treino que privilegia a associação das variáveis fundamentais treinadas em separado passa a ser substituído por aquele que contempla a complexidade do jogo sem o mutilar (FRADE, 2004). Logo, o jogo assume-se como um fenômeno complexo, tornando-se inteligível, sem ser necessária a sua redução analítica e conseqüentemente mutilação (FARIA, 1999).

    Nesse entendimento, o treino em futebol é entendido como um “todo”, negligenciando as divisões das dimensões preconizadas pelo modelo tradicional. Assim, emerge a designada Periodização Táctica (CARVALHAL, 2001). A Periodização Táctica é uma concepção de treino que visa a operacionalização de um “jogar” através da criação e desenvolvimento contínuo do modelo de jogo, seus princípios e sub princípios. Guiada pela dimensão tática, a mesma busca o desenvolvimento de uma organização coletiva que sobre-condiciona a variável física, técnica e psicológica. O processo centra-se na aquisição de determinadas regularidades no “jogar” da equipe através da operacionalização dos princípios do modelo de jogo (GOMES, 2006). Portanto, o treino não é dividido por que tem consciência que o crescimento tático, baseado na proposta de jogo que o treinador vai operacionalizar, implicará alteração nas outras dimensões do jogo (FRADE, 2004).

    Desta forma, este estudo tem como objetivos apontar alguns pressupostos da Periodização Tática e evidenciar suas diferenciações perante os modelos mais utilizados no treinamento em futebol.

2.     O pouco tempo para treinar exige que haja especificidade!

“Para mim, treinar é treinar em especificidade, é criar exercícios que me permitem exacerbar os meus princípios de jogo”.

Mourinho (2006)

    Todos sabem que o mundo do treino no futebol foi formado por teorias mecanicistas e redutoras, criadas para buscar certezas e enraizar verdades absolutas, simplificadoras, que aumentaram a distância dialógica entre o jogo e o jogador. Em troca, concedem uma falsa sensação de controle que inevitavelmente adormecem capacidade reflexiva dos envolvidos. O que também parece presente, é que quase todos os clubes e treinadores não recorrem a parâmetros de conhecimento global, relacional, para afrontar a complexidade que conduz as características do futebol (MORENO, 2009).

    Observando esse contexto negativo, alguns teóricos do jogo defendem a necessidade de uma “revolução” nos postulados teóricos do processo de treino-competição (CASARIN, 2009). Sustentando-se na complexidade do ser humano e do jogo, o novo paradigma busca uma melhora qualitativa para a modalidade, especialmente no que refere-se a especificidade do treinamento.

    Para Garganta e Grehaigne (1999), o princípio da especificidade consubstancia a relação de interdependência e reciprocidade entre o treino e a competição. Na concepção de Barbosa (2003), o conceito de especificidade pode ser entendido sob duas perspectivas diferentes – uma perspectiva mais tradicional/integrada e uma mais particular, classificada como especificidade-tática. Pelo viés tradicional, o princípio da especificidade é montado sobre os requisitos específicos do desempenho desportivo em termos de qualidade física interveniente, sistema energético predominante, segmento corporal utilizado e coordenações psicomotoras utilizadas (BARBOSA, 2003). Nessa ideia, o princípio de especificidade tem suas maiores mudanças funcionais e morfológicas somente nos órgãos, células e estruturas intracelulares que sejam suficientemente ativadas pela carga funcional (OLIVIERA, 2005). Percebe-se, assim, que esse conceito de especificidade é estritamente físico ou técnico, ou as vezes os dois juntos, no treino integrado. Baseando-se em dados quantitativos e na “famigerada” individualização do treinamento, muitas vezes “ludibria” os atletas através de exercícios com bola ou em forma jogadas, que apenas buscam um ganho físico ou técnico.

    Para Tavares (2003), a definição apresentada acima se torna vaga e geral para o contexto do futebol, sendo que a verdadeira especificidade assenta-se na preocupação de jogar de determinada maneira, devendo o processo de treino ser perspectivado de acordo com essa necessidade. Assim, na Periodização Tática, a especificidade-tradicional por si só não é suficiente, é necessário um especificidade-tática orientada pelo modelo de jogo (FARIA, 1999). De acordo com Gomes (2006), este conceito de especificidade-tática resulta na construção de um modelo de jogo e na relação dos princípios da organização defensiva, da organização ofensivas, da transição defesa-ataque e ataque-defesa de modo a desenvolver um determinado jogar.

    Assim, percebe-se que a especificidade-tática, distingue-se da especificidade que a metodologia do treino convencional desenvolveu, bem como da especificidade-integrada (GOMES, 2006; RESENDE 2002). Para Resende (2002), um treinamento específico-tático é diferente de um treinamento composto por exercícios jogados. Neste contexto, não se pode confundir o treinamento integrado com a Periodização Táctica. A especificidade-tática relaciona-se com uma determinada forma de jogar, distinta da especificidade integrada (TAMARIT, 2007). Na concepção de Oliveira (1991), o treino integrado não se refere a um modelo de jogo e muito menos à articulação dos seus princípios. Desta forma, só poderá considerar a especificidade-tática, se houver uma permanente e constante relação entre as dimensões, em conexão permanente com o modelo de jogo adotado e seus respectivos princípios que lhe dão corpo.

    De acordo com Oliveira (2008), na Periodização Tática, só se considera algo específico, se estiver relacionado com o modelo de jogo criado. Segundo o mesmo autor, a sua operacionalização deve assumir várias dimensões/escalas: coletiva, inter-setorial, setorial e individual. Assim, cria-se exercícios que vão de encontro a determinados princípios dentro das diferentes dimensões/escalas (FRADE,2004). Além disso, para que o conceito de especificidade-tática seja atingido por inteiro, é necessária uma intervenção interativa e específica do treinador (OLIVEIRA, 2004).

    Portanto, numa época extremamente competitiva, onde falta tempo para treinar, a única preocupação é treinar comportamentos de jogo, é treinar princípios, é atender ao lado estratégico em função do adversário numa perspectiva de antecipar o que vai acontecer no próximo jogo, corrigir comportamentos do jogo anterior, ou seja, rentabilizar ao máximo o tempo para treinar, para potenciar ao máximo o padrão comportamental da equipe (FARIA, citado por CAMPOS, 2007). Dessa forma, fica evidente que somente com a especificidade-tática os jogadores adquirem um conjunto de intenções prévias relativas a um determinado jogar (MOURINHO, citado por OLIVEIRA et. al, 2006).

    Concluindo essa ideia, Oliveira (2008) afirma que o cumprimento do princípio de especificidade da Periodização Tática é somente atingindo por inteiro se durante o treino: os jogadores mantiverem um elevado nível de concentração durante o exercício; o treinador intervier adequadamente e a antecipadamente perante o exercício e os jogadores entenderem os objetivos e as finalidades do exercício.

3.     Treinar dimensões isoladas... integrá-las: duas ideias e um mesmo paradigma?

    “Sabe-se que a água (H2O) é um meio essencial para apagar o fogo, no entanto, se separarmos as suas componentes, hidrogênio e oxigênio, qualquer uma destas ao invés de apagar o fogo, incandesce-o ainda mais”

Carvalhal, 2000

    Paradigma é uma realização científica universalmente reconhecida que, durante algum tempo, forneceu modelos de problemas e soluções para uma comunidade de profissionais (CUNHA, 2004). Mecanicismo, certeza, análises, linearidade, redução, determinismo e disfunção são os conceitos de maior repercussão na ideologia tradicional, respaldada pelas contribuições do dualismo cartesiano mente-corpo (MORENO,2009). O seu conceito primacial é o determinismo, o encobrimento do novo e a aplicação da máquina artificial aos problemas da sociedade (TAVARES, 2003).

    Este modelo de pensamento analisa o elemento a interpretar separando de seu contexto específico. Não se entende as partes como unidades sujeitas a interação com as demais peças e com seu meio ambiente, mas como partes independentes com autoridade para serem analisadas sem estimar o conjunto a que pertencem (MORENO, 2009). Tendo como base as premissas acima, esse método de treino organiza o ambiente de forma parcelada, compartimentada, mecanicista, disjuntiva, reducionista, rompendo a complexidade do jogo (CARVALHAL, 2000).

    Moreno (2001) corrobora essa questão, ao observar uma alta percentagem de tempo utilizado pelos treinadores de equipes profissionais, realizando trabalhos fragmentados; ou seja, as sessões de treino foram dedicadas exclusivamente à melhoria das dimensões física, técnica, táctica e psicológica de maneira isolada. De acordo com Bangsbo (1994), um dos motivos que leva ao treino das capacidades de modo isolado é o fato de ser mais fácil de organizar e controlar, enquanto que a planificação do jogo (periodização tática) requer mais tempo, criatividade e imaginação. A criação de métodos analíticos deve-se em parte à possibilidade de mensurabilidade e análise do esforço e conseqüente facilidade na determinação das qualidades físicas a desenvolver, o que conduz a um trabalho onde a vertente física assume contornos significativos (FARIA, 1999).

    Embora possa parecer inteligível para quase toda comunidade do futebol, essa ideia não representa a realidade complexa deste desporto, conduzindo a uma mutilação e ao desvirtuamento dessa realidade (CASTELO, 2004). De acordo com Gréhaigner (1989), nessa proposta, as decisões dos atletas ficam restritas a uma escolha do tipo algorítmica; ocorre necessariamente um empobrecimento e uma estereotipia dos comportamentos. Neste seguimento, Mombaerts (1996) considera este modelo obsoleto e inadaptado a natureza do futebol, colocando as seguintes razões: i) insuficiência do trabalho realizado que englobem as habilidades abertas e complexas do jogo; ii) a predominância de uma concepção analítica; iii) a dificuldade em propor elementos concretos para uma formação táctico-técnica do jogador. Portanto, a ideia principal desse modelo de treino-competição orienta-se numa análise predominantemente física e individual. Ou seja, visa a melhoria das capacidades condicionais, através de controles quantitativos.

    Mas, e o treino integrado? Para Oliveira (2004), esta concepção tem como objetivo apenas integrar as diferentes dimensões. De acordo com Cardoso (2006), a necessidade de integrar surge quando se encontra algo desintegrado. Assim, continua-se entendendo o jogo, com uma somatória desarticulada das dimensões e não como um sistema complexo de interação como se configura o futebol. Portanto, integrar não garante o entendimento do jogo como um sistema dinâmico de interação e inter-relação.

    Apesar de alguns autores apontarem o treino integrado como uma evolução, essa tendência em nada se parece com a Periodização Tática, já que não possui uma organização sistêmica e um modelo de jogo específico. Deste modo, apenas oculta o problema de entender o jogo e o jogador com um sistema dinâmico complexo.

4.     Treinando através do modelo de jogo

    “O jogo de futebol decorre da natureza do confronto entre

dois sistemas complexos, as equipas, e caracteriza-se pela

sucessiva alternância de estados de ordem e desordem,

estabilidade e instabilidade, uniformidade e variedade”

Garganta, 2001

    O modelo de jogo é o referencial que deve regular o trabalho desde o início da temporada até o final, sendo irracional pensar-se em Periodização Táctica sem pensar no modelo de jogo (FARIA,1999). O mesmo deve abranger princípios, sub-princípios e sub-sub-princípios racionais e coerentes para o treinar-jogar da equipe. Neste sentido, o modelo de jogo orienta e permite a regulação do processo de treino-competição, possibilitando ao treinador e aos jogadores conceber o planejamento que devem seguir, em função dos objetivos formulados (GARGANTA, 1997).

    Na concepção de Faria (1999), deve-se associar o conceito de forma desportiva ao modelo de jogo e seus princípios. A definição do modelo de jogo de uma equipe, seus respectivos princípios, sub-princípios e sub-sub-princípios, delineia comportamentos e padrões de jogo que devem ser identificados e manifestados nos vários momentos do jogo (OLIVEIRA, 2004).

    Para Tamarit (2007), o modelo de jogo deverá ser um conjunto de comportamentos que o treinador pretende que a sua equipe manifeste de forma regular e sistemática nos quatro momentos do jogo (organização ofensiva, organização defensiva, transição defensiva e transição ofensiva). Percebe-se, assim, a relação recíproca de modelo de jogo/princípios de jogo/momentos do jogo.

    A definição de um modelo coeso, sistemático e a operacionalização dos princípios que lhe dão corpo, levam ao surgimento de uma maior identificação entre os jogadores (RESENDE, 2002). Assim, na concepção de Frade (2007), o problema mais importante do processo de treino-competição está relacionado com o desenvolvimento, nos jogadores, da representação mental sobre a forma de jogar da equipe, fazendo-os entender os objetivos que se pretende. Se o modelo tem uma cultura de jogo, o fundamental é sintonizar os jogadores com os aspectos fundamentais dessa cultura (FRADE, 2007).

4.1 .     A construção de um Modelo de Jogo

    “A construção de um modelo de jogo é bastante complexa dado

que visa estabelecer um conjunto de orientações, ideias e regras

organizacionais de uma equipa”

Garganta, 2002

    Na concepção de Mourinho (2001), para elaboração de um modelo de jogo é importante conhecer:

  1. o clube em questão;

  2. a equipe e o respectivo nível de jogo;

  3. o nível e as características individuais dos jogadores;

  4. o calendário competitivo;

  5. os objetivos a atingir.

    Um modelo de jogo estruturado permite construir uma lógica comum entre os elementos da equipe, tais como (i) observadores de jogo, no sentido de detectarem erros e incoerências no jogo da própria equipa e buscarem informação útil sobre os adversários; (ii) outros treinadores, tais como adjuntos, no sentido de se verificar coerência entre todos os exercícios de treino e a forma como se pretende jogar, através da implementação de exercícios específicos; (iii) jogadores, através de entrega de uma síntese dos seus comportamentos de acordo com as suas funções em jogo e da equipe (SILVA, 2006). Também deve-se ter em conta a exigência que o modelo de jogo estabelece para os atletas. Segundo Oliveira (1991), cada modelo de jogo possui sua exigência específicas. Desta maneira, além das ideias expostas acima, da concepção de jogo do treinador, deve-se levar em consideração a cultura de clube e a assimilação da concepção de jogo pelos jogadores. Se os jogadores não acompanharem o nível que a concepção de jogo do treinador exige, a equipe não atingirá níveis de rentabilidade satisfatórios (OLIVEIRA, citado LEMOS, 2008).

    Assim, para efetuar concretamente a construção de um modelo de jogo, deve-se levar em consideração a interação constante dos fatores citados anteriormente, mas para uma orientação didático-metodólgica o modelo iniciará pelos momentos do jogo:

    Em cima destes quatro momentos, define-se um modelo de jogo estruturado. Em cada um desses momentos, encontram-se alguns princípios, e estes serão variáveis de acordo com cada cultura clube e concepção de jogo do treinador. Exemplo:

    Dentro da articulação dos princípios, Oliveira (2004) coloca que pode-se definir uma série de momentos hierarquizados de forma temporal, respeitando uma seqüência de acontecimentos programados para atingir o objetivo. Nesse contexto, é importante perceber que cada equipe possui sua identidade própria e o modelo citado acima não é uma regra, sendo apenas um exemplo genérico de uma forma de jogar.

5.     O recuperar em especificidade

    Na concepção de Mourinho (2004), uma das coisas que faz o processo de treino-competição ser mais intenso é a sua concentração exigida, ou seja, seu desgaste emocional. A partir desse preceito, percebe-se que o conceito de recuperação deve ser perspectivado de uma forma distinta dos modelos que englobam apenas os aspectos fisiológicos. Para Faria (2004), a recuperação não pode ser entendida apenas sob o ponto de vista fisiológico. Segundo o mesmo autor, há uma recuperação que tem ser mental, ao nível dos aspectos de concentração, que é fundamental para os atletas se recuperaram para o próximo jogo, e esta recuperação demora mais do que a fadiga física. Frade (2004) dá a designação de fadiga tática para a recuperação mental, já que a não reestruturação do sistema nervoso central (SNC), traduz numa indisponibilidade dos jogadores estarem concentrados para as ações que realizarão nas sessões de treino e jogo.

    Trazendo um exemplo prático, tendo em vista um jogo de domingo a domingo, sobre o viés fisiológico, na terça feira essa dimensão já se encontra quase cem por cento recuperada. Já a dimensão mental ainda não. Portanto, os exercícios propostos não poderão afetar essa recuperação, pois o nível de concentração do jogador não permitirá o ganho qualitativo que o exercício terá como propósito, já que a fadiga do SNC não permitirá a intensidade de concentração necessária (RESENDE et al, 2006). Então, deve-se apenas trotar e realizar atividades regenerativas descontextualizada? Evidente que não. Se utiliza-se o modelo de jogo como cerne do processo, a recuperação deve fazer parte desse processo. Ou seja, os exercícios para essa recuperação serão específicos-táticos, mas apenas terão uma menor complexidade, trabalhado-se pequenos princípios do modelo de jogo que não exijam grande concentração.

    Assim, deve-se levar em consideração não somente a recuperação fisiológica, mas principalmente a mental na distribuição semanal dos conteúdos. Após a recuperação completa do SNC, inicia-se o período aquisitivo, onde a complexidade tática dos exercícios será organizada de forma sistemática, decrescendo seu nível de concentração em função da proximidade do jogo. Nesse contexto, nos dias próximos ao jogo procura-se cuidar particularmente dos conteúdos de treino para que não haja exacerbação de determinados aspectos, onde possam colocar em risco o rendimento dos atletas. Mourinho (2004) deixa explícito também que os jogadores terão que estar mentalmente preparados para treinar dia-a-dia, ou seja, recuperam-se de domingo para domingo, de dia para dia, de exercício para exercício, de repetição para repetição, e isso envolve uma linha tênue de intensidades de concentração, pois há diferença entre intensidade física e intensidade mental.

    Assim, a recuperação deverá ser específica de acordo com o modelo de jogo, pois perde-se tempo demasiadamente com recuperações regenerativa descontextualizadas, como trotes no campo e corridas no bosque. Além disso, como visto anteriormente, não se recupera apenas dois dias posteriormente ao jogo, mas de atividade em atividade, de treinamento em treinamento. Portanto, essa alternância de estímulos, sempre orientada pelo modelo de jogo, dará os condicionamentos necessários para os atletas estarem suficientemente recuperados e preparados para o próximo jogo.

6.     Considerações finais

    O futebol, em todos seus âmbitos, gera enorme polêmicas e conflitos. Muitos desses problemas não são resolvidos respeitando a verdadeira face de jogo. Particularmente em seu âmbito principal, o treino-competição, identifica-se várias metodologias distintas. Mas há uma proposta que atualmente busca enraizar-se nesse meio, modificando totalmente o entendimento do processo treino-competição. Essa metodologia chama- se Periodização Tática. Em cima disso, nesse estudo procurou-se aprofundar o conhecimento acerca de alguns aspectos dessa nova concepção.

    Como citado no texto, essa ideia de treino-competição resulta no fato de que, para se atingir o alto nível, é preciso jogar bem e ter uma regularidade neste rendimento, principalmente por se ter competições de temporadas longas, um longo período jogando “bem”. A Periodização Tática visa um padrão cultural/comportamental dos jogadores, gerado por um processo de treino específico organizado pela operacionalização de um modelo de jogo.

    Em relação a outras metodologias, está bem explícito neste estudo que a proposta tradicional (analítica) não corresponde a realidade complexa do futebol. Também torna-se claro que, mesmo defendendo uma integração das dimensões, o treinamento integrado não se distingue muito dos ideais da cultura analítica. Mesmo que se preocupe em integrar fatores, ao treino integrado falta uma organização sistêmica. Desta maneira, essa proposta ainda tem no analítico o centro do pensamento, e na dimensão física e técnica como ponto de partida de todas as outras dimensões. Mas e a Periodização Tática não é orientada por somente uma dimensão? Essa pergunta remete a uma ideia de tática abstrata, entendendo o treino e o jogo como um fragmento mecânico, ou seja, uma tática que visa apenas colocar os jogadores dentro de campo como fantoches, sem autonomia e poder de decisão. Assim, o entendimento de tática na periodização tática primeiramente deve-se a uma contextualização do todo e uma interação entre todas dimensões. Posteriormente, compreende o jogo como um fenômeno complexo, modelando os comportamentos dos jogadores, permitindo os mesmos a interagirem no processo, escolhendo suas melhores ações em busca de uma tomada de decisão coletiva.

    Nesse entendimento, deixa-se claro que parece inadequado, ou no mínimo negligente, reduzir uma proposta de treinamento em futebol desintegrando suas dimensões em estruturas desarticuladas. Evidente que a Periodização Táctica não é uma formula mágica, pela qual a equipe conseguirá ganhar todas as partidas, nem resolverá todos os problemas pertencentes ao processo de treino-competição. Mas, no momento, é o modelo de treino-competição mais consistente, coerente e que está proporcionando aos atletas bons caminhos para jogar futebol, entender esse futebol e estarem verdadeiramente preparados para enfrentar a ambigüidade do jogo.

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