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Esporte & lazer em comunidades removidas: estudo

de caso do conjunto habitacional Nova Sepetiba, RJ

Deporte & ocio en comunidades marginadas: estudio de caso del conjunto habitacional Nova Sepetiba, RJ

Sport & leisure in the removed communities: case study of the community of Nova Sepetiba, RJ

 

Licenciados em Educação Física – UCB/ RJ

Pós-graduandos em Gestão e Elaboração

de Projetos Sócio-esportivos – UCB/ RJ

(Brasil)

Thiago de Sousa Rosa

thiago.rosaef@gmail.com

Alexandre Martins Trindade Silva

alexandrecom@hotmail.com

 

 

 

Resumo

          Fundada há oito anos na Zona Oeste do Rio de Janeiro, a comunidade de Nova Sepetiba, foi anunciada como o maior conjunto habitacional da América Latina. Este audacioso projeto enfrentou os desafios comuns as comunidades removidas que o antecedeu, entre estes o de formar sua própria identidade cultural, munida de valores éticos e morais, capaz de criar em seus moradores uma identificação com o local. O caminho encontrado para esse processo de identificação foi o Esporte & Lazer, promovido e organizado pela comunidade e de maneira independente e autônoma, sem a intervenção do Poder Público. O presente artigo se desdobra em uma análise do processo de formação cultural do Conjunto Habitacional de Nova Sepetiba e o papel que o Esporte & Lazer desempenhou no mesmo.

          Unitermos: Esporte. Lazer. Comunidades removidas. Nova Sepetiba

 

Resume

          Founded eight years in the West zone of Rio de Janeiro, the community of Nova Sepetiba, was announced as the largest collection housing of Latin America. This ambitious project the common challenges facing communities removed before him, among them to create their own cultural identity, equipped with ethical and moral Valors able to make its residents identify with the place. The route chosen for this identification process was the sport and leisure, Promoted and organized by community independent and autonomous way, without the intervention of the government. This article breaks down into an analysis of the process of cultural formation of the whole house "Nova Sepetiba" and the role that sport and recreation promotes it.

          Keywords: Sport. Recreation. Removed communities. Nova Sepetiba

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 142 - Marzo de 2010

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Introdução

    Fundada há oito anos na Zona Oeste do Rio de Janeiro, a comunidade de Nova Sepetiba, foi anunciada como o maior conjunto habitacional da América Latina. Idealizado e concretizado pelo então Governador Anthony Garotinho o conjunto localiza-se a 69 quilômetros do centro do Rio, entre Sepetiba e Santa Cruz (figura 1), e conta hoje com cerca de 22 mil moradores distribuídos em aproximadamente 4.600 casas.

Figura 1. Localização geográfica do Conjunto Habitacional de Nova Sepetiba

    No final da década de 90 já haviam famílias inteiras que viviam em esquema de acampamento no local, com o anúncio da construção do mega conjunto pelo Governador Estadual, outras dezenas de famílias migraram para o lá na esperança de quando pronto, serem contempladas com uma das casas.

    Além das pessoas acampadas no local da construção, Nova Sepetiba recebeu famílias de diversas regiões do estado como Vila Kennedy, Favela da Lacraia, Nova Holanda, Uga-uga de Bonsucesso, etc. As comunidades que mais agregaram moradores ao conjunto foram Tinguí (1755 famílias) e Uga-uga de Campo Grande (408 famílias).

    Como estratégia afim de preservar a segurança, o Governador Garotinho distribuiu casas a policiais militares para que residissem no local, evitando invasões por parte do poder paralelo. Para organizar essa distribuição das casas entre os moradores foi instalado um posto da CEHAB – RJ – Compainha Estadual de Habitação do Rio de Janeiro no local, que com a participação de lideranças comunitárias ordenou a ocupação dos moradores em 6 setores (figura 2).

Figura 2. Setores de Ocupação

  • Setor 1 e 2:

    • Famílias acampadas no local

  • Setor 3 e 4:

    • Tinguí (1755 famílias)

    • Uga uga de Campo Grande (408 famílias)

    • Projeto Reconstruindo Cidadania

  • Setor 5 e 6:

    • Diversos (Vila Kennedy, Favela da Lacraia, Nova Holanda, Uga-uga de Bonsucesso, etc.)

    As casas distribuídas mediam em média 32 m² e foram construídas esquema de mutirão pelos próprios moradores, seguindo um modelo pré determinado pelo CEHAB. Os moradores também tiveram o “direito” de escolher individualmente se queriam um quite básico de mobília ou os pisos e rebaixamento do teto (PVC ou lambri) da casa.

    Hoje a grande maioria dessas famílias que inicialmente foram contempladas com a nova moradia, venderam seu imóvel e voltaram para o local de origem, alegando segundo a associação de moradores dificuldades para se adaptar a nova comunidade.

Desenvolvimento

Formação cultural de Nova Sepetiba

    O principal problema enfrentado pelas comunidades removidas é a formação de uma identidade própria. Resultado de fragmentos de outros burgos com culturas, valores e princípios diferentes, essas comunidades vivem um conflito constante, interno e silencioso.

    Para facilitar o entendimento dessa questão permita-me fazer uma breve analogia. As comunidades se comportam como árvores, assim como as árvores essas comunidades necessitam de uma raiz forte para pode se desenvolver, uma raiz que seja capaz de suportar e alimentar o seu crescimento mantendo-a estável. Sem a criação dessa raiz a comunidade não se desenvolve com plenitude.

    As comunidades removidas enfrentam o desafio de com toda sua estrutura formada não ter uma raiz cultural forte que sustente seu desenvolvimento. O que normalmente ocorre nesses casos é a migração de grande parte dos moradores de volta as comunidades de origem, devido a falta de identificação com o novo meio.

    Em Nova Sepetiba esse quadro se agrava por se tratar de uma comunidade que recebe moradores de outras comunidades removidas como Vila Kennedy e Nova Holanda, isso torna praticamente impossível a identificação da matriz cultural daquele grupo. A solução nesse caso é a formação de uma raiz cultural forte a partir do que aqueles moradores apresentem como uma auto manifestação cultural, buscando assim criar neles uma identificação que traga harmonia nas relações do indivíduo com o seu novo habitat.

    A partir do momento que o indivíduo cria uma relação de identificação com a comunidade, ele passa a se sentir pertencente a mesma, zelando por ela e diminuindo as chances de migração. Esse auto-reconhecimento com seu novo habitat têm hoje como grande ferramenta mediadora o Esporte & Lazer, unânime na sociedade e agente transformado e transformador social.

O esporte na perspectiva do lazer e seu papel social

    Para se entender o esporte nessa ainda jovem perspectiva de estudo, é preciso entender o conceito de lazer de maneira que possamos enxergar os pontos de convergência entre ambos. Com a definição do turno de trabalho a partir da revolução industrial, surgiu então bem delineado o lazer, que segundo Joffre Dumazedier (1995), pioneiro nos estudos desse tema, constitui o tempo livre das obrigações profissionais, familiares, pessoais e sociais no qual o indivíduo se entrega de bom grado a alguma atividade tendo por fim descansar, se divertir ou se desenvolver.

    Um aspecto importante intrínseco nesse conceito é a relação do lazer com o prazer que também é defendida por Melo e Drummond (2003) que complementam esta afirmativa colocando que o lazer pressupõe a busca pelo prazer, e este prazer (que pode ser alcançado ou não) é proporcionado pelas atividades de lazer que são atividades culturais em seu sentido mais amplo, englobando os diversos interesses humanos. Seguindo ainda o conceito defendido por Melo (2002), este trata-se de um campo de tensão social, de diálogos e de conflitos onde a intervenção profissional não deve ser encarada com simplismo.

    Motta et al. (2003) em estudo sobre a relação do esporte com o lazer discursa que o surgimento do mesmo contribuiu para o alvorecer de um novo conceito de esporte que relaciona a perspectiva de bem comum com a melhora da qualidade de vida do cidadão, estando aí a maior finalidade desse renovado esporte de alcance social. A partir desse conceito o esporte se transcende partindo de uma prática física a um fenômeno social agente de transformações, reflexo e refletor cultural da sociedade, carregando em si os valores morais, políticos e ideológicos da mesma.

    Esse novo esporte social, praticado no tempo do ócio, ganhou espaço e força na sociedade graças ao seu poder de promoção cidadã, sendo capaz de acrescentar valores positivos a prática e ao tempo livre, de lazer. Vale ressaltar que este esporte não é auto-suficiente tratando-se apenas de um instrumento, seu alcance social está na mão de quem o manipula, ou seja, do educador físico. A ele cabe o manejo consciente dessa ferramenta dentro dos princípios éticos e pedagógicos para que o mesmo não se torne um opositor dos fins sociais pelos quais foi criado.

Cobertura e oferta dos equipamentos e as manifestações autônomas de esporte e lazer na região

    Um grande agravante que podemos observar se tratando da cobertura de equipamentos de esporte e lazer na região é a distancia física dos grandes centros urbanos. Nova Sepetiba se encontra a 69 quilômetros do centro do Rio, local que concentra os principais equipamentos e a melhor cobertura de esporte e lazer do Estado, isso dificulta muito o acesso dos moradores a essas práticas deixando os mesmos reféns das opções locais que são muito limitadas.

    No momento de sua construção foram dispostos 3 campos de futebol e 5 praças com áreas de lazer, além de uma espaço onde seria construída um centro esportivo,construção inacabada e abandonada até então (fig. 3). Nesses campos, hoje se firmou de maneira incontestável a prática do futebol de várzea, praticado em campo de “terra batida”, organizado em times com horários e até torneios periódicos.

Figura 3. Mapa dos equipamentos públicos de esporte e lazer

    É inegável a força do futebol em todo o território nacional, o esporte que se transformou em um fenômeno social capaz de mobilizar um país de proporções continentais como o nosso, tem evidente e proporcional força dentro de Nova Sepetiba. Esses jogos envolvem toda a comunidade e perpetuaram na mesma a cultura da representação local pelos seus fortes times compostos de moradores e comerciantes da região.

    Outra manifestação de lazer autentica e organizada pelos próprios moradores são as já tradicionais festas juninas ou julhinas de Nova Sepetiba. As mesmas ocorrem todos os anos e se tornaram um evento capaz de atrair pessoas de diversas comunidades periféricas, que se deslocam até lá seja para se apresentar com seus grupos de dança caipira ou apenas para se divertir com o evento.

    Apesar da iniciativa comunitária presente nessas manifestações, é visível a carência de uma cobertura adequada e da oferta geral de esporte e lazer no Conjunto, principalmente se tratando de iniciativas por parte do Poder Público. Hoje ações de esporte e lazer de iniciativa governamental, segundo os próprios moradores, apenas o Projeto Segundo Tempo, que ainda seguindo declarações dos mesmos “tem época que funciona e tem época que não”.

Conclusão

    Através de uma breve análise inicial do processo de formação cultural de Nova Sepetiba, podemos identificar como desafio comum enfrentado por todas as comunidades removidas, a formação de uma identidade cultural própria que lhe dê sustentabilidade. Essa identidade foi erguida em Nova Sepetiba, vale ressaltar que de maneira árdua e autônoma, através do Esporte & Lazer presente no futebol de várzea e na dança folclórica caipira comum nas festas junina e julhina da região.

    Analisando o caso do Conjunto Habitacional de Nova Sepetiba podemos identificar que a ausência do Poder Público e da oferta pública adequada de esporte e lazer, levou a comunidade a por si só desenvolver mecanismos independentes a fim de suprir tal carência. Por tanto, concluímos a importância do Esporte & Lazer na região como catalisador do processo de identificação e auto-reconhecimento com a comunidade, processo esse capaz de agregar novos valores e no qual o Esporte & Lazer se mostra um potente mediador.

    Sugerimos para futuros estudos que se estenda tal análise a outras comunidades, a fim de se identificar os pontos convergentes e divergentes nos seus processos de formação e crescimento e que se faça um estudo mais profundo das conseqüências da ausência do Poder Público como mediador desse processo.

Referências bibliográficas

  • DUMAZEDIER, Joffre. A revolução cultural do tempo livre. SP: Studio Nobel, 1995.

  • MELO & DRUMMOND, Victor Andrade de. Edmundo de. Introdução ao lazer. Barueri, SP: Manole, 2003.

  • MELO, Victor de Andrade. Educação estética e animação cultural. RJ: Mimeo, 2002.

  • MOTTA, Alexandre. ; ROMERO, Elaine; TUBINO, Manoel José Gomes. O esporte na perspectiva do lazer: uma possibilidade de transcendência. In: II Conferência do Imaginário e das Representações Sociais em Educação Física, Esporte e Lazer., 2003, Rio de janeiro. Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Educação Física, Esporte e Lazer. Rio de Janeiro: Editora da Universidade Gama Filho, 2003. v. 01. p. 519-523.

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