Educação Física na Educação Infantil: estratégias de ensino na perspectiva da pesquisa-açãoLa Educación Física en el Nivel Inicial: estrategias de enseñanza en la perspectiva de la investigación-acción |
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Especialista em Pedagogia do Esporte Escolar (Unicamp) Especializando em Educação Física escolar (UFSCar) Professor da Associação Alfredo Caria de Carvalho (Guarulhos, São Paulo) |
Leandro Pedro de Oliveira (Brasil) |
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Resumo O presente estudo tem por objetivo apresentar algumas estratégias elaboradas para a Educação Física na Educação Infantil, com a pretensão de que tais estratégias possam subsidiar o trabalho de outros docentes e incentivar os debates acerca da organização das aulas para os escolares da Educação Infantil. A organização deste estudo partiu da utilização do método de pesquisa-ação, tomando como base a investigação da própria prática com a intenção de torná-la mais significativa. Neste estudo são apresentadas algumas estratégias que foram adequadas à proposta das aulas na Educação Infantil. As estratégias são: organização das aulas por meio de blocos de conteúdos, verificação do conhecimento prévio, relação entre proposta de Educação Física com os projetos da escola, formação de grupos operacionais, atividades paralelas, registro e verificação conjunta das vivências e acordo, trato e combinados em relação as atitudes específicas nas aulas. Na descrição das estratégias foram abordadas situações que evidenciaram sua adequação em uma escola de Educação Infantil no município de Guarulhos, além de uma breve passagem pelo contexto da Educação Física na Educação Infantil. Unitermos: Educação Física na Educação Infantil. Estratégias. Pesquisa-ação
Abstract This study aims to present some strategies elaborated for Kindergarten and Pre-school Physical Education, with the expectation that such strategies could support other teachers’ work and promote debates on classes’ organization for Kindergarten students. The study was organized from the action-research method standpoint, based upon the investigation of one’s own practice in order to make it more meaningful. Some useful strategies for Kindergarten Physical Education classes’ proposition have been analyzed: classes’ organizing by contents’ sets, previous knowledge verifying, relation between Physical Education proposition and school projects, operational groups setting, parallel activities, experimentation record and check by peers, and the dealing process – with pacts and arrangements – related to specific attitudes during classes. Teaching situations were described as adequate strategies within one Kindergarten school in Guarulhos County, besides a briefing about Physical Education in Kindergarten and Pre-school intramurals context. Keywords: Kindergarten and Pre-school Physical Education. Strategies. Action-research |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 142 - Marzo de 2010 |
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1. Introdução
A possibilidade de contribuir para o processo de organização curricular na Educação Física Infantil é uma das principais argumentações para a elaboração deste trabalho, que inclui em seu interior algumas experiências como docente nos últimos três anos na Educação Infantil.
Ainda na graduação tive a oportunidade de experienciar práticas docentes com escolares entre 3 e 6 anos em uma escola localizada no município de Guarulhos com aproximadamente 7 alunos de Educação Infantil. E também por meio de trabalhos acadêmicos cujo foco era na formação inicial de professores, utilizando como estratégia os laboratórios didáticos. Mas organizar um trabalho com 35 crianças por sala entre 3 e 6 anos foi um desafio enfrentado, que possibilitou vislumbrar a organização das situações de aprendizagem de modo a contribuir para outras práticas.
O primeiro contato com a instituição de ensino onde foi realizado este trabalho ocorreu em minha infância, onde regularmente aos finais de semana usufruía de seu espaço oferecido à comunidade, envolvendo-me em atividades recreativas com um grupo de amigos, sobretudo jogos com bola. Já o trabalho como docente iniciou após o ano de 2006, quando então, graduei-me como licenciado em Educação Física na mesma cidade em que a instituição está presente.
A escola está inserida em uma região periférica com diversos contrastes sociais e que desde a sua fundação (1979) sempre esteve presente no atendimento às crianças em idade pré-escolar, um termo não coerente, por deixar a impressão de que ainda não se trata de uma escola (FREIRE, 1989). Atualmente a escola possui cerca de 400 crianças matriculadas, sendo a maioria delas moradoras da região do bairro dos Pimentas no Jardim Leblon, a divisão de turmas é feita da seguinte forma: duas salas de jardim (2 anos), quatro salas de maternal (3 anos), quatro salas de estágio I (4 anos) e quatro salas de estágio II (5 anos). Em cada sala há cerca de 30 crianças, sendo acolhidas por uma professora e uma assistente em cada sala. Quase todas as professoras possuem formação em magistério, somente uma é pedagoga, já as assistentes possuem formação em nível médio. A direção da escola é composta por uma diretora (Licenciada em Ciências e Psicopedagoga) e uma coordenadora (Pedagoga). A escola está vinculada a uma instituição dirigida por uma presidente. Há um convênio com a prefeitura e sua organização curricular segue as mesmas normas de escolas municipais de Guarulhos. O projeto político é focado na organização de projetos vinculados às datas comemorativas que fazem parte do calendário nacional. Destacando que algumas mudanças são permitidas, sendo estas por meio da discussão coletiva envolvendo os professores e a coordenação.
2. Procedimentos metodológicos
A escolha pelo método de pesquisa-ação partiu da intenção de considerar a própria prática como objeto de investigação, previamente problematizada na tentativa de torná-la melhor. Ainda que momentaneamente haja apenas um desenvolvimento pessoal, ou seja, há um avanço em relação aos problemas ditos solucionados nas aulas de Educação Física, se vislumbra em curto prazo uma mobilização pelos demais sujeitos da comunidade escolar.
Para elaboração das estratégias e organização deste estudo partiu-se do método proposto por Tripp (2005) e Franco (2005), que apresentam a pesquisa-ação como uma das diferentes formas de investigação-ação para o desenvolvimento de professores e pesquisadores de modo que possam utilizar suas pesquisas para aprimorar seu próprio modo de ensinar.
A escolha pela pesquisa-ação para subsidiar este trabalho consiste na possibilidade de interlocução entre a elaboração dos conhecimentos científicos sobre os sentidos do fazer profissional (FRANCO, 2005). Além de uma tentativa de tornar a prática mais coerente, visto que o processo de reflexão em contato com a ação permite uma reorganização de todo o processo, com vistas a uma análise contínua e de forma espiralada, pois dificilmente é possível antever problemas de situações de aulas sem de fato os viver.
Na pesquisa-ação proposta por Tripp (2005) é apresentado um ciclo, que evidencia o processo pelo qual as ações docentes ocorrem, e neste caso, em busca de efetuar transformações na própria prática. O primeiro passo do ciclo é identificar o problema, em segundo lugar planeja-se uma ação, em terceiro lugar pretende-se implementar aquilo que foi planejado com posterior monitoramento, e por fim, ocorre uma avaliação com o escopo de identificar o significado das ações realizadas. A fase posterior ao momento de avaliação indica possibilidades de reflexão e mudança, porém não é somente nesta fase em que há o processo de reflexão, e sim, em todas, pois se espera que durante cada fase sejam tomados novos rumos na elaboração dos procedimentos, e ao passar das observações um aprofundamento metodológico na re-tomada de decisões.
Tripp (2005) aponta cinco modalidades de pesquisa-ação, a saber: pesquisa-ação técnica, pesquisa-ação prática, pesquisa-ação política, pesquisa-ação socialmente crítica e pesquisa-ação emancipatória. Estas modalidades são apresentadas de modo de que uma venha após a outra, considerando que o objetivo do pesquisador em linhas gerais seja o de partir de um desenvolvimento pessoal a um desenvolvimento coletivo, por meio de modalidades de pesquisa-ação que tornem todos os sujeitos da comunidade escolar inseridos na transformação pedagógica.
A pesquisa-ação estratégica é adotada neste trabalho, pois se busca tratar de transformações previamente planejadas com mudanças que decorreram de uma análise de seus efeitos por parte do pesquisador. Este tipo de estratégia ainda apresenta uma limitação em relação a sua falta de abrangência em todos os setores e sujeitos da comunidade escolar. Contudo, pareceu o método mais adequado a este trabalho, destacando apenas a pesquisa da própria prática e considerando que este processo se deu na fase de professor iniciante, pretendendo em outro momento uma efetiva participação, envolvimento e mudança nas atitudes por parte da comunidade escolar.
A formulação das estratégias partiu de duas fontes, uma delas é um grupo de estudos de professores que trabalham em diferentes níveis da educação, que se autodenominam professores-pesquisadores. Tal grupo de professores tem por hábito apresentar, relatar e registrar as intervenções e experiências realizadas no cotidiano escolar das aulas de Educação Física para posterior análise crítica de todos os membros do grupo. Outra fonte são as reuniões de conselho realizadas na instituição de ensino, destacando a formação permanente1 como um processo ininterrupto de formação e aprofundamento (GOMES, 2003), pois todas essas estratégias não faziam parte do programa educacional desde o ingresso na instituição de ensino, e para que as mudanças fossem realizadas o processo de reflexão foi constante.
A elaboração das estratégias deu-se a partir da identificação das dificuldades que foram surgindo no decorrer das aulas, inicialmente a escolha das situações de aprendizagem partia da pesquisa em livros de sugestões de atividades, implicando dizer que nesta situação as crianças não tinham abertura para escolher ou apresentar possibilidades que influenciar no processo da própria aprendizagem.
Dois fatos contribuíram para a inserção e mudança das estratégias, o primeiro fato foram algumas dificuldades observadas durante as situações de aprendizagem, a saber: dificuldade de atingir a participação de todas as crianças, fileiras e colunas para atividades individuais, falta de seqüência e continuidade dos conteúdos, pouca relação com os projetos da escola. O outro fato diz respeito ao processo de formação permanente, que por meio de leituras, discussões, pesquisas, acompanhamento de aulas e palestras foi possível aproximar as teorias da ação das teorias em uso (RESENDE, 1987; OLIVEIRA, SANCHES NETO 2007).
3. Educação Infantil: assistencialismo ou proposta educacional?
A Educação Infantil, ao longo de seu desenvolvimento, é marcada por concepções diversas que apresentam características do processo histórico e do contexto, no sentido de difundir ou, ao contrário, resistir às idéias de homem e de mundo e, especificamente, às idéias de infância e educação. Na educação, as concepções veiculadas tratam ou privilegiam um ou outro aspecto do desenvolvimento integral da criança – físico, emocional, afetivo, cognitivo, social, cultural, tendo como conseqüências práticas distintas e até mesmo divergentes tipos de formação profissional, sua concepção e concretização, que, por sua vez, de forma mútua as influencia. Historicamente as práticas de Educação Infantil, no Brasil, trazem consigo uma concepção educacional assistencialista, com atuação de característica compensatória nas instituições públicas, com o intuito de “sanar as supostas faltas e carências das crianças por parte de suas famílias” (GADOTTI, 1997).
Kuhlmann (1998) define a educação assistencialista como uma educação que parte de uma concepção preconceituosa da pobreza e que, por meio de um atendimento de baixa qualidade, pretende preparar os atendidos para permanecer no lugar social a que estariam destinados. Portanto, a educação assistencialista apenas se preocupa em cuidar da criança, bem como a sua preparação para aceitar a sua condição social e não a de se questionar sobre a sua realidade.
Durante muito tempo as finalidades do atendimento às crianças pequenas eram as mais diversas, entre elas o cuidado, a higiene e a alimentação, visto que os pais trabalhavam e não tinham onde deixar os filhos. Os públicos atendidos, em sua grande maioria eram de crianças de baixa renda e visava-se apenas sanar as carências primárias de maneira compensatória como se fosse um favor oferecido a estas famílias. Nesse sentido, o viés da educação compensatória tentava suprir a falta que a família fazia aos pequenos. A sociedade atual já percebe que a Educação Infantil deve promover o desenvolvimento de diversos aspectos sendo-os afetivos, emocionais, cognitivos, físicos e sociais, admitindo que estes sejam indissociáveis. Por isso devem ser trabalhados de maneira integrada e que essa “divisão” venha a ser encarada apenas como uma forma de organização do trabalho, ou seja, dar ênfase a um caráter pedagógico na Educação Infantil (BRASIL, 1998; DIDONET, 2003). Quando se diz que o ensino na Educação Infantil deve ter uma função pedagógica, está-se referindo, portanto, a um trabalho que toma a realidade e os conhecimentos infantis como ponto de partida e os amplia, com a tentativa de experienciar atividades que têm um significado concreto para a vida das crianças e que, simultaneamente, asseguram a elaboração de novos conhecimentos.
4. Educação Física na Educação Infantil: um breve histórico
Historicamente a psicomotricidade foi uma das primeiras abordagens a ser inserida nas aulas de Educação Física na Educação Infantil, predominantemente com um modelo que envolve a área motora e que possibilita um auxilio na alfabetização, enfatizando situações de aprendizagem de cunho mais “cognitivo” (BRACHT, 1999). Esse movimento iniciado por volta da década de setenta tinha como alguns de seus pressupostos a intenção de propor soluções para os inúmeros problemas que levavam ao fracasso educacional e, em sentido mais restrito, ao fracasso da alfabetização. Para tanto, era preciso treinar as habilidades ou capacidades psicomotoras: esquema corporal, percepção temporal, lateralidade, equilíbrio, entre outros que passaram a fazer parte do discurso pedagógico, sendo então as aulas de Educação Física utilizadas apenas como um recurso, além de entender a criança como um ser universal, ou seja, sem levar em consideração suas particularidades (SAYÃO, 2002).
A partir da década de oitenta até a década de noventa, houve um intenso trabalho que resultou na definição do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e nas discussões a respeito da lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), que foi promulgada no ano de 1996. Esta nova LDB, também pela primeira vez, introduziu a Educação Infantil como a primeira etapa da Educação Básica, vindo esta a se constituir em um nível de ensino.
A Educação Infantil passou, então, a ter como finalidade o desenvolvimento integral da criança até os seis anos de idade, ofertada em creches para as crianças de até três anos de idade e em pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos de idade. Essa primeira etapa da Educação Básica, mesmo não sendo obrigatória, passa a constituir-se em um direito da criança e um dever do Estado, fazendo parte da concepção geral de educação no país.
Muitos passos foram dados em relação à educação de crianças de zero a seis anos de idade, porém existem muitos problemas a serem enfrentados nessa área, um deles são os conteúdos selecionados para serem ensinados nas aulas de Educação Física na Educação Infantil. Percebemos que existem lacunas, principalmente no que se refere aos conteúdos que merecem ser esclarecidos. A brincadeira e o jogo passam a serem vistos como principais possibilidades de intervenção, destacados então por seus benefícios educacionais, que são promovidos por meio de atividades lúdicas. Nesta concepção os conteúdos e objetivos educacionais são organizados somente pela visão do professor, deixando então de promover um planejamento que conte com a participação de toda comunidade escolar, ou seja, negando a possibilidade de se criar ou favorecer o desenvolvimento da cultura infantil no ambiente, sendo práticas que “controlam” os movimentos das crianças, favorecendo a imobilidade (PERROTI, 1995).
A respeito da diversidade cultural dos meninos e meninas há de se considerar que existem diferentes formas de se movimentar e que estas linguagens de movimento expressas pelas crianças, quando em interação umas com as outras, contribuem para a produção da cultura infantil.
A cultura infantil expressa as histórias de vida das crianças, suas origens socioculturais, o pertencimento a diferentes classes sociais, gênero, religião e etnia. Estas singularidades oportunizam ao (a) professor (a) um conhecimento maior das crianças que, quando interagem entre si, conhecem outras culturas, e se re-conhecem.
Numa perspectiva de Educação Infantil que considera a criança como sujeito social que possui múltiplas dimensões e que estas, precisam ser evidenciadas nos espaços educativos voltados para a infância, as atividades ou os objetos de trabalho não deveriam serem compartimentados em funções e/ou profissionais. A questão não está no fato de vários profissionais atuarem no currículo da Educação Infantil, e sim na fragmentação das situações de aprendizagem, como se em alguns momentos fossem privilegiadas a mente ou o corpo, isolando-se em seus próprios campos (SAYÃO, 1996).
Em 1998 foi elaborado o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), um documento composto por três volumes. O primeiro trata-se de um documento introdutório, que apresenta uma reflexão sobre creches e pré-escolas no Brasil, situando e fundamentando concepções de criança, infância, educação, instituição e do profissional, que foram utilizadas para definir os objetivos gerais da educação infantil. O segundo volume trata da Formação Pessoal e Social, que possui como eixo de trabalho os processos de construção de autonomia e identidade das crianças. E o terceiro volume, relativo ao Conhecimento de Mundo com seis documentos referentes a eixos de trabalho com a finalidade de relacionar e construir linguagens a partir dos objetos de conhecimento: movimento, música, artes visuais, linguagem oral e escrita, natureza e sociedade e matemática.
Trata-se de uma proposta que não tem um caráter obrigatório, embora seja utilizada como referência em muitas escolas tanto da iniciativa privada quanto de órgãos públicos por ser um documento oficial que orienta a elaboração das diretrizes dos currículos dos sistemas estaduais e municipais responsáveis pela Educação Infantil brasileira.
A concepção ou o trato pedagógico da Educação Física na Educação Infantil passa a ser um objeto de reflexão, Ferraz (2001) procurou investigar o que 196 professores (as) da prefeitura de São Paulo pensavam sobre a presença da Educação Física na Educação Infantil, as questões que levantou em seu estudo foram organizadas em quatro categorias, formação profissional, existência ou não de trabalho regular de Educação Física, envolvendo princípios curriculares, concepções sobre Educação Física na Educação Infantil e necessidade e tipo de acompanhamento pedagógico. Os resultados indicaram que o argumento para a falta de aulas de Educação Física seria a formação inadequada, seguido por argumentos indicando falta de materiais, espaços inadequados e ênfase a outras prioridades, tais como a alfabetização e a matemática.
Constatando que o argumento posto como mais frequente havia sido a falta de formação adequada foi proposto por Ferraz um programa de implementação de aulas de Educação Física com vistas à formação continuada, em uma escola de Educação Infantil do Município de São Paulo. De fato algo significativo, por se tratar de uma organização de aulas pautada por princípios curriculares, ou seja, intervenções pedagógicas organizadas a partir de objetivos, conteúdos, estratégias e critérios de avaliação
Com base nos pressupostos citados no parágrafo anterior, o professor de Educação Física deveria buscar seu espaço na Educação Infantil. Porém buscar um espaço que não seja tido como um momento isolado ou diferente das demais propostas pedagógicas que ocorrem na escola, e sim, um trabalho que contribua para que haja uma proposta intencional, coletiva e educativa, aí está o desafio.
5. As estratégias de ensino na Educação Infantil
Assim como em outros níveis de ensino uma das grandes preocupações que existem na Educação Infantil é a tentativa de possibilitar um ambiente em que as crianças se envolvam nas situações de aprendizagem, que de fato participem das aulas. Por meio da pesquisa-ação foi possível investigar algumas estratégias de ensino que contribuíram para que tal preocupação fosse momentaneamente sanada, na própria utilização das estratégias é possível indicar um conteúdo ensinado juntamente com possibilidades de avaliação, considerando também temas propostos pelo Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998).
As estratégias propostas são:
Organização da aula por blocos de conteúdos
Verificação do conhecimento prévio das crianças
Relação com os projetos da escola
Formação de grupos operacionais
Atividades paralelas
Registro e verificação conjunta das vivências
Acordo, trato ou combinados em relação às atitudes nas aulas
5.1. Organização da aula por blocos de conteúdos
A utilização desta estratégia partiu da proposta apresentada pelo Referencial Curricular Nacional (BRASIL, 1998), que propõe em seus blocos a Formação Pessoal e Social e o Conhecimento de Mundo no trato pedagógico, a organização dos demais blocos surgiu pelo contato com o grupo de professores-pesquisadores (OKIMURA e col.; SANCHES NETO 2007), os blocos são: Elementos Culturais (Jogo, Brincadeira, Dança, Luta e Capoeira), Aspectos Pessoais e Interpessoais (Anatomia, Biomecânica e Prevenção de lesões) Movimentos (Manipulação, Locomoção e Estabilização) e Demandas do Ambiente (Natureza, Virtual, História e Geografia). Após o levantamento destes temas ocorre a organização e discussão do planejamento com a comunidade escolar (professores (as), diretores (as), coordenadores (as) e demais funcionários (as) da escola), por meio de reuniões. Já na organização das aulas pode haver ou não a relação de mais de um tema.
Figura 1. Blocos de conteúdos temáticos
5.2. Verificação do conhecimento prévio das crianças
Nesta concepção a criança é vista com um ser capaz de manifestar seus interesses e saberes, contrapondo uma visão de criança inoperante e incapaz de influenciar em seu meio social, muito comum ao longo da educação de crianças de tenra idade (KUHLMANN, 2004). Um exemplo desta estratégia ocorre quando se apresenta algum material, como bolas, petecas, arcos, bexigas, entre outros. As crianças são questionadas sobre o nome, possibilidade de uso e até mesmo de onde tenha vindo tal material.
Outro exemplo é na apresentação de algum tema, quando se pergunta o que sabem sobre determinado assunto, história, música ou significado de palavras, tais como: trânsito, respeito, verdade ou regras. Esta estratégia tem como base a tentativa de tornar as aulas mais significativas, haja vista a importância de garantir ou proporcionar às crianças um espaço para que se expressem sobre seus saberes, em que os possibilitem de serem autores de sua cena (SILVA, 2007).
5.3. Relação com os projetos da escola
As aulas de Educação Física não devem estar dissociadas da proposta pedagógica da escola, esta não é uma tarefa simples, uma vez que muitos projetos parecem não ter muita ligação com conteúdos da Educação Física ou por não apresentarem uma proposta coerente para a Educação Infantil. Esta estratégia deve ser previamente organizada, para que em conjunto com os demais professores (as) as situações de aprendizagem sejam propostas sistematizadas, analisadas e implementadas. Nesta estratégia a participação nas reuniões de organização do currículo é fundamental, em que por meio da discussão e planejamento coletivo é possível contemplar a participação da Educação Física nos projetos da escola. Um exemplo se refere ao dia do Índio, onde as aulas possuíam um caráter voltado para desmistificar uma visão de índio simplesmente caçador, com pinturas, que usa objetos de combate (arco e flecha), mas também como indivíduo que brinca, trabalha, estuda, e que de modo geral apenas vive em outro contexto cultural.
Estar presente nos projetos da escola tem dado à Educação Física um maior respeito pelos demais professores, tornando sua presença na Educação Infantil algo merecido.
5.4. Formação de grupos operacionais
A organização dos grupos operacionais pode ser utilizada no ensino de diversos conteúdos, em turmas com muitas crianças e na formação de atividades paralelas, que consiste em vivenciar diferentes situações de aprendizagem em uma única aula em tempo permanente. Os grupos operacionais podem ser organizados por cores, objetos, números ou gênero. Um exemplo desta estratégia foi em uma aula que tinha como objetivo experienciar diferentes materiais, foram organizados quatro grupos com a seguinte formação: grupos com raquetes e bolinhas, grupo com arcos, grupo com peteca e grupo com bolas médias, sendo que a cada 10 minutos os materiais eram trocados entre os grupos.
Os grupos operacionais têm estimulado nas crianças uma menor preocupação em estarem inseridas em grupos separados por gênero, algo muito comum na infância. Inclusive outras formas de organização e divisão de grupos são apresentadas, tais como, o grupo Ben 10, grupo Macqueen, entre outros, contribuindo para uma maior participação e interesse nas situações de aprendizagem.
5.5. Atividades paralelas
As atividades paralelas tanto podem ser utilizadas quando organizados grupos operacionais ou em atividades individuais, nesta estratégia busca-se entre outros objetivos instigar nas crianças uma maior liberdade em relação ao que vivenciar nas aulas, haja vista que em algumas situações de aprendizagem há diversas atividades com a possibilidade de escolha, esta estratégia se assemelha a organização de circuito. Um exemplo da implementação dessa estratégia foi em uma aula com a temática do “chutar”, em que havia diversos alvos para chutar a bola, gols de diferentes medidas, bexigas, caixas, arcos e cones. Cada criança tinha a opção de chutar em qualquer alvo.
As atividades paralelas têm permitido um maior envolvimento das crianças, principalmente pelo fato de não priorizar algum tipo de atividade, e sim, estimular a participação em um maior número de vivências possíveis, desafiando os escolares a passarem por todas as etapas.
5.6. Registro e verificação conjunta das vivências
Nesta estratégia o uso das mídias é destacado, nela espera-se identificar a partir de uma observação coletiva o significado que as crianças atribuem as situações de aprendizagem, além de identificar conteúdos, movimentos, comportamentos, participação e envolvimento, enfim, também utilizada como um recurso para avaliação tanto das crianças quanto das aulas. Na estratégia de verificação conjunta das vivências algumas mídias são utilizadas, como câmera digital ou máquina fotográfica, laptop, aparelho de DVD e televisão.
A partir da introdução da estratégia de verificação conjunta das vivências é notória a aprendizagem por parte das crianças de termos ligados a movimentos, tipos de atividades e reconhecimento de sensações. Tal estratégia também tem contribuído para que a seqüência de conteúdos seja organizada e crescente.
5.7. Acordo, trato ou combinados em relação as atitudes nas aulas
Para que as aulas sejam adequadamente experienciadas por todos (as) vale considerar os direitos e deveres que cada um (a) possui no processo de aprendizagem, nesta estratégia o professor não é considerado como o único que aplica as possibilidades de acordo, mas juntamente com o grupo de crianças são elaborados alguns critérios que devem ser respeitados durante a aula. Um exemplo desta estratégia foi nas aulas em que tiveram como tema principal o movimento de rebater e suas diversas manifestações, foi proposto que cada um (a) utilizasse uma raquete plástica e uma bolinha. Na entrega dos materiais as crianças pediam as cores de sua preferência, em seguida foram alertadas sobre a falta de cores que atendiam a todas as preferências, foi proposto então que os materiais seriam entregues de forma aleatória e em seguida eles (as) tinham a liberdade de trocar de material.
Após algumas experimentações dos materiais foram registrados alguns comportamentos que comprometeram o andamento da aula, e em seguida organizou-se uma roda de conversa e levantada as seguintes questões:
O que deve ser feito se um colega bate a raquete nas costas do outro?
O que deve acontecer com a criança que quebrar a própria raquete batendo-a contra a parede?
E se ao invés de utilizar o seu material, pegar o material do colega e jogar para fora da quadra?
E se não tentar rebater a bolinha como o professor propôs?
Depois deste debate algumas regras são construídas, e a partir daí os combinados são estabelecidos.
Esta estratégia tem permitido uma maior organização das aulas, cada criança tem sido estimulada a coordenar suas condutas também em função das regras previamente combinadas, contribuindo para que o processo de participação política e planejamento participativo sejam estimulados desde a infância.
6. Considerações finais
Considera-se que a pesquisa-ação como método de trabalho é um meio capaz de tornar a prática educativa mais significativa, isso porque permite que o professor repense constantemente sobre suas ações. Ressalta-se que estas estratégias não são as mesmas desde o primeiro ano de trabalho na instituição de ensino, reforçando novamente que novas estratégias poderão surgir ao decorrer das intervenções.
Essa organização pretende ainda que tacanhamente, trazer uma reflexão sobre a adequação de novas estratégias para a Educação Infantil e indicar que estudos desta natureza não sejam entrevistos como meramente relatos de uma experiência, e sim, como propostas que apresentam mudanças, reflexões e ações elaboradas considerando os sujeitos envolvidos (professor e alunos), suas histórias de vida, necessidades e desejos. Com este trabalho corrobora-se as considerações de Ferraz (2001), incentivando a proliferação de outros programas de Educação Física na Educação Infantil, objetivando sua inserção de modo intencional, coletivo e sistematizado.
Considera-se também que o trabalho aqui apresentado vislumbra novos patamares, que possam ir além deste desenvolvimento pessoal e das aulas de Educação Física, buscando comprometer toda comunidade escolar, caracterizando a Educação Física como componente curricular que tem seu espaço e tempo pedagógico próprios, e se faz com propriedade e rigor.
Nota
1. Temo surgido na Europa como necessidade dos países para superar os limites da educação formal (GOMES, 2003).
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