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Adaptação e validação lógica de um teste específico para

mensuração da capacidade anaeróbica de atletas de jiu-jitsu

 

*Professor do Colegiado de Medicina

Núcleo de Estudos de Ciências do Esporte-NECESP

Universidade Federal do Tocantins-Palmas

**Bacharel em Educação Física. Ielusc-Joinville

João Francisco Severo Santos*

Fernando de Souza Corrêa**

jsevero@uft.edu.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          O objetivo desse estudo foi testar e validar logicamente um protocolo específico para mensurar a capacidade anaeróbica de lutadores de jiu-jitsu brasileiro - JJB a partir do protocolo adaptado do Special Judo Fitness Test (SJFT) proposto por Sterkowicz (1995). Participaram do estudo 34 praticantes de JJB, com idade aproximada de 21,34 ± 3,4 anos e 4,4 ± 2,1 anos de treinamento. A validade lógica foi obtida através da mensuração da freqüência cardíaca tendo como linha de base a média de freqüências cardíaca para atingir a velocidade de corrida do limiar anaeróbico obtida pelo protocolo de Tanaka (1995). A fidedignidade foi mensurada pelo coeficiente de correlação de Pearson através do método teste-reteste com intervalo de uma semana e a objetividade foi obtida pelo coeficiente de correlação intra-classe por dois avaliadores. O teste adaptado consistiu na realização do maior número repetições possíveis da técnica Juji-gatame (arm look) iniciando da montada em três séries consecutivas de 10, 30 e 30 segundos e com dez segundos de intervalo entre cada série. A freqüência cardíaca foi mensurada logo após o teste e um minuto após. A analise dos dados foi realizada no pacote estatístico SPSS 11.1. A testagem demonstrou excelentes coeficientes de fidedignidade para FC e índice de performance. A objetividade obtida pela estatística K para número de repetições e índice de performance foi considerada. A validade lógica foi considerada aceitável. Conclui-se que o SJFT adaptado para o Jiu-jitsu apresenta boas qualidades psicométricas.

          Unitermos: Jiu-jitsu. Capacidade anaeróbica. Validação

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 142 - Marzo de 2010

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Introdução

    O Jiu-Jitsu Brasileiro é uma arte marcial que se tornou um esporte de grande repercussão internacional a partir da década de 90 devido aos seus resultados no vale-tudo. Reconhecido e praticado atualmente em mais 100 países, o Jiu-Jitsu Brasileiro busca a legitimidade máxima no meio esportivo pleiteando uma vaga como esporte olímpico. No entanto, ao contrário das outras disciplinas olímpicas, há poucos estudos científicos a seu respeito, principalmente com relação aos aspectos específicos do treinamento a fim de que este possa atender as necessidades físicas exigidas pela modalidade, proporcionando assim, a otimização da performance.

    Em termos de habilidades motoras, o Jiu-Jitsu Brasileiro apresenta elevada complexidade técnica. Isso exige de seus praticantes um grande número de conhecimentos sobre a mesma, para que possam tomar decisões rápidas e seguras, utilizando a força e as decisões precipitadas de seu adversário para aplicação das técnicas mais apropriadas a cada situação. Com o auxílio de chaves e alavancas, o Jiu-Jitsu Brasileiro, em teoria, torna possível um combate entre lutadores com grande diferença de massa corporea, pois o conhecimento técnico se sobressai à força, justificando assim o significado do seu nome.

    O Jiu-Jitsu teve sua origem moderna no Japão e chegou ao Brasil por intermédio de um mestre chamado Mitsuyo Maeda. No Brasil este mestre criou vínculos de amizade com Gastão Gracie e passou a ensinar as técnicas de Jiu-Jitsu para seus filhos. Um deles, entretanto, não possuía as habilidades físicas necessárias para se tornar um bom lutador da forma japonesa de Jiu-jitsu que em muito se assemelhava ao judô. Levado por este fato passou a utilizar um Jiu-Jitsu mais de solo, implementado com alavancas e chaves que não necessitavam tanto de força, surgindo então o mundialmente conhecido Jiu-Jitsu Brasileiro, que teve como propulsor Helio Gracie (PELIGRO; et. al. , 2003).

    A família Gracie com suas técnicas acabou se destacando no mundo das artes marciais, através dos eventos de vale-tudo, tornando assim o Jiu-Jitsu Brasileiro reconhecido mundialmente como uma das artes marciais mais eficientes. Desta forma os Gracies passaram a ensinar o Jiu-Jitsu Brasileiro em várias cidades, estados e países, porém o grande foco sempre foi o Rio de Janeiro, transformando esta atividade em uma modalidade esportiva, com federações e campeonatos nacionais e internacionais, onde os brasileiros possuem uma grande hegemonia de títulos. Apesar da superioridade não há um acompanhamento minucioso e um treinamento específico, pois o número de estudos científicos nesta área é relativamente pequeno (PELIGRO; et. al. , 2003).

    Levando em consideração todos os aspectos citados acima, torna-se de grande importância a realização de estudos científicos, principalmente os que envolvem a área de treinamento e avaliação do mesmo. Desta forma o treinamento dos atletas de Jiu-Jitsu pode assumir características mais específicas, sendo assim mais condizentes com as necessidades físicas exigidas pela modalidade. Para que isso seja possível, a mensuração das capacidades físicas específicas do Jiu-Jitsu Brasileiro, através de testes também específicos, afim de proporcionar uma avaliação mais clara dos avanços em relação às adaptações esperadas ao treinamento, torna-se indispensável para que o desempenho dos atletas possa ser otimizado. Diante do exposto, essa pesquisa teve como objetivo testar e validar logicamente um protocolo específico para mensurar a capacidade anaeróbica de lutadores de Jiu-Jitsu Brasileiro a partir do protocolo adaptado do Special Judo Fitness Test (SJFT) proposto por Sterkowicz (1995).

Metodologia

    Participaram do estudo 34 praticantes de Jiu-Jitsu Brasileiro, com idade aproximada de 21,34 ± 3,4 anos e 4,4 ± 2,1 anos de treinamento, residentes nas cidades de Joinville, Florianópolis e Curitiba.

    O Special Judo Fitness Test (SJFT) proposto por Sterkowicz (1995), foi elaborado para se avaliar a capacidade anaeróbica específica de judocas, buscando a realização de movimentos característicos da modalidade. Este teste utiliza o seguinte protocolo, dois judocas de com pesos semelhantes ao do executante, ficam a seis metros de distância um do outro e o executante fica entre os dois, a três metros de cada um. Este teste é fragmentado em três séries, uma de quinze segundos, outra de trinta e mais uma de trinta segundos, com dez segundos de intervalo entre elas. Durante as séries o executante deve mover-se o mais rápido possível em direção a um dos dois colegas e lhe aplicar o Ippon-seoi-nague, que é uma queda de judô e posteriormente realizar o mesmo procedimento com o outro colega e assim sucessivamente, realizando o maior número de golpes possível, sempre respeitando os comandos para começar e para. A freqüência cardíaca do indivíduo em questão é aferida imediatamente após o exercício e após um minuto de recuperação. Os dados coletados são analisados, para se obter um índice de desempenho através da formula exposta abaixo. Assim, verifica-se que quanto menor o índice, melhor o desempenho no teste.

    Para o procedimento de adaptação do Special Judo Fitness Test (SJFT) proposto por Sterkowicz (1995), buscou-se utilizar uma das técnicas mais comuns na prática do Jiu-Jitsu que é a chave de braço conhecida como Arm look. Essa técnica foi iniciada a partir da posição de montada. Como as lutas de jiu-jitsu se desenvolvem essencialmente no chão, por uma questão lógica, não seria possível realizar grandes deslocamentos como proposto no teste original. Por isso a técnica aplicada exigia somente o deslocamento de chão para voltar a posição inicial de montada.

    A aplicação das técnicas de jiu-jitsu, assim como as de judô, exige a colaboração de um segundo praticante que sirva de ponto de referência ativo para a execução do movimento, ou seja, um segundo no qual a técnica seja simulada. Nesse sentido, o participante que recebeu a técnica (colaborador), permaneceu em decúbito dorsal, com os braços estendidos e voltados para cima durante todo o tempo de aplicação das séries.

    Já quem aplicou a técnica, iniciou o movimento a partir de uma posição conhecida como “montada”, na qual o aplicador permanece sentado sobre o abdome do colaborador, com os joelhos e pés apoiados no chão, um de cada lado do corpo do colaborador e com ao sua visão voltada para a direção da cabeça do colaborador.

    Para a aplicação da técnica proposta, o aplicador passou uma das mãos por cima e a outra por baixo de um dos braços do colaborador, apoiando as duas mãos no peito deste. Com os braços já posicionados e estendidos, passou a perna do mesmo lado do braço laçado por cima da cabeça do adversário ficando adjacentes um em relação ao outro, de forma que uma das pernas do executante ficasse sobre o peito do adversário e a outra sobre a cabeça, com o braço mais próximo do mesmo entre as pernas do executante e a não na altura do peito e por fim, para voltar a posição inicial retirou as pernas para o lado apoiando uma das mãos no chão (figuras 2 e 3).

Figura 2. Montada e preparação para aplicação da técnica

Fonte: Home-page do Mestre Muzio de Angelis (2009)

 

Figura 3. Aplicação da técnica

Fonte: Home-page do Mestre Muzio de Angelis (2009)

    Esta técnica foi repetida o máximo de vezes possíveis, durante 15 segundos, 30 segundos e 30 segundos com intervalos entre estes de 10 segundos.

    Para que pudesse mensurar a freqüência cardíaca do aplicador logo após o teste e um minuto após o mesmo, este utilizava um monitor de freqüência cardíaca da marca Polar, fixado ao corpo através de um esparadrapo durante toda a realização do protocolo.

    Os dados foram registrados em uma ficha na qual haviam espaços para anotação do número de repetições em 15 segundos e também para as duas séries de 30 segundos e outro espaço para a freqüência cardíaca logo após e um minuto após o termino das series.

    A validade lógica foi estimada através da mensuração da freqüência cardíaca tendo como linha de base a média de freqüências cardíaca para atingir a velocidade de corrida do limiar anaeróbico obtida pelo protocolo de Tanaka (1986). Para isso, dez praticantes selecionado aleatoriamente foram submetidos a esse protocolo que consiste em duas series de corridas máximas de 40 segundos e 5 minutos para verificar a velocidade de corrida no limiar anaeróbico de acordo com a equação exposta abaixo:

VCL = 124 - (0.831 x corrida de 40 s) + (0.202 x corrida de 5 min)

    Num segundo momento, os avaliados tiveram suas freqüências cardíacas mensuradas numa esteira programada para a velocidade individual de limiar anaeróbico obtida na fase anterior do protocolo. Considerou-se a freqüência cardíaca aferida imediatamente após o teste para estimar se o aplicador estava em metabolismo anaeróbio durante a realização do mesmo. Além disso, a opinião de cinco especialistas em treinamento esportivo e cinco faixas pretas de jiu-jitsu foi consultada com relação a lógica das ações e adequação técnica do teste ao esporte.

    A fidedignidade foi mensurada pelo coeficiente de correlação de Pearson através do método teste-reteste com intervalo de uma semana entre cada aplicação e a objetividade foi obtida pelo coeficiente de correlação intra-classe entre dois avaliadores.

    O teste adaptado consistiu na realização do maior número repetições possíveis da técnica Juji-gatame (arm look) iniciando da montada em três séries consecutivas de 10, 30 e 30 segundos e com um minuto de intervalo entre cada série. A freqüência cardíaca foi mensurada por meio de um frequencímetro portátil modelo F4M da marca polar logo após cada série e um minuto depois das três séries.

    Como critério de inclusão, os lutadores de Jiu-Jitsu deveriam ter no mínimo dois anos de experiência e possuir do grau de faixa azul, além de freqüentar regularmente os treinos.

    A analise dos dados foi realizada no pacote estatístico SPSS 11.1, sendo calculadas as médias, desvios e correlações, sendo considerado como satisfatório o nível mínimo de confiabilidade de 95%.

Resultados

    Em relação à lógica do teste, todos os especialistas em treinamento esportivo concordaram que o tipo de esforço realizado durante o teste tem características anaeróbias. Essa opinião foi reforçada pelos dados obtidos em relação a freqüência cardíaca de esforço mensurada imediatamente após o teste. Nesse sentido, constatou-se que 79% dos participantes ultrapassaram o limite superior da variabilidade de FC estimada para o segundo limiar anaeróbico (178 ± 8,73 bpm) proposto pelo protocolo de Tanaka. Também, entre os especialistas de jiu-jitsu houve 100% de concordância de que os movimentos utilizados no protocolo representam satisfatoriamente as ações motoras realizadas durante uma luta típica da modalidade.

    Com relação à fidedignidade do teste, verificou-se que todas as variáveis apresentaram boa estabilidade temporal (tabela 1). Também foi possível observar que a média de repetições teve um pequeno aumento no reteste em relação ao teste, porém o desvio padrão apresentou uma pequena redução como era de se esperar, uma vez que isso reflete o efeito de aprendizagem das ações motoras na realização do teste. Toda via, isso não afetou os resultados, uma vez que essas diferenças não foram estatisticamente significativas.

Tabela 1. Média, desvio padrão e correlação das variáveis no teste e reteste

* significativo ao nível de p< 0,01

    A testagem demonstrou excelentes coeficientes de fidedignidade para todas as variáveis, destacando-se a FC imediata e de recuperação, bem como o índice de performance (r= 0,89, 0.91 e 0.93 respectivamente).

    A objetividade obtida pela estatística K para a média do somatório do número de repetições e o índice de performance foi considerada excelente (k= 0,87 e 0,82 respectivamente).

Conclusão

    A partir dos resultados obtidos, conclui-se que o SJFT adaptado para o Jiu-jitsu apresenta boas qualidades psicométricas demonstrando evidências de validade científica para testagem de atletas dessa modalidade. Sugere-se que outros trabalhos sejam realizados com amostras maiores de atletas de diferentes níveis competitivos no sentido de estabelecer normas e critérios de referencia para a avaliação com vistas a melhoria dos métodos de preparação física e desempenho esportivo na modalidade.

Bibliografia

  • ANGELIS, M. home-page. Disponível em http://www.muziodeangelis.com.br/posicoes-jiu-jitsu-alunos-03-chavedebraco.html, acessado em 12/10/2009.

  • CONCEIÇÃO, R.R & SILVA, J.M.F.L. Estudo comparativo do número de arremesos e variações da freqüência cardíaca em lutadores de
    jiu-jitsu de diferentes graduações de faixa. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 12, N° 109, Junio de 2007. http://www.efdeportes.com/efd109/frequencia-cardiaca-em-lutadores-de-jiu-jitsu.htm

  • PELIGRO, K; DANAHER, J; GRACIE, R & GRACIE, R. Brasilian jiu-jitsu: theory and technique. Invisible Cities Press Llc, 2003.

  • STERKOWICZ, S. Test specjalnej sprawnoci ruchowej w judo. Antropomotoryka, n. 12-13, p. 29-44, 1995.

  • TANAKA, H. Predicting running velocity at blood lactate threshold from running performance tests in adolescents boys. European Journal of Applied Physiology, v.55, p.344-8, 1986.

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