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Aprendizagem motora: histórico da 

abordagem clássica e dos sistemas dinâmicos

 

Mestranda em Ciências do Movimento Humano - UDESC – Santa Catarina

Especialista em neurologia infantil e adulto, hospitalar e ambulatorial pela UNIFESP

Escola Paulista de Medicina (EPM)

Natalia Duarte Pereira

nat_duarte@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          A aprendizagem motora é a base do processo de reabilitação, uma vez que possibilita a mudança de comportamentos motores já adquiridos, como também a aquisição de novos comportamentos motores. Os produtos do processo de aprendizagem motora, a adaptação e a generalização, são fundamentais para a reabilitação de pacientes com disfunções motoras, pois é esperado que, após o treino de uma determinada habilidade, além da melhora do desempenho, seja adquirida a capacidade de realizá-la em diferentes condições ambientais, distintas do ambiente terapêutico, bem como essa aprendizagem sustente o desempenho de habilidades semelhantes. Este estudo traz a base histórica da formação de algumas teorias de aprendizagem motora.

          Unitermos: Aprendizagem motora. Sistemas dinâmicos. Habilidade

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 142 - Marzo de 2010

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Introdução

    Aprendizagem é um processo pelo qual a maioria dos animais adquire conhecimento sobre o mundo, e memória é a retenção ou armazenamento desse conhecimento (KANDEL, 2003).

    Estudos com pacientes neurológicos realizados por Milner et al em 1968 e Lashley em 1958 resultaram na divisão da memória em dois grandes grupos: memória implícita e declarativa.

    A memória declarativa constitui um sistema no qual a informação é processada mesmo após uma única experiência e então estocada de forma que se mantenha acessível, explicitamente, para ser usada posteriormente, sendo relembrada de forma consciente de acordo com a demanda. Por apresentar essas características é passível de relato verbal como sugere o termo “declarativo”. Já o módulo implícito, representa a aquisição de habilidades motoras, perceptuais e rotinas cognitivas por meio da exposição repetitiva a uma atividade específica, com regras invariáveis. Essa classe de memória adquirida é expressa apenas sob a forma de desempenho em virtude de um sistema de memória que não permite o acesso explícito, ou seja, não permite o relato das informações acumuladas com a tarefa. (KANDEL 2003; PARSOSNS ET AL, 2005).

    O aprendizado motor faz parte da memória implícita, definido como um conjunto de processos não conscientes, associados com a prática e repetição de movimentos, que levam às mudanças permanentes nas respostas motoras. Isto é possível devido às modificações das redes neurais responsáveis pelas respostas motoras, possibilitando um desempenho mais eficaz da tarefa treinada (MOLINARI ET AL 1997; WILLINGHAM, 1998). Assim com o decorrer do processo o desempenho evolui de impreciso para acurado, de lento para veloz e de controlado pela atenção para automático.

    A aprendizagem motora é a base do processo de reabilitação, uma vez que possibilita a mudança de comportamentos motores já adquiridos, como também a aquisição de novos comportamentos motores. Portanto, um melhor conhecimento das estratégias que favorecem esse processo pode acrescentar informações importantes para o direcionamento da reabilitação motora de pacientes.

    Este estudo traz a base histórica da formação de algumas teorias de aprendizagem motora.

Teorias Clássicas

    Segundo as teorias clássicas de aprendizado motor a realimentação sensorial foi considerada como fator fundamental para o seu desenvolvimento. Keele em 1968 elaborou a teoria do circuito aberto que afirma a existência de um programa motor resultante de um processo de aprendizado que quando solicitado para uma atividade gera o movimento sem a necessidade de realimentação para gerenciá-lo.

    Na década seguinte, Adams (1971) desenvolveu a teoria do circuito fechado que diferentemente da primeira admite o uso constante das informações sensoriais como guia e como informantes do resultado final atingido pelo movimento. (SHUMWAY-COOK e WOOLLACOTT, 2003).

    Ainda na década de 70, Schmidt propôs uma nova teoria em resposta às limitações das teorias anteriores integrando-as. Assim dependendo do tipo de atividade o controle seria por circuito aberto ou fechado, atividades mais lentas seriam governadas por mecanismos de realimentação e em atividades balísticas não haveria tempo suficiente para processamento de tantas informações e, portanto seriam controladas por circuitos abertos. (SCHMIDT, 1975; TANI 2005)

    A Teoria dos Modelos Internos aperfeiçoou a Teoria do Esquema descrita por Schmidt (1975) e propôs que o treino propiciava a formação de um programa motor que armazena uma série de normas adquiridas durante o aprendizado, que poderiam ser aplicadas a diversos contextos. Para tanto, após a execução de um movimento, quatro aspectos seriam armazenados na memória: (1) condições iniciais de movimento (fatores gerais a respeito do sujeito e do objeto); (2) parâmetros utilizados no programa motor generalizado; (3) efeito do movimento em termos de conhecimento de resultados; (4) conseqüências sensoriais do movimento (SHUMWAY-COOK e WOOLLACOTT, 2003; TANI, 2005).

Teorias baseadas nos Sistemas Dinâmicos

    Insatisfeitos com a explicação para o controle motor até então restrita à maturação ou à capacidade de processar informação, pesquisadores na década de 1980 descreveram uma abordagem dos sistemas dinâmicos, a qual, norteada por preceitos da física, contribuiu de maneira significa para estudos relacionados ao controle e desenvolvimento motor (Thelen, 1987).

    Baseado então nessa nova abordagem Newell em 1991 sugere que o desenvolvimento do aprendizado envolve o aumento da percepção ação contando com as restrições impostas pela tarefa e ambiente. Contrapondo-se a idéia de programas motores de representação central, essa abordagem defende que os movimentos são resultados da complexa interação entre os componentes efetores e o meio ambiente.

    Autores defensores dessa idéia como Vereijken, Van Emmerik, Whiting & Newell (1992) têm como ponto de partida a idéia de Bernstein (1967) de que o processo de aprendizagem consiste no domínio dos graus de liberdade redundantes. Estes autores propõem três estágios para que uma tarefa seja executada explorando o maior número de graus de liberdade disponíveis no sistema motor humano.

    Uma das propostas que tenta explicar esse domínio dos graus de liberdade redundantes é a do congelamento dos graus de liberdade nos estágios iniciais de aprendizagem. Segundo esta proposição no primeiro estágio, o aprendiz simplifica o problema do movimento, congelando parte dos graus de liberdade. Para isso ele mantém parte dos ângulos das articulações fixos ao longo da ação. Com isso, o movimento é executado com certa rigidez, sem resposta a mudanças no ambiente da ação. No segundo estágio, as articulações que estavam congeladas são liberadas e incorporadas em unidades de ação maiores, chamadas de estruturas coordenativas. No terceiro estágio, o executante continua a liberar outros graus de liberdade, reorganizando a dinâmica da ação até que os graus de liberdade necessários para execução da tarefa estejam todos disponíveis. Este estágio é diferente do anterior no que se refere à exploração de forças adicionais passivas, como a fricção e a inércia, que são externas ao executante, mas inerentes à situação em que o movimento é realizado. (VEREIJKEN, 1992)

Discussão

    Dentre todas essas teorias e suposições o objetivo comum ainda é esclarecer os mecanismos e processos relacionados à aquisição de habilidades motoras e os fatores que afetam essa aquisição (TANI, 2005).

    Dentre os fatores que interferem nesse processo, a estrutura da prática, ou seja, a melhor forma de organizar as sessões de treino sobre a aquisição e a retenção da habilidade, tem sido investigada com a finalidade de fornecer bases científicas que sustentam a intervenção, pois o aprendizado pode ser otimizado quando a prática do exercício combina aspectos de retenção e transferência. (MEMMERT, 2006)

    Na literatura podemos identificar basicamente duas hipóteses: a primeira defende que a capacidade de adaptar e generalizar são frutos da consolidação do processo de aprendizagem motora, com a formação de um novo modelo interno. Assim, o treino na condição especifica, onde a tarefa é treinada sempre sob as mesmas condições promoveria uma melhor consolidação, e conseqüentemente um modelo interno mais sólido, o que garantiria uma melhor adaptação e generalização da tarefa. A segunda defende que a variabilidade da condição de treinamento possibilitaria a formação de um modelo interno mais flexível, e que essa flexibilidade favoreceria a adaptação e a generalização da tarefa. (KARNI e cols., 1998)

    Schimdt em 1998 já relatava que o aprendizado motor reflete a prática da especificidade neural porque envolve a integração da informação motora e sensorial disponíveis durante o exercício. A especificidade da hipótese do aprendizado é consistente com os avanços da neuroreabilitação e neuroplasticidade, que têm mostrado que o treino com tarefa específica resulta em mudança no SNC correlacionada a melhoras no comportamento motor.

    Uma dessas mudanças seriam as áreas somáticas do córtex cerebral que sofrem mudanças em sua representação em função do seu uso (LINDQUIST, 2005)

    Uma vez que o aprendizado esteja consolidado, esses novos circuitos serão acionados sempre que a tarefa for executada (KARNI, 1998). Assim, o processo caracterizado por mudanças sinápticas temporárias e definitivas representaria a formação de uma representação interna, chamada anteriormente de Esquema Motor (SCHMIDT, 1975) e, atualmente, definida como "modelo interno".

    A consolidação desse modelo garante um desempenho habilidoso para a tarefa treinada, caracterizado pelo aumento da velocidade de execução associado a melhora da precisão, a curto e a longo prazo, o que denominamos aprendizagem e retenção e pela capacidade de adequar o controle da tarefa aprendida à diferentes condições, distintas à treinada (SHADMEHR, 2004).

    Além disso, permite que a experiência acumulada com a tarefa aprendida seja usada de forma prospectiva para o controle de tarefas similares, fenômeno conhecido como transferência ou generalização. Em síntese, ao final do processo de aprendizagem motora, espera-se que, por meio da modificação da rede sináptica, um novo modelo interno para a tarefa seja formado, o que permite que, além da melhora no desempenho da própria tarefa para as condições treinadas, seja adquirida a capacidade de utilizar esse mesmo modelo interno, para realizar a mesma tarefa em diferentes condições ambientais ou ainda para melhorar o desempenho de tarefas similares. (SHADMEHR, 2004)

Conclusão

    Os produtos do processo de aprendizagem motora, a adaptação e a generalização, são fundamentais para a reabilitação de pacientes com disfunções motoras, pois é esperado que, após o treino de uma determinada habilidade, além da melhora do desempenho, seja adquirida a capacidade de realizá-la em diferentes condições ambientais, distintas do ambiente terapêutico, bem como essa aprendizagem sustente o desempenho de habilidades semelhantes.

Referências bibliográficas

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