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Anemia ferropriva no desenvolvimento 

infantil: uma revisão de literatura

La anemia por deficiencia de hierro en el desarrollo infantil: una revisión de la literatura

Iron deficiency anemia in the infantile development: a literature review

 

*Farmacêutica Industrial

Docente do Curso de Farmácia do

Centro Universitário UNIRG, em Gurupi, TO

**Doutor em Educação Física

Docente Adjunto III da Universidade do Estado do Pará

Docente Titular da Faculdade Integrada Brasil Amazônia

***Licenciado em Educação Física e Bacharel em Fisioterapia

Docente de Educação Física do Ensino Médio no Instituto Federal de Educação,

Ciência e Tecnologia - IFTO - Campus Araguatins, TO

****Doutor em Educação Física

Docente da Escola de Educação Física e Desporto – UFRJ

*****Fonoaudiólogo. Docente do Curso de Fonoaudiologia

da Faculdade SEAMA do Estado do Amapá

Sara Falcão de Sousa*

sarafalcaos@hotmail.com

Ricardo Figueiredo Pinto**

rfpuepa@yahoo.com.br

Ronano Pereira Oliveira***

terradesol@yahoo.com.br

José Fernandes Filho****

jff@ceafbr.com.br

Rodrigo Lima Coimbra*****

rodrigolimacoimbra@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          A anemia nutricional por carência de ferro (Anemia Ferropriva) é um problema grave de Saúde Pública, que consiste na deficiência nutricional de maior magnitude no mundo acometendo todas as fases do ciclo de vida, e que no Brasil atinge aproximadamente 50% das crianças menores de cinco anos e 30% de gestantes. Considerando tais dados, o objetivo deste estudo de revisão bibliográfica é oferecer um panorama sucinto quanto à avaliação do nível de anemia ferropriva em crianças desde a fase fetal até a fase escolar, abarcando aspectos físicos, psíquicos, intelectuais, emocionais e individuais que acabam contribuindo para o agravamento do problema. O mesmo aborda ainda a etiologia da doença, estágios de desenvolvimento, prevalência, tratamento e prevenção; e os autores concluem alertando para a necessidade de implantação de medidas preventivas e de controle desta carência que pode levar à danos cerebrais irreversíveis e perda na produtividade durante o desenvolvimento infantil.

          Unitermos: Anemia Ferropriva. Desenvolvimento Infantil. Saúde Pública. Criança. Gestantes. Ferro

 

Abstract

          Iron deficiency anemia it is a serious Public Health issue, it is the major nutritional deficiency in the world and attains all the phases of the life cycle, and that in Brazil it reaches 50% of the children with lesser then five years old and 30% of the pregnant woman. Considering such data, the objective of this study of bibliographical revision is to offer a brief panorama as for the evaluation of the level of iron deficiency anemia in children from the fetal phase to the school phase, embracing aspects physical, psychic, intellectuals, emotional and individual that they end up contributing to the aggravation of the problem. The same still approaches the a etiology of the disease, development of periods, prevalence, treatment and prevention; and the authors conclude alerting for the need of implantation of preventive measures and of control of this lack that can take to irreversible cerebral damages and loss in the productivity during the infantile development.

          Keywords: Iron Deficiency Anemia. Child development. Public health. Pregnant women. Iron

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 142 - Marzo de 2010

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Introdução

    Anemia segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) é a condição na qual os níveis de hemoglobina (Hb) circulante estão abaixo dos valores considerados normais para a idade, o sexo, o estado fisiológico e a altitude6. Anemia Ferropriva, ou Deficiência de ferro ou Ferropenia (termos empregados, muitas vezes, como sinônimos) é a causa mais comum de anemia, a carência nutricional especifica mais prevalente6, e é responsável pela desordem hematológica mais freqüente10, afetando principalmente lactentes, pré-escolares, adolescentes e gestantes17. A OMS estima que metade da população de crianças com menos de quatro anos nos países em desenvolvimento sofrem de anemia ferropriva6.

    Esta se caracteriza pela diminuição ou ausência das reservas de ferro, baixa concentração férrica no soro, fraca saturação de transferrina, concentração escassa de hemoglobina e redução do hematócrito18.

    O ferro é o componente essencial da hemoglobina, da mioglobina, dos citocromos e das diversas enzimas13, desempenhando importantes funções no metabolismo humano, tais como transporte e armazenamento de oxigênio, reações de liberação de energia na cadeia de transporte de elétrons, conversão de ribose a desoxirribose, co-fator de algumas reações enzimáticas e inúmeras outras reações metabólicas essenciais17. No entanto, a anemia ferropriva é uma conseqüência final de um longo período de balanço negativo desse mineral, com repercussões importantes sobre o organismo em crescimento15, incluindo prejuízo no desenvolvimento cognitivo e baixo rendimento acadêmico na idade escolar14.

    A anemia nutricional, como mazela coletiva, é indiscutivelmente um problema de saúde pública e não se constitui uma manifestação orgânica isolada do processo de nossa organização social. Ela ocorre nas classes sociais mais exploradas para as desigualdades do nosso processo de desenvolvimento, atingindo 80% dos indivíduos em comunidades de baixas: renda e cobertura de esgotamento sanitário7. Portanto, o objetivo deste estudo é avaliar o nível de anemia ferropriva em crianças desde a fase fetal até a fase escolar, abarcando determinantes estruturais, de ambiente imediato, individuais, dentre outros, que acabam por contribuir para o agravamento do problema.

Revisão de literatura

Prevalência

    Crê-se que 20% da população mundial não têm no organismo, reservas de ferro suficiente para repor a hemoglobina: qualquer excesso de demanda desencadeia anemia ferropriva. Esta se transformou em problema de saúde pública de espantosa prevalência. Acomete milhões de crianças em todo o mundo, levando a danos cerebrais irreversíveis, devido a profundos efeitos causados no sistema nervoso central, além da perda de produtividade1.

    Na Europa, 27 milhões de habitantes estariam nesta condição, estabelecendo uma situação de risco que inclui até famílias de renda média e elevada, especialmente gestantes e crianças menores de dois anos. Em sete países latino-americanos, a prevalência de anemia em mulheres na idade reprodutiva foi de 21% das não-grávidas e de 48% das gestantes18.

    A Anemia Ferropriva foi encontrada em cerca de 30% de uma amostra cuidadosamente selecionada de 3423 crianças pré-escolares de locais geográficos múltiplos nos Estados Unidos. A prevalência da mesma foi maior (47%) em crianças de 12 a 24 meses de idade, reduzindo-se para 21% em crianças de 5 a 6 anos de idade. No grupo de 12 a 24 meses de idade, a deficiência de ferro, era mais comum (62%) em crianças de grupos sócio-econômicos inferiores, mas a prevalência era notavelmente alta (39%) em crianças de famílias de classe média alta11.

    Nos estados brasileiros onde se dispõe de dados populacionais sobre prevalência de anemia, têm-se encontrado valores elevadíssimos. A II Pesquisa Estadual de Saúde e Nutrição de Pernambuco detectou anemia em 46,7% das crianças menores de 5 anos. Em pesquisa na cidade de São Paulo, estudando crianças de 6 a 59 meses, observaram prevalência de 35,6% de anemia em 1984, o que se elevou para 46,9% em 199518. Nota-se que ao longo dos anos houve um aumento da prevalência de anemia na população infantil em São Paulo, relevando esta problemática e a necessidade de ações preventivas que revertam esta situação4.

Estágios de desenvolvimento

    A deficiência de ferro geralmente é o resultado final de um longo período de balanço negativo de ferro. Quando o nível corporal total começa a cair, segue-se uma seqüência característica de eventos. Primeiro, as reservas de ferro nos hepatócitos e nos macrófagos do fígado, baço e medula óssea são exauridas. Uma vez esgotadas as reservas, o conteúdo de ferro plasmático diminui e o fornecimento de ferro à medula torna-se inadequado para a regeneração normal de hemoglobina. Depois, a quantidade de protoporfirina livre dos eritrócitos aumenta , tem início a produção de microcíticos e o nível de hemoglobina do sangue diminui, atingindo eventualmente níveis anormais11.

    Esta progressão serve como base para a definição de três estágios reconhecidos, ou seja, três estágios da deficiência de ferro:

  1. Ocorre à depleção dos estoques de ferro no fígado, baço, e medula óssea, caracterizada pela diminuição da ferritina sérica (‹ 10 mcg/dL) 15.

  2. Há declínio do ferro sérico e aumento na capacidade de ligação de ferro (CLF) 15.

  3. Há diminuição da hemoglobina, do volume corpuscular médio (VCM) – microcitose, da hemoglobina corpuscular média (HCM) – hipocromia, e elevação da protoporfirina eritrocitária livre (PEL) 15.

    Finalmente, quando a concentração de hemoglobina do sangue cai abaixo do limite inferior do normal, desenvolve-se a anemia ferropriva11.

    A OMS adotou os seguintes pontos de corte na concentração de hemoglobina para definir anemia em indivíduos que moram a nível do mar6:

  • Crianças entre 6 meses a 6 anos: 11 g/dL

  • Crianças entre 6 a 14 anos: 12 g/dL

  • Homens acima de 14 anos: 13 g/dL

  • Mulheres acima de 14 anos, não grávidas: 12 g/dL

  • Mulheres acima de 14 anos, grávidas: 11 g/dL

Determinantes da anemia

    O processo de determinação das deficiências nutricionais, incluindo a deficiência de ferro, salvo em situações de exceção, ocorre em uma dimensão mais ampla, pelo modo com que se dá a produção e a reprodução da existência das sociedades (determinantes estruturais da sociedade). O modelo de desenvolvimento adotado, por sua vez, determina condições de vida e de trabalho especificas aos diferentes grupos populacionais (determinantes do ambiente imediato). Essas condições desiguais se expressam por meio de perfis diferenciados de consumo e de trabalho que expõem os indivíduos a fatores de risco e de proteção peculiares e característicos que, em última análise, fragilizam ou potencializam a saúde das famílias e, consequentemente, das crianças (determinantes individuais)6. A seguir, são relacionados os principais determinantes da anemia, nas suas diferentes dimensões: estruturais, de ambiente imediato e individuais.

Determinantes estruturais

    Apesar de a anemia ser altamente prevalente em todos os níveis socioeconômicos, existe uma relação direta entre essa condição e renda familiar. A Tabela 1.1 ilustra essa relação6.

    As condições socioeconômicas influenciam bastante no acesso aos alimentos, trazendo em conseqüência, uma maior carência em relação a alguns componentes como o ferro, por exemplo. Seja pela qualidade ou quantidade dos alimentos, ou até mesmo pela ausência de saneamento ambiental, ou por outros fatores que direta ou indiretamente poderiam estar colaborando para sua elevada prevalência. Sendo assim, nota-se, e os estudos populacionais comprovam que, as áreas rurais e as periferias das cidades sofrem mais com esse problema da anemia, já que a situação estaria associada à dificuldade de acesso aos alimentos ricos em ferro, e em vitamina C, a uma introdução precoce dos alimentos nos seis primeiros meses de vida, período em que o aleitamento materno deveria ser exclusivo18, bem como, ao grande déficit de saneamento pela precariedade geral destas condições de habitação, que concorrem com a produção, circulação e infestação de parasitoses intestinais que por sua vez vão competir a nível de absorção orgânica com o já deficitário ferro disponível na dieta para produção de hemoglobina7.

    Assim como a baixa renda, a baixa escolaridade dos pais é um importante determinante da anemia, em especial a das mães, pois influencia nas práticas relacionadas aos cuidados com a criança6.

Determinantes relacionados ao ambiente imediato

    Os processos estruturais da sociedade influenciam o ambiente imediato dos indivíduos, e este, por sua vez, pode contribuir para o agravamento da saúde, em especial das crianças6.

    Entre os fatores indicativos do ambiente da criança e que têm estreita relação com anemia na infância, encontram-se as práticas alimentares da família, que vão influenciar diretamente o consumo alimentar de ferro6 (veja Etiologia – Dieta na Lactância e na Infância).

    Outro fator ligado ao ambiente da criança e que contribui significativamente, relaciona-se a constituição familiar. Famílias que tem duas ou mais crianças menores de cinco anos, apresentam um maior risco de desenvolver anemia, já que a demanda por alimentos aumenta, assim como diminui os cuidados de saúde e alimentação fornecidos a cada criança18.

    O tempo transcorrido entre o parto e o clampeamento do cordão umbilical também pode influenciar as reservas de ferro do recém-nascido. Como o clampeamento imediato, a criança recebe menos hemáceas e consequentemente tem menos reservas de ferro, podendo vir a desenvolver a anemia precocemente. Um ensaio clínico randomizado mostrou que a chance de anemia (Hb ‹ 10 g/dL), aos três meses, era 7,7 vezes maior em filhos de mães anêmicas com clampeamento precoce do cordão umbilical quando comparados àqueles com clampeamento tardio (após dequitamento completo da placenta)6.

Determinantes individuais

    Os estudos são unânimes em afirmar que as crianças entre 6 e 24 meses encontram-se em maior risco para a anemia. A partir dessa idade, a prevalência de anemia diminui. Esse fato pode ser explicado pela demanda de ferro aumentada na criança menor, devido ao crescimento e desenvolvimento acelerados. Além disso, a dieta das crianças nessa faixa etária tende a ser mais monótona, favorecendo o baixo aporte de ferro6.

    A maior prevalência de doenças como diarréia e infecções respiratórias nas crianças pequenas também pode contribuir para uma maior vulnerabilidade à anemia. Essas infecções reduzem a produção de hemoglobina e a absorção de ferro, com conseqüente diminuição dos níveis desse microelemento6.

    O baixo peso ao nascer é um importante fator na gênese da anemia ferropriva. As crianças pré-termo ou com baixo peso de nascimento têm uma reserva de ferro menor e sua taxa de crescimento pós-natal é maior, o que as torna mais suscetíveis à instalação da anemia6.

    Crianças desnutridas com freqüência apresentam anemia. Acredita-se que a diminuição dos níveis de hemoglobina entre as crianças com desnutrição protéico-energética seja uma tentativa de adaptação do organismo à redução da massa muscular6.

    Tradicionalmente, as parasitoses intestinais têm sido associadas com taxas elevadas de anemia, por causarem perda sanguínea intestinal ou por competirem pelos alimentos6, as mesmas incidem 75% após os 24 meses de vida10. Perdas sanguíneas aguda ou crônicas espoliam as reservas de ferro do organismo6.

    Cerca de 80% dos lactentes normais apresentam quantidade variáveis de sangue oculto nas fezes, quando ingerem grandes quantidades de leite de vaca fresco, devido a ação de uma proteína termolábel do leite que é quase totalmente eliminada através de sua fervura. Ocasionalmente pode ser observado com o uso do leite em pó ou de fórmula com alta taxa de proteína. A intolerância à proteína do leite de vaca com perda de sangue nas fezes constitui causa importante de anemia ferropriva nos primeiros 18 meses de vida10.

Etiologia

    A deficiência de ferro surge como uma manifestação tardia do balanço negativo de ferro prolongado ou devido a uma falha em encontrar uma necessidade fisiológica aumentada de ferro11. A seguir, são relacionados alguns dos principais fatores e/ou períodos envolvidos na etiologia da anemia ferropriva em crianças desde a fase fetal até a fase escolar.

Gravidez e lactação

    A gravidez constitui um importante esgotamento das reservas de ferro das mulheres em idade fértil. Cada gravidez resulta em uma perda média para a mãe de 680mg de Ferro (Tabela 1.2), o equivalente a 130mL de sangue. E 450mg de ferro adicionais devem estar disponíveis para suprir as necessidades de um volume de sangue expandido durante a gravidez. A última quantidade de ferro não representa uma perda líquida após o parto porque o ferro retorna às reservas; no entanto, ele deve estar disponível durante a gravidez, senão a deficiência de ferro irá acontecer11.

    Dividida no final da gravidez, a necessidade de ferro eleva-se a 2,5mg/dia (Tabela 1.2). Como a maior parte da perda ocorre durante o terceiro trimestre, a demanda é pequena no início da gravidez e sobe para 3 a 7,5mg/dia no terceiro trimestre11. (Fig. 1.1).

A lactação resulta em uma perda diária de ferro de cerca de 0,5mg a 1mg. O conteúdo do leite humano não é afetado pelas reservas maternas de ferro. Como a menstruação normal geralmente é inibida enquanto continua a amamentação, as necessidades de ferro na mãe lactante aproxima-se às da mulher em menstruação11.

Redução do ferro corporal ao nascimento

    A concentração de ferro corporal ao nascimento é em média 78mg/kg de peso corporal (variação de 65 a 90mg/kg) dos quais cerca de 60mg estão na hemoglobina circulante e o resto em reservas. Concentrações similares são encontradas durante todo o desenvolvimento fetal; assim, existe uma relação grosseiramente entre o ferro corporal e peso corporal. Bebês recém-nascidos na variação superior dos pesos normais têm 80% mais ferro do que na variação inferior. Em uma série de 272 crianças, o fator mais importante que predispunha a deficiência de ferro era baixo peso ao nascimento. A incidência de anemia grave em crianças com pesos ao nascimento excedendo 4000g era extremamente baixa, ao passo que 80% das crianças com um nível de hemoglobina sangüínea inferior a 5g/dL eram prematuras ou pesavam 3000g ao nascimento11.

    A deficiência de ferro é mais comum em gêmeos do que em crianças nascidas sozinhas. Um fator é a tendência dos gêmeos serem menores ao nascimento. Outro fator é a ocorrência de transfusão transplacentária de um gêmeo monozigoto para o outro. Tal evento pode levar a uma marcada diferença entre os valores de hemoglobina sangüínea dos gêmeos11.

    Outra importante influência sobre os níveis de ferro no recém-nascido é facilmente controlado pelo médico, a saber, o tempo no qual o cordão umbilical é pinçado no parto. Até 100ml de sangue fetal pode permanecer na placenta com pinçamento precoce do cordão. A demora de apenas três minutos no pinçamento do cordão pode resultar em um aumento de 58% no volume de hemáceas. Embora o recém-nascido a termo não tenha necessidade imediata desses eritrócitos (pois o aleitamento materno exclusivo supre as necessidades desse micronutriente nos primeiros seis meses de vida6), o ferro que ele contém pode ser utilizado mais tarde para suprir as demandas do crescimento11.

Dieta na lactância e na infância

    As reservas de ferro na criança estão tipicamente depletadas por volta dos 2 aos 6 meses de idade como resultado das demandas do crescimento. Durante esse período critico, uma criança normal a termo deve absorver cerca de 0,4mg a 0,6mg de ferro diariamente da dieta. Para obter esse nível de absorção, um consumo de ferro de 1mg/Kg/dia é recomendado para crianças a termo e 2mg/kg/dia é recomendado para crianças pré-termo, para um máximo de 15mg/dia. È quase impossível obter estas quantidades sem suplementação. A quantidade na dieta recomendada para crianças maiores até a idade de 6 anos é de 15mg/dia, dos 6 aos 11 anos é de 10mg/dia, e durante a puberdade é de 18mg/dia11. O Estudo Multicêntrico de Consumo Alimentar mostrou que a média da densidade de ferro da dieta das crianças brasileiras com menos de dois anos está bem abaixo da recomendada: entre 40 e 60% da ingestão recomendada para crianças de 6 a 12 meses e entre 56 e 81% para crianças de 12 a 24 meses6.

    A anemia ferropriva relaciona-se a quantidade e à composição da dieta ingerida8. Tanto o leite humano quanto o bovino contém quantidades relativamente pequenas de ferro, cerca de 1mg/L, no entanto, o ferro no leite humano está mais disponível para a criança. Em estudo, 49% do ferro no leite humano era absorvido, comparado com 10% do ferro no leite de vaca. Como resultado, crianças alimentadas no peito durante os primeiros 6 meses de vida tinham maiores níveis de ferritina sérica e saturação de transferrina do que aquelas alimentadas com leite de vaca; era rara a deficiência de ferro nessas crianças11.

    Embora em algumas dietas o conteúdo de ferro seja elevado, sua absorção pode ser limitada (10% é absorvido), devido ao tipo de ferro consumido, à interação entre nutrientes na mesma refeição, à necessidade do mineral pelo organismo, entre outras causas. A absorção do ferro heme, constituinte da hemoglobina e da mioglobina, presente nas carnes, ocorre de forma eficiente, pois o mineral permanece protegido dentro do complexo porfírinico e não interage com fatores inibidores da sua absorção8, ou seja, não sofre influência da composição da dieta e acidez gástrica11.O ferro não heme é de menor biodisponibilidade e sua absorção pode ser determinada pelas reservas corporais8, e pela concentração de vários alimentos, que atuam como fatores estimuladores ou inibidores do mesmo10. Os fatores que promovem ativamente a absorção do ferro não heme, incluem tecidos de origem animal, como carnes, peixes, frangos e ácidos orgânicos, principalmente ácido ascórbico. Chás, cereais, leguminosas, devido à presença de tanatos e fitatos, tem efeito inibidor10, e em especial o leite de vaca inibe a absorção pelo seu conteúdo de cálcio e provavelmente pela presença de fosfoproteínas6 (Fig. 1.3). Estes aspectos têm especial relevância na nutrição infantil porque os leites e cereais constituem alimentos básicos no período de desenvolvimento10.

    O desmame precoce, o uso prolongado do leite de vaca exclusivo e de outros alimentos pobres em ferro hemínico, resultantes do baixo nível socioeconômico e de má orientação, não fornecem o suprimento de ferro necessário ao período de crescimento15, tornando a criança mais susceptível a anemia ferropriva.

Crescimento

    Na ausência de doença, as necessidades de ferro de um homem adulto são relativamente baixas e variam pouco. Na lactância, infância e adolescência, por outro lado, devido às crescentes necessidades de tecidos que crescem rapidamente, as demandas de ferro são relativamente grandes. As taxas mais rápidas de crescimento relativo no desenvolvimento humano ocorrem no primeiro ano de vida. O peso corporal e o volume sangüíneo aproximadamente triplicam-se e a massa de hemoglobina quase dobra11 (Tabela 1.3).

    Ocorre ainda um maior crescimento relativo em crianças prematuras e de baixo peso ao nascimento. Uma criança prematura pesando 1,5kg pode aumentar seu peso e volume seis vezes e pode triplicar a massa de hemoglobina circulante em um ano. Para suprir as demandas impostas pelo crescimento, a criança a termo normal deve adquirir 135 a 200mg de ferro durante o primeiro ano de vida. Uma criança prematura pode requerer até 350mg no mesmo período11.

    As taxas relativamente mais baixas de crescimento em crianças de 1 a 12 anos requerem um balanço positivo de ferro de cerca de 0,2 a 0,3mg/dia. A repentina alta de crescimento que ocorre entre 11 a 14 anos de idade requer um balanço positivo de cerca de 0,5mg/dia em meninas e 0,6mg/dia em meninos11. Os efeitos da idade sobre as necessidades de ferro são mostrados na Figura 1.3.

Manifestações clínicas

    Dependendo do grau de anemia, pode haver:

  • Atraso no desenvolvimento neuropsicomotor em lactentes e déficit cognitivo em escolares15;

    Existe uma associação entre carência de ferro em crianças e rendimento relativamente pobre na Escala de Bayley de Desenvolvimento Mental e Motor e em diversas provas cognitivas. Esse efeito pode ser direto ou indireto, pela diminuição do interesse pelo ambiente, afetando relação mãe-filho. A interação da mãe com o seu filho pode ser pobre se a criança é letárgica e pouco responsiva, em especial quando a mãe for pouco estimulante. A maioria dos casos longitudinais indicam que as crianças na primeira infância continuam a ter menor desempenho cognitivo e escolar mais tarde. Em função disso, vários autores acreditam que alguns efeitos da anemia possam ser irreversíveis. No entanto ainda não foi suficientemente esclarecido se o menor desempenho se deve às condições ambientais dessas crianças ou à irreversibilidade dos danos causados pela deficiência de ferro6.

  • Alterações no crescimento: queda nos percentis do peso e da estatura15 (A associação entre anemia e retardo no crescimento é muito comum nas crianças de baixo nível socioeconômico6);

  • Alterações neuromusculares: irritabilidade, sonolência, diminuição da atenção e do rendimento escolar, perversão do apetite e agressão15. Diminuição da tolerância aos exercícios, devido ao baixo aporte de oxigênio aos tecidos6;

  • Alterações epiteliais: coiloníquia (unha em forma de colher), queilite angular, glossite, candidíase orofaríngea, gastrite e alterações na secreção gástrica15;

  • Alterações imunobiológicas: disfunção dos neutrófilos, inibição do crescimento bacteriano, deficiência de imunoglobulinas e de células T15;

  • Síndrome Anêmica: fadiga, astenia, dispnéia, palpitações, tontura15.

Diagnóstico

    O diagnóstico de deficiência de ferro através da medida de concentração da hemoglobina constitui, provavelmente, a mais comum avaliação bioquímica do estado nutricional. Esta identificação é aceitável quer conceitualmente (uma vez que a deficiência de ferro se traduz frequentemente, por concentração subnormal de hemoglobina (Hb) e a ocorrência desta, na maior parte das vezes, deve-se a redução dos estoques de ferro), quer operacionalmente (dada à facilidade e baixo custo da dosagem da Hb) 20.

    A aferição do grau de deficiência de ferro, com ou sem anemia pode ser realizada pelos resultados dos seguintes exames laboratoriais: ferro sérico, saturação da transferrina, ferritina sérica, volume corpuscular médio e protoporfirina eritrocitária livre. Como outras situações que não a deficiência de ferro podem alterar os valores desses testes, levando a resultados falso-positivos ou falso-negativos, para uma melhor acurácia do diagnóstico, o ideal seria utilizar a combinação dos vários testes. A Tabela 1.4 resume os achados de múltiplos testes laboratoriais de acordo com os estágios da deficiência de ferro6.

    Recomenda-se que os testes para avaliação de anemia não sejam realizados até duas ou três semanas após um processo infeccioso, já que infecções comuns na infância, como diarréia e infecções respiratórias, frequentemente estão associadas com uma redução na produção da hemoglobina e na absorção do ferro, com conseqüente diminuição dos níveis da hemoglobina. O mesmo se aplica para crianças com história de vacinação recente6.

Tratamento

    A deficiência de ferro e suas múltiplas conseqüências podem ser corrigidas através de medidas simples, de baixo custo e comprovada eficácia. A abordagem mais usual é fornecer ferro elementar a gestantes, nutrizes e lactentes em programas de assistência primária à saúde3.

    Os sais ferrosos são os mais indicados para o tratamento da anemia ferropriva, de preferência sob a forma de sulfato ferroso (20% de ferro) por via oral, por ser mais bem absorvido6. A dose necessária para uma adequada resposta hematológica é ao redor de 5 mg de ferro/kg/dia10, em 2 ou 3 doses ao dia6 (depende de cada caso e de cada faixa etária, sendo 5 mg de ferro/kg/dia10 uma média aproximada).

    A introdução do ferro deve ser gradual para evitar os efeitos colaterais (náuseas, vômitos, dor epigástrica, cólicas abdominais, constipação intestinal ou diarréia e flatulência). Recomenda-se que o ferro terapêutico seja oferecido uma hora antes das refeições para melhor absorção, de preferência acompanhado de suco rico em vitamina C, para facilitar a absorção6.

    Além do tratamento medicamentoso, são fundamentais a orientação alimentar e o tratamento de situações especificas que possam estar envolvidas na determinação da doença, tais como parasitoses, refluxo gastresofágico e infecções, entre outras6.

Prevenção

    A melhor arma para prevenção de anemia ferropriva é sem dúvida, uma alimentação bem variada, rica em alimentos que naturalmente possuem ferro e os enriquecidos ou fortificados com o nutriente, dentre eles podemos classificar: fígado e carne de qualquer animal, leguminosas, grãos integrais ou enriquecidos, nozes, castanhas, rapadura, açúcar mascavo, hortaliças (couve, agrião, taioba, salsa), acerola, abacaxi, goiaba, laranja, pimentão, repolho, tomate, dentre outros2.

    Outra forma eficaz de prevenir a anemia ferropriva, além da dieta adequada, é o uso de ferro profilático. A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda o uso de 1mg/kg/dia de ferro elementar desde o início do desmame até o término do segundo ano de vida para os recém-nascidos nascidos a termo, e 2mg/kg/dia, a partir do 30º dia de vida, por dois meses para os recém-nascidos prematuros ou de baixo peso e, depois, inicia-se o esquema proposto para as crianças a termo. As mulheres grávidas também devem fazer uso da profilaxia da anemia ferropriva a partir da 16º semana de gravidez através da ingestão de 30 a 40mg de ferro elementar, que corresponde a 200mg de sulfato ferroso por dia2. Ações de saúde como: educação dos profissionais de saúde e da população em geral sobre as práticas de alimentação infantil adequada, bem como sobre a deficiência de ferro e a importância de sua prevenção, assistência adequada à saúde da criança, acesso das gestantes á assistência pré-natal, clampeamento tardio do cordão umbilical6, dentre outras, são significativamente importantes para prevenir a anemia ferropriva na infância.

Conclusão

    Com base no exposto, a anemia ferropriva é a principal carência nutricional no mundo, o que a torna um grave problema de Saúde Pública, afetando principalmente lactentes, pré-escolares, adolescentes e gestantes.

    A Organização Mundial de Saúde estima que metade da população de crianças com menos de quatro anos de idade nos países em desenvolvimento sofrem de anemia ferropriva, e milhões de crianças no mundo são acometidas por esta carência nutricional.

    A mesma pode ser determinada por condições de vida, fatores socioeconômicos, aspectos individuais, e pode estar associada ao retardo no crescimento e desenvolvimento mental e motor, ao baixo peso ao nascer, e ao incremento da mortalidade perinatal; pode provocar alterações neuromusculares e imunobiológicas, e ainda levar à danos cerebrais irreversíveis.

    Portanto, este estudo nos alerta para a necessidade de implantação de medidas preventivas e de controle desta carência, podendo assim proporcionar um impacto relevante sobre a saúde da criança desde a fase fetal até a fase escolar.

Bibliografia

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revista digital · Año 14 · N° 142 | Buenos Aires, Marzo de 2010  
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