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A saúde como tema educacional desenvolvido no 

Programa Segundo Tempo: um estudo exploratório

La salud como tema educativo desarrollado en el Programa Segundo Tempo: un estudio exploratorio

 

Licenciado em Educação Física (UFSM)

Mestre em Educação Física (UFSC)

Doutorando em Educação Física (UFSC)

Coordenador e Professor do Curso de Educação Física da

Universidade do Oeste de Santa Catarina, Unoesc

Campus de Xanxerê, SC

Michel Angillo Saad

michel.saad@unoesc.edu.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          O objetivo desse estudo descritivo exploratório foi de verificar se as crianças são informadas sobre saúde nas aulas de Educação Física do programa Segundo Tempo. Os participantes deste estudo foram 25 crianças participantes do núcleo do Programa Segundo Tempo e o respectivo professor de Educação Física. Como resultados deste estudo são possíveis ressaltar que as informações e orientações sobre saúde nas aulas de Educação Física são restritas as questões de higiene pessoal e o professor de Educação Física não têm preocupação em oferecer informações, além das questões técnicas das atividades esportivas desenvolvidas no núcleo. Conclui-se que o tema saúde é tratado nas aulas de Educação Física do programa Segundo Tempo de forma superficial e limita-se ao simples repasse de informações de assuntos de saúde, não havendo uma educação para saúde como estabelece o princípio geral do programa Segundo Tempo.

          Unitermos: Saúde. Educação. Educação Física

 

Abstract

          The aim of this descriptive exploratory study was to determine if children are informed about health in Physical Education classes in the program Segundo Tempo. The participants of this study are 25 children participants in the core of the program Segundo Tempo and the Physical Education teacher. How are possible results of this study emphasize the information and guidance on health in physical education classes are restricted to issues of personal hygiene, the Physical Education teacher has no concern to offer details, beyond technical issues of sports development in the core. It was concluded that the health issue is dealt with in physical education classes in the program Segundo Tempo in a superficial and is limited to the simple transfer of information in matters of health, there is not one for education and health down the general principle of the program Segundo Tempo.

          Keywords: Health. Education. Physical Education

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 142 - Marzo de 2010

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1.     Considerações iniciais

    Durante anos, o tema saúde tem sido cogitado como uma possibilidade de conteúdo dentro da escola. A partir de 1997, com a estruturação dos Parâmetros Curriculares Nacionais pelo Ministério da Educação e do Desporto, a temática saúde foi inserida como um tema transversal, que deveria ser trabalhado, dentro das possibilidades, por todas as disciplinas curriculares (BRASIL, 1998).

    Para muitos autores o tema saúde deve ser conteúdo presente e constante nas aulas de Educação Física. Contudo, o tema saúde tem sido tratado num enfoque reducionista pela Educação Física, permitindo para si um papel difusor de idéias rasas e simplistas do tipo “pratique exercício e ganhe saúde” (PALMA, 2001).

    A aula de Educação Física, conforme Nahas et al. (1995), deve propiciar a elaboração de conhecimentos sobre atividade física para o bem estar e a saúde, estimular atitudes positivas em relação aos exercícios, proporcionar oportunidades para a escolha e a prática regular de atividades que possam ser continuadas após os anos escolares, promover independência na escolha de programas de atividades físicas relacionadas à saúde.

    O programa Segundo Tempo, que foi criado pelo Ministério do Esporte em 2002, a ser realizado no contra-turno escolar, tem como objetivo ampliar o acesso à prática esportiva e os Núcleos de Esporte Educacional, são norteados por um princípio geral, que tem na sua essência “construir a autonomia, a tomada de consciência..., aliados aos programas de saúde, educação, cultura, etc.”. O programa apresenta ainda, no seu modelo de execução, atividades complementares como reforço escolar, programação cultural e orientações em questões de saúde.

    A partir do exposto nos objetivos e diretrizes do programa Segundo Tempo, observa-se que o tema saúde deve ser um conteúdo a ser desenvolvido nas aulas dos núcleos de Educação Física e Esportes do programa.

    Assim, este estudo preliminar teve por objetivo verificar se as crianças são informadas sobre saúde nas aulas do núcleo de Educação Física e Esportes do programa Segundo Tempo em Xanxerê (SC), conforme proposto no princípio geral do programa.

    O estudo justifica-se por que a educação em saúde tem por função tornar o cidadão capaz de alterar seus hábitos e comportamentos e de estar em condições de reivindicar seus direitos (BARROS; MATARUNA, 2005). Portanto, a prática educativa em saúde ajuda a construir um cidadão consciente de seu papel enquanto agente social (LOUREIRO, 1996). Estas afirmativas vão ao encontro do proposto no princípio geral e nos objetivos estabelecidos no manual do programa Segundo Tempo.

2.     Procedimentos metodológicos

    Este estudo é caracterizado como descritivo e exploratório, por descrever os fatos e fenômenos de uma determinada realidade (Gil, 1994).

    Os participantes do estudo, selecionados de forma intencional, foram 25 crianças de ambos os gêneros, sedo 16 meninos e 9 meninas, de 10 a 13 anos de idade inscritas no núcleo do programa Segundo Tempo na cidade de Xanxerê (SC) e o professor de Educação Física do núcleo.

    Como método principal de coleta de dados, foram realizadas entrevistas do tipo semi-estruturadas (GIL, 1994) com as crianças e com o professor de Educação Física do núcleo. As entrevistas foram realizadas no mês de abril de 2008. Inicialmente foram entrevistadas as crianças no local onde aconteciam as aulas de Educação Física. No segundo momento foi entrevistado o professor de Educação Física.

    Antes de iniciar as entrevistas, foi solicitada autorização junto aos pais das crianças participantes e ao professor para a realização da investigação.

    As entrevistas foram gravadas na íntegra e transcritas posteriormente. A análise referente ao conteúdo das entrevistas teve como método à organização da análise através da preparação do material, codificação através de frases palavras, análise quantitativa e categorização (BARDIN, 1977).

3.     Apresentação e análise das entrevistas

    Em relação às crianças os questionamentos centraram-se em recolher informações que possibilitassem saber “quais as atividades, conteúdos e conversas são tratadas durante as aulas de Educação Física” e “quais informações sobre saúde o professor transmite”.

    Com o intuito de conhecer e identificar os conteúdos desenvolvidos nas aulas de Educação Física do núcleo foi indagado a crianças quais as atividades, conteúdos e conversas eram tratados durante as aulas de Educação Física. Assim, cabe destacar as seguintes respostas dos meninos:

“O que mais a gente faz é jogo...” (Alunos 01, 02, 04, 06, 07 e 12).

“A gente sempre joga futebol...” (Aluno 11).

“Bastante jogo e exercícios de alongamento e corrida antes do jogo...” (Aluno 16).

“Quando não tem aula prática o professor fala de regras” (Aluno 08).

    Em relação às meninas:

“A gente sempre joga vôlei...não temos aulas teóricas, o professor pediu um caderno mas não escrevemos nada .” (Aluna 22).

“Jogamos vôlei e às vezes dança....quando tem pouca gente praticando o professor explica as regras” (Aluna 24).

“Nas aulas sempre tem jogo de vôlei, dança, alongamento e corrida, as vezes tudo num dia...” (Aluna 19).

“O professor explica sempre que é importante alongar antes do jogo para que ninguém se machuque, tendo uma distensão” (Aluna 22).

    Pelos relatos das crianças, o jogo é o elemento central das aulas. Apesar das aulas de Educação Física e Esporte do núcleo ser realizadas de forma mista (meninos e meninas), a maioria das atividades é realizada de forma distinta entre meninos e meninas. Corridas e alongamentos são empregados somente como atividades de aquecimento. Raras são as explicações sobre a razão das atividades.

    Também foi possível constatar a falta de percepção dos alunos em relação aos conteúdos teóricos. A maioria das crianças se contradisse descrevendo que não possuíam e que não aprendiam conteúdos teóricos nas aulas, mas, em outra questão, afirmaram que o professor explicava as regras dos jogos.

    Em relação à dimensão que trata das informações sobre saúde transmitidas nas aulas de Educação Física, cabe destacar os seguintes relatos:

“Aprendi que se a gente pratica esporte melhora a saúde....o jogo é bom para emagrecer e exercício é bom para a saúde...” (Aluno 06).

“O professor sempre diz que quem sempre pratica exercícios, joga alguma coisa, faz atividade física seguido não vai engordar....” (Aluna 17).

“O professor sempre diz que quem faz exercício, joga bola, custa mais a adoecer, evita enfarte e melhora a nossa qualidade de vida.” (Aluna 19).

    Observa-se nas respostas, tanto dos meninos como das meninas, que a prática de exercícios é sinônimo de saúde, nesta perspectiva o tema saúde tem sido, de fato, tratado numa perspectiva reducionista, conforme Palma (2001).

    A prática de exercícios como forma de emagrecimento, parece ser um discurso constante nas conversas com as crianças. Contudo, questões sobre obesidade infantil e suas implicações, não foram relatadas.

“...é importante suar bastante para perder peso, o professor diz que quem correr mais, vai suar mais e perder mais peso...” (Aluno 07).

“O professor sempre fala que praticar esporte ajuda a emagrecer, por que faz a gente gastar a gordura do corpo” (Aluna 23).

    Fica evidente que a justificativa para a aplicação de uma atividade e sua adesão, seja como alongamento, corrida ou mesmo o jogo, necessitam-se apoiar num exemplo que as crianças possam identificar facilmente. Vejamos o caso das falas dos alunos 6 e 17, que relacionaram a prática da atividade física e a saúde a uma condição de estética (emagrecimento), ou seja, apresentam uma visão estritamente biológica de causa e efeito.

    Se por um lado, o professor destacava a importância da prática da atividade física como gasto calórico e por conseqüência o emagrecimento, ou seja, a perda de peso. Por outro lado, não foram relatadas questões que fornecessem informações sobre as causas e conseqüências da obesidade infantil, tema presente nas discussões da educação e saúde de crianças e jovens.

    Diante deste fato, percebe-se que o professor assume o papel de apenas repassar informações aos alunos. Levantamentos feitos por Darido (1996) apontam que nem sempre os conhecimentos adquiridos pelos professores de Educação Física na formação são utilizados durante a prática pedagógica.

    Quanto à dimensão das conversas do professor com as crianças, observa-se nas respostas a seguir, que o tema saúde é tratado com maior ênfase nas questões relacionadas à higiene pessoal.

    “O professor sempre diz que após jogar e correr é importante tomar banho ou trocar a camiseta após o jogo para tirar o suor e não ficar molhado...” (Aluno 06).

    “...é muito importante se lavar depois da aula, por que ficar suado no corpo e nos pés pode fazer a gente pegar doenças...” (Aluna 19).

    “O professor sempre pede que após o jogo a gente se lave bem, por que durante o jogo a gente sua e toca na bola que ta suja.” (Aluna 08).

    Cabe ainda destacar a seguinte fala:

    “Para fazer a aula o professor exige que a gente venha de uniforme,...quem estiver sem uniforme não faz a aula de Educação Física” (Aluna 08).

    A fala da aluna 08 registra que a aula de Educação Física desenvolvida junto ao núcleo do programa Segundo Tempo é voltada para atividades esportivas, atividades de ginástica entre outras, onde a participação é voltada a execução de tarefas. Além disso, todas as informações sobre o tema saúde estão associadas às atividades realizadas nas atividades práticas.

“Sempre é bom fazer alongamento antes de jogar para que a gente não se machuque...” (Aluno 02).

“...jogar bola, correr,.... faz melhor para a saúde que ficar no computador...” (Aluno 14).

“Quem fuma não corre no jogo...” (Aluno 04).

“O professor sempre avisa que não podemos comer antes de fazer exercícios...” (Aluno 03).

    No que diz respeito a relação da atividade física com a saúde, pode-se verificar que o professor se apóia na corrente que trata a saúde na área da Educação Física no âmbito da aptidão física, conforme Devide (2002). O autor aponta duas formas de entendimento da saúde na área da Educação Física. A primeira é a aptidão física relacionada à saúde, que estabelece uma relação entre Educação Física e saúde pelo viés da aptidão, priorizando os aspectos fisiológicos. A segunda é a promoção da saúde, que de uma forma mais ampla, interpreta o tema saúde de forma crítica, reconhecendo seus diversos fatores influenciadores, além da prática de exercícios físicos.

    Em relação ao que o professor informa sobre saúde as crianças, obteve-se de forma sintética a seguinte resposta:

    “Estou sempre falando para os alunos que é importante fazer atividade física para ter uma boa saúde. Sempre digo a “eles” que quem pratica exercícios durante a vida tem menos risco de ter algumas doenças” (Professor).

    O professor relata ainda que:

“É importante criar o hábito regular de praticar exercícios, para quando adulto, ter uma melhor qualidade de vida” (Professor).

    Observa-se na fala do professor que a prática da atividade física é sinônimo de saúde. Na concepção do professor, a prática de atividade física para ser suficiente para obtenção de hábitos saudáveis. Carvalho (2005) enfatiza que para alcançarmos níveis adequados de saúde é necessário ir além da prática de atividades físicas, e Prista (2006) argumenta que a visão do exercício físico limitado a um estímulo meramente biológico constitui uma opção incapaz de retratar a sua plenitude.

    Conforme Lewis (1986), os profissionais da Educação Física brasileira acabam, caindo nessa “causalidade” do exercício físico como promoção à saúde, disseminando a idéia (ingênua) de que quem pratica qualquer atividade física terá saúde (e quem não pratica terá doença), ou que “esporte é saúde” (e as lesões nos atletas de alto nível?). E mais, acabam reduzindo o significado de saúde, quando atribuem à atividade física como fonte de saúde, ora enfocando o senso comum (ou simplista) de que saúde é a “ausência de doença”, ora sendo idealista, definindo-a como “estado de completo bem-estar físico, mental e social” e não apenas a ausência de doença ou enfermidade.

3.     Considerações finais

    Analisando os relatos das crianças e do professor de Educação Física do núcleo do programa Segundo Tempo em Xanxerê (SC), percebe-se que quando o tema saúde é abordado nas aulas, apresenta-se em forma de atividades, ou seja, saúde é sinônimo de praticar atividade física e praticar atividade física é sinônimo de saúde. Assim, não há orientações nem uma prática reflexiva em relação ao tema saúde nas aulas de Educação Física do núcleo em Xanxerê (SC).

    O professor de Educação Física do núcleo não tem preocupação em oferecer informações, além das questões técnicas das atividades esportivas desenvolvidas, e as informações e orientações sobre saúde nas aulas de Educação Física, conforme os relatos das crianças são restritos as questões de higiene pessoal.

    Tanto para as crianças como para o professor há um entendimento que a prática de atividade física é suficiente e esclarecedora, quando se trata de uma educação voltada para as questões de saúde.

    As aulas do núcleo de Educação Física e Esportes do programa Segundo Tempo tem potencial para instigar o tema saúde nas suas atividades, não apenas pelo repasse de informações as crianças diretamente envolvidas no núcleo, mas como um espaço de educação para a saúde, oportunizando as crianças condições para produzir mudanças de comportamento, de seus familiares e das outras crianças da comunidade que com elas interagem em outros ambientes.

    Conclui-se que o tema saúde é tratado nas aulas de Educação Física do programa Segundo Tempo neste núcleo de Xanxerê (SC) de forma superficial e limita-se ao simples repasse de informações de assuntos relacionados à saúde, poderia haver uma educação voltada para a saúde como estabelece o princípio geral do programa Segundo Tempo.

Referências

  • BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 1977.

  • BARROS, L. de O.; MATARUNA, L. A saúde na escola e os parâmetros curriculares nacionais: analisando a transversalidade em uma escola fluminense. Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, v.10, n.82, mar. 2005. http://www.efdeportes.com/efd82/saude.htm

  • BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Educação Física/Secretaria de Educação fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998, v.7.

  • CARVALHO, Y.A. Entre o biológico e o social. Tensões no debate teórico acerca da saúde na Educação Física. Motrivivência, n.24, p.97-105, jun.2005.

  • DARIDO, S. C. Ação pedagógica do professor de Educação Física: estudo de um tipo de formação profissional científica. 1996. Tese (Doutorado em Psicologia) - Instituto de Psicologia, U.S.P., 1996.

  • DEVIDE, F.P. Educação Física, qualidade de vida e saúde: campos de intersecção e reflexões sobre a intervenção. Revista Movimento, v.8, n.2, p.77-84, 2002.

  • Gil, A.C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas,1994.

  • LEWIS, A. Saúde. In: SILVA, B., org. Dicionário de ciências sociais. Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1986.

  • LOUREIRO, C. F. B. A Problemática de Saúde da Criança no Brasil: Desafios para uma Prática Educativa. Revista Brasileira de Saúde na Escola, v.4, n.2, 1996.

  • NAHAS, M.V.; PIRES, M.C ; WALTRICK, A.C. de A. Educação para a atividade física e saúde. Revista Brasileira de Atividade Física e Saúde, v.1, n.1, p.57-65, 1995.

  • PALMA, A. Educação Física, corpo e saúde: uma reflexão sobre outros “modos de olhar”. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v.22, n.2, p.23-39, jan. 2001.

  • PRISTA, A. Desporto: Saúde e Qualidade de Vida. In: TANI, G.; BENTO, J.O. & PETERSEN, R.D. de S. Pedagogia do Desporto.Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.

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