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A capoeira na cultura brasileira. Um resgate histórico

La capoeira en la cultura brasileña. Un rescate histórico

The capoeira in the culture brazilian. One history rescue

 

Licenciado em Educação Física – UNISC/RS

(Brasil)

Darnes da Silva Porto

danporto30@yahoo.com.br

 

 

 

Resumo

          Esse estudo propõe um resgate histórico da Capoeira, através da revisão aprofundada da literatura específica e geral que envolve o desenvolvimento desta prática e a integralidade com a cultura brasileira. Procuramos investigar a Capoeira a partir do axioma Angola e Regional, as duas escolas dessa luta. Destaca-se aqui a contribuição dos Mestres Pastinha e Bimba para a popularização da Capoeira e para sua instituição como Ginástica Nacional no início do século XX. Vimos ainda pontos mais específicos como os golpes mais comuns, a instrumentação da roda de Capoeira, a incerteza conceitual entre dança, jogo ou luta e a questão folclórica. Surgem assim os seguintes questionamentos: Folclore é mutável ou agregador de acordo com seu tempo e seus cultuadores? De que maneira as mudanças no contexto em que a Capoeira está inserida afetam essa prática?

          Unitermos: Capoeira. História. Folclore

 

Abstract

          This study it considers a historical rescue of the Capoeira, through the deepened revision of the specific and general literature that involves the development of this practical and the completeness with the Brazilian culture. We look for to investigate the Capoeira from the axiom Angola and Regional, the two schools of this fight. The contribution of the Masters Pastinha and Bimba for the popularização of the Capoeira and its institution is distinguished here as National Gymnastics at the beginning of century XX. We still saw points more specific as the blows most common, the instrumentation of the wheel of Capoeira, the conceptual uncertainty enters dance, game or fight and the folclórica question. The following questionings appear thus: Folklore is changeable or agregador in accordance with its time and its cultuadores? How the changes in the context where the Capoeira is inserted affects this practical?

          Keywords: Capoeira. History. Folklore

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 142 - Marzo de 2010

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Introdução

    Esse ensaio surgiu a partir do estudo das Escolas de Ginástica que influenciaram a Educação Física no Brasil, na disciplina de Ginástica Básica II do curso de Educação Física. Após o estudo dos métodos estrangeiros e de debater sobre a importância desses sistemas no país, voltamos nossa atenção para a Ginástica Nacional, a Capoeira.

    A Capoeira é hoje praticada por muitos, no Brasil e no exterior, num ambiente ordeiro, disciplinar e saudável. Seus praticantes combinam uma excelente forma física com um ótimo estado mental. É um exercício muito completo, une agilidade, força, flexibilidade e equilíbrio num jogo que é quase uma dança, não fossem pelos golpes desferidos pelos capoeiras. Vamos então a história da Capoeira, que já se ouvia falar “desde a transferência da capital do país da Bahia para o Rio de Janeiro, em 1763” ¹.

Origem e história da capoeira

    A origem da palavra capoeira, da língua tupi, usada para designar a vegetação que nasce após a derrubada de uma floresta. Existem indícios de que a capoeira seja criação indígena e não dos escravos. Historiadores, missionários e outros autores afirmam terem visto os índios jogando capoeira. Apenas para constar, a palavra "capoeira" (CAÁPUÉRA ) é um vocábulo Tupi-guarani, e significa "mato ralo" ou "mato que foi cortado". No Brasil-Colônia este nome foi também dado ao “Jogo de Angola” que aparecia nas fazendas e cidades desde que aqui foram trazidos escravizados os primeiros grupos de negros de origem banto ².

    A origem da capoeira – se africana ou brasileira – é motivo de discussão até os dias de hoje. Mesmo as figuras mais representativas – como mestre Bimba e mestre Pastinha – divergiam a esse respeito.

                                                             Os negros, sim, eram africanos, mas a capoeira é de Cachoeira, Santo Amaro e ilha de Maré, camarado!”

                                                                                                                                                                                         Mestre Bimba

                                                                                                                                              “... capoeira veio da África, africano quem lutou ...”

                                                                                                                                                                                      Mestre Pastinha

    Mas Capoeira (2000) ainda reforça que uma coisa, no entanto é certa: independente de ter nascido no Brasil ou na África, não existem dúvidas de que a Capoeira é uma criação dos africanos e seus descendentes. Concordando com Araújo (1999), diz Costa (19--) que a forma primitiva da capoeira chegou ao Brasil com os negros bantus, originários da África Ocidental. Siega (2002), em seu artigo “Capoeira – uma abordagem histórica” conta que “após o descobrimento do Brasil, os portugueses necessitavam de mão-de-obra barata para o cultivo da terra e a exploração das riquezas naturais. Após várias tentativas fracassadas com os índios, foram trazidos então os negros africanos.

    Mal nutridos e submetidos a uma condição sub-humana, os negros eram guardados nas senzalas, após árdua jornada de trabalho. No seu tempo livre, à noite, cultivavam as suas danças e tradições como forma de lazer e de diminuir um pouco as saudades da pátria africana. (SIEGA, 2002:11).

    Para Costa (19--), existe diversidade de opiniões a respeito do aparecimento da luta, a maioria das quais fundamentada na origem do nome capoeira. Entretanto essa denominação surge pela primeira vez nos escritos históricos da Guerra dos Palmares. Naquela época (século XVII), aproveitando-se da confusão gerada pelas Invasões Holandesas, milhares de escravos escaparam das fazendas, criando “repúblicas” [ou Quilombos]. Os portugueses, cessadas as invasões estrangeiras, enviaram expedições para exterminar as pequenas nações e aprisionar os negros.

    Nessa época, “capoeiras” eram os guerreiros dos “capões” ou seja, os homens que se escondiam nas matas e saíam para enfrentar os capitães-do-mato. Por esta razão ou qualquer outra anterior ao fato, após a Guerra dos Quilombos e Palmares o capoeira já era um tipo característico do Brasil colonial.

    Com o passar dos anos, a luta africana encontra no mestiço das raças colonizadoras o seu executante ideal. Magro e musculoso, mais baixo que o negro e mais destro que o português, o mulato assimilou a capoeira a seu modo, transformando-a numa notável luta acrobática.

    A segunda metade do século XIX encontra a capoeiragem no seu apogeu. No Rio de Janeiro, Recife e Salvador havia maltas de capoeiras. Identificados como criminosos profissionais eram temidos pela própria polícia. Desde essa época que o nome capoeira é associado ao de malandro, desordeiro, ladrão etc.

    Com o advento da República, o Marechal Deodoro da Fonseca, pressionado pela crescente onda de criminalidade, iniciou o combate à capoeira. Os praticantes da “ginástica nacional” eram sumariamente recolhidos à Ilha da Trindade para trabalhos forçados. O Código Penal de 1890 previa de dois a seis meses de prisão celular, aos praticantes dos “exercícios de agilidade e destreza corporal, conhecidos pela denominação de capoeiragem”. Dessa campanha pouco restou da capoeira, “[...] uma das mais antigas e verdadeiras expressões de nossa nacionalidade” (COSTA, 19--).

Escravidão, marginalidade e ensino

    Segundo Capoeira (2000), é costume dividir a história da capoeira em três períodos: escravidão, marginalidade e ensino nas academias.

  • Escravidão: A capoeira – uma forma de luta – teria se disfarçado em dança para iludir e contornar a proibição de sua prática por parte dos feitores e senhores de engenho.

  • Marginalidade: Após a abolição da escravatura, em 1888, ex-escravos capoeiristas não teriam encontrado lugar na sociedade e caíram na marginalidade, levando consigo a capoeira, que foi proibida por lei.

  • Academias: Na década de 1930 foi revogada a lei que proibia sua prática a abriam-se as primeiras academias em Salvador: a capoeira saiu das ruas – e da marginalidade – e começou a ser ensinada e praticada em recinto fechado.

O jogo da capoeira

    Para Carneiro (1977), dá-se o nome de capoeira a um jogo de destreza que tem as suas origens remotas em Angola. Era antes uma forma de luta, muito valiosa na defesa da liberdade de fato e de direito do negro liberto, mas tanto a repressão policial quanto as novas condições sociais fizeram com que se tornasse finalmente um jogo, uma vadiação entre amigos.

    Trata-se de um combate singular em que os “moleques de sinhá” apenas demonstram a sua capacidade de ataque e defesa sem, contudo, atingir efetivamente os oponentes.

    A capoeira é uma luta em que os executantes se valem dos pés, das mãos e da cabeça para bater nos adversários ou derrubá-los. Baseia-se na utilização do peso do corpo num sistema de alavancas com as pernas e braços. A destreza e agilidade importam mais que a força muscular (COSTA, 19--).

    Santos (2002) explica que a capoeira é baseada na destreza, na velocidade dos movimentos e não nos movimentos de força, porque o brasileiro traz na sua estrutura os elementos essenciais para ser ágil, flexível e imprevisível nos recursos de esquiva.

    Costa (19--) afirma ainda que não há propriamente uma só capoeira mas sim variações sobre os movimentos básicos. Na Bahia cada mestre ensina a luta a seu modo. Há modalidades, como a angola e a angolinha, que são utilizadas somente para exibições folclóricas. Outras, como a regional, são cultivadas por grupos fechados que se esforçam para monopolizar o ensino.

As escolas: Angola e Regional

    Geralmente é estabelecido um corte que separa a capoeira “moderna” de sua vertente “tradicional”, a saber, respectivamente Capoeira Regional e Capoeira Angola. Esse tipo de abordagem, que geralmente trata a regional como uma forma “descaracterizada” da capoeira original pressupõe uma dualidade que, conforme Vieira (1995), não se verifica na realidade, podendo ser apresentada esquematicamente da seguinte forma:

Quadro 1. Capoeira Angola e Regional

Capoeira Angola

Capoeira Regional

Original

Descaracterizada

Tradicional

Moderna

Jogo baixo

Jogo alto

Jogo lento

Jogo rápido

Recreativa e maliciosa

Agressiva e sem malícia

Envolta em religiosidade e misticismo

Secularizada e isenta de símbolos religiosos

Integrada à cultura negra

Expressão da dominação branca

Praticada pelas camadas sociais

Marginalizadas

Praticada pelos status sociais médios e superiores

Fonte: VIEIRA, Luiz Renato. O Jogo da Capoeira. Rio de Janeiro, SPRINT, 1995:87

    De fato, a proposta da Capoeira Regional elaborada por mestre Bimba no início do século [XX] continha algumas das características acima relacionadas (VIEIRA, 1995). Segundo o mesmo autor, a atualidade da capoeira, com um intenso desenvolvimento de novas técnicas de jogo e treinamento, e uma forte interação das academias de capoeira (por meio de competições, rodas abertas, apresentações, seminários etc.), não nos permite tratar o universo atual desta comunidade como cindido em Regional e Angola. A não ser em Salvador, por razões históricas muito específicas, pouquíssimas academias de capoeira no país se intitulam representantes de uma dessas duas “correntes”. A maioria dos capoeiristas prefere situar-se num ponto médio, entre os dois “estilos”, afirmando que joga e ensina “uma mistura da Angola com a Regional”. Ainda entre esses que não consideram a dicotomia Angola – Regional, estão os capoeiristas que afirmam que “a capoeira é uma só”.

    A capoeira que eu faço e ensino não é Angola e não é Regional. Como qualquer coisa a capoeira tende a evoluir e hoje em dia existe uma nova visão, uma nova capoeira tende a surgir. Até mesmo pelas circunstâncias de hoje em dia, que não permitem que você faça uma capoeira pura, Angola ou Regional. E é muito difícil a gente tentar buscar nas origens para praticar a capoeira antiga como realmente ela era.

Mestre Onça

    Naturalmente, a Capoeira Regional criada por Mestre Bimba possuía características bem definidas, que a distinguiam da capoeira tradicional das ruas de Salvador. No entanto, ao longo de sessenta anos de intenso processo de mudança cultural, essas distinções se diluíram quase completamente, embora existam mestres verdadeiramente dispostos a defender as características próprias de seu “estilo” (VIEIRA, 1995).

    Uma vez que, para o estabelecimento de distinções entre Capoeira Angola e Capoeira Regional, utilizam-se observações realizadas nas academias de Capoeira Angola de Salvador, chega-se à conclusão de que é possível uma clara separação do universo da capoeira em duas partes. Deve-se levar em conta que a Angola praticada em algumas academias na Bahia é, na realidade, o produto de um esforço de reconstituição da capoeira dos tempos passados à luz das condições estabelecidas no presente. Em diversos casos, não há continuidade na tradição da Capoeira Angola. Isto é, no calor do ressurgimento do movimento negro no Brasil – com especial destaque em Salvador – diversos capoeiristas passaram a assumir a posição de representantes das tradições da Angola.

    Nesse esforço de reconstituição da Angola do passado, nas palavras de Vieira (1995), muitos capoeiristas desenvolvem um jogo muito lento, baixo e cheio de pantomimas, o que, segundo os mestres mais velhos da Bahia, não coincide com as características da antiga Angola. O antropólogo argentino Alejandro Frigerio (1989), adota esse padrão como representativo da Capoeira Angola e, por oposição, entende todo o conjunto das formas assumidas pela luta “por todo o Brasil, chegando até a outros países” como Capoeira Regional. De fato, a capoeira praticada atualmente por todo o país é geralmente desenvolvida à base de golpes mais altos do que aqueles freqüentemente utilizados nas academias de Capoeira Angola de Salvador. Porém, o equívoco consiste em associar todas as variadas formas assumidas pela capoeira no país à Capoeira Regional. Parece-nos ainda mais grave reduzir a dinâmica cultural que deu origem a diversas formas de capoeira na atualidade a um mero processo de “descaracterização” da capoeira tradicional.

    Mestre Bola Sete (1997) acena com um pensamento, particularmente com muito sentido, quando diz que o que descaracterizou a Capoeira Angola foi (1) a formação de grupos folclóricos, quando os terreiros foram substituídos pelos palcos dos teatros, e elementos de ginástica aplicados à luta, assim como também (2) a adesão de praticantes de outras lutas à capoeira, acrescentando movimentos novos.

    Portanto, observa-se que as categorias “Capoeira Angola” e “Capoeira Regional” estão fortemente impregnadas de conteúdo histórico. Muito dificilmente poderiam ser utilizadas para definir estilos atuais de capoeira, no sentido de um conjunto de princípios técnicos, estéticos e rituais que orientam o jogo. Em Salvador a classificação das academias em termos Regional ou Angola define muito mais a “linha de filiação” do que um modo de se jogar e ensinar a capoeira. As academias e os capoeiristas da Regional “descendem” diretamente de Mestre Bimba, enquanto os angoleiros, em sua maioria, afirmam terem sido alunos de Mestre Pastinha ou de outros mestres famosos, como Caiçara, Canjiquinha ou Waldemar do Pero Vaz (VIEIRA, 1995).

Capoeira Angola

    Não é possível atribuir a alguém ou até uma data para a criação da Angola. Mas sempre nos lembramos de Mestre Pastinha quando falamos de Capoeira Angola, pois como lembra o Grupo Capoeira Brasil, Pastinha foi um grande defensor da Angola, divulgando e introduzindo-a na sociedade, alterando a visão de luta marginalizada, praticada por vândalos e arruaceiros.

    Para a Fundação Internacional de Capoeira Angola,

    A capoeira angola tem sua origem no N’golo, uma tradição Banto (etnia sul-africana à qual pertenciam, entre outros, os negros escravos chamados no Brasil de angolas, cabinadas, benguelas, congos ou moçambique). Sua trajetória, porém, não pode ser dissociada da natureza política e social da condição da população negra da história brasileira. Evidenciada como uma das manifestações de resistência, tem em seus fundamentos preceitos que orientam a visão de mundo daqueles que a praticam. Esses princípios – construídos pelo negro numa situação de liberdade – sofreram transformações com a escravidão, que, numa prática em prol da liberdade, fez da capoeira uma manifestação cultural com caráter de movimento social. (FUNDAÇÃO INTERNACIONAL DE CAPOEIRA ANGOLA, Bahia).

    Como conta o Mestre Bola Sete (1997), os negros escravos africanos que vieram em maior número para o Brasil foram os bantos de Angola. Diz ele que no cativeiro a luta teve de ser disfarçada em dança, introduzindo-se instrumentos musicais para não levantar suspeitas dos senhores. Esse Mestre ainda concorda que a capoeira Angola sofreu mudanças ao longo do tempo, com a criação de novos movimentos e cânticos, de grande importância para o folclore (MESTRE BOLA SETE, 1997:20).

Capoeira Regional

    Vieira (1995) cita que o surgimento da Capoeira Regional foi o primeiro passo rumo à inserção da capoeira no contexto desportivo brasileiro. O movimento recente de apropriação cultural da capoeira por parte dos clubes esportivos, universidades e escolas está inserido numa trajetória histórica maior que tem como marco fundamental a década de 1930. A história da incorporação da capoeira no ambiente institucional passa pela biografia do capoeirista baiano Mestre Bimba. Criando uma sistematização ampla que inclui “seqüências de ensino”, sistema hierárquico, regulamento para competições, normas de comportamento do capoeirista “dentro e fora da roda”, Bimba operou o início do contato da capoeira com outras esferas sociais, além da periferia das grandes cidades, recodificando os rituais nos moldes do ambiente político e cultural da época.

    No amplo universo de transformações implementadas por Mestre Bimba na capoeira tradicional, destacam-se aquelas que se referem às “técnicas corporais”. As características estéticas presentes na capoeira criada por Mestre Bimba constituem, digamos, o elemento mais visível de sua proposta. A Capoeira Regional apresenta um conjunto de parâmetros orientadores de conduta que envolve provas, prêmios, sanções, multas, insígnias, hierarquia e disciplina. A articulação desses elementos e diversos outros deu forma a esse “espírito” presente na Capoeira Regional, distinguindo-a da Capoeira Angola, marcada pela irreverência a esses mesmos princípios.

    Em diversos momentos os velhos mestres afirmaram que nas rodas da antiga Capoeira Angola verificam-se manifestações explosivas de agressividade, chegando mesmo ao eventual uso de armas. O jogo agressivo integrava-se a todo um horizonte de possibilidade muito amplo que, pela sua própria multiplicidade, impedia que o capoeirista se concentrasse em apenas uma de suas instâncias. Isto é, mesmo a ocorrência relativamente freqüente de conflitos nas rodas da antiga capoeira não justificava algum tipo de “treinamento” para um possível enfrentamento (VIEIRA, 1995).

    Comumente, o surgimento da Capoeira Regional tem sido identificado com o processo de descaracterização das tradições populares, na dinâmica de sua apropriação pelas classes dominantes. Assim, a Capoeira Regional já foi interpretada como uma adaptação “[...] que permitia uma melhor participação do branco, menos flexível [...] e, portanto com mais dificuldade para a execução dos movimentos que são exigidos no jogo Angola”. (Tavares apud VIEIRA 1995).

    Com o surgimento da Capoeira Regional, introduz-se no ambiente da capoeira o tipo de mentalidade que Stephen Kalberg denomina “racionalidade teórica”. Se a “racionalidade prática” envolve a subordinação do indivíduo a uma realidade pré-estabelecida, tomando a rotina diária como um dado, a racionalidade teórica visa à transcendência dessa realidade através da análise e do procedimento metódico. O surgimento da Regional representa o primeiro momento em que uma efetiva liderança no campo da capoeira a insere num processo cognitivo complexo, transformando e sistematizando seus princípios éticos, técnicos e rituais.

Os Mestres: Bimba e Pastinha

    Mestre Bimba, cujo verdadeiro nome era Manoel dos Reis Machado, nasceu a 23 de novembro de 1899, em Salvador. Seu pai, Luís Cândido Machado, foi um famoso jogador de “batuque”, uma antiga luta nordestina, de origem afro-brasileira. Segundo Carneiro (1977), trata-se de um jogo praticado ao som de berimbaus e outros instrumentos, em que o objetivo é derrubar o adversário com o uso de golpes de perna, como rasteiras e joelhadas. Formado um círculo, um dos participantes entra na “roda” e dirige o desafio a outro jogador, enquanto o grupo acompanha o ritmo dos instrumentos com palmas e cânticos. O autor afirma ainda que o batuque teria sido incorporado à capoeira, inexistindo atualmente como tradição isolada.

    Segundo Rego apud Vieira (1995), Mestre Bimba aprendeu a jogar capoeira, ainda criança, com um negro africano chamado Bentinho, capitão da Companhia de Navegação Baiana. Sabe-se [de mestre Bimba] que vinha de uma família pobre de um bairro da periferia de Salvador, o Engenho Velho, e que desde muito novo envolveu-se profundamente com as instituições do ethos popular, o já referido batuque, pela influência de seu pai, e o candomblé, vindo mais tarde a se casar com uma mãe-de-santo, Dona Alice, tornando-se ogã em seu terreiro.

    Mestre Bimba não teve instrução formal, dominando apenas de forma muito rudimentar a leitura e a escrita. Como afirma Rego apud Vieira (1995): “Usando seus discípulos, que variam desde o homem rude do povo a políticos, ex-chefes de estado, doutores, artistas e intelectuais, Mestre Bimba transmitiu-lhes o seu plano de curso, os quais deram uma excelente estrutura e puseram em letra de forma”. Este fato reveste de especial importância as vinculações pessoais estabelecidas por Mestre Bimba, principalmente com aquele grupo que o cercou e colaborou na sistematização de suas idéias.

    Segundo Mestre Itapoá, formado por Mestre Bimba e autor de uma biografia sua, o início do contato do criador da Capoeira Regional com outras esferas sociais ocorreu em 1934. Nesta ocasião, Mestre Bimba já era amplamente conhecido como exímio lutador, praticante da capoeira tradicional. Bimba teria sido procurado por um grupo de universitários interessados em praticar a capoeira. À época, trabalhava como carvoeiro e estivador, e foi levado pelos estudantes para ensinar capoeira na pensão onde residiam. Nas palavras de Mestre Itapoã:

    Quando o Mestre foi para lá, os estudantes começaram a conversar com ele, que a capoeira não podia mais ser uma coisa perseguida pela polícia. Isso foi em 34, quando os caras foram para Salvador estudar medicina. O nordeste todo ia estudar lá. Foi assim que ele começou a ter contato com a sociedade da época. O doutor Rui Gouveia me disse que o Mestre era interessado em ficar conversando com eles, queria aprender o significado das palavras que eles diziam, pegava aquelas palavras e utilizava nos treinamentos. Eles foram explicando a ele o problema da marginalidade. Então ele resolveu, quando abriu a academia, que lá não ia ter vagabundo. Só podia ter trabalhador e estudante. (MESTRE ITAPOÃ apud VIEIRA, 1995:137).

    Como diz Vieira (1995), de fato, toda a Capoeira Regional evidencia a absorção, por parte de Mestre Bimba, de elementos alheios ao ethos popular. Através da introdução de elementos simbólicos representativos das camadas sociais superiores, verifica-se o esforço de legitimação social de uma prática originária desse ethos popular. Os estudantes universitários de medicina e engenharia atuaram como importantes elementos de ligação entre universos culturais distintos, fornecendo a Mestre Bimba os primeiros meios para que estreitasse seus vínculos com os estratos sociais superiores.

    A primeira academia de capoeira foi fundada por Mestre Bimba em 1932, em Salvador, no Engenho Velho de Brotas, com o nome de “Centro de Cultura Física e Capoeira Regional da Bahia”. Essa academia foi a primeira a receber autorização oficial para o ensino da capoeira, em 1937, ano da decretação do Estado Novo. O mesmo documento, expedido pela Secretaria de Educação, Saúde e Assistência Pública do Estado da Bahia, reconhecia Mestre Bimba como professor de Educação Física. Em 1939, começou a ensinar capoeira no quartel do Centro de Preparação de Oficiais da Reserva do Exército (CPOR) de Salvador, no Forte do Barbalho, onde trabalhou por três anos. O “curso” incluía uma etapa avançada, chamada de “especialização”, baseada fundamentalmente em treinamento para o combate corpo-a-corpo com e sem armas, e um treinamento e guerrilha denominada “emboscada”, realizada nos finais de semana nas matas da Chapada do Rio Vermelho.

    Mestre Itapoã apud Vieira (1995) relaciona várias apresentações de capoeira dirigidas pelo criador da Regional, em diversos estados, da década de 1940 ao início dos anos 1970, em locais como quartéis, universidades, ginásios de esportes, palácios governamentais, etc. Talvez a mais importante exibição realizada por Mestre Bimba tenha ocorrido em 1953, para o então presidente Getúlio Vargas. Nessa ocasião Mestre Bimba ouviu de Vargas: “A capoeira é o único esporte verdadeiramente nacional”.

    Já no final de sua vida, Bimba transferiu-se com sua família para Goiânia, em 1973, a convite de um capoeirista que lhe ofereceu melhores condições de vida do que as que tinha à época em Salvador. Faleceu em Goiânia em 05 de fevereiro de 1974, vítima de um derrame cerebral.

    Mestre Pastinha, ou Vicente Ferreira Pastinha, como nos conta Mestre Decânio (1996), nasceu na cidade de Salvador, em 5 de abril de 1889, filho do espanhol José Señor Pastinha e Maria Eugênia Ferreira. Talvez a história mais interessante sobre a vida de Mestre Pastinha e de como aprendeu a capoeira esteja contida num depoimento prestado por ele, em 1967, ao Museu da Imagem e do Som: “Quando eu tinha uns dez anos – eu era franzininho – um outro menino mais taludo do que eu tornou-se meu rival. Era só eu sair para a rua – ir na venda fazer compra, por exemplo – e a gente se pegava em briga. Só sei que acabava apanhando dele, sempre. Então eu ia chorar escondido de vergonha e de tristeza (...). Um dia, da janela de sua casa, um velho africano assistiu a uma briga da gente. ‘Vem cá meu filho’, ele me disse, vendo que eu chorava de raiva depois de apanhar. Você não pode com ele, sabe, porque ele é maior e tem mais idade. O tempo que você perde empinando raiva vem aqui no meu cazuá que vou lhe ensinar coisa de muita valia. Foi isso que o velho me disse e eu fui (...)”.

    Benedito era o nome desse negro angolano que ensinou a Capoeira para Pastinha. Diz Mestre Decânio (1996) que por três anos Pastinha teria freqüentado a casa de Benedito, na Rua do Tijolo, em Salvador, e treinado os golpes de capoeira. Contudo, Decânio lembra que a maioria dos capoeiristas que conheceram Mestre Pastinha afirma que seu mestre teria sido Aberre, e não o velho Benedito. “Ele costumava dizer: não provoque menino, vai botando devagarinho ele sabedor do que você sabe. Na última vez que o menino me atacou fiz ele sabedor com um só golpe do que eu era capaz. E acabou-se meu rival, o menino ficou até meu amigo de admiração e respeito (...)”. (Mestre Pastinha ao Museu da Imagem e do Som).

    Diz Mestre Decânio (1996) que Pastinha serviu à Marinha, por imposição de seu pai que não gostava da vadiagem do garoto. Aos 21 anos dedicou-se à pintura. Em 1941 fundou o Centro Esportivo de Capoeira Angola. Pastinha foi “o primeiro capoeirista popular a analisar a capoeira como filosofia e a se preocupar com os aspectos éticos e educacionais de sua prática”. (MESTRE DECÂNIO, 1996). Silva (2003) reforça que Pastinha foi “o responsável em organizar este jogo de corpo a fim de manter suas tradições e cultura afro dentro desta modalidade brasileira de luta-jogo-dança”. (SILVA, 2003:51).

    Aos 84 anos, Pastinha deixa a antiga sede da academia para morar num quartinho no Pelourinho, com a segunda esposa, Maria Romélia. A única renda do casal era advinda dos acarajés que Maria vendia. Em 13 de novembro de 1981, com 92 anos, cego e paralítico, Pastinha morre no abrigo D. Pedro II, em Salvador, vítima de uma parada cardíaca.

    Diz Jorge Amado sobre Mestre Pastinha: “mestre da Capoeira de Angola e da cordialidade baiana, ser de alta civilização, homem do povo com toda a sua picardia, é um dos seus ilustres, um de seus obas, de seus chefes. É o primeiro em sua arte; senhor da agilidade e da coragem...”.

A Ginástica Nacional ou Ginástica Brasileira

    Em 1907 surge a primeira tentativa de instituição de uma ginástica brasileira, com o opúsculo “O guia da Capoeira ou Ginástica Brasileira”. Em 1928, aparece mais uma tentativa de fazer da capoeira a ginástica nacional. Aníbal Burlamaqui publica um opúsculo: “Ginástica Nacional (Capoeiragem) Metodizada e Regrada”.

    Marinho (1982) diz que “depois de tantos sistemas e métodos de educação física estrangeiros [...], chegou a oportunidade da nossa sonhada Ginástica Brasileira, alicerçada na alma nacional e alimentada pela mística que sobrevive em nosso subconsciente”. (MARINHO, 1982).

    Na Bahia, mestre Bimba resolve metodizar e aperfeiçoar a “Capoeira d’Angola”, criando a “luta regional baiana”, que abrangia cinqüenta golpes, dos quais vinte e dois eram mortais. Em 1932, funda ele a primeira academia destinada ao ensino da capoeira, na Bahia.

    “A ginástica brasileira há de fundamentar-se na flexibilidade, equilíbrio e destreza, cuja técnica de exercício é os reflexos dos movimentos de sua dança, realizados com um ritmo gímnico, que brota espontaneamente de dentro para fora”, diz Marinho (1982).

    A ginástica brasileira, idealizada por este autor, absorve a capoeira em toda a sua amplitude e encontra na música afro-brasileira a espontaneidade de seu ritmo, que nasce de dentro para fora, marcando a cadência de cada movimento.

Os golpes mais comuns

    Carneiro (1977), diz que em especial, os golpes de capoeira utilizam exclusivamente os pés, servindo as mãos de apoio aos movimentos de todo o corpo. Assim, o jogo se torna muito mais uma sucessão de negaças, uma contínua experimentação da guarda do oponente, que efetivamente um combate. A ginga do capoeira, sublinhada pelas chulas ao som de berimbaus e pandeiros, dá ao jogo uma aparência de dança (Ibid, 1977).

    Em geral, os golpes são ao mesmo tempo de ataque e de defesa, não sendo fácil estabelecer uma fronteira entre os movimentos ofensivos e defensivos. Esquivando-se ou protegendo-se de qualquer golpe, o capoeira aproveita o movimento como começo do revide.

    Segundo Carneiro (1977), os golpes mais comuns da capoeira são:

  • Aú (ou “salto mortal”): flexionando o corpo, as mãos no chão, o capoeira descreve no ar um semicírculo com os pés, voltando à posição ereta a dois metros do ponto em que se encontrava antes.

  • Bananeira: apoiado nas mãos, as pernas para cima, o capoeira atira os pés contra o rosto ou o peito do contendor.

  • Chapa-de-pé: o capoeira distende a perna de maneira a alcançar, com a planta do pé, a cabeça ou o peito do oponente.

  • Chibata: em movimento semelhante ao aú, o capoeira desfere, do alto, uma das pernas, retesada, sobre o adversário.

  • Meia-lua: fazendo pião num dos pés, o capoeira distende a perna, em ângulo reto com o corpo, e gira na direção do comparsa.

  • Rabo d’arraia: com as mãos no chão, o capoeira atira ambas as pernas (mais ou menos em ângulo reto com o corpo) contra os calcanhares do parceiro, promovendo a sua queda.

  • Rasteira: o capoeira, meio sentado no chão, apóia-se nas mãos e descreve um arco com uma das pernas, de maneira a bater no calcanhar do companheiro, fazendo-o desequlibrar-se.

  • Tesoura: estando o “camarado” de pé, o capoeira se joga ao comprido no chão de modo a prender-lhe as pernas, lateralmente, entre as suas, derrubando-o.

    Há golpes menores, complementares dos principais. O escorão (a planta do pé no ventre do contrário) parece uma variante da chapa-de-pé. Pertence ao mesmo gênero a calcanheira (golpe de calcanhar). Quando o capoeira, em pleno movimento no ar, é derrubado por qualquer golpe, configura-se o tombo da ladeira. Em todos esses golpes vale muito mais a destreza do que a força muscular.

A Negaça e a Malícia

    A base da luta era a negaça, o engano, o floreio, diz Moura apud Capoeira (2000).

    Este visava desnortear o oponente, enganando-o com trejeitos de corpo, de mãos, de pés, tronco, cabeça, ou de tudo isso conjugado formando o que se chamava ‘jogo de corpo’, para atingi-lo imprevistamente, ou seja, de ‘corpo aberto’, num determinado golpe de ataque. Somente assim os golpes surtiam efeito entre adversários habilidosos”. A negaça era realmente a essência da luta: quem negaceava com desenvoltura, com destreza, com habilidade, dava sempre seus golpes no momento certo e com segurança nos pontos visados, e se esquivava com maestria dos golpes desferidos pelo adversário. (MOURA apud CAPOEIRA, 2000:117).

    Como explica Capoeira (2000), se a base do jogo é a negaça, a chave do desenvolvimento é a malícia. A “malícia” não depende da força, agilidade, coragem ou forma física. Temos que voltar cinqüenta anos – ao período de ouro da tradicional capoeira angola – para melhor entender o assunto.

    Conta ele que naquela época o que interessava era esta “malícia”. Os golpes e as quedas também existiam, mas eram muito menos importantes: com um golpe ou uma queda pode-se resolver um jogo dentro de uma academia, mas na roda da malandragem, nas ruas e nas madrugadas o jogador tinha consciência de que poderia resolver muscularmente uma disputa, mas no mês seguinte o adversário talvez o esperasse de emboscada num canto escuro [...] uma navalhada na jugular e morria-se sem entender o que tinha acontecido.

    Por isto o “angoleiro” – praticante da tradicional capoeira angola –, ligado diretamente à vida e não ao mundo fictício de uma academia, sabia que o essencial não era um conhecimento técnico de golpes, mas uma certa astúcia que o ajudaria a trafegar nas mais diversas situações. E, no jogo, o capoeirista aprendia a lidar com estas situações segundo o fundamento e a filosofia da capoeira, cuja pedra-chave é justamente a “malícia”, conclui.

Instrumentação: berimbau, atabaque, pandeiro

    Araújo (2005) lembra de uma declaração dada por Mestre Bimba ao Jornal do Brasil: “nos tempos dos escravos de Angola a capoeira não tinha instrumento nenhum”. E reforça que o emprego de instrumentos no jogo da capoeira antes da criação do estilo Regional pode ter sido pelo talento musical dos praticantes, visto que em diversas documentos históricos que reproduziram festas dos negros da época, sempre estavam presentes diversos instrumentos musicais, “não se podendo associar o uso do berimbau ou mesmo de outro qualquer instrumento sonoro à manifestação aludida” (ARAÚJO, 2005).

    De qualquer forma, outras referências fazem alusão aos instrumentos na capoeira desde por volta de 1538, no século XVI, e hoje a instrumentação é parte fundamental no jogo da capoeira e, portanto, segundo Carneiro (1977) sobre o berimbau, Koster o registrou em Pernambuco, em 1816, numa tradução de Luís da Câmara Cascudo, como “um grande arco com uma corda tendo uma meia quenga de coco no meio, ou uma pequena cabeça amarrada. Colocam-na contra o abdome e tocam a corda com o dedo ou com um pedacinho de pau”.

    Carneiro afirma que não há como classificar o berimbau senão como instrumento cordofone. E, se podemos identificá-lo com o humbo e o rucumbo, não há razões válidas para negar sua origem africana.

    “Os instrumentos cordofones pertencem a ciclos culturais mais adiantados; por isso os existentes primitivamente no Brasil não parecem ter origem negra, à exceção talvez, da viola de arame” (Ramos apud CARNEIRO, 1977).

    Ainda sobre o berimbau, diz Carneiro (1977): “[...] Manuel Querino o dá como acompanhamento musical da capoeira – e não do treinamento, digamos, de profissionais, mas de amadores. Fazia o ritmo para o brinquedo, antecessor da vadiação atual. É de supor que somente neste século [XX], e na Bahia, o berimbau se tenha incorporado ao jogo de Angola, de maneira insubstituível, dominante e caracterizadora”.

    Foi, a partir de então, provavelmente, que o instrumento se fez mais comprido, que o arame substituiu de vez a corda de fio ou de tripa e que o berimbau se enriqueceu com o caxixi e a moeda de cobre, dobrão, 40 réis ou dois vinténs do tempo do Império, com que o conhecemos agora, explica Carneiro (1977).

    Quanto ao atabaque e o pandeiro, alguns autores como Oliveira (2000), apontam origem distinta às citadas na compilação sobre a bateria da capoeira criada pelo Grupo Bantu de Capoeira Angola.

    Sobre o pandeiro, o Grupo Bantu diz ser de origem indiana, feito de couro de cabra e madeira, introduzido no Brasil pelos portugueses, que o usavam para acompanhar as procissões religiosas. Já Oliveira (2000), diz que o pandeiro é de origem asiática, mas concorda que era usado pelos portugueses, em Portugal e no Brasil, em procissões. Contudo, dizem os dois que a batida cadenciada do pandeiro acompanha o berimbau e o caxixi, com floreios e viradas.

    Do atabaque, Oliveira (2000) diz ser de origem afro-brasileira, muito usado nos rituais de candomblé. Mas na compilação do Grupo Bantu,o atabaque aparece como de origem árabe, introduzido na África por mercadores que entravam no continente através dos países do norte, como o Egito. O atabaque é responsável pela marcação rítmica na capoeira.

Considerações finais

    É preciso dizer da característica primordial da capoeira: o jogo, ou dança, ou luta mas sempre em roda. Como aponta Silva (2003), a roda é o espaço onde se faz uma “espécie de disputa dançada”. Reforça ainda a questão dos símbolos e signos representativos presentes na roda de Capoeira. A roda, como um mundo simbólico, irá nos apresentar vários componentes que associam o mundo social, político, cultural e religioso (SILVA, 2003:91).

    Dessa incerteza conceitual entre dança, jogo ou luta, diz Santos (2002) que a Capoeira encontra suas raízes nas tradições culturais da população brasileira, fazendo com que o ritmo dos seus movimentos brote espontaneamente do seu interior, como forma de sua expressão corporal. O ritmo dos seus movimentos assemelha-se ao encontrado nas nossas danças populares (o requebro do Samba, ou os passos do Frevo), tornando-se uma síntese de dança, jogo e luta.

    E não menos importante é o caráter de movimento social da capoeira no século XX. Há um forte axioma luta e liberdade ou até, luta e(por) liberdade, já que a capoeira servia para a defesa da liberdade do negro liberto contra a repressão policial. Siega (2002) ainda acrescenta que a capoeira

    Faz parte do folclore e da cultura dos brasileiros. É ensinada em academias, clubes, praças, escolas e universidades, constituindo-se em atividade física capaz de desenvolver todas as qualidades físicas e psicomotoras, promovendo melhoria na auto-confiança e auto-estima de seus praticantes. Colabora para a sociabilização da criança, do adolescente e do adulto. (SIEGA, 2002:11).

    Ao realizar este estudo podemos identificar de forma clara a enorme contribuição da Capoeira para o encontro de nossa identidade cultural. Foi de grande valia a capoeira metodizada, apresentada por Mestre Bimba, para a instituição de uma ginástica nacional, quando se abdicou de métodos estrangeiros e abraçou-se nossas origens. Quanto à divisão da Capoeira em Angola e Regional, como diz Mestre Bola Sete (1997), “o que difere realmente a Angola da Regional é, principalmente, a filosofia empregada nas duas escolas” (MESTRE BOLA SETE, 1997).

    Sobre a questão folclórica da Capoeira, serve como possibilidade de um novo estudo, pois se Capoeira é folclore, a partir disso ficam os seguintes questionamentos: folclore se modifica ou se amplia? Folclore é mutável ou agregador de acordo com seu tempo e seus cultuadores? Que influências as mudanças sofridas no contexto em que a Capoeira está inserida afetam esse jogo?

Notas

  1. “É a partir desta forma inicial que o famoso Mestre Bimba cria outra variante, a chamada Capoeira Regional, forma que hoje se expande por todo o Brasil, chegando até a outros países” (Frigerio apud VIEIRA, 1995).

  2. Fonte: http://www.capoeirabrasil-ce.com.br/historia/capoeira_angola.html, acesso em 21/05/2004.

  3. Fonte: http://www.capoeiradobrasil.com.br/pastinha.htm, acesso em 25/05/2004.

  4. Fonte: http://www.softline.com.br/capoeira/pastinha/htm, acesso em 21/05/2004.

  5. “O humbo é o tipo dos instrumentos de corda. Consta geralmente da metade de uma cabaça, oca e bem seca. Furam-na no centro em dois pontos próximos; à parte fazem um arco como de flecha, com a competente corda. Amarram a extremidade do arco, com uma cordinha do mato, à cabaça, por via dos dois orifícios; então, encostando o instrumento à pele do peito, que serve neste caso de caixa sonora, fazem vibrar a corda do arco, por meio de uma palhinha”.

    • “... espécie de guitarra de uma só corda a que o corpo nu do artista serve de caixa sonora” (Ladislau Batalha. Costumes Angolenses; Lisboa, 1890).

  6. “Caxixi são cestos entrelaçados enchidos com pequenas contas, conchas, pedras ou feijões. Por serem feitos à mão eles existem em vários formatos e tamanhos. Originalmente o caxixi era usado com o berimbau na música de capoeira, mas hoje ele é encontrado criando ritmos e cores em diversos estilos” http://www.solnascentepinda.hpg.ig.com.br/caxixi/htm.

  7. Fonte: http://www.terravista.pt/nazare/4040/bateria.html, Acesso em 21/05/2004

Referências

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