Jogos Escolares da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer de Curitiba. Uma análise a partir da teoria reflexiva |
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*Aluno da pós-graduação do Departamento de Educação Física **Professor da graduação e pós-graduação do Departamento de Educação Física ***Professor
de Educação Física |
Carlos Eduardo Pijak Junior* Fernando Marinho Mezzadri** Vitor Broca*** |
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Resumo O objetivo do presente artigo é a apresentação dos conceitos e instrumentos de análise sociológica, no caso, a teoria reflexiva de Pierre Bourdieu para compreendermos a estruturação, o funcionamento, e os agentes envolvidos nos Jogos Escolares de Curitiba. Dessa forma é preocupação deste ensaio colaborar com um melhor entendimento dos fenômenos esportivos, contribuindo com possíveis exercícios para a análise sociológica. Unitermos: Esporte. Teoria reflexiva. Jogos Escolares
Abstract The aim of this paper is the presentation of concepts and tools of sociological analysis in the case, the reflexive theory of Pierre Bourdieu to understand the structure, operation, and those involved in the Games School of Curitiba. Thus this test work is concerned with a better understanding of phenomena sports, helping with exercises for the possible sociological analysis Keywords: Sport. Reflexive theory. Games School |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 141 - Febrero de 2010 |
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Introdução
No ano de 1972 começa a implantação de uma metodologia padronizada para as aulas de educação física na cidade de Curitiba. Esta metodologia era voltada, principalmente, para a iniciação esportiva com o intuito de educar para a prática esportiva e selecionar alunos para campeonatos futuros.
O aumento do número de escolas da rede municipal e os novos projetos de responsabilidade da Divisão de Educação Física, fizeram com que, em 1973, fosse dada uma nova estrutura organizacional à Divisão, dentre eles, criou-se o Serviço de Promoções Esportivas, sob responsabilidade do Professor José Luiz Amalio de Souza.
Com o objetivo de melhorar a qualidade das aulas de educação física e preparar as equipes das escolas municipais para o I Jogos Infantis do Município de Curitiba, inicia-se, o Programa de Aperfeiçoamento Técnico Pedagógico, onde os professores recebiam informações atualizadas e orientações sobre regras esportivas, adaptadas à faixa etária.
A Divisão de Educação Física com o Serviço de Promoção Esportiva organizou o I Jogos Infantis do Município de Curitiba, com a participação de 11 escolas municipais, ofertando as seguintes modalidades: Atletismo, Basquetebol, Dama, Ginástica de Solo, Handebol e Voleibol.
No calendário esportivo do ano seguinte foi programada a realização dos II Jogos Infantis do Município de Curitiba, a serem disputados por educandos de ambos os sexos e, regularmente, matriculados em estabelecimentos de ensino municipal, estadual e particular. A participação se expande, na tentativa de massificar e fortalecer os jogos.
O ano de 1975 foi marcado por mudanças e pelo sucesso. O programa de Educação Física para as escolas, mostrou-se ser uma ferramenta de grande valia para os professores na formação dos educandos. Nele estavam contidos todos os objetivos a serem atingidos em cada etapa do desenvolvimento do aluno. O entusiasmo dos professores fez com que, para os anos seguintes, o programa fosse aprimorado, apresentando, além dos conteúdos programáticos, os objetivos específicos que deveriam ser atingidos em cada aula, com sugestões de estratégias que poderiam ser aplicadas. Este novo programa, foi muito bem aceito, de tal modo, que passou a ser utilizado por várias escolas particulares da cidade e levado para ser aplicado em outras cidades do estado.
Os II Jogos Infantis fizeram tanto sucesso que foi necessário programar para os anos seguintes a realização de jogos para outras categorias.
No ano de 1976 foram realizados os I Jogos Colegiais para alunos de até 18 anos, os II Jogos Mirins para alunos até 12 anos e os III Jogos infantis do Município de Curitiba. Este teve seu desfile de abertura, no dia da inauguração do Centro de Treinamento Modelo de Curitiba, atualmente conhecida como Praça Oswaldo Cruz, onde funciona o Centro de Esporte e Lazer Dirceu Graeser, com a participação de 95 escolas e aproximadamente 2.500 atletas, o maior evento esportivo realizado na cidade até aquela data. Para atender todas as faixas etárias e oportunizar uma maior participação de atletas, foi programada para o ano seguinte a realização dos I Jogos Infanto-Juvenil Colegial do Município, que fez também grande sucesso.
Os estabelecimentos de ensino que participavam dos jogos cresciam no conceito da população, o que aumentava sua responsabilidade na formação das equipes, isto fez com que muitos mantivessem suas equipes em treinamentos contínuos, o que melhorou muito a qualidade técnica dos atletas e dos jogos. Foram inúmeros os participantes dos jogos municipais que chegaram às seleções brasileiras.
No ano de 1977 aconteceu a consolidação dos programas ofertados pela Divisão de Esporte. Os jogos escolares tiveram grande aceitação pela sociedade e o Programa de Educação Física Escolar, é reeditado até hoje com grande sucesso.
Atualmente, a responsabilidade técnica dos jogos é do Departamento de Esporte, da Secretaria Municipal do Esporte e Lazer (SMEL), que tem como missão fomentar práticas de esporte, lazer e atividades físicas ao cidadão curitibano, sempre pensando no seu bem estar, na promoção social e na inserção na sociedade. Os jogos, agora chamado de Jogos Escolares da Grande Curitiba, abrange estudantes de ambos os sexos, matriculados em estabelecimentos de ensino regular fundamental e médio das redes municipal, estadual, federal e particular do município de Curitiba e Região Metropolitana. É dividido em 05 categorias com diferentes faixas etárias: Jogos Pré-Mirins da Grande Curitiba, que atinge alunos de 11 a 13 anos de idade, Jogos Mirins da Grande Curitiba, que atinge alunos de 12 a 14 anos de idade, Jogos Infantis da Grande Curitiba, que atinge alunos de 13 a 15 anos de idade, Jogos Infanto Juvenis da Grande Curitiba, que atinge alunos de 14 a 16 anos de idade e os Jogos Juvenis da Grande Curitiba, que atinge alunos de 15 a 17 anos de idade.
Os jogos são disputados em 08 modalidades individuais e coletivas: Atletismo, Mini Basquetebol, Basquetebol, Futebol, Futebol de Salão, Handebol, Voleibol e Voleibol de Praia, que tem como objetivo desenvolver o intercâmbio esportivo e cultural entre os estudantes, valorizando o caráter educativo, promovendo o esporte como resultante das atividades desenvolvidas na comunidade escolar.
As inscrições dos estabelecimentos de ensino são realizadas através da internet, o principal veículo de comunicação entre a organização e os participantes, na web é possível acompanhar o resultado de todos os eventos, visualizar o regulamento e as notas oficiais.
As modalidades coletivas são realizadas sempre no período da tarde de segunda a sexta-feira e o atletismo no final de semana. O local dos jogos é definido em parceria com terceiros, nos Centros de Esporte e Lazer ou nas próprias instituições participantes.
De maneira organizada, regulamento próprio e com uma equipe técnica na comissão de ética, os jogos vêm se destacado na sociedade de maneira satisfatória, em 2008 os eventos escolares tiveram a participação de 87 instituições de ensino e 9.200 atletas cadastrados, uma margem expressiva no calendário esportivo da Secretaria, a facilidade com que a organização e as escolas conduzem os eventos faz com que a demanda e a participação cresça ano após ano, trazendo ao munícipe de Curitiba e Região o prazer de participar, seja como atleta, dirigente, organizador ou apenas o apreciador que preenche as arquibancadas para ver jogos de nível técnico e educativo.
Instrumentos de análise: conceitos da teoria reflexiva de Pierre Bourdieu
Quando pensamos em uma análise de um fenômeno social devemos nos preparar com instrumentos e conceitos que subsidiem nossa discussão. No caso deste artigo pretendemos apresentar os conceitos da teoria refleixa de Pierre Bourdieu, o que consideramos atuais e de grande utilidade na discussão do fenômeno esportivo.
Para compreendermos as interelações existentes no interior do campo esportivo, especificamente nos Jogos Escolares de Curitiba, bem como as disputas travadas no interior do mesmo, não basta apenas a conceituação dos instrumentos que fazem parte da teoria dos campos. É necessário entender a forma que Bourdieu observa a sociedade, para que a utilização da teoria dos campos seja feita de forma apropriada. Segundo CANAN (2008):
Bourdieu trata os fenômenos sociais a partir de uma cadeia de interrelações entre diversos e diferentes componentes da sociedade, que disputam o poder relativo a um objeto comum. As posições e as relações estabelecidas entre cada agente ou entre grupos de agentes, mutáveis durante o decorrer das disputas, são primordiais para o entendimento dos conceitos do autor. Esta cadeia de interrelações, embora considere as diferenças entre as classes sociais, não é definida por estas, mas sim, pelos objetos em disputa. (CANAN, 2008, p.25)
Quando na citação acima destacamos “diversos e diferentes componentes” percebemos a preocupação de Bourdieu no entendimento das relações dinâmicas entre os atores e as estruturas. Segundo ORTIZ (1994) a problemática do autor está centrada essencialmente na mediação entre o agente e a estrutura. Para elucidarmos as relações existentes entre o agente e a estrutura, e nos apropriarmos devidamente dos preceitos bourdianos utilizaremos a abordagem feita por Marchi Jr. (2001) que cita o conhecimento praxiológico, a noção de habitus, e o conhecimento de campo como temáticas centrais desse autor.
O conhecimento praxiológico surge da necessidade que Pierre Bourdieu possuía de avançar na discussão dos fenômenos sociais. Ele apresentava-se sempre contrário aos dualismos da ciência, como divisões existentes entre o ser social e a sociedade, o subjetivismo e objetivismo, e até mesmo propõe a integração de escolas aparentemente antagônicas como fica claro quando Bourdieu afirma que:
Desde o começo de meu trabalho, pareceu-me que seria possível fazer com que a sociologia progredisse decisivamente se conseguisse reunir os conhecimentos, na aparência antagônicos, e em todo o caso, dispersos, desta disciplina; se, em outras palavras, conseguisse integrar, sem recorrer a conciliações retóricas ou a compromissos ecléticos, as tradições simbolizadas pelos pais fundadores: Marx, Durkheim, Weber, e a superar as oposições, epistemologicamente fictícias mas socialmente reais, entre os teóricos e os empiristas (Bourdieu, 1994, p.38)
Além de ficarem claro nesta citação quais foram as influências teóricas de Pierre Bourdieu para construção de seu arcabouço teórico, é nítida a sua preocupação de estabelecer uma nova possibilidade de “enxergar” os fenômenos sociais. Nessa linha de raciocínio “emerge nas reflexões de Bourdieu o conhecimento que pretende articular dialeticamente objetivismo e subjetivismo, ator e estrutura social, o qual é chamado de praxiológico” 1
Segundo Setton (2002) o conhecimento praxiológico surge de um problema metodológico, que propõe a mediação entre o indivíduo e a sociedade. Para Ortiz (1994) a construção tanto do conhecimento praxiológico, como da noção de habitus, e o entendimento do campo perpassaram pelo amadurecimento teórico, que se expressou pela conciliação de duas leituras até então vistas como antagônicas e contraditórias.
Para Bourdieu (1983b) o mundo social é objeto de três formas de conhecimento teórico. O fenomenológico que considera:
(...) a verdade da experiência primeira do mundo social, isto é, a relação de familiaridade com o meio familiar, apreensão do mundo social como natural e evidente, sobre o qual, por definição, não se pensa, e que exclui a questão de suas próprias condições de possibilidade. O conhecimento que podemos chamar de objetivista constroem relações objetivas, que estruturam as práticas e as representações práticas ao preço de uma ruptura com esse conhecimento primeiro e, portanto, com os pressupostos tacitamente assumidos que conferem ao mundo social seu caráter de evidência e natural. (...) Enfim, o conhecimento que podemos chamar de praxiológico tem como objeto não somente o sistema das relações objetivas que o modo de conhecimento objetivista constrói, mas também a relação dialética entre essas estruturas, e as disposições estruturadas nas quais elas se atualizam e que tendem a reproduzi-las, isto é, o duplo processo de interiorização da exterioridade e exteriorização da interioridade. (Bourdieu, 1983b, p. 46-47)
Com isso, da necessidade de conciliar a realidade exterior e as realidades individuais, surge o conceito de habitus. A realidade exterior representada por estruturas sociais, que constituem o meio social, podem ser interiorizadas como forma de regularidades que produzirá um sistema de disposições duráveis, conciliando o ator e o campo, constituindo o habitus.
Antes de avançar na discussão é necessário que não se confundam os conceitos de “hábito”, com o habitus estabelecido por Pierre Bourdieu, como também cabe estabelecermos, de forma pontual, como este conceito está inserido na sociologia. Apesar da aparência na grafia as duas expressões apresentam distinção nas ciências sociais. Enquanto o hábito oriundo latim habitu é definido como uma inclinação, uma disposição para agir do mesmo modo em determinadas situações,
2 o habitus possui uma construção histórica no interior das ciências sociais. Segundo Wacquant (2005) o termo habitus tem origem na noção aristotélica de hexis, elaborado na sua doutrina sobre virtude, e no decorrer da evolução do pensamento autores como Weber, Elias, Durkheim entre outros se utilizarão de tal conceito com diferentes abordagens. Pierre Bourdieu de acordo com Dubar (1997) utilizou o termo habitus, originário de Durkheim, que preconizava existir no ator social “uma disposição geral do espírito e da vontade que possibilita uma visão das coisas numa determinada perspectiva” (Dubar, 1997, p.66); disposição esta incorporada pelo indivíduo que lhe orientaria em sua vida, o que ele intitulava educação.A principal modificação do conceito de habitus de Durkheim para o de Bourdieu era que a deste possui uma natureza dialética, que considera as relações entre o agente e a estrutura social, compreendendo suas interrelações no aparecimento de “princípios geradores de práticas distintas e distintivas(...)” (Bourdieu, 1994, p.22). Segundo Marchi Jr (2001) outra distinção do termo hábito, é que o “habitus é algo adquirido e encarnado no corpo de forma durável e com o contorno de disposições permanentes” (p.42), e o hábito é mecânico, meramente reprodutivo.
Portanto o conceito de habitus sistematizado por Bourdieu (2005) surge da necessidade de compreensão dos fenômenos que lhes era percebido de acordo com suas incursões empíricas; apreender as relações entre os agentes e as estruturas, e os condicionantes sociais. Bourdieu (2005) define “habitus” como um sistema de disposições, que atuam no cotidiano como esquemas de pensamento percepção e avaliação ou julgamento. Ou ainda “um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a cada momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações” (Bourdieu, 1983, p.65).
Assim o habitus pode ser entendido como “um sistema de disposições adquiridas pela aprendizagem implícita ou explícita que funciona como um sistema de esquemas geradores, e é gerador de estratégias que podem ser objetivamente afins aos interesses objetivos de seus autores sem terem sido expressamente concebidas para este fim.”(Bourdieu, 1983, p. 94)
Dessa maneira podemos entender o habitus como uma segunda natureza do agente que determina e direciona as ações do indivíduo no interior da sociedade,
3 que traz implícita nestas ações a interiorização da exterioridade, e a exteriorização da interioridade (Bourdieu, 2003). E outras palavras essa segunda natureza é a “essência” do indivíduo influenciado pelo meio externo, que é exteriorizada durante a ação com fins, objetivos específicos a serem atingidos, mesmo que estes indivíduos muitas vezes atuem de forma inconsciente. Exemplificando nas palavras do sociólogo francês,“habitus são sistemas de disposições duráveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, como princípio gerador e estruturador das práticas e representações que podem ser objetivamente “reguladas” e “regulares” sem ser o produto de obediência a regras, objetivamente adaptadas a seu fim sem supor a intenção consciente dos fins e o domínio expresso das operações necessárias para atingi-los e coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação organizadora de um regente” (Bourdieu, 2003, p.53)
Na medida em que fica claro que o habitus é um sistema de disposições estruturado, que funcionam como estruturas estruturantes, segundo Marchi Jr (2001) estes podem ser individual e social. Individual na medida em que cada um dos indivíduos possui sua história, trajetória, e internaliza formas singulares de esquemas que irão predispor na influenciar as ações, como também pode ser um habitus social, em que todo um grupo é submetido a certos condicionamentos sociais, de acordo com seus posicionamentos no interior das estruturas sociais.
Dessa forma em nosso trabalho entendermos quais são os habitus dos agentes e compreender como eles o interiorizaram, nos possibilitará o entendimento de sua concepção de esporte, e como visualizam esses projetos. Por conseguinte diagnosticarmos quais são as intencionalidades existentes em cada um deles, quais são os objetivos dos agentes, e como o habitus dos gestores (com maior capital acumulado) estará influenciando na oferta dos Jogos Escolares de Curitiba, e nas relações estabelecidas no interior do campo entre os demais agentes.
É interessante que fique esclarecido que o habitus para Bourdieu é entendido como a forma de agir do indivíduo de acordo com suas experiências passadas, seu capital acumulado, e o seu posicionamento no interior do campo. Ou seja, as noções de campo e capital são importantes nas escolhas individuais e nas posições ocupadas por estes e que determinarão a prática de determinado esporte, vestir-se com determinada roupa, ter seus hábitos alimentares, seus posicionamentos políticos. Por essa razão “Bourdieu estabelece a teoria dos campos considerando o ator social em função das relações objetivas que regem a estruturação da sociedade, ou seja, uma relação dialética entre situação e habitus” (Marchi Jr., 2001, p.44).
O campo segundo Bourdieu (1983) é espaço social delimitado e ocupado pelos agentes, pelas instituições e pelas estruturas que compõem determinada atividade. No interior desse campo são travadas lutas, disputas concorrenciais, interações, que são estabelecidas em função do papel ou posição ocupada pelo indivíduo. Esta posição é marcada pelo potencial de poder de cada indivíduo, indicada pelo capital social, econômico ou cultural de cada um. Por meio dessas relações de poder cada agente possui habitus e interesses específicos, que estão em jogo no interior do campo.
Ainda, um campo pode ser definido como “espaços estruturados de posições (ou de postos) cujas propriedades dependem das posições nestes espaços, podendo ser analisadas independentemente das características de seus ocupantes (em parte determinadas por elas).” (Bourdieu, 1983, p. 89). Para Ortiz (1994) é “o lócus onde se trava uma luta concorrencial entre os atores, em torno de interesses específicos que caracterizam a área em questão” (p.19).
Ao estabelecermos o conceito de campo cabe ressaltar que Pierre Bourdieu o desenvolveu através de estudos empíricos e incessante incursão a realidade social. Seus mais diversos trabalhos, em diversas esferas sociais (literatura, alta costura, política) lhe garantiram o desenvolvimento de um conceito utilizável aos mais diferentes campos existentes na sociedade. Isso explicado pelo fato de Bourdieu diagnosticar regularidades sociais as quais chamou de “normas de funcionamento invariantes”. Essas semelhanças nos permitem utilizar os instrumentos de Bourdieu para análise de qualquer campo, já que a teoria geral agrega o entendimento das leis específicas dos campos. O que diferencia um campo de outro, e lhes garantem a especificidade, são os diferentes objetos de disputa e os capitais acumulados pelos agentes no interior de cada um destes.
Como esclarecido anteriormente o campo é o local onde são travadas disputas e interações por interesses específicos, mas cabe ressaltar que estas são desenroladas de formas desiguais entre agentes que possuem acumulados diferentes capitais. Em outras palavras cada agente vai para o “jogo” com suas armas, em busca de melhores condições e delimitação de um melhor posicionamento no campo; quanto mais armado estiver um agente (com mais capitais acumulados) maiores são as possibilidades de êxito em relação aos outros agentes desarmados (com poucos capitais). Para Bourdieu (1983) é um campo de lutas pelo poder, entre agentes com diferentes potenciais de poder; um espaço de jogo, tendo em comum o fato de possuírem uma quantidade de capital específico (econômico, cultural, social, simbólico) suficiente para ocupar posições dominantes no seio de seus respectivos campos, afrontam-se em estratégias destinadas a conservar ou a transformar essa relação de forças.
Entendido quais os elementos que influenciam as disputas no campo cabe aprofundarmos o conceito de capital, que é fundamental para o entendimento das relações estabelecidas no interior dos campos, e que serão importantes para o entendimento das relações existentes entre os agentes no interior do campo estabelecido pelos Jogos Escolares de Curitiba.
Em uma explicação reducionista o capital de um agente é a quantidade de capital que este possui no interior do campo, e que lhe utilizará nas mais diversas relações estabelecidas. Quanto mais capitais acumulados possuir um agente, maior será seu potencial de poder; genericamente definido como um recurso.
4 Segundo Bourdieu (1994) essa diferença entre a quantidade de capitais que cada agente possui faz com que existam diferentes quantus de poder, o que resulta na divisão entre aqueles que possuem mais poder, e que visam conservar a ordem do jogo e da distribuição de capital, os dominantes. E aqueles que pouco ou nenhum capital detém, e que buscam nas lutas travadas no interior do campo a modificação da ordem estabelecida, ou seja, os dominados, que buscam melhorar sua significação e posicionamento no interior das relações do campo.Cabe ressaltar que para Bourdieu não apenas o capital econômico é considerado, mas outros capitais específicos, e que podem se diferenciar em importância dependendo dos objetos de disputa de cada campo, e por vezes um acúmulo de determinado capital em um campo, pode não garantir um posicionamento privilegiado em outro campo. Podemos citar como exemplo o conhecimento técnico de um técnico desportivo, com muitos títulos conquistados, e experiência internacional, que no campo esportivo significará maior capital acumulado em relação a outro profissional com menos conhecimento, mas que no campo econômico estes capitais podem não garantir posicionamento privilegiado no interior das relações deste lócus. Ou seja, para Bourdieu cada campo possui capitais específicos que orientaram a posição dos agentes em seu interior; que capitais específicos podem ser conceituados como o “capital que vale em relação a um certo campo (...) dentro dos limites do campo”.
5 Assim o capital específico do técnico desportivo citado acima “só é convertível em outras espécies de capital sob certas condições”,6 podendo também não ser possível essa transferência.Assim para Bourdieu (1983) o capital define-se como a capacidade de acumulação de capitais dos agentes; é a capacidade de acumulação de capital dos agentes que define o campo. Também é necessário esclarecer que esse capital não necessariamente é material, ou econômico, ele pode ser constituídos de bens simbólicos. Entre as proposições de capital que fez Pierre Bourdieu recebeu substancial destaque, (e para o sociólogo, os que mais exerciam influência nas relações internas ao campo) o capital social, cultural, econômico e simbólico.
O capital social pode ser definido como a quantidade de recursos que os agentes possuem para manter relações duráveis com outros agentes; poderíamos fazer uma analogia ao conceito contemporâneo network, uma rede sólida de relações com outros agentes que lhe garantam inserção e posicionamento privilegiado no campo.
"O capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados à posse de uma rede de relações mais ou menos institucionalizadas de interconhecimento e inter-reconhecimento, ou, em outros termos, à vinculação a um grupo como conjunto de agentes que não somente são dotados de propriedades comuns (...) mas também, são unidos por ligações permanentes e úteis (Bourdieu, 1983 p. 67)".
Já o capital econômico é análogo ao capital proposto por Marx, por ser representado pelos bens materiais, e quantidade de pecúnio acumulado pelo agente. Este capital é conservado independente do campo ao que estiver inserido o agente, o que se altera é a importância, e a efetividade dada a este capital em diferentes campos.
7O entendimento de capital cultural para Bourdieu faz referência a quantidade de bens culturais. Entre estes bens podemos citar a escolaridade, um título de pós-graduação, diversos certificados, o conhecimento adquirido através da leitura de livros, as formas de agir de acordo com as influências recebidas por uma educação presente dos pais. Outro fator que deve ser relevado quando falamos de bens culturais é que muitas vezes não se apresentam como riqueza material, e sim sua valorização é simbólica. Como exemplo podemos citar a valorização acadêmica de um professor com título de doutor, para outro docente que não possua esta titulação. Mesmo ambos podendo desenvolver satisfatoriamente a docência em uma universidade, aquele com maior titulação terá maior capital cultural para conseguir a vaga em uma possível entrevista de emprego.
Essa noção de capital cultural foi construída por Bourdieu para que este pudesse compreender as desigualdades existentes a noção de capital cultural surge da necessidade de se compreender as desigualdades de desempenhos escolares entre os indivíduos que eram oriundos dos mais diferentes grupos sociais.
8 Mesmo identificando o fator econômico como uma das variantes no desempenho escolar, não considera a única variável a ser considerada; pelo contrário a sociologia de Pierre Bourdieu diminui o peso do fator econômico em relação ao fator cultural, na explicação das desigualdades escolares.9 Julgamos ser importante essa consideração para nosso trabalho para o entendimento de quais são os objetivos dosAinda Bourdieu (1998) entende que o capital cultural pode existir sob três formas: capital incorporado, o capital objetivado, e em seu estado institucionalizado.
No estado incorporado, o capital cultural apresenta-se como disposições duradouras nos agentes, como os gostos, o domínio da língua da forma culta, valores trazidos da educação dos pais, e maiores informações sobre o mundo escolar. A acumulação desta forma de capital cultural segundo Bourdieu (1998) demanda que sua incorporação seja feita mediante um trabalho de inculcação e assimilação. Este trabalho é moroso, longo e exige que seja realizado diretamente pelo agente.
O capital cultural no seu estado incorporado pode também ser entendido como uma herança familiar, ou seja, quanto maiores as oportunidades de acesso a estes bens maiores são as chances de serem perpetuados a posição destes agentes, facilitando o domínio da língua culta, e consequentemente dos conteúdos escolares; que pode ser materializado como uma ponte da família com o mundo da escola. No estado objetivado, o capital cultural existe sob a forma de bens culturais, tais como esculturas, pinturas, livros, etc. Para possuir os bens econômicos na sua materialidade é necessário ter simplesmente capital econômico, o que se evidencia na compra de livros, por exemplo. Todavia, para apropriar-se simbolicamente destes bens é necessário possuir os instrumentos desta apropriação e os códigos necessários para decifrá-los, ou seja, é necessário possuir capital cultural no estado incorporado. No estado institucionalizado, o capital cultural materializa-se por meio dos diplomas escolares.
O capital simbólico
10 “é um crédito, é o poder atribuído àqueles que obtiveram reconhecimento suficiente para ter condição de impor o reconhecimento” (Bourdieu, 2004 p. 166). Este capital é atrelado ao agente que pelo acúmulo dos mais diversos bens (cultural, econômico, cultural, social) adquiriu um status, um posicionamento, reconhecimento e poder sobre os demais agentes. Um exemplo claro é o reconhecimento dado a um profissional de educação que realiza um trabalho diferenciado em uma escola. Ele pode receber o mesmo salário, ter a mesma formação acadêmica dos demais professores, mas por possuir um reconhecimento social, destaque na comunidade, lhe garante um poder simbólico, que o confere muitas vezes o direcionamento de ações no interior do campo.Para Bourdieu (1983) para que o agente esteja inserido, e não apenas participe como espectador, mas esteja ativo e entenda o jogo, é de fundamental importância à compreensão dos capitais nas relações no interior do campo. Com esta compreensão dos conceitos de capital podemos nos atrever a supor as relações existentes no interior e na exterioridade (através das ações) dos Jogos Escolares de Curitiba. Podemos utilizando os preceitos bourdianos afirmar que essas relações ocorrem no interior de um campo específico, o campo esportivo (ou mais especificamente o subcampo do esporte escolar), onde os agentes envolvidos possuem capitais específicos que orientam seus habitus, influenciando na oferta e na demanda dos projetos, e que constroem a dinâmica das ações, em relações complexas e não lineares.
11 E essa relação dialética entre a situação e o habitus, levando o ator social em consideração, para a elaboração das teorias dos campos que Bourdieu levou em consideração para criar instrumentos de análise social.Estes instrumentos possibilitarão uma análise mais aprofundada do campo, mais especificamente para a análise dos Jogos Escolares de Curitiba, que fazem parte do campo esportivo da cidade de Curitiba. E correlacionando os conceitos apresentados até aqui de forma simplista podemos fazer uma aproximação da teoria dos campos com o esporte quando entendemos que no interior deste locus existem agentes que se inserem no campo através da aquisição de capitais específicos, e que apresentam um habitus que lhe garantem a inserção no campo esportivo.
O campo esportivo que para Bourdieu
12 surge das práticas corporais dos estudantes das public schools (escolas públicas inglesas destinadas a burguesia) que durante o século XVII se apropriaram de jogos populares, lhes atribuindo diferentes significados e funções. Segundo Bourdieu(1983) a atribuição e a normatização de regras, as relações entre os agentes com habitus, nesse caso habitus esportivo, semelhantes, garantem a consolidação e o funcionamento do campo de forma autônoma.Podemos visualizar essas características quando Marchi Jr (2001, p. 34) afirma que para Bourdieu:
As manifestações que compõem o fenômeno esportivo ocupam um espaço de práticas sociais chamado de campo, no qual se atribuem posições compatíveis com o capital social, econômico ou cultural de cada componente. No interior desse espaço, existem formas de disputas, lutas e concorrência na busca pela hegemonia de determinadas práticas, além da distinção social das pessoas envolvidas, conforme seu potencial de poder simbólico.
Especificamente o esporte para Bourdieu caracteriza-se como uma representação sociocultural, introjetada na formação da sociedade, que respeita os contornos da lógica mercantil estabelecida no universo das relações humanas. Essa definição apresenta o potencial que o esporte oferece como uma representação da sociedade, e que é ofertada para esta de acordo com lógica de mercado. Pode parecer contraditório quando falamos em lógica de mercado, já que falamos anteriormente que a teoria dos campos de Pierre Bourdieu não é economicista,
13 mas cabe esclarecermos que a lógica citada pela teoria reflexiva é dinâmica da relação entre a oferta e a demanda por determinadas práticas culturais. Ou seja, de acordo com as demandas apresentadas pela sociedade, é feita a oferta do esporte de acordo com o potencial de consumo dos agentes, que como já citamos anteriormente ocupam o interior dos campos, com distintos potenciais, posições e capitais.Assim o fenômeno esportivo é compreendido por Bourdieu (2004) como um conjunto de práticas e de consumos esportivos, oferecidos a agentes sociais por instituições para suprir uma demanda apresentada pela sociedade; e assim constituindo-se como um campo, de acordo com a teoria dos campos, o esporte passa a ter autonomia, história e funcionamento próprios. Nessa lógica além dos agentes, fazem parte as instituições, e a SME pode ser citada como uma das instituições do campo esportivo que oferta o esporte no interior do campo esportivo.
Para Bourdieu (1993) essas instituições que existem no interior do campo esportivo ofertam práticas e ações na esfera esportiva tentando atender as expectativas apresentadas através das demandas, e buscando viabilizar os interesses e valores que as pessoas, os agentes, esperam dessa oferta. Dessa forma cria-se uma rede de práticas e ações esportivas, formadas como resultado dos ajustes permanentes que se realizam dentro do então constituído campo esportivo (BOURDIEU, 1993). Analisando as ações da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer através da oferta dos Jogos Escolares de Curitiba, a utilização destes conceitos se caracterizará como um instrumento para observarmos como é feita a oferta aos participantes, como é feita a escolha das modalidades e porque estas são oferecidas.
Conclusão
Pelas possibilidades apresentadas da utilização dos conceitos de Pierre Bourdieu citadas até aqui acreditamos que a teoria reflexiva nos auxiliará de maneira substancial na pesquisa empírica. Se esta teoria objetiva revelar os fundamentos ocultos de dominação, nas relações entre os agentes no interior dos campos, este artigo contribui na discussão desses conceitos e nos convida para sua utilização na discussão das relações estabelecidas entre os agentes no interior do campo dos Jogos Escolares de Curitiba. Assim temos subsídios para avançarmos a segunda etapa de nossa pesquisa: a entrevista com os agentes onde buscaremos revelar quais os objetivos e funções dos Jogos Escolares de Curitiba, que não se apresentam de maneira explícita (poderíamos dizer que ainda estão ocultas), e que podem estar presentes no discurso dos agentes envolvidos neste subcampo formado no interior do campo esportivo.
Acreditamos que tal artigo também incitará novas pesquisas na área esportiva, com um viés mais sociológico, promovendo uma análise centrada nas relações sociais estabelecidas entre os agentes no campo esportivo.
Notas
1. Marchi, Jr (2001). Sacando o voleibol: do amadorismo a espetacularização da modalidade no Brasil (1970 a 2000). p. 37
2. Michaelis: dicionário escolar da língua portuguesa – São Paulo: Editora Melhoramentos, 2002.
3. Marchi Jr. (2001) quando esclarece os presupostos que embasaram a construção do conceito de habitus desde a formação do modus operandi, até a concepção do habitus como sendo “o produto das relações sociais”. (p. 42).
4. A noção de capital está explícita na teoria marxista, que entende a explicação das relações sociais, através das relações econômicas, considerando o capital (nesse caso benefício pecuniário) daqueles que os possuem.
5. Bourdieu, Pierre (1983). Algumas propriedades dos campos. In.: Questões de sociologia. Pág. 90.
6. Idem.
7. Pierre. Programa para uma sociologia do esporte. Coisas ditas. São Paulo. Brasiliense, 2004.
8. Bourdieu, Pierre. Os três estados do capital cultural. In: NOGUEIRA, Maria Alice & CATANI, Afranio. Escritos de Educação. Petrópolis, 1998: Vozes.
9. Bourdieu, Pierre. Os três estados do capital cultural. In: NOGUEIRA, Maria Alice & CATANI, Afranio. Escritos de Educação. Petrópolis, 1998: Vozes.
10. O poder simbólico (colocar definição anotado no caderno de citações)
11. A divisão dos conceitos da teoria dos campos de Pierre Bourdieu foram estabelecidas para facilitar didaticamente sua compreensão, mas é preciso deixar claro que esta divisão não existe e que as relações no interior dos mais diversos campos acontecem simultaneamente envolvendo todos os aspectos citados até aqui.
12. Explanações mais amplas sobre o tema são encontradas em Bourdieu, Pierre. Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004.
13. Economicismo é a teoria que explica as relações da sociedade através das relações econômicas. A mais conhecida destas teorias é o marxismo.
Referências
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Coletânea de Autores – Curitibativa - Política Pública de Atividade Física e Qualidade de Vida de uma Cidade.
Regulamento Geral – Jogos Escolares, 2009.
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