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Contribuições teóricas, reflexões e ações para a prática 

pedagógica da Educação Física escolar no Ensino Médio

Aportes teóricos, reflexiones y acciones para la práctica pedagógica de la Educación Física escolar en Escuela Media

 

*Mestrando em Educação

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Grupo de Pesquisa Corpo e Cultura de Movimento

**Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Grupo de Pesquisa Corpo e Cultura de Movimento

Mnd. Moysés de Souza Filho*

moyses@cefetrn.br

Profº Dr. José Pereira de Melo**

melo@digi.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          O presente artigo é fruto dos estudos realizados no Ateliê de pesquisa Corpo e Cultura do Movimento do Mestrado em Educação da UFRN. Descreve de forma breve o cenário do surgimento educacional da Educação Física e sua relação com as práticas corporais na sociedade moderna. Questiona a concepção científica positivista do corpo e o compreende pela percepção fenomenológica nos estudos que integram o homem à natureza e à cultura. Propõe a revisão conceitual da Educação Física nas bases da cultura de movimento como processo de ressignificação e de aproximação com a natureza humana e com a percepção estética do movimento e traz o resultado diagnóstico acerca das atividades pedagógicas da Educação Física no ensino médio em 2008, na percepção dos alunos do IFRN da Zona Norte de Natal.

          Unitermos: Corpo. Cultura de movimento. Educação Física

 

Resumen

          Este artículo es el resultado de los estudios llevados a cabo en el Taller de investigación Cuerpo y Cultura de la Maestría en Educación de la UFRN. Describe brevemente el escenario del surgimiento educativo de la Educación Física y su relación con las prácticas corporales en la sociedad moderna. Critica la concepción científico positivista del cuerpo y lo interpreta a través de la percepción fenomenológica en los estudios que integran al hombre, a la naturaleza y la cultura. Propone una revisión conceptual de la Educación Física en los fundamentos de la cultura del movimiento como un proceso de resignificación y de acercamiento con la naturaleza humana y con las percepciones estéticas del movimiento y aporta el resultado de diagnóstico acerca de las actividades pedagógicas de la Educación Física en la escuela media en 2008 en la percepción de los estudiantes del IFRN de la zona norte de Natal.

          Palabras clave: Cuerpo. Cultura del movimiento. Educación Física

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 141 - Febrero de 2010

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Relações históricas do corpo com a educação

    O surgimento da Educação Física formal sob o manto dos exercícios ginásticos ocorre ao longo do século XIX atrelada ao pressuposto da utilidade física do movimento corporal vinculado aos ideais de saúde social e ao trabalho produtivo.

    Capturado das “práticas populares tradicionais de artistas de rua, de acrobatas e funâmbulos, daqueles que apresentam o corpo com espetáculo” (Soares 2004, p. 114) e reconfigurado pelo mecanicismo fisiológico, os movimentos corporais passaram a ter uma utilidade funcional para os níveis de saúde social e de produção material associada ao crescimento econômico sob a égide do capitalismo no ocidente europeu.

    Descartava-se, portanto, a dimensão acrobática e as marcas do circo que até então estavam presentes nas práticas corporais originárias da cultura de movimento da época relacionadas ao mundo do trabalho, da arte e da cultura. Segundo Soares (2002, p. 115) “A inteireza lúdica da gestualidade da bailarina, do palhaço, dos acrobatas não cabia na sociedade prática e pragmática que se consolidava”. A atividade física fora do mundo do trabalho deveria ser útil a este mesmo trabalho.

    A ciência positivista teve um papel importante nessa mudança de perspectiva e na percepção social acerca dos pressupostos culturais do movimento corporal, dos seus meios de execução, nos seus objetivos, nas suas bases de conhecimento e em seus fins. A criatividade e a percepção artística até então expressas nos movimentos saltimbancos é substituída por uma seqüência mecânica e repetitiva de exercícios ginásticos.

    De acordo com Soares (2002, p. 18):

    Em seu lugar, e a partir daquele universo gestual reconstruído pela ciência, nasceriam as ‘séries de exercícios físicos’ pensados exclusivamente em função do bom desempenho de grupos musculares e do aprimoramento das funções orgânicas. Essas séries deveriam ser aplicadas por um profissional especializado e com finalidades bem definidas, especificas, úteis e, sobretudo, não como mero entretenimento, divertimento.

    Com essa exigência, surgia a figura do instrutor de Educação Física no cenário sócio educacional que abrangia a escola como espaço de controle da nova ordem social.

    Na instituição escolar, o discurso pedagógico que irá predominar é aquele que toma por base os preceitos científicos sobre a ginástica. “E é o seu caráter higiênico e moral alargado que contribui para a formação de outra estética, a estética da retidão” (Soares, 2004 p. 115). Corpos retos, disciplinados, sem fluência de movimento, com postura mecânica são moldados pela disciplina escolar e pelas práticas pedagógicas da Educação Física, “afastando-a desse modo, da sensibilidade, da subjetividade de quem ensina e de quem a pratica”. (Dalcroze citado por Soares, 2004, p. 118).

    Assim, toda a possibilidade de plasticidade corporal se tornava inviável na proposta da experiência do movimento no campo pedagógico da escola formal e das artes tornando as práticas corporais decorrentes da cultura de movimento das comunidades, marginais ao novo cenário social.

    A sociedade passou a conviver com uma dicotomia entre as práticas corporais e a liberdade do movimento, entre a criação e a fruição presentes na cultura de movimento e o mecanicismo fisiológico imposto pelo ‘novo padrão cultural’ da sociedade e da ciência clássica absorvido pela cultura escolar.

    Essa dicotomia presente na concepção da cultura de movimento refletia-se no campo de conflito ideológico, cultural e cientifico presente nos paradigmas do mundo ocidental voltados para a produção e desempenho e para a negação do prazer e da sensibilidade, abrangendo todas as áreas do conhecimento humano.

    De produtores de movimento, passamos a ser consumidores de técnicas de movimento balizados pela ciência anátomo fisiológica e pela pedagogia tecnicista.

    Entretanto, a cultura de movimento resiste à margem das ‘novas formas de exercitar o corpo’ e dos novos comportamentos sociais que se instalam na configuração de um modelo de sociedade que nega o valor das praticas corporais cotidianas.

    A resistência popular e artística, assim como a fabricação de práticas corporais fora do determinismo cultural, continuou gerando possibilidades incessantes de reconstrução dos movimentos corporais, através de imagens poéticas, sugerindo uma nova estética dessas práticas para além das raias do controle da sociedade.

    As maneiras de fazer surgem espontaneamente da criatividade popular e como afirma Certeau (1998, p. 40):

    A presença e a circulação de uma representação (ensinada como código da promoção sócio econômica por pregadores, por educadores ou por vulgarizadores) não indicam de modo algum o que ela é para seus usuários. É ainda necessário analisar a sua manipulação pelos praticantes que não a fabricam.

    Nesse conjunto das práticas corporais historicamente construídas pela ação cultural do homem e presentes no cotidiano, nas imagens midiáticas e na linguagem social, se encontra o logos estético da cultura do movimento corporal na sociedade contemporânea e, por isso, devem ser incorporadas aos elementos de reflexão da prática pedagógica da Educação Física.

    Trazer a vida para dentro da escola e refazê-la num movimento articulado dos tipos de conhecimento que perpassam a realidade cotidiana é uma ação cultural que terá como referência o corpo e sua conectividade com a expressividade na perspectiva humana.

    Nessa perspectiva, o corpo e sua natureza universal não podem ser compreendidos através de concepções reducionistas que o considerem isolado de sua linguagem, do seu movimento e de sua sensibilidade estética.

    Os estudos de caráter antropológico, filosófico e biocultural reforçam a tese da indissociabilidade entre corpo, natureza, cultura e sociedade, pois ocupam um espaço de relevância no mundo cientifico pós-moderno e configuram numa nova proposta para a compreensão do ser humano em sua trajetória na busca do conhecimento de si e do mundo.

    Em alguns desses estudos que abordaremos a seguir, o corpo recebe especial atenção por ser o elo essencial para a compreensão e repercussão sensível dos fundamentos dessas idéias.

Estudos de aproximação sobre corpo, natureza e cultura

    Nesse processo congruente entre corpo, natureza e cultura, localizam-se as perspectivas de aproximação e compreensão do movimento que permeiam tais categorias do conhecimento.

    Levi–Strauss citado por Mendes (2004, p.30):

    Se opõe à antropologia que separa os aspectos biológicos dos aspectos sociais e psicológicos, mostrando que a colaboração dos estudos desenvolvidos entre geneticistas e etnólogos puderam demonstrar que as relações entre evolução orgânica e cultural são análogas e complementares; suscitando que não há aptidões inatas, como preconizavam as teorias fundamentadas pelos estudos biológicos, e que defendiam que as desigualdades sociais eram consideradas como naturais.

    A concepção ideológica de dominação dos corpos, da natureza e da cultura pela ciência positivista, pertence a uma ilusão estabelecida pelo interesse de exercer o poder político a partir do método cientifico do conhecimento. Noutra perspectiva, o conhecimento popular se construiu diante das condições dadas e não possui em si, o germe do domínio cultural do homem sobre o homem.

    Esse paralelo nos mostra que, o alcance de uma e de outra esfera do conhecimento no campo sócio cultural, ocorre pela relação direta que o corpo tem com a natureza das coisas e com a proximidade imediata com a vida cotidiana.

    Michel de Certeau (1998, p.37), lembra que “o atomismo social que, durante três séculos, serviu de postulado histórico para uma analise da sociedade supõe uma unidade elementar, o individuo, a partir do qual seriam compostos os grupos e à qual seria possível reduzi-los”.

    Apesar desse condicionamento ideológico, outras contribuições científicas começam a surgir a partir da segunda metade do século XX no campo epistemológico com estudos sobre a perspectiva da totalidade da existência, fundamentados em pressupostos problematizadores sobre as concepções positivistas da vida e a distância das suas proposições com o mundo da natureza humana.

    Começam então, a surgir os paradigmas holísticos acerca do conhecimento do ser humano em integração com a natureza, com a cultura e com o homem e sua corporeidade, ocupando estes, espaço no ideário cientifico do conhecimento.

    A contribuição filosófica da fenomenologia através de Merleau Ponty vem confirmar os pressupostos da percepção dos sentidos e do movimento para a perspectiva do conhecimento humano mais próximo de sua natureza.

    Segundo Nóbrega (2008), A compreensão fenomenológica será construída com base no diálogo com a psicologia, em especial com a Gestalt, mas também com base no diálogo com a arte, sobretudo com a pintura moderna.

    A percepção do corpo como síntese do conhecimento, se torna para a fenomenologia a base de toda a relação de compreensão do ser e do mundo e assim, as relações do conhecimento antes centradas na intelectualidade passam a ter outra estrutura de analise pela integração do corpo/movimento na superação da compreensão dos elementos clássicos da ciência.

    O corpo e o mundo passam a se pertencer e se tornam um todo indivisível. As percepções do tempo e do espaço se confundem com a própria existência. Já não há mais possibilidades de fragmentação na síntese do corpo próprio.

    Na obra “Fenomenologia da Percepção”, Merleau Ponty (1994) entende que a “experiência revela sob o espaço objetivo, no qual finalmente, o corpo toma lugar, uma espacialidade primordial da qual a primeira é apenas o invólucro e que se confunde com o próprio ser do corpo”.

    As experiências fluem no espaço tempo dado e a projeção perceptiva do corpo ocorre paralelamente à vivência dinâmica com a cultura e com a natureza tornando-se o ser, uma síntese dimensional única e original.

    Outras contribuições científicas surgem no campo da Biologia para a compreensão do movimento sobre a indissociabilidade dos processos do conhecimento e da vida.

    Maturana na obra clássica “A Árvore do Conhecimento”, compreendem que a vida é um processo de conhecimento que está intimamente relacionada com os seres vivos presentes no mundo.

    A tese dos autores está estruturada em duas vertentes:

    A primeira questiona a condição do conhecer como uma experiência externa ao próprio ser vivo que ocorre no plano clássico do processamento de informações recebidas e apropriadas pelo modo fragmentado de exploração do conhecimento. A segunda, Por outro lado, afirma que os seres vivos são autônomos e auto produtores de conhecimento num processo de interação com o ambiente em que vivem (Maturana e Varela, 2001, p.14)

    Essas duas condições conduzem o pensamento humano à compreensão de que os seres vivos apesar de sua autonomia são dependentes do meio em que vivem o que nos leva a outra dedução: Que a oposição entre autonomia e interação deixa de existir justamente pela condição da dinâmica e circular entre os seres vivos e o meio ambiente.

    Desse modo, assim como o ser humano age no ambiente cultural, ele é, ao mesmo tempo, influenciado pelo meio em que está inserido. A condição básica para o desenvolvimento do conhecimento acontece na compreensão desse processo interativo e perceptivo entre o ser representado por sua corporeidade em movimento e pelo ambiente em sua representação cultural.

    Na perspectiva clássica, o movimento do conhecer e aprender eram concebidos como uma relação causal de estímulo e resposta, como afirma Nóbrega (2008, p. 144):

    A concepção tradicional considera que o sistema sensorial é formado por fibras aferentes que conduzem o estimulo da periferia para o órgão central. A partir daí, as fibras aferentes conduziam o estimulo e o sistema motor, com suas fibras eferentes, se encarregava de processar as informações e efetuar uma resposta.

    Diferente da concepção tradicional, no movimento autopoiético não há espaço para determinação. Na autopoiese passa a existir uma reversibilidade recursiva entre os seres vivos permitindo outra forma de comunicação, na qual os sentidos agem constantemente como lógica recursiva para o conhecer.

    Como afirma Nóbrega (2008) a reversibilidade coloca o corpo, não como um suporte da consciência cognoscente, sempre referendada por um sujeito, mas apresenta-o na experiência do movimento.

Algumas proposições inovadoras no estudo do movimento

    Vários campos científicos desenvolvem hoje, pesquisas na perspectiva da percepção do movimento, a saber, as Ciências Cognitivas, a Neurociência, entre outras.

    Nóbrega (2005, p.145) faz uma referencia especial aos estudos de Varela, Thompson e Rosch (1996) sobre como ocorre a percepção do movimento.

    A percepção emerge da motricidade; o sistema nervoso central tem por função a condução do impulso e não a elaboração do pensamento; a relação circular entre o organismo e o meio, admitindo os fenômenos transversais e considerando não apenas os componentes físico-químicos, mas a organização dos elementos.

    Como exemplos ilustrativos dessa proposição da pesquisa cientifica em circularidade com o meio cultural, enfatizamos a experiência do projeto do Instituto Internacional de Neurociências de Natal em escolas de Natal e Macaíba onde se desenvolvem oficinas educativas integradoras de Ciência, Tecnologia e Arte, Ciência e Identidade e Ciência e Movimento.

    A proposta tem como objetivo integrar conteúdos de diferentes disciplinas que não se apartam da vida dos alunos, servindo à cultura e à coletividade, na diversidade do olhar da realidade para melhor compreendê-la e transformá-la em patamares mais humanos

    Noutra dimensão não menos importante, está o PAIDÉIA, programa do governo federal desenvolvido pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte no Núcleo de Formação Continuada para Professores de Arte e Educação Física que, com seus estudos e pesquisas temáticas sobre o corpo e cultura de movimento, enfatiza a importância educacional dos elementos culturais do jogo, da ludicidade, do ritmo e expressão e das práticas corporais de comunidades de várias culturas.

    Esse modelo de integração entre ciência, pesquisa, educação e movimento, inaugura uma possibilidade concreta de ampliarmos as formas de conhecimento entre o homem e seu ambiente circundante visando o processo de envolvimento com a complexidade humana integrada com a circularidade da vida e aos processos do conhecimento.

    Como uma relevante contribuição para a compreensão das práticas corporais, abre novas perspectivas para a prática pedagógica da Educação Física escolar.

    Essa perspectiva permite uma nova experiência estética do movimento na apropriação do conhecimento entre o sujeito que é conhecedor e o objeto que é conhecido, com incidências transformadoras para a prática pedagógica em Educação e Educação Física.

    A adoção da complexidade como proposição metodológica, poderá conduzir a educação a romper com paradigmas até então imutáveis do racionalismo pedagógico e dessa forma a percepção educativa se revestiria de uma nova estética.

    Porpino (2003, p.156) acredita que:

    Desse modo a experiência estética pode ser pensada como experiência sensível, como possibilidade de transcender a fragmentação do conhecimento, na medida em que oferece espaço para a vivência da plasticidade e da complexidade do corpo.

    Compreendemos que para a Educação, o movimento de reflexão sobre seus paradigmas torna-se essencial para o seu redimensionamento no plano sócio histórico na significação do conhecimento humano e, para a Educação Física escolar. Esses pressupostos constituem-se em aportes teóricos relevantes para a reflexão dos sentidos da sua prática pedagógica.

    Como a educação não acontece apenas nos limites arquitetônicos da escola, a Educação Física compreendida aqui dentro dos pressupostos da cultura de movimento, deve perceber que sua ação pedagógica, pode acontecer em outros espaços alem da linearidade dos espaços destinados à suas práticas.

    Mas o que é cultura de movimento? Como a Educação Física, historicamente fundamentada no mecanicismo fisiológico, pode vir a compreender suas práticas culturais neste paradigma?

    Soares (2002) compreende cultura de movimento, como práticas culturais nas quais o movimento humano é o elemento principal de intermediação simbólica e de significações produzidas e mantidas tradicionalmente por comunidades e sociedades.

    Para a Educação Física, poderá parecer estranho encontrar o caráter de suas práticas corporais inseridas no contexto desse conceito. Seria necessário um novo desenho no quadro cultural da Educação Física com novas cores e outras dimensões estéticas.

    Acerca dessa possibilidade Porpino (2003, p.158), acrescenta que:

    Nesse aspecto também chamamos a atenção para o fato de que a Educação Física precisa transitar por outros cenários científicos que lhe permitam uma visão não fragmentada do ser humano e de suas experiências no mundo... Nessa perspectiva ensinar não pode reduzir-se a aplicar programas de treinamento que planejam meticulosamente e prevêem as ações dos indivíduos a partir de modelos e índices de desempenho internacionais.

    Ensinar requer uma consciência ética e a percepção estética da corporeidade e de suas conexões com a natureza, com a cultura, com a história, com a sociedade e principalmente com tudo que circunda o momento educativo.

    Porpino (2003) ainda sugere que, “viver a experiência estética como possibilidade de criação de múltiplas interpretações mostra-nos uma perspectiva de ensino capaz de propiciar a retomada continua da plasticidade corpórea”.

    Segundo Mendes (2002), “o termo cultura do movimento tem sido divulgado na Educação Física brasileira a partir dos estudos de Kunz (1991), compreendida como critério organizador do conhecimento da Educação Física escolar”.

    Como conceito, o próprio Kunz (2006, p.05) em entrevista concedida à revista Pensar a Pratica, define a cultura do movimento como:

    Todas as atividades do movimento humano, tanto no esporte como em atividades extra-esporte (ou no sentido amplo do esporte) e que pertencem ao mundo do ‘se - movimentar’ humano, o que o homem por este meio produz ou cria, de acordo com a sua conduta, seu comportamento, e mesmo as resistências que se oferecem a essas condutas e ações.

    A cultura do movimento representada no campo pedagógico pela concepção critica emancipatória, contribui para que no processo de análise das bases transformadoras da Educação Física surjam reflexões sobre as possibilidades da inserção de novas práticas pedagógicas, nas quais, a problematização e a reconstrução dos parâmetros do conhecimento acerca do movimentar-se, como essência do seres vivos, torne-se o cerne do ato pedagógico que envolve o ensinar a aprender, aprendendo a ensinar.

    Torna-se relevante compreender que o contexto social da escola não se encerra no seu espaço físico, nem na ação pedagógica, pois a territorialidade do saber transcende os muros escolares e se manifesta constantemente no fazer cotidiano das pessoas com ou sem autorização do sistema cultural dominante.

    Deve-se, então, reintegrar o ser humano ao processo do conhecimento, compreendendo que os sentidos e as percepções não são privilégios do intelecto. Estes ocorrem de forma dinâmica pela corporeidade em movimento na sua integração com o ambiente e, se torna condição essencial para que o processo ensino aprendizagem aconteça de forma plena.

Perspectivas da cultura de movimento na educação

    A perspectiva do paradigma dominante do mecanicismo presente nas ações pedagógicas da Educação Física, ao longo de sua historia, deverá ser necessariamente revisto e reconstruído em outras bases de compreensão sócio cultural no contexto com as ciências que formam a base do conhecimento integrado.

    Para Mendes (2002, p. 25):

    A cultura de movimento através das relações entre corpo, natureza e cultura, pode colaborar com o diálogo entre as ciências naturais, humanas e filosofia; bem como abrir perspectivas para que os saberes do corpo sejam também reconhecidos e valorizados. O que nos faz acreditar que a Educação Física possa se constituir como uma área transdisciplinar de conhecimento, atravessada por diversos saberes e práticas.

    Essa possibilidade de ação cultural abre para a Educação Física, novos campos de reflexão crítica sobre a pedagogia dos saberes definitivos e sobre a autenticidade dos seus paradigmas científicos.

    Propõe a abertura de diálogo com outros campos do conhecimento como, por exemplo, a arte, a filosofia e as ciências humanas sem perder de vista a integração de seus códigos e de sua linguagem no conjunto dessas possibilidades transdisciplinares.

    Ou seja, como afirma Mendes (2002) que enfim,

    A Educação Física se torne uma área do conhecimento na qual, ao invés de priorizar de modo exclusivo o conhecimento científico se mostre aberta a dialogar com diferentes tipos de conhecimento, a partir do corpo e das inúmeras paisagens da cultura de movimento.

    A possibilidade de alcance dessa perspectiva pode acontecer ao elegermos a pedagogia do diálogo como pressuposto metodológico no processo de ensino aprendizagem em Educação Física, pois o diálogo se apresenta como o intercâmbio necessário entre os seres humanos, como forma de resolução dos problemas decorrentes das relações sócio culturais.

    A educação como um processo de relação sócio cultural, pressupõe a interação dialógica entre educadores e educandos como elemento de reflexão e critica dos determinismos da educação bancária, depositária de saberes e valores absolutos.

    Kunz (2001, p.08) reconhece Paulo Freire, como um dos teóricos da educação que deram suporte a formulação de sua tese acerca da cultura do movimento e sugere que:

    A didática do professor deve ser dialógica ou, como preferi nos meus escritos, comunicativa. Somente desta forma pode-se encaminhar uma meta educacional que seja emancipatória. A emancipação não tem limites, portanto é inalcançável, mas deve, no meu modo de pensar, ser meta de toda educação proposital e sistematicamente desenvolvida, como se pretende com a escola.

    Desse modo, a cultura de movimento presente nos espaços da vida estabelece relações com as formas da natureza e com os processos da criação humana, representados pelas formas de expressão estética. Possui uma abrangência temática que transcende as questões dos conceitos relativos da Educação Física e propõe a revisão ou a reinvenção das práticas corporais, da organização didática, das tendências cientificas enfim, propõe uma compreensão ampla de corpo na Educação Física e de sua emancipação cultural.

    No espaço escolar, a cultura de movimento em sua amplitude conceitual, contribui para a formação humana geral além da formação de competências visando o mundo do trabalho.

    Pela cultura de movimento, a educação transcende a ordem das questões técnicas dos determinismos políticos econômicos, dos limites de sua proposição inteligível e, enquanto espaço de conhecimento, passa a considerar o ser humano e sua sensibilidade ética e estética.

    Kunz (2001, p. 8,9) reconhece que para alcançarmos esse estágio na educação e mais precisamente na Educação Física, algumas questões polêmicas precisam ser resolvidas no espaço escolar tais como:

  1. Ainda não temos uma organização de conteúdos hierarquicamente estruturada para os diferentes níveis de escolaridade; 

  2. Não temos ainda uma prática consistente de discussão, integração e avaliação da formação escolar juntamente com as demais áreas do conhecimento desenvolvidas na escola. 

  3. Assim sendo, o que somos e fazemos, ainda, é o que deve, acima de tudo, proporcionar prazer e saúde aos participantes. 

  4. Temos de refletir também sobre o seguinte ponto: vivemos numa sociedade orientada pelos princípios do rendimento. Assim, sem o poder de introduzir inovações e mudanças – como no nosso caso – que integrem melhor a área com os demais saberes da escola, não participaríamos da formação de alunos com capacidade crítica e emancipada. 

  5. Tudo isso teve o objetivo de dizer que todo o sistema escolar precisa se orientar na concepção de aluno, de sociedade, de escola, de ensino e de aprendizagem.

    Compreende-se então, que somente uma Educação Física que reflita sobre os seus pressupostos educacionais e que integre aos seus saberes, a dimensão humana da cultura de movimento, a percepção da sensibilidade estética e a condição de compreensão do ser humano, concebido este, como uma natureza bio cultural em permanente processo de recriação, poderá pensar em constituir-se numa área do conhecimento que transcenda os limites dos espaços geométricos fixos e do tempo determinado para a sua existência conceitual e para o desenvolvimento da consciência sócio corporal.

    Pensar sobre os processos didáticos que estruturam o saber e o fazer pedagógico e construir coletivamente um conjunto de proposições e de ações sistemáticas em todos os níveis de ensino da Educação Física, partindo do conhecimento e do interesse do aluno, ampliará as possibilidades de interação da Educação Física com o mundo do corpo sujeito, do corpo fenomenológico e do corpo estético envolvidos pelo logos da natureza e da cultura.

    Na busca da aproximação do paradigma pedagógico que problematize o tecnicismo, os avanços metodológicos na Educação Física escolar rumam para a superação do modelo mecanicista no ambiente escolar e para a conquista da percepção do corpo próprio como uma das questões que a Educação Física precisa reconhecer no processo de desenvolvimento de suas atividades pedagógicas.

    No propósito de saber qual é o produto cultural e que personalidade corporal a Educação Física estabelece como identidade nos sujeitos escolares, faz-se necessário incluir “experiências no processo de ensino aprendizagem da Educação Física fundadas na sensibilidade e expressividade do EU em contraponto ao caráter abstrato da aprendizagem escolar” (Prestes citado por Fensterseifer, 1999).

    Fundamentados nesse pressuposto, elaboramos o planejamento pedagógico da Educação Física para o ano letivo de 2008, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, campus Zona Norte de Natal, tendo por base a compreensão de Betti e Zuliani (2002) sobre as Diretrizes Pedagógicas da Educação Física Escolar.

    Ao final do período letivo, nos propomos a avaliar o planejamento e execução das atividades pedagógicas da Educação Física desenvolvidas com o objetivo geral de analisar a percepção dos alunos das turmas do ensino médio acerca das finalidades educacionais da Educação Física e, de forma específica, avaliar o nível de percepção dos alunos sobre os conceitos discutidos e sobre as ações pedagógicas.

    Para tanto, organizamos um estudo etnográfico descritivo como objeto de investigação e análise do conjunto de significantes da prática pedagógica escolar que, segundo André (1995), “se caracteriza fundamentalmente por um contato direto do pesquisador com a situação pesquisada, permite reconstruir os processos e as relações que configuram a experiência escolar diária”.

    Durante o desenvolvimento das ações pedagógicas no referido período letivo, procuramos estabelecer um nível de diálogo e participação nos quais o alunado pudesse emitir opiniões apresentasse sugestões e colaborassem para a diversificação dos conteúdos propostos.

    Como instrumento de diagnóstico do trabalho realizado, utilizamos um questionário com perguntas abertas no qual o aluno expressaria a sua compreensão acerca dos conteúdos e das finalidades educacionais da educação física.

    Participaram da pesquisa um total de 67 alunos do 1°ano matutino (35) e 2° ano vespertino (32) do ensino médio do IFRN campus zona Norte de Natal.

    Desse total, 55,22% responderam que a Educação Física deve levar o aluno a descobrir motivos e sentidos nas práticas corporais; 17,91% responderam que a educação física deve favorecer o desenvolvimento de atitudes positivas para com elas. Outros 17,91% que a Educação Física deve levar a aprendizagem de comportamentos adequados à sua prática e 8,9% dos alunos, que a Educação Física deve dirigir sua vontade e emoção para a prática e a apreciação do corpo em movimento.

    Com este estudo, foi possível perceber que, através de fundamentos teóricos que possam subsidiar a sua prática pedagógica, a Educação Física pode contribuir para a percepção do corpo próprio no espaço escolar e ampliar a apropriação consciente dos conteúdos apreendidos por parte dos alunos.

    Portanto, “as ações dialógicas pedagógicas” (Freire, 2005) na Educação Física escolar, quando fundamentadas na percepção do corpo próprio, podem ajudar a superar a concepção mecanicista do movimento corporal e as restrições da esportividade.

    Por meio de ações docentes e discentes que favoreçam a participação e o diálogo entre professor/aluno no processo de organização do planejamento didático pedagógico, visando à construção do conhecimento. Desse modo, a Educação Física pode ampliar as suas possibilidades pedagógicas com ações que façam sentido e tenham significado para o processo da consciência educativa e para o reconhecimento da cultura corporal de movimento.

Referências

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