Relação entre assimetrias interlaterais de desempenho e preferência manual Relación entre asimetrías interlaterales de rendimiento y preferencia manual |
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*Professora Mestre em Ciências do Movimento Humano – Faculdade Jangada, SC **Professor Especialista em Educação Física Escolar – SENAI, SC (Brasil) |
Simone Adriana Oelke* Gerson Raiter** |
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Resumo Esta investigação teve como objetivo comparar e correlacionar o índice declarado de preferência lateral com os índices de assimetria lateral no desempenho na tarefa de golpeio de placas. Participaram deste estudo 06 universitários destros, os quais foram avaliados quanto a preferência manual, por meio de um Inventário, e quanto a assimetria de desempenho lateral, por meio da tarefa de golpeio de placas, que mediu a velocidade de membros superiores. Os resultados mostraram que todos os sujeitos tiveram preferência lateral bem definida, onde a superioridade de desempenho com a mão preferida (direita) sobre a mão não-preferida (esquerda) foi bastante homogênea. A assimetria observada foi determinada a priori por dominância lateral (indicada no inventário), pois nesse caso foi encontrada uma tendência direcional claramente definida favorável ao lado preferido (mão direita). O resultado de análise de correlação entre os índices de preferência lateral e de assimetria motora para a tarefa de golpeio de placas não encontrou valores que atingiram níveis significativos. Se não há correlação entre preferência lateral e assimetrias motoras, conclui-se que estes índices são específicos à tarefa. Particularmente no que diz respeito à preferência lateral, esta parece ser ditada muito mais pela utilização, hábito ou maior confiança na mão preferida do que por uma superioridade efetiva de desempenho em uma tarefa motora nova. Unitermos: Lateralidade. Preferência manual. Assimetria de desempenho |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 141 - Febrero de 2010 |
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Introdução
As pessoas demonstram uma consistente preferência para o uso de uma das mãos,
um dos pés, um dos olhos e um dos ouvidos para executar certas tarefas. Essa
preferência dos indivíduos em usar um dos membros do lado direito ou esquerdo
do corpo está associado ao conceito de lateralidade. Além das preferências
laterais, observam-se ainda as assimetrias de desempenho em ações motoras, que
correspondem a um desempenho superior com um lado do corpo em relação ao
outro. Entendendo que o fenômeno da assimetria de desempenho tem um caráter
dinâmico, é possível que a interação entre aspectos biológicos e
ambientais seja o fator marcante para um padrão mais desenvolvido no membro
direito. A predominância do hemisfério esquerdo no processamento dos aspectos
seqüenciais e temporais da ação favorece uma melhor execução do membro
direito (CARSON apud SANTOS et al, 2006).
Segundo Teixeira e Paroli (2000), a preferência manual freqüentemente é
tratada como sinônimo de dominância lateral, conceito que expressa a
supremacia de desempenho com um membro corporal em relação ao membro
contralateral homólogo. O conceito de dominância lateral, refere-se a
concepção de que assimetrias interlaterais são prescrições que fazem parte
do código genético, sendo assim pouco influenciáveis por fatores ambientais.
As prescrições, portanto, determinariam a capacidade superior de um
hemisfério cerebral em desempenhar uma determinada função, gerando
assimetrias no comportamento. Pesquisas têm enfocado a proficiência dos
hemisférios para tipos específicos de processamento em diversas tarefas,
buscando desta forma explicações para as assimetrias de preferência e
desempenho a partir dessas assimetrias estruturais do sistema nervoso.
Apesar das pesquisas evidenciarem que as assimetrias entre os membros podem ser
de ordem estrutural, a possibilidade de que esse fator determine a direção e o
grau do uso habitual da mão foi avaliada por Provins (apud TEIXEIRA, 2007)
indicando que o desempenho apresentado pelos membros é específico à tarefa e
nem sempre favorável à mão direita, contrariando a idéia de que a mão
preferida (dominante) é na maioria das vezes a mais proficiente. Segundo
Provins, a extensão e a consistência com que o uso assimétrico das duas mãos
se desenvolve varia de uma tarefa para outra: tarefas simples que requerem pouco
ou nenhum treinamento específico tendem a ser realizadas bem com as duas mãos,
por crianças e por adultos. Por outro lado, em atividades manuais nas quais é
necessária prática para se alcançar um alto grau de competência, o uso de um
lado tende a se tornar mais consistente do que o outro e, portanto, mais
proficiente. Normalmente se acumula uma quantidade de prática diferencial com
um dos membros, o que pode explicar o melhor desempenho com o membro preferido.
Assimetrias favoráveis ao membro preferido (direito) têm sido encontradas em
tarefas como movimentos manipulativos finos relacionados à escrita e
habilidades motoras complexas, tais como arremessar e chutar (TEIXEIRA et al,
1998; TEIXEIRA; PAROLI, 2000; TEIXEIRA; GASPARETTO, 2002).
Apesar das evidências de especificidade de dominância lateral em função de
prática prévia com cada um dos membros, tem-se tentado encontrar índices
gerais de dominância lateral através de inventários nos quais se leva em
consideração a preferência lateral para a realização de diferentes tarefas
motoras (TEIXEIRA, 2006), na tentativa de encontrar o grau de preferência
lateral que seria um indicador de dominância lateral. Considerando os
argumentos expostos acima, esta investigação teve como objetivo comparar e
correlacionar o índice declarado de preferência lateral com os índices de
assimetria lateral no desempenho na tarefa de golpeio de placas. Métodos Amostra
Participaram desta pesquisa descritiva 06 universitários destros, com média de
idade de 23 anos, sendo 04 do sexo masculino e 02 do sexo feminino. Nenhum dos
participantes informou sobre qualquer problema físico ou limitação para a
participação na pesquisa. Antes da realização da tarefa, os sujeitos foram
informados sobre os procedimentos de coleta dos dados para o estudo e
concordaram com sua participação. Tarefa
e procedimentos para coleta dos dados A.
Inventário
Antes de medir o desempenho de ambas as mãos no teste de Golpeio de Placas,
foi aplicado um inventário de preferência manual desenvolvido pela
pesquisadora, o qual consistiu dos seguintes itens:
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Inventário preferência lateral |
Direita |
Esquerda |
1 |
Arremessar um objeto |
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2 |
Escrever ou desenhar |
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3 |
Abrir uma lata (mão do abridor) |
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4 |
Pentear o cabelo (primeira mão a pegar a escova ou pente) |
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5 |
Operar o mouse |
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6 |
Digitar os números no celular (segurando apenas com uma mão) |
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7 |
Barbear-se (homem) ou maquiar-se (mulher) |
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8 |
Uso de faca para descascar frutas, legumes ou verduras |
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9 |
Uso da vassoura (mão superior) |
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10 |
Acender um fósforo (mão do fósforo) |
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Figura 1. Inventário de preferência manual
B. Teste de Golpeio de Placas
A tarefa motora consistiu em medir o desempenho da velocidade de membros superiores aplicando-se o teste de Golpeio de Placas do EUROFIT (CONSELHO..., 1990). Para este teste foram necessários os seguintes equipamentos e materiais: uma mesa; dois discos de EVA de 20 cm de diâmetro, fixados horizontalmente na mesa, com distância de 60 cm sendo que seus pontos centrais estavam distantes 80 cm um do outro; um retângulo de EVA de 10 x 20 cm que estava colocado entre os dois discos; e um cronômetro.
Para a realização do teste, cada sujeito avaliado ficou em pé, com os membros inferiores ligeiramente afastados, sua mão não dominante colocada sobre o retângulo e a mão dominante no disco de forma que os braços estivessem sobre postos. Ao sinal, o sujeito moveu o mais rápido possível a sua mão dominante, passando por cima da mão parada no retângulo, em direção ao outro lado e voltou a posição inicial (esta movimentação corresponde a um ciclo). O sujeito deveria completar 25 ciclos o mais rápido possível sendo que o resultado foi o menor tempo gasto para executar os 25 ciclos, registrando-se o tempo em décimos de segundos. Essa tarefa motora foi executada unilateralmente com aquisição de três medidas da tarefa com a mão direita e mais três medidas com a mão esquerda.
O Conselho da Europa recomenda, para a realização do teste de Golpeio de Placas do EUROFIT (CONSELHO..., 1990)., levar em consideração alguns pontos adicionais importantes como a contagem dos ciclos que foi feita em voz alta e feita pela pesquisadora; para a mesa ficar à altura umbilical do sujeito foi solicitado a cada um que afastasse as pernas lateralmente para atingir a altura necessária; a pesquisadora ficou do lado da mão em que o sujeito iniciou o teste; a mão no retângulo permaneceu no mesmo e a outra tocou dentro dos discos; ao sujeito foi dada a oportunidade de fazer um ciclo para se familiarizar com o teste; e em caso do sujeito não tocasse no disco, um toque extra deveria ser adicionado, a fim de que atingisse os 25 ciclos, o que não foi necessário ser feito.
Figura 2. Teste de Golpeio de Placas do EUROFIT
Fonte: Conselho da Europa (1990)
Análise dos dados
Para avaliar a preferência manual por meio do Inventário (figura 1), calculou-se o quociente entre a diferença de respostas para o lado direito e esquerdo e o número total de respostas, obtendo-se assim a magnitude e a preferência por um dos lados do corpo. Para isso, foi colocada uma marca na coluna direita (+) quando a tarefa era realizada na maioria das vezes com a mão direita e duas marcas (++) quando a tarefa era realizada sempre com a mão direita; o mesmo procedimento foi realizado para a mão esquerda (TEIXEIRA, 2006). Foi utilizada a seguinte fórmula: ((média da mão direita – média da mão esquerda) / (média da mão direita + média da mão esquerda))*100. Ao multiplicar o valor do cálculo por 100, obteve-se um valor em porcentagem indicativo da magnitude da preferência manual. O sinal observado foi indicador da direção da preferência, se favorável à mão direita ou esquerda.
Para verificar a assimetria de desempenho na tarefa de golpeio de placas (figura 2), calculou-se os valores observados entre a mão direita e a esquerda, por meio do teste t, a fim de saber se existia diferença significativa entre elas. Para avaliar a correlação entre os valores de preferência manual e de assimetria de desempenho, foi utilizado a correlação de Person. Para todas as análises foi adotado o nível de significância de 0,05.
Resultados
Quanto a preferência manual indicada pelo inventário, observou-se uma preferência lateral forte e magnitude de preferência pela mão direita (100%).
A análise das assimetrias laterais de desempenho, feita através de testes t para amostras dependentes, comparando-se os desempenhos observados com a mão direita (preferida) e esquerda (não-preferida) na tarefa motora de golpeio de placas (tabela 1). Os resultados indicaram diferenças significativas no desempenho tanto para a mão direita (t = 25,95; p = 0,000), quanto para a mão esquerda, indicando uma assimetria lateral de desempenho, com melhor média de resultado com a mão direita (m = 10,38s) do que a mão esquerda (m = 11,63s). Os resultados apontados pelo desvio padrão, indicam pequena variabilidade de desempenho entre as tentativas tanto para a mão direita (dp = 0,98) quanto para a mão esquerda (dp = 1,03).
Tabela 1. Médias e desvio padrão no teste t e nível de significância para os desempenhos com as mãos direita e esquerda na tarefa de golpeio de placas
Mão direita |
Mão esquerda |
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média |
dp |
t |
p |
média |
dp |
t |
p |
10,38 |
0,98 |
25,95 |
0,000 |
11,63 |
1,03 |
27,58 |
0,000 |
Os resultados mostraram que todos os sujeitos tiveram preferência lateral bem definida, onde a superioridade de desempenho com a mão preferida (direita) sobre a mão não-preferida (esquerda) foi bastante homogênea. Quando se aplicou o teste de correlação de Person, para verificar a associação entre a preferência lateral e a assimetria de desempenho, os resultados não foram significativos para p< 0,05 (p = 0,093), indicando apenas uma relação positiva moderada (r = 0,74) entre a preferência manual e o desempenho na tarefa motora.
Discussão
O desempenho com a mão considerada dominante (direita) foi superior ao desempenho com a mão não dominante (esquerda) na tarefa de golpeio de placas, indicando que para o tempo de movimento, há maior capacidade de controle sobre o lado dominante, conduzindo a movimentos mais rápidos, pela menor necessidade de ajustes durante a execução do movimento para atingir o alvo desejado (TEIXEIRA, 2001).
A assimetria observada foi determinada a priori por dominância lateral (indicada no inventário), pois nesse caso foi encontrada uma tendência direcional claramente definida favorável ao lado preferido (mão direita). E nesse caso, a preferência lateral foi preditora qualitativa da assimetria lateral de desempenho. Esse resultado contraria a afirmação de autores quando dizem que a mão preferida nem sempre é a que melhor desempenha as performances motoras (VASCONCELOS, 2006).
Contudo, algumas considerações devem ser feitas. Uma explicação para o desempenho superior com a mão preferida em relação à mão não-preferida é dada por Peters (apud TEIXEIRA, 2001) onde essa assimetria de desempenho é devida à modulação superior de força da mão dominante, produzindo circuitos rápidos de contração/relaxamento de grupos musculares antagônicos do punho para produzir movimentos de flexão/extensão de alta freqüência. O controle nesse tipo de tarefa motora representa uma vocação bem definida do sistema composto por hemicórtex cerebral esquerdo/mão direita para o desempenho da função motora.
A assimetria lateral encontrada com vantagem de desempenho para a mão preferida parece ter sido devida ao efeito de prática de uso habitual da mão direita e os sujeitos serem novatos na tarefa, uma vez que experiência adicional para um dado segmento corporal, representa fonte geradora de assimetrias laterais de desempenho. O resultado de análise de correlação entre os índices de preferência lateral e de assimetria motora para a tarefa de velocidade de membros superiores reforçam essa conclusão, uma vez que os valores encontrados não atingiram níveis significativos. Se não há correlação entre preferência lateral e assimetrias motoras, conclui-se que estes índices são específicos à tarefa. Particularmente no que diz respeito à preferência lateral, esta parece ser ditada muito mais pela utilização, hábito ou maior confiança na mão preferida do que por uma superioridade efetiva de desempenho em uma tarefa motora nova.
Referências
CONSELHO DA EUROPA. Manual de aplicação da bateria de testes EUROFIT. Lisboa: Direção Geral do Desporto, 1990.
SANTOS, I. et al. Análise da assimetria nos padrões fundamentais arremessar e chutar em crianças. Revista Portuguesa de Ciência do Desporto, v. 6, n. 2, p. 188-193, 2006.
TEIXEIRA, L.A. et al. Assimetrias laterais no desempenho de habilidades motoras relacionadas ao futebol.
TEIXEIRA, L.A. Assimetrias Laterais de Performance Motora. In: TEIXEIRA, L.A. Avanços em comportamento motor. Rio Claro: Movimento, 2001. Cap. 10, p.248-264.
TEIXEIRA, L. A. Controle motor. São Paulo: Manole, 2006.
TEIXEIRA, M. C. T. Preferência podal e assimetrias interlaterais de desempenho na tarefa de chutar em crianças. 2007. Dissertação (Mestrado em Educação Física) - Escola de Educação Física e Esporte, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
TEIXEIRA, L.A.; GASPARETTO, E.R. Lateral asymmetries in the development of the overarm throw. Journal of Motor Behavior, Washington, v.34, n.2, p.151-60, 2002.
TEIXEIRA, L. A.; PAROLI, R. Assimetrias Laterais em Ações Motoras: Preferência Versus Desempenho. Motriz, v. 6, n. 1, p. 01-08, jan./jun. 2000.
VASCONCELOS, O. Aprendizagem motora, transferência bilateral e preferência manual. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, v.20, supl. n. 5, p.37-40, set. 2006. In: CONGRESSO CIÊNCIAS DO DESPORTO E EDUCAÇÃO FÍSICA DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA, 11, 2006. Anais... São Paulo: [s.n], 2006.
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