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Construção da consciência corporal na terceira idade

Construcción de la conciencia corporal en la tercera edad

 

Graduado em Licenciatura em Educação Física pela

Universidade Federal do Maranhão.

Professor de Educação Física da Rede privada de ensino

em São Luis do Maranhão

Brunno Kayo Ramos Brito

brukakayo@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Este trabalho objetiva discutir sobre a consciência corporal na terceira idade. Utilizou-se como metodologia a revisão de literatura, constituída dos conceitos e aspectos do envelhecimento, da reflexão sobre a relação corpo e consciência no decorrer da história e do conceito de Consciência Corporal. Dessa forma, percebe-se que a construção da Consciência Corporal na terceira idade é influenciada pelo ambiente que o idoso encontra-se, incluindo nesse a família, a comunidade e a sociedade. Constatou-se que a consciência de corpo, é construída historicamente e na terceira idade é resultado da influência do meio sobre a consciência corporal privada, pública e a competência física.

          Unitermos: Envelhecimento. Idoso. Consciência Corporal

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 141 - Febrero de 2010

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1.     Introdução

    O processo de envelhecimento ocorre em ritmo mais acelerado em países em desenvolvimento do que em países desenvolvidos, graças à redução da mortalidade e a queda de fecundidade. No Brasil, são considerados idosos todos aqueles com 60 anos de idade ou mais, sendo que em 2025 o país será o sexto com o maior número de idosos, aproximadamente 300 milhões (Mazo, 2004).

    Para Beauvoir (1990), o envelhecimento não é algo imóvel, é resultado e prolongamento de um processo que começa com o embrião, passando pela criança até o adulto através de uma mudança continua.

    Já Spirduso (2004), refere-se ao envelhecimento como um processo ou um conjunto de processos que ocorre em todos os organismos vivos e que com o passar dos anos levam a uma perda de adaptabilidade, deficiência física e culmina com a morte.

    A partir das diversas concepções que apontam à fase que se encontra o indivíduo no processo de envelhecimento surgem alguns termos referentes à pessoa com a idade avançada, como velho, idoso, terceira idade, maior idade, melhor idade, entre outros (Mazo, 2004).

    Esse conceito se limita apenas a dimensão fisiológica do individuo, que, através de suas alterações influencia também o grupo social em que o idoso está inserido, além do seu estado psicológico.

    Deve-se destacar que no Brasil os termos mais empregados são velho, terceira idade e idoso. O primeiro termo é constantemente usado de forma pejorativa significando algo antigo e ultrapassado. E o termo idoso é mais utilizado nas leis referentes a essa parcela da população, como no Estatuto do Idoso e no Conselho Nacional do Idoso.

    Segundo Hayflick (1996), com o aumento da idade a aparência física apresenta as seguintes modificações: redução gradual da altura, aparecimento de cabelos brancos e rugas e aumento das partes cartilaginosas do rosto.

    Ainda o mesmo autor apresenta uma série de mudanças funcionais, como o aumento da pressão arterial sistólica (Sistema Cardiovascular); redução na produção de hormônios (Sistema Endócrino); perda de massa óssea (Sistema Esquelético); aumento da próstata (Sistema Reprodutor Masculino) e diminuição da quantidade de óvulos maduros (Sistema Reprodutor Feminino).

    A aposentadoria representa um dos fatos sociais que mais desvaloriza o corpo idoso, pois o que parece ser num primeiro momento um direito de todo trabalhador que proporcionará uma melhor qualidade de vida, acaba gerando, em casos onde não há perspectivas de que tarefas realizar, um sentimento de inutilidade, de exclusão e improdutividade principalmente em um sistema econômico onde o corpo é considerado em objeto de produção (Mazo, 2004).

    Simões (1992) afirma que não há uma relação direta entre o envelhecimento biológico e o declínio das capacidades mentais, na verdade o que ocorre são expectativas do meio que levam os idosos a perderem a iniciativa, motivação e se isolarem.

    Dentre as alterações psicológicas é necessário considerar a diminuição da auto-imagem e auto-estima, além da perda de amigos e parentes próximos, isolamento e a perda das capacidades físicas (Gatto, 2005).

    A auto-estima é a apreciação que o indivíduo tem por si mesmo (Gersen, 1971 apud Spirduso, 2005) e em relação ao movimento humano, auto-estima está baseada na combinação da competência física, consciência corporal, auto-eficácia e auto-aceitação (SPIRDUSO, 2005).

    Com a adaptação das capacidades físicas à idade, muitos idosos possuem uma idéia negativa de auto-estima baseada nessa capacidade. Uma vez que a dificuldade de realizar atividade do mesmo modo que tempos atrás, proporciona ao idoso um sentimento de fracasso e até desconhecimento do próprio corpo.

    Já a auto-imagem possui uma relação direta com o conceito de auto-estima. Para Schilder (1981) apud Benedetti (2003) se a percepção do corpo é positiva a auto-imagem também o será e se há melhor aceitação do corpo a auto-estima também será melhor.

2.     A dicotomia corpo e consciência

    A discussão entre corpo e consciência inicia na Grécia Antiga, com Platão. Ele distinguia o corpo e a mente em uma dimensão metafísica entre o mundo sensível e mundo inteligível (DALBOSCO, 2006). A alma humana (consciência), seja por necessidade natural ou punição, deveria uni-se (encarna-se) ao corpo, degradando-se e se tornando prisioneira dele. Assim, ela passa a ser composta de duas partes: uma superior (alma intelectual) e outra inferior (alma do corpo) (ARANHA E MARTINS, 1993).

    Já na Idade Media, segundo Aranha e Martins (1993), a igreja utiliza do pensamento de Platão como meio de controlar a vida dos indivíduos atribuindo ao corpo à função de fonte do pecado, (principalmente a mulher) tanto que as necropsias eram consideradas um crime, neste momento a relação entre corpo e consciência encontra-se com características metafísicas.

    No Período Moderno, Descarte reduz o antigo conceito de alma à concepção de razão, iniciando uma distinção entre corpo e alma, através de uma relação de causa e efeito, tipicamente ocidental (DALBOSCO, 2006). Segundo Aranha e Martins (1993), Descartes considera que o homem é constituído por duas substâncias distintas: a pensante (natureza espiritual) - o pensamento; e a extensa (natureza material) - o corpo. Assim surge a idéia de corpo-objeto ou corpo máquina (alheio ao homem), no qual se estuda por partes, surgindo, assim, as primeiras ciências da saúde, como a psicologia, a ortopedia, a citologia, etc.

    Já na Idade Contemporânea, Merleau-Ponty faz uma crítica à dualidade cartesiana, afirmando que não se pode separar o corpo da consciência como se este fosse um objeto qualquer. Segundo ele, o corpo é carregado de ambigüidade, pois não temos um corpo como temos um objeto qualquer, somos um corpo e da consciência não separamos. A consciência do corpo existe através da relação com o mundo, uma vez que este é o local onde a consciência (que é um corpo) se projeta (TRANSFERRETTI, 2001).

3.     Consciência corporal na terceira idade

    Segundo Simões (1995), a terceira idade é uma fase de desenvolvimento humano cheias de transformações, que atingem cada idoso de maneira diferenciada levando-os a apresentar reações diversas.

    De acordo com Miller, Murphy e Buss (1981) apud Spirduso (2005), a maneira como o indivíduo percebe seu corpo é definido como consciência corporal. Os autores complementam que ela é constituída de três aspectos, o primeiro de caráter público, que inclui as sensações de outras pessoas sobre a aparência do individuo. A segunda, a consciência corporal privada, percepção subjetiva das sensações internas do corpo, ou seja, relativa à função corporal. E a última constitui a avaliação subjetiva da capacidade de realizar tarefas físicas. É através dos aspectos da consciência corporal segundo esses autores que estabeleceremos uma discussão sobre a construção da consciência corporal na terceira idade.

    Iniciando essa discussão com o conceito corporal pública percebe-se que a indústria corporal através do meio de comunicação encarrega-se de criar desejos e reforçar imagem de corpos padronizados, cujos corpos que se vêem fora desses padrões sentem-se isolados e insatisfeitos (RUSSO, 2005).

    Para Simões (1992), o idoso, cujo corpo não se inclui nesses padrões, tem seus anseios anulados gerando um sentimento de impotência enquanto indivíduo ativo na sociedade, o que culmina na aversão ao próprio corpo.

    A padronização de um corpo dentro dos valores da classe dominante, faz com que muitos dos idosos recorram às cirurgias plásticas, aderindo à utilização de produtos cosméticos “rejuvenescedores” sempre com o intuito de mudar a aparência física.

    No entanto, deve-se destacar que a análise da aparência do idoso não é somente resultado da relação entre o idoso e a sociedade, mas também entre os idosos, pois estes não conseguem reconhecer o envelhecimento em si, mas somente no outro. Para Beauvoir (1990), é normal que em nós é o outro que é velho e que a revelação de nossa idade venha dos outros.

    A consciência corporal privada consiste na percepção privada das funções fisiológicas do corpo, ou seja, das funções internas, que não são percebidas por outras pessoas, identificadas através de preocupações com sintomas de doenças (Spirduso 2005). Muitos idosos preferem não acreditar na sua idade, querendo a todo preço ser jovens, preferindo acreditar em um mau estado de saúde a se considerar idoso (Beaviour, 1990).

    Apesar da negação a idade, muitos idosos acabam por supervalorizar as dores no corpo, de modo a desconhecerem o próprio corpo. “Que por detrás da dor fisicamente detectada existe outra, a dor do desconhecido, do alheio e da perda da identidade corporal (GATTO, 2005, p.110)”.

    Becker (1999) apud Russo (2005), afirma que a avaliação do nosso corpo é feita da interação com o meio, assim a sua auto-imagem é desenvolvida continuamente. Nesse contexto, percebe-se que o envelhecimento envolve uma série de mudanças funcionais que levam a diminuição da funcionalidade do organismo, desse modo surge um conceito de corpo em diferentes épocas, onde o não reconhecimento do corpo surge a partir do momento em que ele sofre uma diminuição do funcionamento que não existia em tempos anteriores.

    Já competência física é toda construção do conceito de corpo baseada na capacidade que o individuo tem de realizar tarefas. Gatto (2005) coloca que as condições físicas exercem enorme influência sobre estado de saúde mental, acrescentando que cada pessoa reage de forma diferenciada.

    Ao longo da vida as capacidades físicas servem para realizar muitas tarefas, incluindo atividades físicas e de vida diária. Uma das adaptações que as pessoas têm que fazer a medidas que envelhecem, é como lidar com a perda de competência física e acabam ou restringirem suas atividades (SPIRDUSO, 2005).

    Além da diminuição da capacidade de realizar tarefas devido às diminuições fisiológicas, um outro item que diminui a competência física é a superproteção dos familiares ou da comunidade com o idoso, sempre lhe atribuindo à idéia de um ser frágil e incapaz, principalmente no que diz respeito às atividades diária.

    Segundo Simões (1992), o corpo idoso que é mais rico em experiências motoras, à medida que o tempo passa surge uma troca pelas atividades de rápida execução por atividades de precisão. Já Mazo (2004), afirma que os idosos, devido ao declínio do organismo, dão preferência às atividades menos exigentes, sendo de grande valor aquela desenvolvidas em grupos, e em contatos com outras pessoas.

4.     Conclusão

    Portanto, percebe-se a discussão sobre corpo e consciência não algo inédito já sendo refletido por muitos filósofos no decorrer da história, onde, a priore, o corpo era separado da consciência em dois objetos complementares, para posteriormente ser considerar, corpo e consciência, como um só objeto. Sobre consciência corporal na terceira idade, conclui-se que a maneira como o indivíduo percebe seu corpo é condicionada pela influência do meio (pessoas) sobre a consciência corporal privada, pública e competência física do idoso, que interagem construindo uma consciência que varia no decorrer dos anos. Dessa forma, a melhora na consciência de corpo pode ser alcançada pela inclusão em atividades jamais desenvolvidas antes, sempre respeitando suas condições fisiológicas. Como afirma Simões (1992) é somente com a certeza de que o idoso (a) pode realizar tarefas, é que ele (a) terá consciência do seu valor nessa fase da vida.

Referências

  • ARANHA, M. L; MARTINS M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Moderna, 1993.

  • BEAUVOIR, S. A Velhice. 5 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.

  • BENEDETTI, T.B. et al. Exercício Físico, Auto-Estima e Auto-Imagem em Idosos Asilados. Revista Brasileira de Cianotropometira e Desempenho Humano, Rio de Janeiro. v.5, n.02, p.69-74, 2003.

  • DALBOSCO, G. A. Corpo e alma na velhice: significação ético-pedagógica do “cuidado de si mesmo”. Revista Brasileira de Ciências do Envelhecimento Humano. Passo Fundo. Jan./Jun. 22-37, 2006.

  • GATTO, I. B. Aspectos Psicológicos do Envelhecimento. In. PAPALÉO-NETO, M. Gerontologia. (p. 109- 113). São Paulo: Ateneu, 2005.

  • HAYFLICK, L. Como e Porque envelhecemos. Rio de Janeiro: Campus, 1996.

  • MAZO, Z. G; LOPES, M. A; BENEDETTI, T. B. Atividade física e o idoso: concepção gerontológica. 2. ed. Porto Alegre: Sulinas, 2004.

  • RUSSO, R. Imagem Corporal: construção através da cultura do belo. Movimento e Percepção. Espírito de Pinhal, v.5, n.6, jan./jun., 2005.

  • SIMÕES, R. Ciência e Consciência: tatuagens no corpo idoso. In: Moreira, W.W (org). Corpo Pressente. Campinas: Papirus, 1995

  • __________. Corporeidade e Terceira idade: a marginalização do corpo idoso. 128 p. Dissertação (mestrado) - Faculdade de Motricidade Humana. Universidade Metodista de Piracicaba: Piracicaba, 1992.

  • SPIRDUSO, W. W. Dimensões físicas do envelhecimento. São Paulo: Manole, 2005.

  • TRANSFERRETI, J (ORG). Filosofia, Ética e Mídia. Campinas: Alínea, 2001.

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