efdeportes.com

Periodização de treinamentos concorrentes 

e o fenômeno da interferência

Periodización de entrenamientos concurrentes y el fenómeno de la interferencia

 

Professor de Fisiologia do Exercício e Treinamento Esportivo da

Faculdade de Educação Física e Fisioterapia da

Universidade de Passo Fundo (FEFF/UPF)

Hugo Tourinho Filho

tourinho@upf.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Na presente revisão são analisados uma série de estudos sobre os temas treinamentos concorrentes e o fenômeno da interferência. Diferentes formas de periodização e os mais variados resultados sobre um tema complexo, especificamente, na preparação física de esportes que precisam aliar em seus programas de exercícios força e resistência aeróbia sem que as adaptações obtidas por uma forma de treinamento não interfira na outra forma. A existência de intensa controvérsia entre os estudos que analisam o fenômeno da interferência apenas vem confirmar a complexidade na análise do efeito combinado de regimes de treinamentos concorrentes sobre as respostas adaptativas do organismo frente a esse modelo de treinamento esportivo e a necessidade de mais estudos a respeito do assunto.

          Unitermos: Treinamento concorrente. Periodização do treinamento. Fenômeno da interferência

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 140 - Enero de 2010

1 / 1

1.     Treinamentos Concorrentes e o fenômeno da interferência

    Muitos esportes exigem que a musculatura de um atleta participe tanto de atividades que apresentam característica aeróbia como de atividades que envolvam as capacidades força e potência muscular.

    Capacidade técnica e tática superior somente podem ser demonstradas consistentemente por atletas de alguns esportes coletivos (futebol de campo, handebol, basquete, futsal, etc.) que apresentam altos níveis de resistência aeróbia e força muscular (Wisloff et alii, 1998). Por essa razão, os treinamentos de resistência aeróbia e força/potência geralmente são combinados nos programas de condicionamento físico de atletas que participam de esportes com essa natureza mista de capacidades motoras (Baumman, 1996). No entanto, uma importante questão a respeito dos designs desses programas é se esse tipo de treinamento combinado não reduzirá os benefícios obtidos através do treinamento de resistência aeróbia e força realizados de forma isolada.

    Programas de treinamento de força e resistência aeróbia são usados para induzir respostas adaptativas completamente diferentes, daí o termo “treinamentos concorrentes”. O treinamento de força convencional engloba grupos musculares na realização de atividades de alta intensidade e poucas repetições a fim de aumentar a capacidade de rendimento da força máxima da musculatura esquelética. Esse tipo de treinamento causa pouco ou nenhum aumento na potência aeróbia máxima (Dudley & Fleck, 1987; Hickson, 1980; Hickson et alii, 1980; Hurley et alii, 1984).

    Por outro lado, programas de treinamento aeróbio, como a natação, corridas e ciclismo, envolvem grandes grupos musculares para a realização de exercícios com intensidade submáxima e várias repetições para induzir aumentos no consumo máximo de oxigênio (Dudley & Fleck, 1987). Segundo Hickson (1980), o treinamento aeróbio não aumenta a capacidade de produção de força máxima da musculatura esquelética. Nesse sentido, a natureza das respostas adaptativas ao treinamento são específicas ao estímulo do treinamento (Hickson, 1980), e a possibilidade de incompatibilidade entre as adaptações específicas provocadas por uma ou outra forma de treinamento atualmente vem sendo denominada de “fenômeno da interferência” (Bell et alii, 1997; Docherty & Sporer, 2000).

    Nesse contexto, Jensen et alii (1997) acreditam que, possivelmente, haja melhores caminhos para organizar programas de treinamento do que combinar força muscular e resistência aeróbia ao mesmo tempo. Da mesma forma, Fleck & Kraemer (1999) sugerem que definir prioridades dentro da elaboração dos programas de treinamento pode ser importante quando se precisa treinar vários componentes do condicionamento físico ao mesmo tempo.

    Desse modo, a aparente incompatibilidade observada nos treinamentos de força e resistência aeróbia, quando realizados ao mesmo tempo, poderia ser evitada com uma periodização desses treinamentos concorrentes, ou seja: em uma primeira fase focar, o treinamento de força e, posteriormente, o treinamento aeróbio, ou vice-versa (Bell et alii, 1988; Bell et alii, 1991).

    Tomando por base a importância da periodização de treinamentos concorrentes como meio de se evitar possíveis prejuízos nas respostas adaptativas de uma forma de treinamento sobre a outra, dois estudos tiveram em comum o propósito de analisar os efeitos do treinamento de resistência aeróbia e força muscular realizados em duas seqüências diferentes (primeiro, treinamento aeróbio; depois, o treinamento de força, e vice-versa) sobre as capacidades motoras resistência aeróbia, potência aeróbia e sobre a aquisição de força.

    O primeiro estudo, realizado por Bell et alii (1988), foi composto por dois grupos de remadores de uma equipe universitária: um grupo realizou o treinamento aeróbio em primeiro lugar e, na seqüência, o treinamento de força; o segundo grupo realizou a seqüência oposta, ou seja, primeiro, o treinamento de força e, posteriormente, o treinamento aeróbio; um terceiro grupo foi acompanhado como controle.

    O treinamento aeróbio foi realizado cinco vezes por semana, durante cinco semanas, e consistiu de um trabalho em um ergômetro específico para remadores (Concept II), executado em uma intensidade referente à freqüência cardíaca de 75% do VO2máx (85-90% da freqüência cardíaca máxima). Os atletas, no início do programa de treinamento, exercitaram-se por quarenta minutos por sessão, aumentando a duração em cinco minutos por semana até alcançarem sessenta minutos de exercício contínuo no ergômetro específico.

    O treinamento de força foi realizado com uma velocidade de execução alta (velocidade angular de aproximadamente 3,0 rad.s-1), em um equipamento hidráulico, quatro vezes por semana, durante cinco semanas. Doze tipos de exercícios foram usados a fim de exercitar os grupos musculares dos membros inferiores e superiores envolvidos na ação de remar. A intensidade do treinamento foi aumentada de dois para três circuitos ao final da segunda semana, com quatro minutos de intervalo entre os circuitos e sessenta segundos entre os exercícios. Em cada tipo de exercício, foram realizadas duas séries, com duração de vinte segundos, com um intervalo entre uma série e outra também de vinte segundos.

    Ao analisar os dados obtidos, Bell et alii (1988) concluíram que o treinamento aeróbio, quando realizado em primeiro lugar, pode ter impedido o desenvolvimento subseqüente do ganho de força. Por sua vez, o treinamento de força realizado em uma alta velocidade de contração, após as semanas de treinamento aeróbio, manteve o VO2máx, porém não conseguiu manter o progresso alcançado com o treinamento aeróbio sobre as variáveis que representaram a resistência aeróbia durante o estudo (diminuição da freqüência cardíaca e lactato durante teste submáximo).

    Com relação à seqüência oposta, ou seja, o treinamento de força realizado antes do treinamento aeróbio foi possível verificar que essa seqüência resultou em aumentos no pico de torque nos testes isocinéticos realizados em alta velocidade e também num aumento no VO2máximo. As respostas submáximas ao exercício aumentaram somente com o treinamento aeróbio, independentemente da seqüência realizada.

    De acordo com Bell et alii (1988), se o objetivo do programa de treinamento for provocar melhoras no pico de torque, VO2máximo e resistência aeróbia, a seqüência ótima, pelos resultados do estudo, seria a realização, em primeiro lugar, do programa de treinamento de força executado em alta velocidade e, em seguida, a realização do treinamento aeróbio.

    O segundo estudo, que também teve como propósito analisar os efeitos do treinamento de resistência aeróbia e força muscular realizados em duas seqüências diferentes, idealizado por Bell et alii (1991), teve como diferença básica em relação ao primeiro estudo a forma como o treinamento de força foi elaborado. No segundo estudo, o treinamento de força foi executado com uma velocidade baixa de movimento (aproximadamente 1,05 rad.s-1), porém com uma intensidade maior. Com relação ao treinamento aeróbio, esse seguiu os mesmos padrões do primeiro estudo, inclusive com a utilização do ergômetro específico (Concept II), o que foi possível pelo fato de os estudos terem sido dirigidos no mesmo laboratório.

    Na Figura 1, é possível observar o design experimental idealizado por Bell et alii (1991) e que foi composto por quatro momentos de avaliação: um primeiro momento, que ocorreu cinco semanas antes do início do estudo; um segundo momento, ocorrido imediatamente antes de se iniciarem as seqüências de treinamento; ao final das cinco primeiras semanas e ao final das dez semanas de treinamento.

    No intervalo de tempo entre as cinco semanas antes de se iniciar o programa de treinamento (-cinco semanas) e o momento da avaliação realizado imediatamente antes do início da seqüência de treinamento, os atletas mantiveram seus níveis normais de aptidão realizando um treinamento aeróbio duas vezes por semana e treinamento de força uma vez por semana, sem aumentar a intensidade, duração ou freqüência do treinamento.

Figura 1. Design experimental idealizado no estudo de Bell et alii (1991b).

    Em síntese, o estudo dirigido pelos pesquisadores Bell et alii (1991) mostrou evidências científicas de que as adaptações ao treinamento de força realizado em baixa velocidade e alta intensidade, ou as adaptações obtidas com treinamento aeróbio de forma isolada não pareceram ser afetadas pela seqüência seguida. Entretanto, a seqüência de treinamento organizada com o trabalho de resistência aeróbia vindo em primeiro lugar não foi capaz de manter as melhoras obtidas com o treinamento aeróbio após as cinco semanas de treinamento de força. Por sua vez, não houve uma diminuição significante no pico de torque ou trabalho total (trabalho total = força x deslocamento do braço da alavanca) após treinamento aeróbio no grupo que realizou a seqüência em que o treinamento de força foi executado antes do trabalho aeróbio, sugerindo que alguma manutenção das adaptações obtidas com o trabalho de força foi mantida.

    Tal achado, supostamente, leva a crer que manter as adaptações obtidas por meio do treinamento de força é mais fácil do que manter as obtidas com o treinamento aeróbio, fato também evidenciado no estudo de Bell et alii (1988). Por essa razão, segundo Bell et alii (1991), essa investigação sugere que conduzir um treinamento de força (executado em baixa velocidade e alta intensidade) antes de um programa de treinamento que visa desenvolver o sistema aeróbio pode trazer algumas vantagens em periodizações de programas de treinamentos de atletas que necessitam desenvolver ambas as capacidades, força e resistência aeróbia.

2.     Periodização de treinamentos concorrentes: iniciando com o treinamento de força

    Os pesquisadores Jensen et alii (1997) hipotetizaram que um modelo de treinamento (Tabela 1) no qual a força muscular fosse aumentada antes de ser realizado o treinamento de resistência aeróbia poderia ser melhor do que a combinação de ambas as variáveis ao mesmo tempo, quando um alto rendimento é exigido tanto para a capacidade motora força muscular como para a capacidade resistência aeróbia.

Tabela 1. Descrição da preparação física executada entre as quatro avaliações realizadas para acompanhar 

o modelo de treinamento empregado na preparação das atletas de handebol (Jensen et alii, 1997)

    Procurando investigar esse modelo de treinamento, Jensen et alii (1997) realizaram um estudo com oito jogadoras de handebol integrantes do time nacional da Noruega, as quais foram testadas em quatro ocasiões durante a temporada.

    As jogadoras realizaram treinamento físico em adição ao treinamento de handebol durante os cinco meses que antecederam o mais importante torneio do ano. Com o objetivo de alcançar um alto nível de consumo de oxigênio, força e velocidade máxima de corrida para esse torneio, os pesquisadores elaboraram um programa de treinamento em que o desenvolvimento da força muscular teve prioridade no início do treinamento. Em seguida, o treinamento de resistência aeróbia e velocidade passou a ter a prioridade dentro da preparação física (Tabela 1).

    Pela análise dos dados, Jensen et alii (1997) puderam concluir que os melhores resultados, tanto para VO2máximo como para a velocidade de corrida máxima, foram alcançados na quarta avaliação, exatamente no período em que iria se iniciar o torneio principal do ano. Segundo os autores, essa combinação é normalmente difícil de ser obtida, e o caminho para desenvolver um programa de treinamento apropriado para se conseguir melhorar o VO2máximo e, ao mesmo tempo, obter um alto rendimento em velocidade e força muscular ainda é bastante discutido. Isso porque, embora atletas de endurance sejam capazes de aumentar a força máxima sem diminuir o VO2máximo, é questionável se um período de treinamento de resistência aeróbia, seguido por um período de treinamento de força, trará os melhores resultados quando um alto nível de rendimento é exigido tanto para a capacidade motora força como para a resistência aeróbia.

    Nesse estudo, Jensen et alii (1997) concluíram que a periodização de treinamento em que o programa de força teve prioridade na primeira parte do período de treinamento, seguido por um período no qual velocidade máxima de corrida e resistência aeróbia tiveram prioridade, parece ter sido capaz de melhorar ambos, VO2máximo e velocidade, em jogadoras de handebol de elite nacional no período mais importante da periodização do treinamento, ou seja, o período que antecedeu o início do torneio mais importante do ano.

    Seguindo um modelo de treinamento semelhante ao empregado por Jensen et alii (1997), ou seja, priorizando o trabalho de força em uma primeira etapa da periodização e enfatizando, em uma segunda etapa, o trabalho de resistência aeróbia, Bell et alii (1993) tiveram como objetivo examinar a possibilidade de manter o ganho de força enquanto procuravam aumentar a resistência aeróbia simultaneamente. Para tal, os pesquisadores dividiram o estudo em duas fases: na primeira fase, que durou dez semanas, foi realizado um programa para aumentar a força muscular dos sujeitos, acompanhado por um programa que visava apenas à manutenção da resistência aeróbia; na segunda fase, que teve uma duração de seis semanas, os sujeitos foram divididos em dois grupos, ambos realizando um programa de treinamento para aumentar a capacidade aeróbia; porém, um dos grupos realizou o trabalho de manutenção da força uma vez por semana e o outro, duas vezes por semana.

    Durante a primeira fase do treinamento, o programa de manutenção da resistência aeróbia foi realizado duas vezes por semana em um ergômetro específico para remo, com um trabalho intervalado em uma razão de três minutos exercitando-se para três minutos descansando, em uma intensidade de taxa cardíaca referente a 90% do VO2máximo, aliado a uma sessão de trabalho contínuo de trinta minutos em uma taxa cardíaca equivalente ao limiar ventilatório.

    Na segunda fase, quando se objetivava o aumento da capacidade aeróbia, foram realizadas quatro sessões de treinamento aeróbio por semana, com o treinamento intervalado progredindo de cinco para oito séries de três minutos de execução por três de repouso, com uma taxa cardíaca equivalente a 90% do VO2máximo, e três sessões de treinamento contínuo que passaram de 30 minutos para 45 minutos de duração, em uma freqüência cardíaca mais ou menos cinco batimentos acima do limiar ventilatório.

    O treinamento de força, usando pesos livres e uma máquina de força (Universal) foi realizado, na primeira fase, três vezes por semana, durante dez semanas, e uma ou duas vezes por semana na segunda fase do treinamento, que teve uma duração de seis semanas.

    Na primeira fase do estudo, os sujeitos realizaram uma média de quatro séries por exercício, com aproximadamente 27 repetições por série, em uma intensidade que variou em torno de 74% da carga máxima. Com o objetivo apenas de favorecer a manutenção da força muscular dos sujeitos, na segunda etapa do estudo, os indivíduos realizaram por volta de quatro séries por exercício, com uma média de 23 repetições, em uma intensidade equivalente a 76% da carga máxima.

    Realizando a análise dos resultados, Bell et alii (1993) puderam concluir que o ganho de força significativo obtido na primeira fase do programa realizado em conjunto com o treinamento de manutenção da resistência aeróbia foi mantido na segunda fase do estudo, quando se priorizou o treinamento de resistência aeróbia, ou seja, a força muscular aumentada graças ao treinamento realizado na primeira fase do estudo foi mantida por seis semanas, treinando-se apenas uma ou duas vezes por semana, ao mesmo tempo em que ocorria uma elevação no volume do treinamento aeróbio que resultou em um aumento estatisticamente significante do consumo máximo de oxigênio e limiar ventilatório.

    Reforçando a hipótese de que não haveria problema em se iniciar uma periodização com treinamento de força antecedendo o treinamento aeróbio, encontra-se o estudo conduzido por Petersen, Miller, Wenger & Quinney (1984), que teve como objetivo investigar a influência do VO2máximo inicial sobre a magnitude de ganho de força e potência muscular obtido por intermédio de um programa de treinamento isocinético de força realizado em alta intensidade. Para tal, doze nadadores universitários, de elite, masculinos, foram divididos em dois grupos conforme o VO2máximo; desse modo, um grupo foi classificado como sendo de potência aeróbia alta (VO2máximo = 60ml/Kg.min) e um grupo, como baixa potência aeróbia (VO2máximo = 52,4 ml/Kg.min).

    Os nadadores treinaram quatro vezes por semana durante cinco semanas, e as cargas para o treinamento de força foram ajustadas a fim de se alcançar uma velocidade de membro aproximadamente igual a 180°.s-1. Os atletas realizaram dois ou três circuitos com seis tipos de exercícios em cada circuito, sendo realizadas, em cada exercício, duas séries de vinte segundos, e a relação trabalho/recuperação foi de 1:3.

    Petersen et alii (1984) não verificaram nenhuma diferença na magnitude dos efeitos do treinamento de força observados entre os grupos classificados como de alta e baixa potência aeróbia. De acordo com os autores, isso indica que a potência aeróbia, medida através do consumo máximo de oxigênio, não parece ser um fator limitante para a aquisição de força e potência muscular. Entretanto, os autores acreditam que deva haver um nível mínimo de potência aeróbia que facilite a recuperação dos atletas nos programas de força realizados com uma intensidade alta.

    No caso deste estudo, no entanto, parece que a relação trabalho/recuperação (1:3) foi suficiente para que os sujeitos se recuperassem adequadamente entre a execução dos exercícios; por isso, os autores concluíram que a recuperação também não foi um fator limitante para a aquisição de força e potência muscular.

3.     Periodização de treinamentos concorrentes: iniciando com o treinamento aeróbio

    Apesar dos resultados positivos obtidos por Bell et alii (1988, 1991b, 1993) e Jensen et alii (1997), com o modelo de treinamento que prioriza o trabalho de força em primeira instância seguido por uma ênfase no trabalho aeróbio, e contrariamente às conclusões obtidas por Petersen et alii (1984) com relação ao nível inicial de condição aeróbia e à aquisição de força e potência muscular, alguns estudos têm indicado que melhores resultados para o ganho de força são obtidos quando realizados em sujeitos previamente treinados aerobiamente (Hunter et alii, 1987; Hickson et alii, 1988; Tourinho, 2001).

    Para Hunter et alii (1987), essa hipótese está apoiada no fato de que a recuperação de exercícios intensos de curta duração (7-10 repetições) pode ser facilitada em sujeitos aptos aerobiamente pelo aumento da taxa de remoção do lactato, que ocorre em razão do aumento de capilares ao redor das fibras musculares, ou por causa da maior atividade enzimática oxidativa, adaptações provocadas pelo treinamento aeróbio.

    Um sistema aeróbio bem desenvolvido pode aumentar a capacidade de recuperação de trabalhos realizados em alta intensidade, pela remoção de produtos residuais formados durante a atividade física, oxidação do lactato dentro da musculatura e reposição aeróbia dos fosfatos de alta energia (ATP e CP) depletados (Bell et alii, 1988).

    Seguindo essa linha de raciocínio, Hunter et alii (1987) realizaram um estudo com o objetivo de determinar que efeitos um programa de treinamento aeróbio de manutenção exerce sobre o desenvolvimento da força muscular durante a realização de um treinamento elaborado para melhorar o rendimento dessa capacidade.

    O treinamento de força foi iniciado em três grupos distintos: um grupo de sujeitos previamente destreinados, que passaram a realizar apenas trabalho de força muscular; um segundo grupo, também de sujeitos destreinados, que realizaram, além do treinamento para aumentar a força muscular, treinamento de resistência aeróbia de forma simultânea; um terceiro grupo, composto de sujeitos previamente condicionados aerobiamente (corriam entre 24 e 32 km por semana, no mínimo, três meses antes do início do estudo), porém não acostumados ao treinamento de força muscular. Um quarto grupo, que treinou somente resistência aeróbia, serviu como grupo-controle.

    O trabalho de força muscular foi realizado quatro vezes por semana, durante 12 semanas. Todos os exercícios foram realizados com uma carga máxima possível para executar três séries de sete a dez repetições e, quando os sujeitos passavam a ser capazes de fazer dez repetições, a carga era aumentada.

    O treinamento de resistência aeróbia, por sua vez, consistiu de corrida contínua quatro vezes por semana, com duração de doze semanas, em uma intensidade referente a 75% da freqüência cardíaca de reserva. A duração do treinamento foi aumentada gradualmente de vinte minutos, na primeira semana, para quarenta minutos, na oitava semana, permanecendo com essa duração até a última semana. Os sujeitos treinaram força e correram no mesmo dia duas vezes por semana, correndo sempre após o treinamento de força muscular. Em dois dias na semana, os sujeitos treinaram somente força e, em outros dois dias, somente correram.

    De acordo com Hunter et alii (1987), como era esperado, o grupo que treinou apenas força não aumentou o seu VO2máximo, já que esse tipo de trabalho tem pouco efeito sobre a potência aeróbia máxima. Da mesma maneira, o grupo que já apresentava um certo condicionamento aeróbio também não melhorou seu VO2máximo, pois a duração e intensidade do treinamento aeróbio permaneceram constantes durante todo o estudo. Já o aumento quase idêntico no VO2máximo dos sujeitos que treinaram somente resistência aeróbia em relação ao grupo que realizou o trabalho simultâneo das capacidades motoras indicou que o treinamento de força teve pouca influência sobre o desenvolvimento da condição aeróbia, fato já relatado em outros estudos (Dudley & Djamil, 1985; Hickson, 1980; Kraemer et alii, 1995).

    As melhoras na força muscular observadas no grupo que começou o estudo já condicionado aerobiamente foram significativamente maiores do que as melhoras do grupo que também realizou treinamento simultâneo, porém sendo previamente destreinado aerobiamente e completamente similares aos aumentos observados no grupo que treinou apenas força, indicando que o treinamento realizado apenas para manter a condição aeróbia não exerceu um efeito negativo sobre as adaptações provocadas pelo treinamento de força muscular.

    Para Hunter et alii (1987), tais resultados podem ser explicados pelo fato de que os sujeitos pertencentes ao grupo que iniciou o estudo já com um certo grau de condicionamento aeróbio podem ter sido capazes de remover o lactato acumulado durante a execução das séries mais rapidamente; por isso, podem ter mantido uma alta intensidade nos exercícios de força durante as consecutivas séries. Ainda para os autores, os sujeitos previamente treinados aerobiamente foram capazes de realizar as três séries de dez repetições antes dos outros sujeitos e, dessa maneira, realizar trabalhos mais intensos com peso mais rapidamente. Já que a intensidade é um fator muito importante no desenvolvimento da força, o grupo aerobiamente condicionado que realizou treinamento simultâneo pode ter, por isso, aumentado a força de forma mais acelerada que os demais grupos.

    Com esses resultados, Hunter et alii (1987) concluíram que a aquisição de força pode ser inibida durante o treinamento de força muscular se o treinamento aeróbio for realizado de forma intensa simultaneamente, no entanto isso pode não ocorrer se a intensidade e duração do treinamento aeróbio forem estabelecidas antes de se iniciar o treinamento de força e mantidas em níveis moderados (24 a 32 km por semana) durante a realização de exercícios que visam aumentar a força muscular.

    Com o objetivo de descrever os efeitos da periodização de treinamentos concorrentes (força muscular e resistência aeróbia) sobre os resultados de testes motores e sobre o desempenho em quadra de jogadores profissionais de futsal durante o período preparatório e período competitivo Tourinho (2001), semelhante ao estudo de Hunter et alii (1987), priorizou num primeiro momento o treinamento da capacidade aeróbia (fase básica) e em seguida, passou a priorizar o treinamento de força e velocidade\agilidade em detrimento ao treinamento aeróbio que passou a ser realizado, na fase específica, de forma intervalada em alta intensidade – Método Contínuo de Intensidade Variável (modelo de treinamento híbrido), com o objetivo apenas de manter a condição cardiorrespiratória dos atletas (Tabela 2).

Tabela 2. Estrutura da preparação física executada nas fases básica e específica do período preparatório de jogadores profissionais de futsal (Tourinho, 2001)

    Ao final de dez meses, o estudo mostrou que esta forma de periodização possibilitou a melhora dos índices de força e velocidade dos jogadores sem prejuízo no rendimento aeróbio que manteve-se constante durante toda a temporada.

    De acordo com Tourinho (2001) a utilização do modelo de treinamento híbrido, utilizado para manutenção da condição aeróbia, somado ao estabelecimento de prioridades a serem alcançadas ao se elaborar o programa de treinamento, levando-se em consideração as necessidades impostas pelo esporte, isto é, a ênfase no treinamento de força e velocidade/agilidade com especial atenção à especificidade do movimento, pode ser um passo importante quando se precisa treinar vários componentes do condicionamento físico (força, resistência aeróbia, velocidade, agilidade) ao mesmo tempo, evitando-se, dessa maneira, o fenômeno da interferência dentro da periodização de regimes de treinamentos concorrentes.

4.     Considerações finais

    A discussão existente entre os diversos pesquisadores sobre qual a seqüência de treinamento (primeiro, treinamento de força e, posteriormente, treinamento de resistência aeróbia, ou vice-versa) seria a mais adequada como meio para se evitar prejuízos nas respostas adaptativas de uma forma de treinamento sobre a outra, torna-se ainda mais complexa caso se leve em consideração que atletas de jogos esportivos coletivos (futebol, basquetebol, andebol, futsal) precisam aliar a capacidade funcional, obtida através de um programa de treinamento físico, com a execução técnica e a aplicação tática dos diferentes elementos do jogo durante todo o decorrer de um campeonato.

    Para Soares (1991), esse conjunto de fatores que fazem parte do treinamento esportivo - preparação física, técnica e tática - torna extremamente difícil a sua periodização, pois obriga a sistemáticas alterações da dinâmica das cargas. Quando essa plasticidade das cargas está apoiada em princípios fisiológicos sólidos, a probabilidade de obter sucesso na periodização aumenta consideravelmente; entretanto, é comum verificar que, em muitos casos, tais alterações da dinâmica das cargas são provavelmente condicionadas em função da competição, mas incompatíveis com a fisiologia humana.

    Procurando ilustrar tal situação, Soares (1991) cita o exemplo de equipes que iniciam a sua preparação com longos períodos de tempo dedicados à resistência aeróbia durante o período preparatório; porém, com o início das competições, esse tipo de treinamento é completamente abandonado em detrimento de treinos com maior ênfase técnica e tática; ou, então, equipes que começam o seu período preparatório dedicando grande parte do tempo ao treino de força geral (abdominais, dorsais, lombares, etc.) e, durante o período competitivo, raramente voltam a estimular esses grupos musculares.

    Ao relacionar os fatos citados, é possível verificar até que ponto podem ser negativas as modificações geralmente observadas nos conteúdos dos programas de treinamento na passagem do período preparatório para o período competitivo. Tais situações práticas, que habitualmente ocorrem dentro da preparação dos esportes coletivos, se não podem ser, na maioria dos casos, entendidas como um processo de destreino na sua concepção tradicional, assemelham-se em muito com esse processo, quando os programas de treinamento utilizados no período preparatório são abandonados e, no seu lugar, sucedem-se semanas de trabalho técnico e tático, muitas vezes sem mobilização dos grupos musculares solicitados anteriormente (Soares, 1991).

    A interrupção do treino de determinados grupos musculares ou de determinadas capacidades motoras leva, inevitavelmente, a perdas funcionais importantes e, por conseguinte, à provável diminuição do desempenho de uma equipe como um todo.

    Por fim, a observação sobre a existência de intensa controvérsia entre os estudos que analisam o fenômeno da interferência apenas vem confirmar a complexidade na análise do efeito combinado de regimes de treinamentos concorrentes sobre as respostas adaptativas do organismo frente a esse modelo de treinamento esportivo e a necessidade de mais estudos a respeito do assunto.

Bibliografia

  • BAUMMAN, M.M. Should strength and endurance training be combined? Strength and Conditioning, v.18, n.1, p.66-67, 1996.

  • BELL, G.; SYROTUIK, D.; SOCHA, T.; MACLEAN, I.; QUINNEY, H.A. Effect of strength training and concurrent strength and endurance training on strength, testosterone, and cortisol. Journal of Strength and Conditioning Research, v.11, n.1, p.57-64, 1997.

  • BELL, G.F.; PETERSEN, S.R.; QUINNEY, H.A.; WENGER, H.A. Sequencing of endurance and high velocity strength training. Canadian Journal of Sports Science, v.13, n.4, p.214-219, 1988.

  • BELL, G.F.; PETERSEN, S.R.; WESSEL, J.; BAGNALL, K.; QUINNEY, H.A. Adaptations to endurance and low velocity resistance training performed in a sequence. Canadian Journal of Sports Science, v.16, n.3, p.186-192, 1991.

  • BELL, G.F.; SYROTUIK, D.G.; ATTWOOD, K.; QUINNEY, H.A. Maintenance of strength gains while performing endurance training in oarsmen. Journal of Applied Physiology, v.18, n.1, p.104-115, 1993.

  • DOCHERTY, D.; SPORER, B. A proposed model for examining the interference phenomenon between concurrent aerobic and strength training. Sports Medicine, v.30, n.6, p.385-394, 2000.

  • DUDLEY, G.A.; DJAMIL, R. Incompatibility of endurance and strength -training modes of exercise. Journal of Applied Physiology, v.59, n.5, p.1446-1451, 1985.

  • DUDLEY, G.A.; FLECK, S.J. Strength and endurance training: are they mutually exclusive? Sports Medicine, v.4, p.79-85, 1987.

  • FLECK, S.J.; KRAEMER, W.J. Fundamentos do treinamento de força muscular. 2.ed. Porto Alegre, Artmed, 1999.

  • HICKSON, R.C. Interference of strength development by simultaneously training for strength and endurance. European Journal of Applied Physiology, v.45, p.255-263, 1980.

  • HICKSON, R.C.; DVORAK, B.A.; GOROSTIAGA, E.M.; KUROWSKI, T.T.; FOSTER, C. Potential for strength and endurance training to amplify endurance performance. Journal of Applied Physiology, v.65, n.5, p.2285-2290, 1988.

  • HICKSON, R.C.; ROSENKOETTER, M.A.; BROWN, M.M. Strength training effects on aerobic power and short-term endurance. Medicine and Science in Sports and Exercise, v.12, n.5, p.336-339, 1980.

  • HUNTER, G.; DEMMENT, R.; MILLER, D. Development of strength and maximum oxygen uptake during simultaneous training for strength and endurance. Journal of Sports Medicine and Physical Fitness, v.27, n.3, p.269-275, 1987.

  • HURLEY, B.F.; SEALS, D.R.; EHSANI, A.A.; CARTIER, L.J.; DALSKY, G.P.; HAGBERG, J.M.; HOLLOSZY, J.O. Effects of high-intensity strength training on cardiovascular function. Medicine and Science in Sports and Exercise, v.16, n.5, p.483-488, 1984.

  • JENSEN, J.; JACOBSEN, S. T.; HETLAND, S.; TVEIT, P. Effect of combined endurance, strength and sprint training on maximal oxygen uptake, isometric strength and sprint performance in female elite handball players during a season. International Journal of Sports Medicine, v.18, p.354-358, 1997.

  • KRAEMER, W.J.; PATTON, J.F.; GORDON, S.E.; HARMAN, E.A.; DESCHENES, M.R.; REYNOLDS, K.; NEWTON, R.U.; TRIPLETT, N.T.; DZIADOS, J.E. Compatibility of high - intensity strength and endurance training on hormonal and skeletal muscle adaptations. Journal of Applied Physiology, v.78, n.3, p.976-989, 1995.

  • PETERSEN, S.R.; MILLER, G.R.; WENGER, H.A.; QUINNEY, H.A. The acquisition of muscular strength: the influence of training velocity and initial VO2max. Canadian Journal of Applied Sports Science, v.9, n.4, p.176-180, 1984.

  • SOARES, J.M.C. O princípio da continuidade e da reversibilidade no treino em jogos desportivos colectivos: abordagem fisiológica. Revista Treino Desportivo, n.22, p.3-7, 1991.

  • TOURINHO, H.F. Periodização de regimes de treinamentos antagônicos: um estudo sobre o futsal. São Paulo, 2001. 261p. Tese (Doutorado) – Escola de Educação Física e Esporte, Universidade de São Paulo.

  • WILLOFF, U.; HELGERUD, J.; HOFF, J. Strength and endurance of elite soccer players. Medicine and Science in Sports and Exercise, v.30, n.3, p.462-467, 1998.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/

revista digital · Año 14 · N° 140 | Buenos Aires, Enero de 2010  
© 1997-2010 Derechos reservados