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A relação do profissional de Educação Física 

com o corpo e sua pluralidade

La relación del profesional de la Educación Física con el cuerpo y su pluralidad

Relation of the professional Physical Education with the body and its plurality

 

*Licenciando em Educação Física pela Universidade Castelo Branco (UCB/RJ)

Pós-graduando em Elaboração e Gestão de Projetos sócio-esportivos pela UCB/RJ

** Licenciando em Educação Física pela Universidade Castelo Branco (UCB/RJ)

(Brasil)

Thiago de Sousa Rosa*

thiago.rosaef@gmail.com

Nathália da Rocha Corrêa Barros**

nathalia_pbarros@hotmail.com

 

 

 

Resumo

          Na busca do transcendental, o homem estabeleceu dois caminhos que se dividem entre a ciência e a religião, a partir desta divisão surgiu o profano e o sagrado, terreno por onde o corpo transita como elemento de discussão. Essa relação do homem com seu corpo por onde o profissional de educação física transita em seu labor, e sua competência para mediar essas questões, é o tema de discussão que norteia esse artigo. Entender as relações do homem com seu corpo através da história e enxergar seu encaixe na sociedade pós-moderna com imparcialidade e sem preconceitos, é a missão na qual o novo profissional de Educação Física está envolvido. Tal missão exige um mergulho nas questões que envolvem a analogia entre o corpo e a sociedade, tratando a mesma com a complexidade e profundidade que lhe cabe. Esse artigo se desdobrará na análise do posicionamento do educador físico mediante o corpo e seus conflitos culturais e religiosos, colaborando para que o mesmo seja capaz de compreender seu papel e desempenhá-lo com competência e imparcialidade, deixando de lado seus preconceitos e preferências pessoais.

          Unitermos: Corpo. Pluralidade cultural. Educação Física. Esporte

 

Abstract

          In search of transcendental, the man has established two that divides paths between science and religion, from this division born the profane and the sacred, territory where the body moves as a element of discussion. This man's relation to his body where the physical education professional moves in their work, and its competence to mediate these issues, is the topic of discussion that guides this article. Understanding the relationship of man with his body through history and see its placement in the post-modern society with fairness and without bias, is the mission in which the new physical education professional is involved. This mission requires a dip in matters involving the analogy between the body and society, treating the same with the complexity and depth it deserves. This article unfolds in the analysis of the physical educator position on about the body and its cultural and religious conflicts, working for it to be able to understand their role and play it competently and impartially, putting aside their prejudices and personal preferences.

          Keywords: Body. Cultural plurality. Physical Education. Sports

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 140 - Enero de 2010

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1.     Introdução

    Vivemos hoje em uma sociedade plural, onde milhares de “tribos culturais” convivem dividindo o mesmo espaço, compartilhando dos mesmos bens e interagindo de diversas formas, em meio a esse turbilhão cultural encontra-se o corpo, instrumento de ação e responsabilidade do educador físico.

    Este corpo está sujeito a uma série de conceitos, normas e valores culturais e religiosos que se formaram através de milhares de anos e o influenciam até os dias de hoje ditando nosso comportamento social. Viver em uma sociedade tão heterogênea exige do professor de educação física o esforço de compreender como se organizam tais questões na sociedade, quais são os agentes dessa ação e como se iniciou essa relação do homem com o corpo.

    Para tal compreensão uma análise de conjuntura se faz necessária, assim este professor será capaz de se posicionar com segurança escolhendo o melhor instrumento de intervenção e a melhor maneira de utilizá-lo.

2.     Objetivo

    O presente estudo tem como objetivo discutir o posicionamento do professor de educação física perante o corpo e sua pluralidade, identificando através de análise histórica o processo de formação da relação do corpo com a cultura.

3.     Desenvolvimento

3.1.     As questões existenciais humanas

    O homem é constituído de habilidades que possibilitam que altere o mundo a sua volta e conviva em conjunto, das formas de utilização dessas habilidades surgem à cultura1 e a sociedade2. Com o surgimento de tais habilidades o homem se transforma, passando de um ser apenas biológico a um ser sócio-cultural e esse caminho trilhado pelo homem ao longo de toda história, fez com que essas habilidades se tornassem componentes vitais para sua sobrevivência e bem-estar. Para Max Weber (2004) “o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu”.

    A busca do conhecimento tornou o homem um ser consciente, segundo Medina (2007), “A mesma consciência que liberta o sujeito do mundo é a mesma que o aprisiona aos novos problemas existenciais”. Problemas e perguntas que só surgiram a partir da tomada de tal consciência e os quais nos perseguem até os dias de hoje. Quem sou? De onde venho? Para onde vou?

    A busca por essas repostas gerou as duas características do comportamento humano que o distinguem efetivamente dos demais animais: a fé e a razão3. Conseqüentemente esta ambivalência pela busca do conhecimento originou os dois principais pilares da humanidade, a Ciência e a Religião, que usaram uma da fé e a outra da razão para responder as nossas questões existenciais.

3.2.     Diferenças e intolerância

    A ciência, através da metafísica, realiza o estudo sistemático dos fundamentos da realidade e do conhecimento usando como ferramenta a razão. A religião segundo Weber (2001 apud FARIA, 2004, p. 12) é “uma construção racional do ser humano em busca de cessar a causa de seu sofrimento que lhe parece realmente incompreensível”. Essa usa como instrumento a fé.4

    Vale reafirmar aqui que essa dialética entre ciência e religião é o resultado de um processo histórico cultural de tomada de consciência do ser humano. Esse processo cultural foi vivido de diversas formas diferentes em diversas partes do mundo, o que tornou seres biologicamente iguais, seres culturalmente diferentes. Segundo Laplantine (1988 apud DAOLIO, 1995), “aquilo que os seres humanos têm em comum é sua capacidade para se diferenciar uns dos outros".

    Devido as variadas culturas os homens se tornaram diferentes e consequentemente, seus mundos sagrados e a forma de busca da transcendência também. Essas diferenças surgiram de acordo com a manifestação comportamental da comunidade a qual o homem estava inserido, resultando em distintas religiões.

    O homem desde a sua infância está sujeito a forte influencia cultural de seus familiares e instituições sociais que o preparam para ser aceito e sobreviver em um determinado grupo. No seu corpo será refletido o seu meio social se tornando gradativamente um suporte de signos sociais como nos mostra Medina (2007). Por conta disso, ao passar do tempo o homem foi desenvolvendo uma visão singular e um comportamento restrito, se tornando intolerante as diferenças. A propósito, Rousseau afirma que “o Homem nasceu livre e em toda a parte se encontra algemado”, pois apesar de ser considerado à priori um "bom selvagem", é alterado pela sociedade através da pressão social. Esta intolerância cultural, social e religiosa foi motivo de guerras e ainda se faz presente servindo de pano de fundo para os cenários de preconceitos e violências urbanas, que infelizmente fazem parte do nosso cotidiano.

3.3.     O corpo sagrado e o corpo profano

    No sagrado o corpo tem múltiplos significados e funções que respectivamente o aproximam e o separam do divino. O corpo na religião é considerado um canal onde o espírito estabelece contato com o mundo material, ou seja, o abstrato efetua contato com o concreto. Sendo assim, o corpo é um instrumento divino que simultaneamente tem de ser controlado, pois não devemos nos esquecer que ao corpo também é atribuído a culpa dos pecados, os deméritos, as impurezas, enfim, tudo aquilo que o afasta do divino.

    O corpo impuro, que na Idade Média era escondido até durante o banho e flagelado em benefício da alma, vira objeto sagrado na representação figurativa do pão, da hóstia, o corpo de cristo. Até hoje, o corpo é considerado pelas religiões um meio de passagem, resgate ou provação para elevação espiritual, ficando as margens e sendo sempre um meio, um intermédio que tem por fim a alma.

    Esta bivalência do corpo forma um paradoxo onde o mesmo pode ser visto como a morada do espírito ou como prisão da alma. Para Durkheim (1989 apud ARAUJO, 2007), “o sagrado é uma experiência coletiva e representa um sentido de dependência do indivíduo no grupo social. Está no centro de práticas positivas e negativas e funciona como regulador social”.

    O cogito cartesiano “Penso Logo Existo”, dessacralizou o corpo permitindo a realização de pesquisas e intervenções, tornando-o objeto de estudos. No entanto esta separação nos acarretou uma série de distorções sobre o corpo e mente, uma delas é desvalorizar o trabalho manual e supervalorizar o trabalho mental, conseqüências que perduram atualmente em nossa cultura, ou seja, criando uma perspectiva profana para o corpo totalmente desligada da religião.

3.4.     O educador físico e o corpo

    O profissional de educação física, em sua prática docente, tem o papel fundamental de agir como mediador no processo de ensino aprendizagem se utilizando do corpo, suas ações e expressões como ferramenta no desenvolvimento social, cognitivo, motor e afetivo do aluno. Tão valiosa ferramenta não pode ser encarada com simplismo, o docente da educação física deve se encontrar consciente de todas as questões que envolvem o corpo e seu simbolismo.

    Segundo Ruffoni (2004) “a educação física atravessa um momento de mudança de paradigma; de uma educação biologizante, desportivizante, tecnicista, para uma pedagogia voltada para a cultura corporal”. Nesse novo momento, o corpo que antes era tratado pelo professor apenas como um organismo biológico, ganha novos atributos com os quais o educador deve estar pronto para lhe dar.

    Para tanto, é preciso que o professor seja capaz de enxergar esse corpo como um fenômeno cultural e histórico, deixando de lado suas preferências pessoais e principalmente seus preconceitos tendo uma visão corporal e social holística do aluno. “Corpo que se educa é corpo humano que aprende a fazer história, fazendo cultura”. (Moreira, 1995)

    Vargas (1995) evidencia que a característica humana é delineada pela sociedade e acrescenta que é no grupo que o movimento humano é adjetivado de valores. Logo, para se trabalhar com o corpo deve-se compreender o meio onde aquele corpo está inserido e entender as intenções que se escondem por detrais de cada ação daquele corpo, intenções estas construídas nos meios sociais e resultantes da cultura local.

    É através do corpo, do movimento, da ação que o aluno se expressa, deixando muitas vezes evidente sua intenção, a “tribo” a qual pertence, sua religião e suas crenças. Interpretar esses sinais dá ao professor o poder de entrar na cabeça do seu aluno, entendendo a origem de suas ações, facilitando assim qualquer processo de intervenção educacional.

    O professor de educação física ainda tem uma vantagem sobre os demais docentes no âmbito escolar, além de atuar diretamente com o corpo este tem nas mãos o esporte. Nesse momento se faz necessário citar Tubino (1998), que nos diz: “o esporte como fenômeno social de características universais se constitui numa verdadeira forma de cultura, e reflete os valores políticos e ideológicos da sociedade”. Complementando com Sérgio (1997) que afirma que o “esporte permite ao homem transcender e transcender-se”.

    Não há barreiras para o esporte, nem sociais, nem políticas, nem religiosas, permitindo ao professor circular com este instrumento por entre todas as culturas atingindo a todos de maneira única. O esporte, se bem utilizado, é ferramenta agregadora e imparcial, livre de preconceitos e capaz de tornar o professor um agente transformador social.

4.     Metodologia

    A metodologia adotada no presente estudo foi de natureza descritiva com a revisão de literatura de autores conceituados na educação física e na temática do corpo e suas relações culturais, adotando como referência o contexto histórico da formação das relações entre o homem e seu corpo tendo também como pano de fundo as religiões.

5.     Conclusão

    Concluímos com o presente estudo que as relações entre o homem e seu corpo se estendem para além das barreiras biológicas, tendo este se tornado um fenômeno cultural, agente de transformação e transformador da sociedade. Com isso fazendo-se necessário um sério entendimento por parte do educador físico das questões sócio-culturais que envolvem este corpo.

    Além disso, identificamos a necessidade do docente em educação física se manter imparcial perante as questões de preferência religiosa e cultural, fortalecendo o uso do esporte como ferramenta de ensino em qualquer ambiente, seja ele homo ou heterogêneo culturalmente.

Notas

  1. “Cultura é o conjunto de códigos simbólicos reconhecíveis pelo grupo, e é por intermédio desses códigos que o indivíduo é formado desde o nascimento”. (PCN’s – Educação Física, 1998).

  2. Em sociologia, sociedade é o conjunto de pessoas que compartilham propósitos, gostos, preocupações e costumes, e que interagem entre si constituindo uma comunidade.

  3. Há quem acredite que a razão se subordina totalmente à fé, pois o critério supremo da verdade é o dogma, a revelação divina. A razão abdica de suas exigências próprias em favor deuma instância meta-racional, cuja autoridade não se discute. A razão é tida, por alguns, como instrumento não de demonstração, mas de afirmação da fé.

  4.  “Ora, a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das coisas que se não vêem” (Hb 11,1)

Referências bibliográficas

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  • RUFFONI, Ricardo. Analise metodológica da prática do Judô. 2004. Mestrado em Ciência da Motricidade Humana – Universidade Castelo Branco. Rio de Janeiro

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  • TUBINO, Manoel. O esporte na perspectiva do lazer: uma possibilidade de transcendência. RJ: Manole, 1998.

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  • WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Tradução Antonio Flávio Pierucci. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

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