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Muita saúva, pouca saúde: Macunaíma, um retrato do Brasil

 

Formado em História, atualmente cursa Pós-Graduação (especialização)

em História e Comunicação do Brasil

(Brasil)

Ralph Schibelbein

nschibelbein@ig.com.br

 

 

 

Resumo

          Este breve trabalho tem por objetivo relacionar um filme (Macunaíma – herói sem nenhum caráter) com as discussões realizadas por historiadores, antropólogos, sociólogos e demais intelectuais, a respeito de conceitos como cultura e identidade, e ainda pensar o cinema como um material importante para este tipo de análise. 

          Unitermos: Macunaíma. Identidade brasileira. Filme. História

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 140 - Enero de 2010

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    Este breve trabalho tem por objetivo relacionar um filme (Macunaíma – herói sem nenhum caráter) com as discussões realizadas por historiadores, antropólogos, sociólogos e demais intelectuais, a respeito de conceitos como cultura e identidade, e ainda pensar o cinema como um material importante para este tipo de análise. O filme, principalmente a partir da nova história, vem sendo considerada como fonte histórica e cada vez mais tem sido um importante material de análise, além de ser um interessante recurso didático.

    Não é meu objetivo pensar mais especificamente o cinema e sua relação com a história ou ainda os cuidados que se deve ter na hora de utilizar este como recurso didático. Isto deixarei para uma próxima oportunidade. Por hora, vamos analisar o filme Macunaíma, sua relação com os conceitos de cultura e identidade, e pensá-lo como um (dos) retrato (s) do país, na época.

    Partindo desta proposta, busquei analisar de que forma conceitos como o de identidade, cultura, meios de comunicação de massas, ídolos, aparecem, relacionam-se e são representados no filme.

    O filme escolhido por mim foi Macunaíma, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, lançado em 1969. O filme é uma adaptação do livro homônimo de Mário de Andrade, escrito em 1928. Este aspecto da recuperação de uma obra modernista, no final da década de 1960, representa uma relação intima no que se refere à preocupação de pensar o Brasil em ambos os períodos históricos.

    Nos dois momentos históricos a arte foi marcada pela busca de uma identidade brasileira, a preocupação com o caráter nacional e a definição do que é ser brasileiro, em contraposição ao produto estrangeiro, as tentativas de descolonizar a produção cultural do país.

    É importante lembrar que as duas obras encontram-se ligadas a movimentos com intenções de interpretar o Brasil que vivíamos. Modernismo e depois o Cinema Novo. Não irei me deter na explicação dos movimentos, pois acredito não ser este o objetivo deste breve trabalho. Porém gostaria antes de falar propriamente sobre o filme, de pensar brevemente a relação de dois conceitos importantes para esta análise. Cultura e identidade.

    Tema bastante em voga e conceitos muito utilizados nos últimos anos nas diferentes áreas e por diferentes autores como David Harvey, Stuart Hall, Renato Ortiz, Roger Chartier, Pierre Bourdier, entre muitos outros. Porém, apesar da crescente utilização dos termos, Denys Cuche (A Noção de Cultura nas Ciências Sociais) nos chama atenção para o fato de não podermos, pura e simplesmente confundir a noção de cultura com a de identidade, apesar de ambas terem uma grande ligação.

    Segundo Denys Cuche, Cultura pode existir sem consciência de identidade, ao passo que as estratégias de identidade podem manipular e até modificar uma cultura que não terá então quase nada em comum com o que ela era anteriormente. Penso que a identidade implica em inclusão e exclusão, ela é seletiva e construída. Desta forma, os movimentos, e Mario de Andrade, como Joaquim Pedro de Andrade, utilizam-se de aspectos da cultura brasileira para pensar e construir uma identidade nacional.

    Macunaíma (filme) é a história de um anti-herói ou um herói sem nenhum caráter, que nasce sem dificuldade alguma de uma mãe branca, velha e masculinizada. Ele nasce negro e já formado, não como uma criança. (interpretado por Grande Otelo). Macunaíma passa a infância na selva com sua mãe, irmãos e cunhada, e de tão preguiçoso só começa a falar aos 6 anos.

    Após a morte de sua mãe, Macunaíma e os irmãos deixam a mata e vão para a cidade grande. No trajeto, Macunaíma encontra uma fonte e ao banhar-se nela torna-se branco. (Neste momento Paulo José passa a interpretar Macunaíma)

    Na cidade, ele e seus irmãos envolvem-se com guerrilheiras, prostitutas, vilões milionários, meninos de rua, policiais, casas de umbanda, protestos, e etc. Em meio a essa aventura urbana, Macunaíma se apaixona por uma guerrilheira (Ci) e enfrenta o vilão (Venceslau Pietro Pietra), para reconquistas o amuleto que herdara de Ci, o muirakitã.

    Após conseguir recuperar o amuleto, nosso herói volta para a floresta, sua casa de origem, acompanhado dos seus irmãos. Porém Macunaíma continua preguiçoso e não ajuda para o bem coletivo, sendo assim acaba abandonado a própria sorte deitado em sua rede. Só levanta da rede quando sente vontade de “brincar”, então se dirigi ao rio onde encontra uma moça nua, que o narrador informa ser a Uiara (comedora de gente). O filme termina quando Macunaíma entra no rio atrás da mulher e segundos depois aparece apenas sua jaqueta boiando, rodeada de sangue.

    Como havia dito mais acima, é importante para a compreensão, situarmos o filme em seu contexto histórico. Vivíamos um período marcado pela repressão do regime militar que se caracterizou pela censura e desenvolvimento econômico (modernização) que trouxe ao país.

    Segundo Renato Ortiz (Cultura Brasileira e Identidade Nacional, 2006) em um período marcado pela ditadura do governo militar, bem como a reorganização da economia brasileira, que cada vez mais, se inseria no processo de internacionalização do capital, processo de modernização, a cultura passou por um momento de intensa criação nas diferentes áreas das artes: teatro, artes plásticas, cinema, literatura, música. Em todas as formas de expressão a idéia de se pensar o Brasil e responder quem somos e que futuro queremos para o país, fazia-se presente.

    Macunaíma nasce neste cenário e mais especificamente, dentro da proposta do Cinema Novo. Esse movimento tinha como grande princípio a máxima “uma câmera na mão e uma idéia na cabeça”, essa nova geração de cineastas propôs deixar os obstáculos causados pela falta de recursos técnicos e financeiros em segundo plano. A partir de então, seus interesses centrais eram realizar um cinema de apelo popular, capaz de discutir os problemas e questões ligadas à “realidade nacional” e o uso de uma linguagem inspirada em traços da nossa própria cultura.

    No filme podemos pensar o Macunaíma como um retrato/filho do Brasil. Nasce já feito, sem a infância, de uma maneira grosseira e sem pai. A figura do pai que representaria um cuidado, uma autoridade, talvez um Estado que estivesse ao lado do brasileiro.

    Nosso herói sem nenhum caráter também é muito preguiçoso e fica a maior parte de sua infância sem falar. Podemos pensar isso como uma característica que se creditava/credita ao povo do Brasil (preguiça) e a censura, falta de democracia, participação popular. (falta da fala/participação. Um povo calado)). Macunaíma também só deixava de descansar para tomar banho de rio ou “brincar”, também aspectos que marcaram muito o que é ser brasileiro ao longo dos anos.

    Na sua fase adulta, após a morte de sua mãe, ele resolve ir para a cidade, como se a cidade representasse o desenvolvimento, a maturidade e ainda para reforçar essa “evolução”, no caminho para a cidade ele torna-se branco.

    Ao longo de sua aventura urbana, podemos notar representado na cidade, o mosaico do nosso país, especialmente no período em questão. Aspectos da cultura popular brasileira ao lado de elementos estrangeiros, o moderno com o arcaico são diálogos recorrentes nesta etapa do filme. Guerrilheiras, prostitutas, meninos de ruas, madames, milionários, morros, favelas, casas luxuosas, pomba-gira, militares, golpistas malandros, trabalhadores, representam os diferentes tipos sociais e culturais, bem como político e econômicos do nosso país.

    As trilhas sonoras bem como as cores utilizadas merecem um destaque especial e se encarregam de aprofundar os sentimentos e idéias expressas pelas imagens. Importante ressaltar que Macunaíma foi, em parte pelos aspectos citados acima, um dos filmes mais populares do cinema novo. Alcançou sucesso de público e de critica sem perder o ideal do Cinema Novo.

    Podemos notar claramente no filme elementos presentes na obra literária de Andrade, como menções a antropofagia, personagens do folclore nacional, e ao mesmo tempo elementos próprios da época da realização do filme, como guitarras, menções ao tropicalismo, guerrilha armada e ao desenvolvimentismo. Porém a idéia principal, de através de elementos da cultura brasileira, pensar e retratar uma identidade brasileira se mantém.

    É importante lembrar, como havia dito antes, que neste momento se buscava criar uma identidade para nosso país e diferentes grupos e movimentos engajavam-se nessa construção. Os tropicalistas, assim como participantes do Cinema Novo buscavam inspiração no movimento Modernista dos anos 1920, relação essa presente entre a obra de Mário de Andrade (Macunaíma) e o filme de Joaquim Pedro de Andrade.

    Segundo José Carlos Reis (Identidades do Brasil: De Varnhagen a FHC. FGV, 2001), nas interpretações sucessivas percebem-se as concepções diferenciadas do tempo histórico brasileiro que em cada momento da história do Brasil, puderam ser formuladas. E essas representações históricas retornam a realidade social, reproduzindo ou alterando-a. Cada interpretação do Brasil revela o que podia ser visto do passado e vislumbrado do futuro naquela posição temporal especifica.

    Sendo assim, o filme Macunaíma é bastante rico para refletir sobre o contexto do Brasil no período apresentado, como também a forma que se pensava a cultura e a identidade nacional. José Teixeira Coelho Netto (Dicionário Critico de Política Cultural), contribuiu, afirmando que documento artístico-cultural é um documento histórico como outro qualquer, na medida em que é um produto de uma mediação da experiência histórica subjetiva com estruturas objetivas da esfera socioeconômica. Os processos de mediação cultural, de natureza diversificada, envolvem as diversas ações de aproximação entre indivíduos e grupos sociais e as obras de cultua, via produção cultural, meios de comunicação, criticas de arte, ações institucionais.

    Por fim, além de Macunaíma ser uma bela e interessantíssima adaptação cinematográfica, nos ajuda a pensar as questões de nossa história, cultura e identidade. Afinal de contas, não há como não refletir durante minutos (dias) sobre a ultima cena do filme, ao som de Heitor Villa Lobos. Excelente oportunidade para analisarmos os elementos citados acima e trabalhados na disciplina. E ainda sugere a questão, para você, o que é ser brasileiro?

Bibliografia

  • ANDRADE, Joaquim Pedro. Macunaíma (filme). Brasil, 1969.

  • CUCHE, Denys. A Noção de Cultura nas Ciências Sociais. EDUSC.

  • NETTO, José Teixeira Coelho. Dicionário Crítico de Política Cultural. São Paulo: Iluminuras, 1997.

  • ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: brasiliense, 2006.

  • REIS, José Carlos. Identidades do Brasil: De Varnhagen a FHC. FGV, 2001.

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