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Estado Novo e futebol: a região italiana do Rio Grande do Sul

Estado Novo y fútbol: la región italiana de Río Grande do Sul

 

*Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP/SP)

Professor de Pós-graduação do Centro Universitário Feevale (Novo Hamburgo/RS)

Pesquisador do Grupo de Pesquisa Cultura e Memória da Comunidade da mesma instituição

**Acadêmico do Curso de História do Centro Universitário Feevale (Novo Hamburgo/RS)

Bolsista de iniciação científica da Fundação de Amparo à Pesquisa no RS – FAPERGS

Cleber Cristiano Prodanov

prodanov@feevale.br

Vinícius Moser

moser@feevale.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Este artigo analisa o início e o desenvolvimento das atividades futebolísticas em Caxias do Sul, principal cidade da região de imigração italiana no Estado do Rio Grande do Sul, no extremo sul do Brasil. Pretende-se também relacionar o desenvolvimento deste esporte na região italiana com a política do Estado Novo de Getúlio Vargas, que pelas práticas autoritárias utilizou-se do futebol como um dos elementos de integração e construção de uma identidade nacional.

          Palavras chave: Futebol. Estado Novo. Colonização italiana

 

Abstract

          This article analyzes the beginning and development of soccer activities in the city of Caxias do Sul, largest city in the region of Italian immigration in the state of Rio Grande do Sul, southern Brazil. It also aims to establish a relationship between the development of soccer in the Italian region and the Estado Novo regime of President Getúlio Vargas, which used soccer as one of the elements of integration and construction of national identity through authoritarian practices.

          Keywords: Soccer. Estado Novo. Italian colonization

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 140 - Enero de 2010

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Os primeiros momentos do futebol no Rio Grande do Sul

    Os anos finais do século XIX e as primeiras décadas do século XX foram marcados, no Rio Grande do Sul, pela introdução do futebol e a organização dos primeiros clubes desse esporte, principalmente com a contribuição de ingleses, uruguaios e, sobretudo, de alemães. Nesse sentido, podemos dizer que existiu certo grau de pioneirismo na entrada do futebol nessa área do Brasil, mesmo em relação ao centro do país, especialmente ao Rio de Janeiro e a São Paulo.

    Este momento histórico brasileiro da virada do século XIX para o XX foi marcado também pela transição de uma sociedade escravocrata e monárquica para uma nova ordem republicana. Além disso, experimentou um relativo surto industrial e um rápido crescimento das principais cidades brasileiras, acompanhado por uma grande onda imigratória oriunda majoritariamente da Europa. Desse modo, foram criadas algumas condições propícias para o advento de esportes coletivos e de massa, dentre eles, o futebol.

    O Rio Grande do Sul, mesmo periférico do ponto de vista hegemônico da política e da economia da jovem República, também seguiu esse caminho nacional de transformações. Iniciou-se nesse Estado um consistente processo de industrialização, ainda muito impulsionado pela riqueza advinda da exportação de charque na metade sul, um importante centro agropastoril com capacidade de concentração de capitais.

    Além disso, esse processo industrial desenvolveu-se também com a injeção de capitais provenientes de imigrantes alemães e italianos, enriquecidos com o comércio e a agricultura, que investiram seus recursos em manufaturas e, posteriormente, iniciaram processos industriais de variados tamanhos, na capital, Porto Alegre, e em algumas cidades do interior.

    Esses contingentes humanos haviam chegado ao Estado já no início do século XIX - no caso dos alemães, a partir de 1824, e dos italianos, por volta de 1875. Após os primeiros e dificultosos anos da sua chegada, haviam se tornado um grupo de intensa prosperidade e iniciaram um processo de desenvolvimento em áreas não apenas dedicadas à agricultura, destacando-se no comércio e em um nascente artesanato, que logo ganharia ares de manufatura industrial.

    Essa presença vigorosa dos imigrantes no cenário econômico sul-rio-grandense começou a se destacar também no campo esportivo; em 1900, os imigrantes teuto-brasileiros fundaram o primeiro clube de futebol do estado, o Sport Club Rio Grande (PRODANOV; MOSER, 2009).

    Poucos anos depois, os primeiros clubes de futebol também foram fundados na capital do estado, tendo majoritariamente descendentes de alemães nos seus quadros associativos e atléticos, destacando-se o Fussball Club Porto Alegre e o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense, ambos iniciando suas atividades em 1903.

    A partir da década de 1910, as cidades mais prósperas da região colonial rio-grandense começaram a criar também seus clubes de futebol, acompanhando a tendência iniciada na região sul e portuária do Estado, além da fronteira uruguaia e da capital. Dentre as localidades da região colonial que mais se destacaram, encontramos Novo Hamburgo, com predominância da etnia germânica, e Caxias do Sul, com maior concentração de imigrantes italianos.

    Ambas as localidades eram distritos, mas, pelo seu grau de desenvolvimento e força econômica, logo se tornaram cidades - Caxias em 1910 e Novo Hamburgo em 1927:

    Especialmente na região de Novo Hamburgo, vários clubes foram formados nesse período, denotando uma verdadeira paixão dos imigrantes e seus descendentes pela prática esportiva e o culto ao corpo. Entretanto, não foi dos clubes tradicionais que emergiu a paixão pelo futebol e a formação de clubes que levaram adiante essa força esportiva na região. (PRODANOV, 2008, p. 06)

    Assim, ao longo da primeira metade do século XX, iniciou-se, nas regiões de imigrantes do estado, uma importante trajetória futebolística comparada aos centros mais antigos e expressivos do esporte regional.

    A influência dos imigrantes na introdução do futebol no estado não foi, entretanto, apenas um privilégio dos alemães. Esse fenômeno também ocorreu entre os imigrantes italianos e seus descendentes, que se instalaram principalmente nos campos de cima da serra, a partir de 1875, tendo como núcleo inicial de colonização a colônia de Caxias do Sul (MACHADO, 1999).

    Nos anos subsequentes do século XX, até a década de 1940, na região de colonização italiana do Rio Grande do Sul, verificou-se um grande desenvolvimento do futebol, que também esteve ligado diretamente aos acontecimentos políticos e sociais brasileiros, que influenciavam as zonas de colonização do ponto de vista de sua organização e desenvolvimento.

O contexto do Estado Novo

    Os anos 1920-40 foram marcados por profundas transformações históricas no contexto mundial, as quais afetaram diretamente o Brasil, tanto em suas relações políticas como econômicas, que, por sua vez, também atingiram e influenciaram a organização e a consolidação do futebol como grande esporte de massa brasileiro.

    Esse período histórico ensejou à Europa um conturbado período, com a ascensão de regimes totalitários, como o fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha, além de uma fraca recuperação da economia do continente frente à quebra da Bolsa de Valores de Nova York ocorrida em 1929. Com as tensões cada vez maiores entre o nazi-fascismo, de tendência expansionista, totalitária e antissemita, e as potências europeias, como Grã-Bretanha e França, criou-se o ensejo para a II Guerra Mundial, iniciada em 1939.

    No Brasil, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder em 1930, também motivada pela crise de 1929, houve a deposição da oligarquia cafeeira exportadora, preponderantemente paulista, que dominava o cenário político brasileiro. Até esse momento, o país dependia diretamente da exportação de produtos primários, sobretudo do café.

    Cabe destacar que a fácil colocação desse produto agrícola no mercado internacional, bem como a realização, por parte do governo brasileiro, desde o início do século XX, de uma política de garantia de preço mínimo aos exportadores, garantiu a formação de capitais que foram decisivos no fomento de um processo de industrialização em São Paulo. Esse movimento do café para o setor industrial concentrou ainda mais um poder econômico e, logo político, à elite agrário-exportadora deste estado, sem encontrar paralelo em outras regiões brasileiras. (FAUSTO, 2003)

    Na esfera federal, os quinze anos de governo de Vargas, em especial no período 1937-45, quando se instaurou a ditadura do Estado Novo, foram marcados pela implantação de um processo mais acelerado de industrialização do país. Vargas, ao implantar esse projeto, efetuou um jogo duplo, aproximando-se ora dos países do Eixo, Alemanha e Itália, ora dos Estados Unidos, a fim de estabelecer uma negociação em que se pudesse obter o máximo possível de vantagens para a consecução de seu projeto industrial de desenvolvimento.

    Assim, dos regimes totalitários europeus, Vargas extraiu o projeto de integração nacional através da maciça propaganda e da centralização política e étnica, numa tentativa de apagar as diferentes etnias que emigraram ao Brasil desde o século XIX. Ao mesmo tempo, trabalhou para dar forma ao seu projeto de desenvolvimento industrial, em que o Estado implantava e financiava a indústria, auxiliado por uma nascente burguesia industrial.

    Em relação ao futebol, o primeiro governo de Vargas, compreendido entre o período 1930-45, transformou-o, já neste momento praticado em todo o país, em um elemento de disciplina e de integração das massas populares, ligado a um projeto nacional de criação de uma identidade brasileira. De acordo com Ribeiro (2003):

    [...] correspondia a um movimento cultural e político mais amplo, envolvendo tanto os interesses de disciplina social do Estado, a dinâmica específica do futebol, quanto um clima cultural, que perpassava toda a sociedade, de produção de uma identidade nacional forte. Com relação à situação específica do futebol, a profissionalização correspondia à tensão que existia entre a tradição elitista e amadora dos primórdios da prática esportiva e a necessidade de regulamentar nos clubes - numa conjuntura de popularização do futebol - a crescente participação de jogadores remunerados, de sua maioria de origem pobre e negra. (RIBEIRO, 2003, p. 02)

    A profissionalização do futebol, assim sendo, talvez tenha sido uma das principais realizações do governo Vargas. Nesse período, esse esporte tornou-se um dos principais vetores da construção da identidade nacional brasileira, criando, segundo autores como Gilberto Freyre, um estilo próprio de jogar, que caracteriza e valoriza o jogador brasileiro nos gramados, tornando-o único em relação ao futebol praticado na Europa, por exemplo.

    Também se destaca, nesse momento, a profissionalização do futebol, dando as condições necessárias para que as agremiações futebolísticas se organizassem e possibilitassem um suporte adequado para a massificação desse esporte. Isso permitiu que o futebol obtivesse a preferência nacional em relação a outras modalidades esportivas populares no início do século XX, como, por exemplo, a prática do tiro ao alvo, muito praticado na região sul do Brasil, especialmente em áreas de imigração germânica, e o remo.

    Enquanto a política internacional apontava para a crise econômica dos regimes liberais e a iminente Guerra, internamente o governo tornava-se totalitário e com uma visão industrialista. Na região de colonização italiana no Rio Grande do Sul, em especial em Caxias do Sul, os reflexos dessa instabilidade foram sentidos especialmente com a criação de uma política identitária nacional brasileira por parte do governo central.

A formação futebolística local

    Cinco décadas após a chegada na região serrana do Rio Grande do Sul, os imigrantes já possuíam uma importante prosperidade econômica, advinda do trabalho com a lavoura e do crescente comércio entre a principal colônia da zona, Caxias do Sul, e a capital do estado, Porto Alegre. Além disso, a instalação de uma incipiente produção manufatureira em Caxias, tendo como expoente a metalúrgica de Abramo Eberle, fundada em 1904, também influenciou para esse florescimento da economia local baseado na industrialização. O desenvolvimento dessa região foi alavancado, ainda, pela vinda da estrada de ferro, que chegou à região em 1910.

    Com a chegada dos trilhos do trem, o escoamento de mercadorias da região colonial italiana para Porto Alegre intensificou-se (MICHIELIN, 1994). Em pouco tempo, Caxias consolidou-se como a “Pérola das colônias”, tornando-se uma das principais cidades do interior do Rio Grande do Sul e a mais próspera da área de colonização italiana.

    Essa pujança econômica teve desdobramentos na atividade futebolística de Caxias do Sul. Em 1913, foi fundado o primeiro clube de futebol de Caxias do Sul, o Esporte Clube Juventude – ECJ. Seus fundadores, na grande maioria, eram imigrantes italianos e seus descendentes, provenientes das mais tradicionais e ricas famílias da cidade, que chegaram a Caxias nas primeiras levas de imigrantes. A fundação desse clube futebolístico ocorreu como dissidência jovem do tradicional clube social da cidade, o Clube Juvenil.

Fotografia do time do E.C. Juventude, no início dos anos 1940

(Imagem: Acervo do E.C. Juventude)

    Em reação à dissidência e ao sucesso do futebol na região, o Clube Juvenil, ligado ao clube social Juvenil, fundou também um time de futebol apenas dois anos após a criação do Juventude. Nascia, assim, o esporte Clube Juvenil, que iniciou suas atividades em 1915.

    O Juvenil tornou-se o maior rival do ECJ, sendo que a disputa entre os times tornou-se o jogo “clássico” local. Em 1935, foi criado o Grêmio Esportivo Flamengo, que “[...] não é outro, senão o próprio Juvenil, com outro nome. Seus principais mentores são pessoas ligadíssimas ao clube aristocrata que extinguiu suas chamas.” (MICHIELIN, 1994, p. 193). Mesmo com o novo nome de Flamengo, a rivalidade entre as agremiações continuou com a mesma intensidade, dentro e fora dos gramados.

    A Caxias do Sul dos anos 1930-40 já era uma cidade próspera, ostentando o maior parque industrial do interior do estado e começava a transformar essa força econômica em política. A elite caxiense, composta em sua maioria pelos imigrantes e seus descendentes, começou a nutrir simpatias pelo regime fascista implantado por seus patrícios italianos, visto que o Duce, também auxiliado pela formidável máquina de propaganda instalada, procurava reforçar que seu regime havia reerguido a Itália quase reduzida à miséria no pós I Guerra Mundial, tornando-a novamente uma potência europeia.

    Esse discurso na Itália superou suas fronteiras e foi muito explorado como propaganda fascista em áreas onde existiam emigrantes italianos pelo mundo todo. Nesse sentido, o sul do Brasil não passou imune a essa ação de propaganda.

    Os cidadãos mais proeminentes de Caxias começaram a se manifestar publicamente a favor desse regime político, no sentido de que somente esse sistema de governo poderia transformar o Brasil em um país importante no cenário mundial.

    A ‘marcha triunfal sobre Roma’ leva o fascismo de Mussolini aos píncaros da glória. Seus sectários, no mundo inteiro, comemoram se o novo Messias tivesse nascido. Em Caxias, eles se parabenizam ostensivamente. Com camisas pretas, 62 membros da falange, de carteirinha e tudo, colaboracionistas incautos, reúnem-se para ovacionar o grande Ducce. Entre eles estão Abramo Eberle, Aristides Germani, Romulo Carbone e Celeste Gobato [que anos mais tarde se tornaria deputado estadual] Gente graúda, de peso-pesado, que não escondia suas preferências. (MICHIELIN, 1994, p. 185)

    Essa elite econômica e política local identificada com o totalitarismo italiano fazia parte da direção do Esporte Clube Juventude. O entusiasmo dos imigrantes e seus descendentes na década de 1930 com o sucesso do regime fascista inicialmente não encontrou repressão ou admoestação pelas autoridades municipais de Caxias do Sul, justamente pelo fato de o governo Vargas estar flertando come os países do Eixo. Essa posição de liberalidade permitiu o surgimento de células brasileiras dos partidos fascista e nazista e sua organização e influência em várias instâncias da sociedade, dentre elas o futebol.

Fotografia de desfile do time do juventude, pelo “dia da pátria” italiana, em final dos anos 1930

(Imagem: Acervo do E.C. Juventude)

    A imagem anterior exemplifica essa simpatia que os descendentes de italianos nutriam e demonstravam publicamente pelo regime fascista. Nesse caso, há o registro de um desfile de exaltação à pátria italiana no centro de Caxias do Sul, em 1930, com grande comparecimento de público, tendo como protagonistas os atletas e dirigentes do Juventude.

    De modo geral, o fascismo, nos anos 1930, recebeu, na América Latina e principalmente no Brasil, atenção especial das elites e de setores médios urbanos, pois acreditavam que esse tipo de projeto de poder seria capaz de transformar positivamente o cenário político e social do país em pouco tempo (SCARZANELLA, 2009).

    Esse modo de “conversão” aos ideais fascistas, sobretudo italianos, deu-se no Brasil através da publicação de jornais étnicos, que exaltavam a figura do “Duce”, além da formação de associações que congregavam os imigrantes e seus descendentes.

    Outros fatores também contribuíram para uma importante expansão no Brasil das ideias totalitárias que se implantaram na Itália, sem comparativo com outros países latino--americanos. Dentre os fatores que favoreceram esse crescimento das ideias fascistas estava a grande presença e uma relativa dispersão dos ítalo-brasileiros pelo território nacional. Para se ter uma ideia dessa rede, em 1934, havia cerca de 90 núcleos do partido fascista italiano no Brasil. Além disso, houve o financiamento da Ação Integralista Brasileira – AIB - pelo governo de Mussolini nos anos 1930. A AIB foi uma organização de caráter fascista que tentou tomar o poder no Brasil em 1938, por meio de um golpe frustrado de Estado, sendo posteriormente dissolvida pelo governo de Getúlio.

    No entanto, com a eclosão da II Guerra Mundial em 1939, surgiram pressões cada vez mais intensas, externamente por parte dos EUA e, internamente, por setores liberais e democráticos nacionais que não estavam ligados aos imigrantes italianos ou alemães e que lutavam para que o Brasil se posicionasse ao lado dos norte-americanos.

    Quando o Brasil declarou guerra aos países do Eixo, em 1942, finalmente Vargas definiu seu posicionamento político, desencadeando uma campanha de restrições contra os imigrantes italianos, alemães e japoneses, especialmente. Incluiu-se aí o fechamento de jornais escritos em línguas estrangeiras, restrições contra clubes e espaços de sociabilidade dos imigrantes. Essas perseguições geraram reações por parte dos caxienses:

    De repente, havia uma raiva espalhada gratuitamente contra os imigrantes que tanto deram de si em favor da nova pátria [o Brasil]. Formou-se o ‘Movimento dos Italianos Livres’, advogando a seguinte causa: ‘se é verdade que muitos de nós lá nascemos, ou nossos pais, foi aqui que constituímos famílias e alicerçamos o sustento para viver dignamente’. Em suma: queriam dizer que nada tinha a ver com essa loucura de guerra desfechada tão longe [...] (MICHIELIN, 1994, p. 209)

    Na região italiana do Rio Grande do Sul, também houve restrições à fala do idioma italiano e de reuniões sociais. Essa repressão veio por conta de uma determinação de Vargas: “[...] 30 de janeiro de 1942, em plena 2ª Guerra Mundial, o governo brasileiro, através de um decreto lei, proibiu o uso de termos e denominações referentes às nações contra as quais o país se encontrava em guerra” (PRODANOV; KERBER, 2008, p. 09).

    No entanto, nas regiões italianas, não ocorreram episódios tão drásticos como nas de imigração alemã. Em Novo Hamburgo, por exemplo, o nome do principal time da cidade, o Sport Club Novo Hamburgo, foi mudado no ano de 1942 para Esporte Clube Floriano, em homenagem ao segundo presidente da República, Marechal Floriano Peixoto.

    Nas regiões italianas sul-rio-grandenses, por sua vez, não aconteceram os mesmos episódios ocorridos em São Paulo, onde agremiações oriundas de imigrantes italianos, como o clube de futebol Palestra Itália, criado em 1914, que teve seu nome alterado para Palmeiras Futebol Clube.

    O mesmo aconteceria com o Palestra Itália de Belo Horizonte, fundado em 1921, que foi transformado em Esporte Clube Cruzeiro. Ambos os casos ocorreram em 1942, quando da entrada do Brasil na II Guerra Mundial.

Considerações finais

    O desenvolvimento do futebol em Caxias do Sul mostrou características próprias e interessantes de serem abordadas, já que compõem um mosaico que foi o início da atividade futebolística no Brasil, no início do século XX.

    É comum um olhar homogêneo e tendo os grandes centros do país, como o Rio de Janeiro e São Paulo, como os modelos nacionais de criação de clubes de futebol. Entretanto, existem diferenças marcantes entre os estados brasileiros e, mesmo dentro dessa unidade, são perceptíveis as diferenças que existem na formação das agremiações, que foram as fundadoras de todo esse movimento nacional chamado futebol.

    Em relação às colônias de italianos e seus descendente no extremo sul do Brasil, o surgimento do futebol como paixão ocorreu de forma própria, muitas vezes de forma diferente daquela realizada por seus patrícios em outras cidades do país.

    Cabe salientar que mesmo que houvesse já um futebol desenvolvido na Itália por volta do final do século XIX, os imigrantes não praticavam esse esporte quando chegaram à serra gaúcha em 1875. Sem dúvida, foi através do intercâmbio comercial entre os produtores da região italiana com os comerciantes de origem germânica e com a capital do Estado que o esporte desenvolveu-se em Caxias do Sul.

    Além disso, o futebol de Caxias do Sul foi implantado pela elite local, o que não impediu que pessoas de outras condições sociais menos favorecidas pudessem ingressar no time ou serem torcedores do clube. Essa mesma elite, alguns anos após a fundação do principal clube de Caxias, o E.C. Juventude, acabou aderindo aos ideais totalitários do fascismo, sendo que nomes importantes da indústria caxiense e que pertenciam à diretoria do ECJ, como Abramo Eberle, eram entusiastas dessa ideologia.

    Outra questão que merece destaque é a de que os ítalo-brasileiros e seus descendentes no Rio Grande do Sul não sofreram uma ação mais forte do Estado Novo em seus espaços de sociabilidade, como ocorrido com os teuto-brasileiros, que, além das restrições do uso da língua, chegaram a alterar o nome de sua agremiação.

    O que se verificou em Caxias foram estranhamentos entre a população que não possuía origem italiana e os imigrantes e seus descendentes. Esse último grupo inclusive reagiu às perseguições, dizendo-se brasileiros antes de descendentes de imigrantes, inclusive com a criação de um “Movimento dos italianos livres”. Os caxienses que eram oriundi de italianos enfrentaram as restrições impostas pelo autoritarismo varguista e conseguiram preservar sua etnicidade, inclusive no futebol, já que o Estado Novo, a partir de 1937, buscou uma identidade própria para o Brasil, sem discrepâncias regionais.

    Desse modo, o início e o desenvolvimento do futebol em Caxias do Sul mostraram como o surgimento dessa prática esportiva foi importante e possivelmente um dos elementos fundadores de uma identidade local, em que o futebol foi um dos importantes elementos que contribuíram para integrar essa comunidade de ítalo-brasileiros através do esporte nacional por excelência, o futebol.

Referências

  • FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2003.

  • HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das letras, 2003.

  • JESUS, Gilmar Mascarenhas de. Imigrantes desportistas: os alemães no sul do Brasil. Scripta nova: revista electrónica de geografia y ciencias sociales. Barcelona, v. 1, n. 94, ago. 2001.

  • MACHADO, Paulo Pinheiro. A política de colonização do império. Porto Alegre: UFRGS, 1999.

  • MICHIELIN, Francisco. Assim na terra como no céu. Porto Alegre: Sagra-DC Luzzatto, 1994.

  • PRODANOV, Cleber Cristiano. O futebol no extremo sul do Brasil e sua chegada na região alemã de Novo Hamburgo. Lecturas: Educacion Física y Deportes. Revista Digital. Buenos Aires, Ano 13, n.122, jul. 2008. http://www.efdeportes.com/efd122/ o-futebol-no-extremo-sul-do-brasil.htm

  • PRODANOV, Cleber Cristiano; KERBER, Alessander Mario. De Sport Club Novo Hamburgo a Floriano: o futebol e a Segunda Guerra Mundial. Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, Ano 13, n.125, out. 2008. http://www.efdeportes.com/efd125/de-sport-club-novo-hamburgo-a-floriano-o-futebol-e-a-segunda-guerra-mundial.htm

  • PRODANOV, Cleber Cristiano; MOSER, Vinícius. O futebol ítalo-germânico no Rio Grande do Sul. Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, ano 14, n.135, ago. 2009. http://www.efdeportes.com/efd135/o-futebol-italo-germanico-no-rio-grande-do-sul.htm

  • RIBEIRO, Luiz Carlos. Brasil: futebol e identidade nacional. Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, ano 8, n. 56, ago 2003. http://www.efdeportes.com/efd56/futebol.htm

  • SCARZANELLA, Eugenia. Fascistas en América del Sur. Buenos Aires: Fondo de Cultura Econômica, 2009.

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