A emergência do sector de desporto de natureza e a importância da formação El surgimiento del sector de deporte en la naturaleza y la importancia de la formación The emergence of the outdoor activities sector and the importance of the education |
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*Escola Superior de Desporto de Rio Maior, Santarém **Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real * **Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano (CIDESD) (Portugal) |
Luís Carvalhinho* Pedro Sequeira* António Serôdio-Fernandes** José Rodrigues* lcarvalhinho@esdrm.pt |
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Resumo A actual tendência na procura de práticas físicas e desportivas alternativas a um desporto mais convencional pode contemplar diferentes objectivos associados ao próprio indivíduo, tais como, o prazer, a satisfação, o bem-estar e a saúde. Nesta situação, surgem portanto, as actividades de contacto com a natureza como necessidade de compensação de um sistema de vida sedentário centrado na vida urbana e como procura de novos desafios, normalmente privilegiando o contexto dos espaços naturais. Por outro lado, a proliferação desordenada de promotores de serviços e produtos turísticos, bem como a implementação de processos de formação desportiva e profissional desajustada à realidade portuguesa, podem colocar em causa o desenvolvimento deste novo sector desportivo, económico e social. Nesta pesquisa, analisou-se a emergência do sector de desporto de natureza, a relação entre o desporto, o ambiente e o turismo, e ainda as questões associadas à formação. Deste modo, demonstrou-se a importância para a exigência de elevados padrões de qualidade, de segurança e de responsabilidade social, da regulamentação e avaliação das actividades, de formação centrada nas competências profissionais necessárias e desejadas. Unitermos: Desporto de natureza. Lazer. Formação. Ambiente. Turismo
Abstract The current trend in the search for physical activity alternatives in a more conventional sport can accommodate different objectives associated with the individual, such as pleasure, satisfaction, welfare and health. In this situation, are therefore the activities that promote contact with nature and need for compensation of a sedentary life focused on urban life and seeking new challenges, usually preferring the context of natural spaces. Moreover, the disorderly proliferation of promoters of tourism products and services and the implementation of procedures to professional sports education and inappropriate to the Portuguese reality, may call into question the development of this new sports sector, economic and social. This research analyzes the emergence of the outdoor activities sector, the relationship between sport, the environment and tourism, as well as issues related to education. Thus, it was shown the importance to demand high standards of quality, safety and social responsibility, regulation and evaluation of activities, focusing on professional skills training needs and desires. Keywords: Outdoor activities. Leisure. Education. Environment. Tourism |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 140 - Enero de 2010 |
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1. Introdução
No presente, o mundo do desporto é caracterizado por um processo de diferenciação crescente, o que não está alheio a nova cultura do lazer, onde a valorização do indivíduo em si constitui um aspecto central. As novas práticas desportivas têm sido difundidas com um carácter pessoal, desinteressado e hedonístico. Assim, a prática desportiva não se resume à busca de um objectivo exterior ao indivíduo, bem pelo contrário, tende a dar muita importância aos objectivos inerentes ao próprio indivíduo como o prazer, a satisfação, o bem-estar e a saúde. O contacto com a natureza surge então, como necessidade de compensação de um sistema de vida sedentário e centrado na vida urbana. Confirmando esta nova tendência podemos observar actualmente, uma crescente procura de novos desafios, exaltação e aventura, que podem constar nas actividades físicas e desportivas realizadas em meio natural, designadas também por desporto de natureza.
Por outro lado, a dinâmica da sociedade em que vivemos exige crescentemente uma adequação profissional em todos os domínios e sectores de actividade, nomeadamente dos seus agentes. Uma sociedade em desenvolvimento como a nossa é passível de alguma desorganização social, desportiva, e por consequência, de alguma insegurança em relação aos seus objectivos, nem sempre claros.
Neste contexto, a relação entre confiança e segurança, poderá ser muito complexa, pois o desconhecimento dos praticantes acerca deste tipo de actividades, por vezes é total, sendo então necessário recorrer a especialistas, que tenham a competência de acompanhar, enquadrar e controlar toda a actividade, garantindo níveis elevados de qualidade, segurança e ao mesmo tempo de satisfação para com os praticantes.
Na realidade, os “profissionais” desta área são um grupo muito heterogéneo com passados desportivos diversificados, com níveis de experiência e formação diferentes, com expectativas e desempenhos profissionais também diferenciados. Se por um lado podemos encontrar técnicos qualificados com competências para desempenhar as suas funções, por outro, é normal que encontremos técnicos que revelam grandes lacunas ao nível da formação.
Consideramos portanto, que estes técnicos são decisivos no desenvolvimento desta área, e que a qualidade e a adequação dos processos de formação irão reflectir-se na emergência, na expressão e no reconhecimento deste “novo” sector desportivo.
Assim, aos modelos de formação de qualidade, deverão corresponder profissionais mais competentes, e por consequência, melhor oferta de serviços deste sector desportivo.
2. Contextualização
2.1. O Lazer e as Actividades de Desporto de Natureza
Um aspecto importante a salientar, está no papel que os organismos ligados ao planeamento dos nossos habitats poderão ter na criação de espaços e equipamentos ligados às actividades de lazer, uma vez que o equilíbrio entre oferta e procura está ainda longe de se atingir. Deste modo, é necessário reunir esforços para a construção de uma política de lazer através da integração de diferentes entidades (Carvalhinho, 1996).
O lazer, a actividade física e desportiva, os estilos de vida e o bem-estar dos cidadãos, são conceitos que facilmente se encontram relacionados. Sem dúvida que o lazer, enquanto espaço próprio da existência individual, pode constituir uma alternativa decisiva nas escolhas de responsabilização individual e na construção do estilo de vida.
Normalmente, atribuiu-se a insatisfação dos trabalhadores à diminuição da produtividade. Este facto, tem levado alguns empresários e dirigentes a procurar meios de compensação para os seus trabalhadores, como por exemplo, organizar actividades de lazer que promovam o espírito e a dinâmica de grupo, a valorização das relações interpessoais, e que simultaneamente, estabeleçam uma aproximação aos seus superiores. Mas se por um lado o lazer é o resultado de um processo de desenvolvimento de novas formas de produção (trabalho/lazer), por outro, ele já é parte constituinte da sociedade contemporânea. Porém, as principais preocupações com a população portuguesa estão relacionadas com o nível de cultura física, com a taxa de sedentarismo, com os constrangimentos à prática desportiva na escola, com as relações entre o sistema educativo e o sistema desportivo e com o baixo nível de qualificação profissional de dirigentes e quadros técnicos (Constantino, 2002).
Embora as actividades de desporto de natureza possam ser enquadradas e desenvolvidas em diferentes modelos e tipologias de espaços desportivos, os modelos do desporto não formal e informal e os espaços informais, são claramente os predominantes neste sector.
O desporto entra numa nova era, onde proliferam práticas livres de cronómetro, de espaços codificados e limitados, de horários impostos, de regras exteriores. Práticas vividas na maior parte das vezes na companhia de amigos, onde se privilegia a aventura, a incerteza e o risco, em plena natureza. Esta nova realidade obriga-nos a rever conceitos, a reflectir sobre o seu sentido, a repensar o espaço para as actividades desportivas e a desenvolver medidas de segurança adequadas (Correia, 1991).
Numa perspectiva macro do desenvolvimento das diferentes práticas físicas e desportivas, parece-nos que a tendência caminha para a inexistência de fronteiras delimitadas, considerando tanto as respostas às necessidades competitivas como às recreativas, pois numa mesma prática, podemos contemplar atitudes diferenciadas como a competição, a recreação ou as duas em simultâneo.
Por outro lado, se considerarmos que em Portugal podem ser identificadas mais de quatro dezenas de actividades, e ainda, a própria juventude do sector, podemos facilmente compreender que, encontrar consensos, será uma tarefa bastante difícil uma vez que existem ideologias e culturas diferentes entre os diversos intervenientes.
Perante a regulamentação em vigor do Instituto do Desporto de Portugal (IDP, 2006), podemos entender que, “actividades e serviços de desporto de natureza são as iniciativas ou projectos que integrem o pedestrianismo, o montanhismo, orientação, a escalada, o rapel, a espeleologia, o balonismo, o parapente, a asa delta sem motor, a bicicleta todo-o-terreno (btt), o hipismo, a canoagem, o remo, a vela, o surf, o windsurf, o mergulho, o rafting, o hidrospeed e outros desportos e actividades de lazer cuja prática não se mostre nociva para a conservação da natureza”.
Assim, considerando que os espaços naturais são efectivamente o principal cenário de realização das actividades de desporto de natureza, será importante referir também que, as Áreas Protegidas (AP) estão sob a tutela do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade (ICNB) e assumem-se como espaços de excelência para este tipo de práticas físicas e desportivas. De acordo com o ICNB (2008), as AP podem consagrar cinco figuras classificatórias: Parque Nacional, Parque Natural, Reserva Natural, Paisagem Protegida e Monumento Natural. As “Cartas de Desporto de Natureza” (CDN) surgem como um instrumento fundamental na gestão, desenvolvimento e regulamentação das actividades desportivas nas áreas protegidas. Actualmente, existem somente duas cartas publicadas em Portugal (Parque Natural da Serra de Aire e Candeeiros – PNSAC e Parque Natural de Sintra-Cascais – PNSC).
2.2. Desporto, Ambiente e Turismo
De acordo com Constantino (1994) e Cunha (1997), é necessário criar um código de conduta desportiva e ambiental na sua utilização, e que deve ser alvo de uma adequada educação e formação desportiva. Deste modo, faz sentido introduzir, aplicados ao desporto, conceitos oriundos das ciências do ambiente como o «efeito do impacto ambiental» e da «compatibilidade» entre a natureza e a respectiva utilização desportiva.
Para o construir, terá de se promover o diálogo interdisciplinar entre os diversos intervenientes. Será pois fundamental, localizar escolas especializadas, centros de formação específicos associados à natureza, aos lugares e às actividades desportivas, que aí, nos espaços naturais ou mesmo nos espaços urbanos, possam desenvolver-se. Será portanto necessário, criar parcerias entre o desporto, o turismo e o ambiente, no sentido de promover uma educação/formação ambiental activa, que sensibilize os cidadãos para o respeito e para a convivência com a natureza.
Pedrosa (2000), refere que as áreas protegidas são espaços privilegiados para a conservação da natureza, permitindo conhecer a fauna e flora selvagens de determinadas regiões. Contudo, se o turismo pode ser uma forma de divulgação e rentabilização dos parques e reservas, pode também ser, um agente de destruição da natureza.
Em relação à área do turismo, Almeida (2004) refere que a animação turística emerge no turismo pelo despertar do novo turista, mais exigente e mais activo, que impõe a prática de actividades de animação dentro do espaço de lazer, criando um novo conceito de turismo activo. Existe uma tendência para o ecoturismo, turismo sustentado, turismo alternativo e turismo aventura (Costa, 1997; Standeven & Knop, 1999; Pereira, 1999). Assim, as empresas de animação devem ser encorajadas a optarem por uma actividade não sazonal, condição aliás indispensável para a atribuição da declaração de interesse para o turismo, reconhecimento este que permite o acesso a condições favoráveis a alguns programas financeiros de apoio na área do turismo.
De acordo com a Direcção Geral do Turismo (DGT, 2006), existem 345 empresas de Animação Turística licenciadas neste organismo. No entanto, estima-se (dados não oficiais) que existem cerca de 1000 empresas a operar neste mercado. No entanto, uma considerável percentagem (30%) de empresas abrem e fecham a sua actividade todos os anos o que dificulta um registo actualizado e rigoroso.
Em suma, a complexidade deste sector desportivo implica, em nosso entender, uma constante associação entre o Desporto, o Ambiente e o Turismo. Portanto, ao verificarmos que a maioria destas novas práticas desportivas são realizadas em contacto com a natureza, é de supor também que estas devam respeitar simultaneamente, princípios de sustentabilidade dos locais, das regiões, das pessoas e das organizações.
3. Formação em desporto
3.1. A Europa e a Formação
O desenvolvimento económico e social da Europa verificado na última década, veio manifestar a necessidade de uma cooperação à escala europeia, para os assuntos relacionados com a educação e com a formação. Assim, o desenvolvimento de programas de educação e formação na Europa tem sido um factor-chave no aumento da cooperação a nível europeu.
A Declaração de Bolonha (1999) no Ensino Superior marcou a introdução de um novo aumento da cooperação Europeia nesta área. Estratégias como, a aprendizagem ao logo da vida e a mobilidade, são essenciais para promover a empregabilidade, a cidadania activa, a inclusão social e o desenvolvimento pessoal. Desenvolver o conhecimento à escala Europeia e garantir um mercado de trabalho aberto para todos, é o maior desafio para a formação e educação vocacional na Europa e para os seus intervenientes.
As prioridades estabelecidas, a serem seguidas na garantia de uma cooperação completa, assentam no seguinte: dimensão europeia, transparência, informação e orientação, reconhecimento de competências e qualificações, qualidade assegurada.
No âmbito da União Europeia, foram elaboradas quatro classificações do Desporto tendo como objectivo, uniformizar, classificar e afiliar as profissões do desporto ou outras, com este relacionado:
Classificação Europeia das Ocupações do Desporto: Animador desportivo; Guia de rios; Instrutor de vela; Instrutor de esqui; Instrutor de mergulho; Guia de montanha; Instrutor de golfe; Líder de montanha; Guia de passeios equestres.
Classificação Europeia das Ocupações Relacionadas com o Desporto: Gestor de construção de espaços de lazer; Gestor de bens e serviços de desporto de lazer; Arquitecto especializado em infra-estruturas de desporto de lazer; Professores de educação física e desporto.
Classificação Europeia das Actividades Desportivas: Operação com infra-estruturas de desportos aéreos; Operação com infra-estruturas de desportos aquáticos e náuticos; Operação com infra-estruturas de desportos de Inverno; Promoção e organização de eventos; Actividades profissionais dos instrutores desportivos; Actividades profissionais dos treinadores desportivos; Actividades comerciais desportivas e organizações de lazer.
Classificação Europeia das Actividades Económicas Relacionadas com o Desporto:
Comercialização de equipamentos específicos associados às actividades náuticas e de montanha; Comercialização de produtos têxteis associados ao desporto; Publicação de livros temáticos do desporto; Comercialização de produtos tecnológicos.
No contexto da formação de profissionais do desporto e relacionados com o desporto, a “European Network of Sport Sciences in Higher Education” (ENSSHE, 2006), defende uma estrutura europeia que relaciona a educação, a formação e o emprego, propondo uma aquisição progressiva de competências e de responsabilização profissional, respeitando o princípio da autonomia no trabalho, da capacidade de dirigir e de gerir a actividade desportiva, da mobilidade de formadores e formandos ao nível europeu.
O Programa Leonardo da Vinci (2004) assenta numa política de formação profissional comunitária e tem como objectivo, promover a formação de jovens, em alternativa ao percurso escolar normal, que permita a sua inserção profissional. No âmbito do desporto de natureza, são promovidos vários programas de formação que envolvem as seguintes actividades: Montanhismo, Canyoning, Voo à vela, Parapente, U.L.M., Canoagem e Rafting.
3.2. Formação desportiva e formação profissional
A formação de técnicos desportivos carece, normalmente, da caracterização do seu campo de intervenção. Esta deverá ser dinâmica, elaborada por quem vive a prática desportiva e assumida por quem desempenha a função de técnico desportivo.
De acordo com Sarmento (2004), a actividade formativa deverá ser consciente, reflexiva e responsável de modo a influenciar positivamente os seus destinatários.
Neste sentido, Rodrigues (2003), refere que qualquer actividade desportiva envolve um processo de aprendizagem, portanto, de formação, ou melhor, de educação, revelando-se um importante momento de actuação pedagógica que poderá influenciar os resultados, em função da competência dos intervenientes. Assim, a pedagogia é educação, ensino. A pedagogia do desporto será a educação/ensino do desporto.
Podemos constatar também que, a formação desportiva inicia-se e desenvolve-se também no contexto escolar, constituindo uma estratégia importante no desenvolvimento das crianças e dos jovens. Como exemplo do sistema educativo, temos a recente implementação da Expressão Físico-motora no 1º ciclo (ME, 2006a) e a disciplina de Educação Física desde o 5ºano até ao 12ºano (ME, 2006b). Em relação às actividades físicas e desportivas, podemos identificar em todos os ciclos uma componente curricular associada ao desporto de natureza, entre os quais, percursos na natureza, orientação, btt, escalada, montanhismo, canoagem, vela, etc.
Por outro lado, a formação de quadros será sempre um factor importante para o desenvolvimento desportivo. Quando falamos na formação de quadros não falamos somente do técnico desportivo, mas também de outros agentes desportivos: praticantes, árbitros, dirigentes, administrativos, médicos, massagistas, etc. Efectivamente, em termos de formação de quadros, ainda podemos verificar enormes carências, sendo urgente a exigência da formação como condição essencial no desempenho das funções técnicas, de direcção, de orientação, de condução e de organização da actividade desportiva (Constantino, 1992). Podemos verificar com alguma facilidade, pessoas a dirigir diferentes modalidades desportivas, sem formação, sendo na maioria ex-praticantes sem habilitações. A formação inicial é um factor essencial para a constituição da comunidade profissional e da sua identidade. Como tal, não deveria ser conduzida ao sabor das estratégias particulares das várias instituições de formação. Sendo assim, há que proceder a uma grande reflexão no sentido de se proceder às devidas alterações. O futuro exigirá que os técnicos de desporto estejam à altura de novas responsabilidades e de novas necessidades que o movimento desportivo irá colocar. Nessas responsabilidades, o técnico do futuro deve acima de tudo ser uma pessoa de cultura, tecnicamente bem apetrechado, humanamente rico, socialmente informado, conhecedor das realidades do seu tempo, tolerante face às diferenças mas profundo na captação e interpretação dos factos sociais e desportivos, e sem sombra de dúvidas, alguém ética e deontologicamente responsável.
Assim, torna-se necessário estruturar e regulamentar a formação, a especialização e a qualificação dos técnicos desportivos, uma vez que a formação não se pode resumir à formação de técnicos das práticas desportivas de alto rendimento, mas sim, ser extensível à formação a outros contextos do desporto. Neste sentido, a formação deverá articular níveis de formação inicial e contínua na salvaguarda da competência técnica, pedagógica e científica. Portanto, não deverá haver formação sem investigação, sem qualidade, sem rigor e sem competência.
Ferreira (2001) considera que, para construir um plano de uma actividade formativa implica percorrer as seguintes etapas: 1) recolha de dados; 2) caracterização do perfil de entrada dos formandos; 3) Definição do perfil de saída dos formandos; 4) Identificação das necessidades de formação; 5) Formulação dos objectivos; 6) Elaboração do programa de formação; 7) Selecção de métodos; 8) Organização logística; 9) Animação da actividade formativa.
Considerando estes pressupostos, julgamos que as instituições de formação deverão trabalhar em estreita ligação com as várias organizações profissionais, sendo importante também, a articulação entre a formação inicial e a formação contínua.
O mercado de trabalho apresenta algumas características que estão na origem de alguns ajustamentos e alterações, entre as quais, a ausência de regulamentação específica da profissão, nomeadamente quando se actua no campo desportivo e recreativo, a sazonalidade, a saturação de profissionais (principalmente no campo educativo) e a invasão constante de leigos e outros profissionais não habilitados. Não devemos esquecer que a excelência de uma organização é a excelência dos seus membros.
Considerando a área do desporto, a formação profissional tem como principais organismos intervenientes, o Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), o Instituto para a Qualidade na Formação (IQF) e o Instituto do Desporto de Portugal (IDP). Esta parceria representa o Estado português para os assuntos relacionados com a formação profissional na área do desporto.
No caso concreto da formação profissional em actividades de desporto de natureza, podemos constatar que não existe trabalho relevante efectuado até ao momento. Portanto, as expectativas dos muitos interessados que desenvolvem as suas actividades profissionais neste “novo” sector, não têm sido correspondidas como seria desejável.
3.3. Formação de Professores, Treinadores e Técnicos de desporto de natureza
De acordo com a “Classificação Nacional das Profissões de 1994”, os treinadores, apesar de não terem a sua formação associada de forma sistemática com o ensino superior, são considerados fundamentalmente “trabalhadores intelectuais”, sendo o seu trabalho suficientemente valorizado em termos culturais. A razão para esta classificação prender-se-á com o facto de, quanto ao nível e tipo de competências exigíveis para o exercício da função de treinador, se poder estabelecer uma semelhança entre a actividade do professor e do treinador (Almeida, 2001). Assim, podemos analisar as fases de desenvolvimento da carreira profissional dos professores (Piéron, 1996), permitindo situá-los a diversos níveis de mestria profissional, tais como, principiante, principiante avançado, professor competente, professor eficaz e professor “expert”.
Godoy e Casaubón (2001), na tentativa de encontrar relações entre a formação de professores e de treinadores, conseguiram identificar um conjunto de competências que são semelhantes nos dois grupos: planificação e programação, instrução, organização e controlo, feedback, relações sócio-afectivas e clima de grupo e avaliação.
Lima (2000), salienta que discorda do exercício da função de treinador por quem não tenha preparação adequada, referindo, “Se não se aceita que, no sistema educativo, a função de docente seja exercida por quem não tem habilitação própria, como é que vamos admitir que, no sistema desportivo, aqueles que ensinam, treinam e dirigem crianças e jovens sejam dispensados de habilitação apropriada?”.
O treinador deve apresentar-se como modelo e exemplo perante os restantes intervenientes, sendo portador de um perfil, que deve assentar no seguinte conjunto de características: ter conhecimentos de gestão do processo de treino; ter organização no trabalho e na gestão de equipamentos; ter disciplina; ser pontual, entusiasta e dinâmico; respeitar e ser respeitado; ter capacidade de comunicação e de utilização de uma linguagem adequada (Barata, 1998; Campbell, 1998; Lima, 2001).
Interessante também é a abordagem de Bee, L.; Goldsmith, W.; Keelan, M. e Povey, W. (2002), quando referem que um treinador demora vinte anos até atingir o máximo das suas capacidades, valorizando a combinação da experiência, talento, reflexão e prática.
Por outro lado, Rosado (2000), refere que existe a necessidade fundamental em delimitar o campo profissional (áreas e contextos profissionais) para criar e projectar esta profissão. Assim, dever-se-á identificar e caracterizar as funções profissionais e o perfil de competências do treinador, no sentido de optimizar as influências do treinador sobre os atletas, uma vez que também é exercida uma forte influência sobre o nível de prática da modalidade, sobre o jovem enquanto atleta e enquanto pessoa. Portanto, podemos verificar alguma carência de quadros técnicos reconhecidos no desporto em geral, e em particular na área do desporto de natureza, sendo esse papel assumido muitas vezes por antigos praticantes sem formação académica ou por professores de educação física sem experiência específica.
Priest e Gass (1997), numa pesquisa sobre a liderança em programas de aventura, destacaram um conjunto de competências-chave: competências técnicas, competências ao nível da segurança, conhecimento do meio natural, competências de organização, competências ao nível da instrução, gestão de infra-estruturas (espaços) e equipamentos, capacidade de liderança, capacidade de julgamento, capacidade para resolver problemas, capacidade para tomar decisões, capacidade de comunicação real e ética profissional. Porém, não podemos esquecer que, só a prática continuada, aliada a uma formação adequada e continuada, permitirá, o conhecimento das técnicas fundamentais e o manuseamento adequado dos respectivos equipamentos (Silva, F.; Sousa, J.; Lopes, S. & Lopes, J., 2000). Em relação à segurança neste tipo de actividades, Dougherty (1998) destaca as condições dos diversos envolvimentos, a supervisão, a selecção e condução das actividades e a utilização de material. Em todas estas dimensões, o rigor do planeamento é o factor-chave no sucesso das actividades, antecipando problemas, encontrando soluções, optimizando as actividades e a satisfação dos clientes, através de uma intervenção de elevada qualidade e profissionalismo.
Por último, o estudo de Carvalhinho (2006) revelou que nas actividades de desporto de natureza (orientação, btt, Escalada, montanhismo, canoagem, mergulho e parapente), os técnicos desportivos tiveram opiniões diferentes em relação à formação realizada e às expectativas de formação, de acordo com a função profissional exercida e com a especificidade cultural de cada actividade desportiva.
4. Conclusão e recomendações
A reflexão anterior permite-nos concluir que, será necessário definir e construir modelos de formação adequados a cada actividade de desporto de natureza, respeitar as suas especificidades contextuais e culturais, promover o seu desenvolvimento e garantir uma oferta de qualidade, quer na perspectiva dos eventos para os praticantes quer na perspectiva da formação para os técnicos desportivos.
De facto, apesar de aparentemente se julgar que as actividades são todas iguais, e que um técnico de desporto de natureza poderá ser responsável a todos os níveis de prática e formação pela generalidade dessas actividades, sem formação própria e adequada, poderá revelar algum facilitismo e mesmo alguma ignorância perante os múltiplos factores de risco existentes. Por outro lado, cada modalidade possui uma cultura própria e uma especificidade que as distingue das restantes, como provam os resultados obtidos.
Neste sentido, para promover o desenvolvimento e a qualidade da formação neste sector desportivo, será necessário conjugar esforços, para analisar e compreender a procura/oferta do mercado, conhecer a opinião dos técnicos de desporto de natureza e adequar os modelos e os programas de formação a uma nova realidade nacional.
Gostaríamos ainda de deixar um conjunto de recomendações, que nos parecem fundamentais para o desenvolvimento do sector. Assim, seria importante: a) identificar e caracterizar todas as organizações intervenientes no desporto de natureza, que promovem actividades e serviços e que tenham intervenção na área da formação; b) utilizar os resultados das pesquisas por parte das entidades certificadoras e formadoras, em prol de uma maior eficácia na certificação de técnicos e da melhoria dos programas de formação por si ministrados; c) considerar os resultados da investigação, de modo a que as diversas organizações conheçam melhor a opinião dos técnicos de desporto de natureza e que possam reflectir sobre a sua intervenção na área da formação.
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