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Bacharelados em Educação Física: 

uma incógnita na formação profissional

Profesorados en Educación Física: un misterio en la formación profesional

 

Licenciado em Educação Física pela Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs)

Pós graduando em Educação Especial (Uefs) e Educação Física Escolar (Finom)

(Brasil)

Osni Oliveira Noberto da Silva

osni_edfisica@yahoo.com.br

 

 

 

Resumo

          O presente trabalho procurou discutir as implicações que a formação de Bacharelado em Educação Física vem trazendo para a área, ancorado pelas ações colonizadoras do Conselho Federal de Educação Física no sentido de tentar legitimar essa habilitação em detrimento de uma formação sólida e única de professor de Educação Física.

          Unitermos: Bachalerados. Educação Física. Formação profissional

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 140 - Enero de 2010

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Introdução

    O presente trabalho procurou traçar uma aproximação histórica acerca da formação profissional em Educação Física, assinalando alguns pontos que ajudaram a culminar com a criação da habilitação de Bacharelado e discutir as implicações que esta habilitação profissional vem trazendo para a área.

    Outro foco deste trabalho foi a discussão acerca das ações tidas como colonizadoras por parte do Conselho Federal de Educação Física e seus respectivos conselhos regionais, no sentido de tentar legitimar essa habilitação em detrimento de uma formação sólida e única de professor de Educação Física.

Aproximações acerca da história dos cursos de Educação Física no Brasil: Criação da incógnita

    Os primeiros cursos civis de Educação Física foram criados em São Paulo em 1934 e no Rio de Janeiro em 1939, porém somente em 1969 é que a Educação Física ganha o status de nível superior. Isso aconteceu após a resolução CFE de nº 69/69 que outorgava o título de Licenciado e uma possível complementação de duas disciplinas para a obtenção do título de Técnico desportivo. A grande novidade desta resolução foi à inclusão de um elenco de disciplinas obrigatórias, subdivididas em básicas e profissionais, nos cursos de todo país, sendo este modelo chamado de currículo mínimo (TOJAL, 2005).

    Após muitas críticas ao currículo mínimo, que não levava em consideração as diferenças regionais onde os cursos estavam inseridos e com o aumento da área de atuação do profissional no mercado, uma terceira proposta de formação foi aprovada. (TOJAL, 2005).

    Nesta proposta, simbolizada pela Resolução nº 03/87 decretava-se o fim do currículo mínimo, ampliação da carga horária mínima do curso para 2880 horas e tempo mínimo de integralização de quatro anos, além da criação da titulação de Bacharelado visando atender exclusivamente o mercado não escolar que estava em crescente expansão. (TOJAL, 2005)

    Apesar da possibilidade legal de organização de cursos de bacharelado no país, na prática concreta não houve um crescimento muito acentuado destes cursos após o período que se seguiu a esta legalização. Segundo Quelhas (apud NOZAKI, 2004), por exemplo, em 1994, exatamente sete anos após a criação do Bacharelado na área de Educação Física, apenas 5 cursos de um total de 128 ofereciam essa habilitação.

    Esse desinteresse das instituições de ensino superior deveu-se primeiro porque a Licenciatura, além de permitir a atuação na área escolar, também o fazia em relação ao espaço não escolar, tirando o sentido de existência do Bacharelado além de que a Educação Física se institui uma área inteiramente atrelada à docência, e isso independe do espaço onde ele atue e, portanto, a divisão entre licenciatura e bacharelado não faz nenhum sentido (NOZAKI, 2004).

    Porém, após as discussões da década de 90 e pelas exigências do modelo socioeconômico vigente, o Ministério da Educação resolveu novamente reformular os currículos dos cursos de Licenciatura, o que acontece em 2002 com as Resoluções CNE\CES 01 e 02 de 2002. Diante dessa nova organização curricular para a formação de professores, várias comissões de especialistas foram criadas para determinar os diferentes conteúdos dos cursos de Licenciatura e Bacharelado nas diversas áreas, o que não foi diferente com a Educação Física.

    Na Educação Física, alguns defendiam a proposta da manutenção da divisão entre Licenciatura e Bacharelado com currículos voltados para a consolidação de competências diferentes para diferentes campos de atuação, o escolar para a Licenciatura e o não escolar para o Bacharelado, porém este modelo tinha como críticas principais o fato de que seguindo esta mesma lógica, um único curso de bacharelado também poderia não dar conta de atender ao mercado de trabalho em constante expansão, além de desconsiderar o principio da atuação da Educação Física que é a prática docente (KUNZ, 1998).

    Do lado oposto da discussão, outra proposta defendia a criação de uma habilitação única em Licenciatura que garantisse todo o conhecimento da Educação Física, independente do campo de atuação, além do que, não é adequado a terminologia de bacharel para um profissional que exerce o magistério, mesmo que fora da escola (NOZAKI, 2004). A grande crítica a esta proposta foi justamente o fato de que o aumento de disciplinas que atendessem a área não escolar acabaria por descaracterizar a Licenciatura e não possibilitava a formação das competências no âmbito não escolar (KUNZ, 1998). Após muitas discussões prevaleceu a primeira proposta materializada no Parecer CNE/CES 58/2004 e homologada pela Resolução CNE/CES nº 07/2004.

    Este documento substituiu a resolução CFE nº 03/87, sendo atualmente a base principal da formação profissional da graduação em Educação Física no Brasil (TAFFAREL e LACKS, 2005).

Bacharelado e Confef: Legitimação da incógnita

    As modificações que vem ocorrendo na formação profissional da Educação Física acontecem em razão das críticas feitas pelas mais recentes produções do conhecimento sobre o objeto de estudo desta área, assim como seus conteúdos, seu métodos de ensino e devido aos anseios da sociedade que cada vez mais exige profissionais mais capacitados para intervir nas diversas áreas de atuação, tanto as tradicionais, como escolas, academias de ginástica e clubes esportivos, como também nos novos espaços como treinamento personalizado, na prática dos esportes radicais e de aventura na natureza, no trato com grupos especiais (idosos, pessoas com deficiência, hipertensos, obesos, gestantes) entre outros.

    Isso tem provocado, ao longo do tempo, amplas discussões na área sobre a formação mais adequada a estas novas demandas, o que se refletiu na análise crítica sobre a possibilidade das licenciaturas contemplarem todas as novas habilidades e competências requeridas.

    Todavia, alguns estudiosos da formação profissional na área como Kunz (1998), argumentam que a inserção de competências nos cursos de Licenciatura continuaria sem dar conta de uma preparação satisfatória de um profissional da Educação Física, principalmente para atuar na área não escolar e que acabava oferecendo à sociedade não um professor de Educação Física, mas sim “pseudo-educadores” (GUILARDI, 1998).

    Esses argumentos acabaram por justificar a necessidade de se pensar na estruturação de uma outra habilitação para a área, o bacharelado, onde possivelmente existiram outros interesses na elaboração da justificativa desta necessidade, inclusive de setores que procuravam retomar seu espaço político na área de conhecimento da Educação Física brasileira. Porém o fato é que os cursos de bacharelado foram criados, inclusive com a anuência dos setores responsáveis pela organização da educação no país (Ministério da Educação e Conselho Nacional de Educação) que legitimaram a existência de tais cursos a partir da elaboração de uma resolução para a constituição dos mesmos.

    Ainda assim, os grupos de profissionais de Educação Física que acreditam na necessidade de divisão da habilitação continuam a influenciar a manutenção desta fragmentação na formação profissional, através de produção de conhecimento científico que confirme esta necessidade, como também da criação de espaços políticos de controle sobre a atuação destes profissionais, sob a alegação da necessidade de proteção da sociedade contra aqueles “não habilitados”.

    Neste sentido, em 1º de setembro de 1998 foi criado o Conselho Federal de Educação Física (CONFEF), com a função de regulamentar a profissão e estabelecer os parâmetros para o controle da atuação de seus profissionais, com vistas a impedir que pessoas sem a devida formação pudessem exercer atividades típicas da área. Porém, aos poucos, este órgão começa a querer interferir também na formação profissional, na medida em que diferencia a cessão do registro profissional tanto entre licenciados e bacharéis, quanto entre os formados por uma mesma habilitação, como é o caso dos licenciados pela Resolução CFE nº 03/1987 ou pelas Resoluções CNE/CES nº 01 e 02/2002.

    Esta diferenciação é justificada pelos gestores deste órgão, por entenderem que a Resolução CFE nº 03 de 1987 dava aos licenciados a prerrogativa legal de atuar em qualquer espaço na área de Educação Física, mas as Resoluções CNE/CES 01 e 02 de 2002 apenas a prerrogativa legal de atuar no espaço escolar, já que ela prevê a formação de professores para a educação básica. Portanto, pela ótica do conselho, os profissionais para atuar no espaço não escolar deveriam ser formados por cursos baseados na Resolução CNE/CES 07 de 2004, que estabelece as Diretrizes Curriculares para a Graduação em Educação Física.

    Interessante salientar a posição deste referido conselho em entender que um Licenciado só poderia dar aulas em escolas justamente em um momento em que surgem no mundo acadêmico trabalhos onde se discutem a possibilidades de ampliação na intervenção do trabalho docente para além da escola, como por exemplo, centros hospitalares e clínicas de reabilitação. (FONSECA, 2001; NASCIMENTO, 2004; TAAM, 1997, 2000).

    Outro argumento usado pelo Confef seria de que o Bacharelado foi criado para suprir a falta de formação de pesquisador para a área de Educação Física, argumento este que não tem sentido algum como nos indica Verenguer (1996, apud ANDERAÓS, 1998):

    É um engano atrelar a atividade acadêmica e de pesquisa unicamente ao bacharel, pois ao licenciado deve ser dada essa opção, já que até o momento da aprovação do parecer 03/87, quando ainda não existia a figura do bacharel, quem fazia pesquisas na área era o licenciado (p. 37).

    Silva (2009) em sua pesquisa sobre as implicações da fragmentação em Licenciatura e Bacharelado em Educação Física, concluiu que, na realidade da Bahia os cursos de Educação Física não conseguiram delimitar competências específicas para as diferentes habilitações que justificassem a fragmentação.

    Além de que os cursos de Bacharelado pesquisados também, não davam conta de atender as demandas do mercado, isto porque a cada dia elas se diversificam mais e seria praticamente impossível acompanhar esta dinâmica. É interessante salientar que as licenciaturas antigas tentavam abarcar todas as novas possibilidades de atuação profissional da época, inserindo disciplinas para trabalhar esses novos conhecimentos, o que foi muito criticado e é até hoje um dos principais argumentos defendidos pelos favoráveis à fragmentação da formação em Licenciatura e Bacharelado.

    Percebe-se então que mesmo uma formação para atender os campos de trabalho não escolares também passa por este mesmo problema diante do grande número de áreas de intervenção. Neste sentido Pellegrini, já chamava a atenção, ao final da década de 80, para esta questão:

    A gama de Atividades que pode ser desenvolvida por um profissional de atividade física é tão grande, que não é possível imaginar, por mais que seja o rol de disciplinas no currículo, que ele possa formar um bom profissional que vale ‘tudo’. (...) Será que em Educação Física temos que formar especialistas ou a especialização surge posteriormente à graduação? (1988, p. 253).

Conclusões momentâneas: Superação da incógnita

    Portanto, percebo que o que precisamos é de uma formação mais generalista, pois o diploma de graduação não acaba com as possibilidades de aprimoramento profissional, entendendo que a graduação não esgota as possibilidades de aprimoramento profissional, pois a formação pode ser prosseguida nos cursos de atualização, aperfeiçoamento e pós-graduação, pois uma formação inicial mais completa proporciona uma visão mais ampla que a formação meramente do saber técnico-profissional, pois ela dá condições do indivíduo, através de uma consciência crítica e reflexiva, ultrapassa-la, podendo escolher formular seu próprio objeto (FARIA JUNIOR, 1987).

    Entendo que a formação da Educação Física é baseada na docência, independente do seu campo de atuação, amparado nos autores já citados anteriormente, ficaria sem sentido uma formação em Bacharelado que não leve em consideração os conhecimentos pedagógicos que auxiliam em sua intervenção, quanto à formação nas duas habilitações.

    O acúmulo de produção de conhecimento sobre formação profissional, ao qual aponta novas demandas de conteúdos a serem incorporados à mesma, não pode ser exclusivo de uma ou outra habilitação, pois independente do graduado em Educação Física ser Licenciado ou Bacharel não poderia abstrair de nenhum dos conhecimentos sobre a relação do homem com a sociedade, sobre os aspectos biológicos do corpo humano, sobre as formas de produção e transmissão do conhecimento científico e tecnológico, sobre as diversas formas de expressão da cultura de movimento humano, sobre as bases teóricas e metodológicas aplicadas ao desempenho humano nas atividades físicas e sobre os conhecimentos didático-metodológicos que o faz planejar, organizar e gerenciar diversas possibilidades de intervenção pedagógica.

Referências

  • ANDERÁOS, Margareth. Estudo das propostas de formação profissional desenvolvida pela faculdade de Educação Física de Santo André, Dissertação (Mestrado em Educação Motora). Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas. Campinas, SP, 1998, 141 folhas.

  • ______, Conselho Nacional de Educação – Conselho Pleno, Resolução CNE/CP nº 7, de 18 de Março de 2004

  • ______, Conselho Nacional de Educação – Conselho Pleno, Resolução CNE/CP nº 2, de 19 de Fevereiro de 2002

  • ______, Conselho Nacional de Educação – Conselho Pleno, Resolução CNE/CP nº 1, de 18 de Fevereiro de 2002b

  • ______, Conselho Nacional de Educação – Conselho Pleno, Parecer CNE/CES nº 492 de 3 de abril de 2001

  • ______, CFE - Resolução 03/87, de 16 de junho de 1987, Brasília: Documenta 315/setembro, 1987.

  • ______, CFE. Resolução nº 69/69, de 06 de novembro de 1969 – Fixa os mínimos de conteúdo e duração a serem observados na organização

  • FARIA JUNIOR, Alfredo Gomes. O homem ou O homem, a sociedade e a Educação. In: OLIVEIRA, Vitor marinho. (org.) Fundamentos Pedagógicos: Educação Física. Rio de Janeiro, RJ: Ao livro Técnico, 1987.

  • FIGUEIREDO, Zenólia Cristina Campos (Organizadora), Formação Profissional em Educação Física e o mundo do trabalho. Vitória, ES: Gráfica da Faculdade Salesiana, 2005

  • FONSECA, Eneida Simões da. Atendimento escolar hospitalar: o trabalho pedagógico educacional no ambiente hospitalar. A criança doente também estuda e aprende. Rio de Janeiro: Uerj, 2001.

  • GUILARDI, Reginaldo. Formação profissional em Educação Física: A relação teoria e prática. Revista Motriz, volume 4, número 1, junho de 1998

  • KUNZ, Elenor et alii. Novas Diretrizes curriculares para os cursos de graduação em Educação Física: justificativa, preposições, argumentações. Revista do CBCE, vol 20(1), p.37-47, 1998.

  • NASCIMENTO, C. T. A psicopedagogia no contexto hospitalar: quando, como, por quê? Revista Psicopedagogia, vol, 21, n.64, p.48-56, 2004.

  • NOZAKI, Hajime Takeuchi. Educação física e reordenamento no mundo do trabalho: mediações da regulamentação da profissão. Tese de doutorado. Niterói, RJ: UFF, 2004

  • PELLEGRINI, Ana Maria. A Formação profissional em Educação Física. In: PASSOS, Solange (Org.) Educação Física e esportes na Universidade. Brasília: MEC/SEED/Unb, 1998.

  • SILVA, Osni Oliveira Noberto. Implicações da fragmentação na formação profissional de educação física em licenciatura e bacharelado para as IES baianas. Monografia de graduação, Feira de Santana, BA: UEFS, 2009

  • TAFFAREL, C. N. Z; LACKS, S. Diretrizes curriculares: proposições superadoras para a formação humana. In: FIGUEIREDO, Z. C. C. (org). Formação profissional em educação física e mundo do trabalho. Vitória, ES: Gráfica da Faculdade Salesiana, 2005, p. 89-109.

  • TAAM, Regina. Educação em enfermarias pediátricas. Ciência Hoje, Rio de Janeiro, v. 23, n.133, p. 74-5, 1997.

  • ______. Assistência pedagógica à criança hospitalizada. 2000. 216f. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2000.

  • TOJAL, João Batista. Formação de profissionais de educação física e esportes na América latina. Movimento & Percepção, Espírito Santo de Pinhal, SP, v.5, n.7, jul./dez. 2005.

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