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Proposta sequencial de conteúdos para a adaptação ao meio aquático

Propuesta secuencial de contenidos para la adaptación al medio acuático

 

Membros do Centro de Investigação em Motricidade Humana

Docentes da Escola Superior de Educação e Ciências Sociais - I.P. Leiria

(Portugal)

Nuno Miguel Pires Alves Amaro

nuno.amaro@esecs.ipleiria.pt

Pedro Gil Frade Morouço

pmorouco@esecs.ipleiria.pt

 

 

 

Resumo

          Atendendo aos anos de experiência dos autores no ensino e coordenação de escolas de Adaptação ao Meio Aquático (AMA), este trabalho visa apresentar uma proposta de conteúdos que procuram promover a AMA da criança. Sabendo de antemão que a água é um meio hostil para o ser humano, as componentes do processo ensino-aprendizagem deverão ser reflectidas pelo instrutor de sucesso. Considerando também que, devido às suas características, o meio aquático induz ao ser humano desequilíbrios permanentes, aceita-se que estes possam provocar incómodo e perturbações. Por esta razão, a necessidade de realizar uma adequada AMA é fundamental a quem quiser usufruir das potencialidades deste meio.

          Unitermos: Adaptação ao meio aquático. Autonomia. Familiarização. Ensino

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 140 - Enero de 2010

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Introdução

    Quando a criança aprende a ler, o professor não lhe dá um livro e pede que leia. Há uma série de processos que conduzirão a criança ao objectivo final: ler. Na Natação a situação é idêntica; antes de iniciar a aprendizagem das técnicas, a criança deverá completar um processo fundamental para a evolução na modalidade: a Adaptação ao Meio Aquático (AMA). A aparente simplicidade das tarefas nesta fase faz com que alguns técnicos (ou pseudo-técnicos) descurem esta etapa CRUCIAL na correcta evolução da aprendizagem da criança. Barbosa (2001) alerta para a especial importância desta etapa na aquisição das habilidades aquáticas básicas, pré-requisitos para as habilidades motoras aquáticas específicas, como as técnicas de nado. Porém, esta fase não deverá servir para aplicar uma bateria de exercícios, adquiridos mecanicamente pelas crianças desprovidos de qualquer intencionalidade por parte da mesma. A AMA deverá saber responder aos problemas que lhe são colocados, nunca esquecendo algo fundamental: serão sempre crianças! Vivem num mundo imaginário, têm necessidades lúdicas e não compreendem o mundo dos adultos. Assim, as actividades lúdicas devem estar sempre presentes. Todos estes aspectos deverão ser muito bem analisados pelos técnicos de natação.

Princípios orientadores da adaptação ao meio aquático

    A definição de nadar, para alguns leigos, ainda corresponde à aquisição final das técnicas de nado simultâneas e alternadas. Barbosa (2005) refere que “saber nadar” implica, por parte do sujeito no meio aquático, comportamentos adequados, em termos de equilíbrio, respiração e propulsão, em resposta a uma situação específica.

    É necessário ter em mente vários objectivos gerais, entre eles: vencer o medo; ultrapassar sinais de inadaptação; aquisição de autonomia no meio aquático e adquirir habilidades aquáticas básicas. No fundo: saber estar na água!

    Neste sentido, o jogo aquático educativo, centrado no aluno e não no professor, deverá assumir a preponderância das ferramentas de trabalho a adoptar. Este permite a assimilação de conteúdos, sem que o aborrecimento e o cansaço dos exercícios analíticos se instalem, podendo ainda ser um meio de libertar o aluno dos seus medos ou receios iniciais. A AMA deve significar alegria e prazer para a criança. Através do jogo, ela relaciona-se com os colegas, com os objectos e com o meio envolvente (Pirosanto et al., 2000). Este processo de relacionamento num ambiente menos constrangedor leva à diminuição do egocentrismo, tão característico nestas idades.

    A nossa proposta de trabalho nesta fase, divide a Adaptação ao Meio Aquático em duas grandes etapas: Familiarização com o Meio Aquático e Autonomia no Meio Aquático.

Processo preliminar

    A escolha do grupo onde a criança se vai inserir não deverá ser feita ao acaso. Numa primeira fase, os acompanhantes da criança e a própria deverão ser entrevistadas pelo coordenador técnico ou responsável da AMA, procurando inquirir acerca das experiências prévias com actividades aquáticas. De seguida, a criança deverá realizar um teste prático, com um instrutor qualificado e experiente, que encaminhará a criança para o grupo mais adequado ao seu desempenho. Se possível, este teste deverá ser acompanhado pelos técnicos que poderão eventualmente receber a criança nos seus grupos, de modo a que exista uma maior interligação entre toda a estrutura.

    Promovendo uma aprendizagem coerente e com um rumo bem definido, procurar-se-á que cada técnico seja responsável por grupos reduzidos e o mais homogéneos possível. Só assim estaremos perante um processo de ensino-aprendizagem lógico e conducente aos objectivos delineados.

Familiarização com o meio aquático

    Nesta etapa inicial da AMA, serão integradas as crianças que apresentem sinais típicos do inadaptado: Medo de entrar na água; Procura do apoio fixo; Deslocação cautelosa (foge do contacto da cara com a água); Esfregar a cara e os olhos sempre que a água atinge a face; Respiração irregular, com tendência para o bloqueio quando se mergulha a face; Tensão muscular; Procura de segurança emocional (pais, “colo”, professor).

    Neste nível o objectivo será Promover o equilíbrio em posição horizontal e Procurar vivenciar a expiração voluntária no meio aquático (cf. exposto no Quadro 1).

Quadro 1. Proposta de conteúdos a abordar na Familiarização ao Meio Aquático

Familiarização com o Meio Aquático

Promover o equilíbrio em posição horizontal e procurar vivenciar a expiração voluntária no meio aquático

Adaptação ao local da aula

Objectivos: Ambientar-se ao novo meio e promover o gosto pelas aulas de Natação.

Exemplos:

- Promover os primeiros contactos com a água de forma aliciante;

- Bater os pés na borda da piscina;

- Lavar a cara;

- Subir e descer escadas (sempre de costas);

- Deslocar-se ao longo da piscina com apoio do bordo, ultrapassando os colegas;

- Jogos que incentivem a interacção do aluno com o meio;

- Atirar água ao professor e aos colegas sem limpar o rosto (quem limpar perde).

Deslocamentos

Objectivos: Explorar as diferentes formas de deslocamento através da propulsão.

Exemplos:

- Deslocar-se em todas as direcções através da acção dos MI e MS;

- Promover jogos aquáticos que promovam deslocamentos (ex. apanhada, corridas, etc.);

- Empurrar objectos, com a cabeça em diferentes tipos de percursos.

Imersões

Objectivos: Incentivar a abertura dos olhos durante a imersão; promover a expiração voluntária no meio aquático e dar a sentir o efeito da força de impulsão.

Exemplos:

- Imergir a cabeça com e sem apoio da parede, sem expiração, aumentando progressivamente o tempo de imersão;

- Manter as mãos ocupadas com um objecto durante a imersão da cabeça para evitar o esfregar dos olhos;

- Imergir com abertura dos olhos para verificar a cor de um objecto ou contar o nº de dedos;

- Expirar voluntariamente na água (“apagar as velas do bolo de aniversário”)

- Associar a imersão à expiração voluntária

- Passar entre as pernas do professor com auxílio do mesmo.

- Imergir empurrado pelo professor, de modo a sentir a força de impulsão.

Flutuações

Objectivos: Dar a sentir aos alunos o efeito da força de impulsão; Fomentar a ausência de apoios fixos.

Exemplos:

- Com e sem apoio das mãos na parede ensaiar a “posição de medusa” e sentir a impulsão do corpo na água (em apneia);

- Fazer a “estrela-do-mar” em posição dorsal e ventral.

Saltos

Objectivos: Realizar saltos para a água na posição vertical partindo da posição de sentado, aumentado progressivamente a altura do centro de gravidade.

Exemplos:

- Utilização do escorrega ou forma lúdicas de promover a entrada na água;

- Sentado, entrada de pés;

- Em pé, entrada de pés;

- Saltar de uma superfície mais elevada, entrada de pés.

Manipulações

Objectivos: Fomentar a utilização das habilidades de manipulação básicas,

- Jogos de recolha de diferentes objectos e transporte dos mesmos num determinado percurso;

- Deslocamentos com as bolas como apoios fixos;

- Lançamento da bola contra um alvo ao nível da superfície do meio aquático.

    Pelo visionamento de várias aulas de AMA, apercebemo-nos que há vários aspectos descurados no decorrer deste processo (e.g. a constatação por parte da criança da existência da força de impulsão hidrostática). Obviamente que a criança não terá de saber este nome, mas sim que a água a “empurra” para cima. Por outro lado, a respiração assume-se como outra lacuna, abusando-se do bloqueio respiratório, o que pode ser bastante prejudicial na familiarização com este meio tão diferente do meio terrestre.

Autonomia no Meio Aquático

    As crianças que já apresentem fundamentos da Familiarização com o Meio Aquático serão enquadradas em turmas de Autonomia no Meio Aquático. A inserção neste nível não é compatível com os comportamentos típicos do inadaptado, previamente expostos.

Neste nível pretendemos: Fomentar a posição hidrodinâmica fundamental (phf); Trabalhar a expiração controlada e o ritmo respiratório; Desenvolver os sistemas propulsivos (essencialmente os MI) e as rotações (eixo transverso e longitudinal) (cf. exposto no Quadro 2).

Quadro 2. Proposta de conteúdos a abordar no nível de Autonomia no Meio Aquático

Autonomia no Meio Aquático

Fomentar a posição hidrodinâmica fundamental; Trabalhar a expiração controlada e o ritmo respiratório; Desenvolver os sistemas propulsivos (essencialmente os MI) e as rotações (eixo transverso e longitudinal)

Deslize na phf (ventral e dorsal)

Objectivos: Procurar que os alunos realizem o deslize com alinhamento dos segmentos em diferentes profundidades; Incentivar o empurrar forte da parede.

Exemplos:

- Realizar “Golfinhos” com toque das mãos no chão;

- Deslizar após impulso da parede tentando alcançar a maior distância possível;

- Idem com batimentos alternados de pernas.

Batimento alternado dos MI (ventral e dorsal)

Objectivos: Realizar o batimento sem flexão do joelho; Realizar o batimento com o pé em flexão plantar.

Exemplos:

- Efectuar batimento de pernas sentado no bordo;

- Realizar batimento alternado de pernas em deslize ventral e dorsal com respiração ritmada;

- Idem mas com um nó no noodle a imitar uma moto.

Propulsão dos MS

Objectivos: Incutir a realização de movimentos propulsivos através dos segmentos.

Exemplos:

- Com chouriço a fazer de cavalo deslocar-se através da acção dos membros superiores;

- Jogar a apanhada promovendo o deslocamento através das mãos;

- Sem apoio, deslocamento através dos MI.

Imersões com controlo e rtimo respiratório

Objectivos: Começar a desenvolver tempos ritmados de inspiração/expiração.

Exemplos:

- Ficar de joelhos no fundo, expirando;

- Sentar no fundo (posição de Buda);

- Deitar ventral e dorsalmente no fundo;

- Apanhar um objecto no fundo;

- Inspirar a um tempo e expirar a quatro tempos (em posição vertical e dorsal).

Alterações de Equilíbrio

Objectivos: Dominar as diferentes posições de equilíbrio ventral e dorsal e conseguir elaborar formas transitórias nas diferentes posições.

Exemplos:

- Passar da posição vertical para posição horizontal (ventral ou dorsal);

- Passar da posição horizontal (ventral ou dorsal) para posição vertical;

- Combinar estes movimentos, sem pôr os pés no chão;

- Passar da posição engrupada para posição horizontal ventral e dorsal.

Rotações (eixo transverso e longitudinal)

Objectivos: Adquirir e manter a posição engrupada; Realizar mais do que uma rotação seguida; Manutenção do alinhamento do corpo durante a rotação longitudinal.

Exemplos:

- Com prancha ao peito com batimento alternado de pernas (eixo longitudinal);

- Com braços ao lado corpo com batimento alternado de pernas; (eixo longitudinal)

- Após deslize na posição ventral realizar rolamento para posição dorsal;

- Após deslize na posição dorsal realizar rolamento para posição ventral;

- Após deslize na posição ventral ou dorsal realizar rolamento completo;

- Através do separador ou haltere (cambalhota);

- Com auxílio do professor (cambalhota).

Saltos de cabeça

Objectivos: Realizar saltos para a água de cabeça com uma correcta colocação dos segmentos e com uma posição progressivamente mais alta.

Exemplos:

- A partir da posição de sentado, entrada de cabeça;

- Com apoio de um joelho no cais (prancha), entrada de cabeça;

- De cócoras, entrada de cabeça e passar por dentro de um arco;

- De pé, entrada de cabeça e passar por baixo das pernas do professor;

- Idem, mas alertando para a entrada e deslize em phf.

Manipulações

Objectivos: Fomentar a utilização das habilidades de manipulação: lançamentos, recepções e batimentos.

- Realiza jogos aquáticos com bola (jogo dos passes, jogo da recolha do lixo, etc.);

- Realiza jogos com lançamentos (lançar a um alvo, basquetebol aquático, etc.);

- Realiza as habilidades de manipulação, combinadas com a propulsão, equilíbrio e respiração.

Erros dos técnicos

    A reflexão é um procedimento fundamental do processo ensino-aprendizagem. Basicamente o que o professor faz quando analisa o ensino, a aprendizagem, reconstrói os conhecimentos, os sentimentos e as acções. Esta deverá estar presente no quotidiano dos técnicos de natação, porém, não nos parece que tal processo aconteça. Será desleixo, desinteresse, rotinas de trabalho? A nossa experiência diz-nos que muitos técnicos aplicam “uma receita” no processo ensino-aprendizagem, igual para todos os seus alunos. Logo, a reflexão não está presente, pois não há turmas homogéneas e não há desempenhos iguais nas crianças.

    Muitos técnicos colocam os problemas nos seus alunos, não conseguindo identificar que, por vezes, o problema está em si, na metodologia aplicada e/ou noutras questões.

    É comum verificarmos na bibliografia existente os modelos técnicos, divididos em componentes críticas, progressões pedagógicas e erros mais comuns dos alunos. Nós atrevemo-nos a enumerar os erros técnicos que mais observamos e que poderão conduzir para uma aprendizagem imprópria da AMA:

  1. ansiedade em ver os alunos a se propulsionar na água (bater pernas com e sem prancha; nadar crol; etc.);

  2. discurso incompreensível às crianças e falta de sensibilidade ao comportamento infantil da mesma;

  3. confundir jogo aquático educativo com aula livre de brincadeira;

  4. negligência do processo ensino-aprendizagem, devido à aparente simplicidade da AMA;

  5. sucumbir às pressões provenientes dos pais, nomeadamente na utilização por parte da criança de óculos, tampões e outros acessórios indutores de falsa autonomia no meio aquático;

  6. utilização excessiva de materiais que criam falsas autonomias na criança, tais como colete, noodle, etc.

  7. falta de diálogo com os técnicos das etapas anteriores e posteriores, no sentido de haver uma continuidade do processo ensino-aprendizagem;

  8. preponderância de exercícios analíticos, que requerem muita atenção e elevado nível de concentração, levando à instalação de cansaço, culminando em desinteresse e aborrecimento por parte da criança;

  9. descuido na abordagem de determinados conteúdos, como a phf, os saltos ou os rolamentos nos vários eixos, comprometendo a aquisição habilidades motoras específicas, aquando da abordagem das técnicas de nado;

  10. reduzida utilização das habilidades de manipulação como um dos conteúdos a abordar na AMA.

Conclusões

    O receio de entrar num meio hostil é natural a qualquer ser humano. No entanto, devemos tentar colmatar esses problemas escolhendo um conjunto adequado de conteúdos e procedimentos e estabelecendo objectivos conducentes à finalidade última da aquisição da autonomia aquática do aluno. É nosso objectivo que as aulas de AMA sejam identificadas como lúdicas e divertidas.

    Esta tomada de posição é tomada com base em que exercícios técnicos muito formais solicitam muita atenção e um elevado nível de concentração. Concentração essa que diminui à medida que o cansaço se instala. O ensino analítico provoca desinteresse e aborrecimento.

    Jogos e brincadeiras (em que os alunos se divirtam) permitem a realização de movimentos inerentes à concretização do objectivo da aula, de forma inconsciente. Nesta etapa de desenvolvimento da criança são várias as questões a ter em conta no processo ensino-aprendizagem. Mais do que a aprendizagem das técnicas, importa que a criança se sinta bem na água, controlando a sua ansiedade e conhecendo as características deste meio.

Referências bibliográficas

  • Barbosa, T. (2001). As habilidades motoras aquáticas básicas. Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, Nº 33. http://www.efdeportes.com/efd33a/aquat.htm

  • Barbosa, T. (2005). Manual Prático de Actividades Aquáticas. Xistarca, Promoções e Publicações Desportivas: Lisboa.

  • Colazo, D.N. (2000). La influencia del desarrollo de la sensibilidad al agua, en la iniciación acuática. Lecturas: Educación Física y Deportes, Revista Digital. Buenos Aires, Nº 23. http://www.efdeportes.com/efd23/iniciac.htm

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