efdeportes.com
Modelos de treinamentos híbridos e desempenho esportivo

 

Professor de Fisiologia do Exercício e Treinamento Esportivo

da Faculdade de Educação Física e Fisioterapia

da Universidade de Passo Fundo (FEFF/UPF)

Hugo Tourinho Filho

tourinho@upf.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Na presente revisão “Modelos de treinamentos híbridos e desempenho esportivo”, são analisados programas de treinamentos que provocam adaptações que possibilitam um melhor rendimento tanto em variáveis relacionadas ao metabolismo aeróbio quanto naquelas relacionadas ao metabolismo anaeróbio e por apresentarem uma estrutura híbrida, ou seja, com intensidade, freqüência e duração que agrupam tanto características aeróbias como anaeróbias, ao invés de uma forma pura de treinamento de força ou resistência aeróbia, possibilitam obter, em alguns casos, adaptações que favorecem uma melhora no rendimento das atividades que mesclam em sua execução esforços com características intermitentes, como o que ocorre na maioria dos esportes coletivos.

          Unitermos: Treinamento. Desempenho esportivo. Esportes coletivos

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 139 - Diciembre de 2009

1 / 1

1.     Treinamentos “híbridos” e desempenho esportivo

    A preocupação de todos os pesquisadores e treinadores em analisar os efeitos específicos provocados pelos programas de treinamento reside principalmente no fato de que, ao mesmo tempo em que alguns exercícios podem auxiliar na melhora do rendimento atlético, modelos de treinamento que fogem à especificidade da atividade realizada pelo atleta podem vir a prejudicar o desempenho ao invés de melhorá-lo.

    Apesar das evidências marcantes sobre a natureza específica dos efeitos do treinamento sobre o organismo, a literatura tem também alertado para a existência de estudos nos quais se verificou que alguns modelos de treinamento provocaram adaptações que possibilitaram um melhor rendimento tanto em variáveis relacionadas ao metabolismo aeróbio quanto naquelas relacionadas ao metabolismo anaeróbio (Gaiga & Docherty, 1995; Hickson, Rosenkoetter & Brown, 1980; Hurley, Seals, Ehsani, Cartier, Dalsky, Hagberg & Hollozy, 1984; Sale et alii, 1990;).

    De acordo com Sale et alii (1990), esses modelos de treinamento, por apresentarem uma estrutura híbrida, ou seja, com intensidade, freqüência e duração que agrupam tanto características aeróbias como anaeróbias, ao invés de uma forma pura de treinamento de força ou resistência aeróbia, possibilitam obter, em alguns casos, adaptações que favorecem uma melhora no rendimento das atividades que mesclam em sua execução esforços com características tanto aeróbias como anaeróbias, ou seja, as atividades de esforços intermitentes. Como exemplo desses modelos de treinamentos híbridos encontram-se os trabalhos aeróbios intervalados de alta intensidade1 (séries de três minutos realizadas a 90% do VO2máx), ou trabalhos de força muscular realizados entre 75 e 80% da carga máxima com 15 a 20 repetições por série.

    Em estudo realizado por Sale et alii (1990), o modelo de treinamento intervalado aeróbio executado em alta intensidade assegurou adaptações aeróbias nas unidades motoras tanto das fibras de contração lenta como nas de contração rápida, assim como foi capaz de induzir aumentos no tamanho muscular (hipertrofia) e na força. Por outro lado, os trabalhos de força realizados com características semelhantes às citadas anteriormente (muitas repetições por série a 75-80% da carga máxima) contribuíram, no estudo realizado pelos autores, para um aumento no VO2máx, além, é claro, de aumentarem a força muscular e provocarem hipertrofia da musculatura treinada.

    Seguindo essa linha de raciocínio, Gaiga & Docherty (1995) dirigiram um estudo com o objetivo de investigar se os efeitos de um programa de treinamento intervalado, estruturado para aumentar a potência aeróbia também seriam capazes de melhorar o rendimento de exercícios realizados em uma intensidade alta, de curta duração, repetido várias vezes.

    Baseando-se no fato de que o treinamento intervalado provoca adaptações periféricas que aumentam a capacidade do músculo em remover e tolerar maiores concentrações de lactato, além de facilitar a ressíntese de estoques de energia (Acevedo & Goldfarb, 1989; Holloszy, 1982; Sjodin, Thorstensson, Frith & Karlsson, 1976; Macdougall & Sale, 1991; Tomlin & Wenger, 2001), Gaiga & Docherty (1995) hipotetizaram que tais adaptações fisiológicas deveriam aumentar o desempenho anaeróbio e minimizar a queda na potência anaeróbia dentro e entre repetidas séries de exercícios de alta intensidade e curta duração.

    Dentro desse contexto, Gaiga & Docherty (1995), ao analisarem a influência do programa de treinamento intervalado sobre o desempenho aeróbio, avaliado pela medida do consumo máximo de oxigênio, e sobre o desempenho anaeróbio, avaliado a partir da realização de quatro testes de Wingate intercalados com três minutos de recuperação, concluíram que o tipo de treinamento intervalado utilizado no estudo (três minutos pedalando em uma intensidade por volta de 90% do VO2máx, seguido por três minutos de recuperação pedalando entre 25 a 40% do VO2máx durante nove semanas) possibilitou o aumento da potência aeróbia e também a capacidade de realizar séries repetidas de exercícios de alta intensidade e curta duração. Para os autores, as melhoras significativas observadas em todas as medidas de desempenho anaeróbio deveram-se, provavelmente, às adaptações provenientes de uma participação mista das produções de energia aeróbia e anaeróbia resultante do protocolo de treinamento intervalado. Ainda de acordo com os autores, não foi possível diferenciar o potencial de contribuição das adaptações aeróbias e anaeróbias que possibilitaram, no estudo, melhorar o rendimento anaeróbio, em razão da natureza do protocolo de treinamento intervalado - modelo de treinamento híbrido.

    Nesse particular, Sale (1987), procurando esclarecer a participação das diferentes formas de produção de energia durante a realização de um exercício, chama a atenção para o fato de que o recrutamento de unidades motoras (tipos de fibras) nos exercícios dinâmicos realizados em diferentes percentuais do VO2máx pode ser observado com a utilização de técnica de depleção de glicogênio. Desse modo, em exercícios realizados em baixas intensidades (30-40% do VO2máx), somente fibras do tipo I e poucas do tipo IIa mostram depleção de glicogênio após sessenta minutos de exercício contínuo. Em exercícios com intensidades moderadas (50-75% do VO2máx), há depleção do tipo I, IIa e, possivelmente, em fibras IIab na proporção I>IIa>IIab, sem haver depleção nas fibras do tipo IIb. A 85% do VO2máx, observa-se depleção de todos os tipos de fibras na seguinte proporção: I>IIa>IIb. Em atividades realizadas a 90, 100, 120 e 150% do VO2máx, verifica-se que todos os tipos de fibras apresentam depleção de glicogênio, entretanto a proporção de depleção passa a ser de IIb>IIab>IIa>I, ou seja, ocorre o padrão inverso do observado em exercícios executados abaixo de 90% do VO2máx.

    De acordo com Sale (1987), tais informações foram observadas em cicloergômetro, porém padrões similares de depleção de glicogênio também se obtiveram em corrida e patinação no gelo. Ainda segundo o autor, esses dados, baseados na depleção de glicogênio, sugerem que a maioria das fibras são recrutadas em exercícios com intensidade entre 90 e 100% do VO2máx, fato que pode vir a ajudar a explicar a contribuição do trabalho intervalado utilizado no estudo de Gaiga & Docherty (1995) para a melhora tanto da capacidade aeróbia como da capacidade anaeróbia.

    De forma semelhante, Sale et alii (1990) confirmam que o trabalho intervalado com intensidade correspondente a 90-100% do VO2máx pode assegurar adaptações aeróbias tanto para as fibras de contração lenta quanto para as fibras de contração rápida, ao passo que Macdougall, Hicks, Macdonald, Mckelvie, Green & Smith (1998) sugerem que o treinamento em uma intensidade que excede o VO2máx pode ser um componente mais importante do que o próprio volume do treinamento para estimular um aumento no potencial oxidativo muscular, além de otimizar a capacidade glicolítica muscular.

2.     Treinamento aeróbio e desempenho em atividades intermitentes

    Assim como é possível verificar que o treinamento intervalado realizado em uma intensidade elevada pode provocar adaptações no metabolismo aeróbio e anaeróbio simultaneamente, alguns estudos também têm indicado que o treinamento aeróbio pode contribuir para o desempenho em atividades de caráter intervalado ou intermitente.

    Uma possível razão que tenta explicar a influência positiva do treinamento aeróbio sobre o desempenho de atividades intermitentes reside no fato de que atletas com valores de VO2máx em níveis adequados apresentam uma recuperação mais rápida de esforços de alta intensidade e maiores estoques de glicogênio muscular (Astrand & Rodahl, 1980; Brooks & Fahey, 1984; Ekblon, 1986), tendo em vista que altos níveis de lactato sangüíneo e diminuição do glicogênio muscular geralmente estão relacionados com prejuízos no desempenho neuromuscular (Astrand & Rodahl, 1980).

    Presumivelmente, aumentos na potência aeróbia e função circulatória facilitariam a remoção e utilização do lactato de forma mais rápida, acelerando, desse modo, o processo de recuperação (Petersen et alii, 1989; Tomlin & Wenger, 2001).

    Há pelo menos, dois mecanismos fisiológicos pelos quais o lactato poderia deteriorar a função neuromuscular, dependendo ambos dos efeitos que o lactato exerce sobre o pH intracelular ou a concentração de íons de hidrogênio (H+). Com o aumento na produção de lactato, a concentração de H+ aumenta, concomitantemente, e o pH diminui. Por um lado, um aumento na concentração de H+ deteriora o processo de excitação-junção por reduzir a quantidade de cálcio liberada pelo retículo sarcoplasmático e interferir na capacidade de fixação do cálcio a troponina; por outro, uma maior concentração de H+ inibe também a atividade da fosfofrutoquinase, uma enzima-chave que participa do sistema glicolítico. Essa situação torna a glicólise mais lenta, reduzindo a disponibilidade de ATP para a produção de energia.

    Um efeito inibitório da acidose metabólica sobre o desempenho foi demonstrado por Ekblon (1986), que verificou em seu estudo uma deterioração altamente significante em habilidades básicas de jogadores de futebol após uma acidose lática induzida propositadamente por uma sessão de treinamento. Da mesma forma, Messonnier, Freund, Bourdin, Belli & Lacour (1997) observaram que o desempenho individual de remadores sobre um ergômetro específico esteve possivelmente relacionado à capacidade dos atletas em elevar e remover o lactato. Os autores salientaram ainda que a capacidade dos remadores desse estudo em realizar exercícios de alta intensidade estava associada à elevação da capacidade de remover lactato.

    Do ponto de vista funcional, uma aumentada capacidade de utilização do lactato resultaria numa melhor manutenção da homeostase celular. Menores desequilíbrios na homeostase, por sua vez, permitiriam aos atletas suportarem maiores intensidades de exercício, o que resultaria em um melhor desempenho (Messonnier et alii, 1997).

    Procurando seguir a linha de raciocínio que apóia a suposição de que o VO2máx é importante na manutenção da produção de potência e facilita a recuperação durante exercícios intermitentes de curta duração e alta intensidade, Mcmahon & Wenger (1998) realizaram um estudo com o objetivo de examinar a relação entre VO2máx e a capacidade de recuperação durante a realização de exercício intermitente de máxima intensidade (seis repetições de esforço executado em velocidade, com duração de 15 segundos, realizado em um cicloergômetro e com recuperação ativa entre as repetições de noventa segundos); também tentaram determinar se as adaptações aeróbias que podem vir a facilitar a recuperação desse tipo de esforço estão relacionadas mais ao mecanismo central ou mais ao mecanismo periférico. Para este estudo, os autores hipotetizaram que, durante a recuperação, sujeitos com um elevado VO2máx seriam capazes de alcançar mais rapidamente a homeostase referente à capacidade de contração muscular, facilitando, dessa forma, a manutenção da produção de potência nas séries subseqüentes do exercício intermitente.

    Os autores concluíram que o consumo máximo de oxigênio, influenciado particularmente pelo mecanismo periférico, é um importante determinante da capacidade para realizar exercícios intermitentes dessa natureza e para otimizar a recuperação entre as diferentes séries de exercícios realizados de forma intermitente e em alta intensidade. Ainda para os autores, é possível que, no estudo, os sujeitos com elevado consumo máximo de oxigênio tenham sido capazes de equilibrar os valores de pH de forma mais efetiva, reduzindo a inibição do produto final da reação creatinoquinase e possibilitando, dessa forma, uma ressíntese mais rápida de fosfocreatina (CP). Desse modo, a produção de potência pode ser mantida em um nível alto durante toda a execução do exercício intermitente.

    Dentro da mesma linha de pesquisa seguida por Mcmahon & Wenger (1998), é válido salientar o trabalho realizado por Franchini, Takito, Nakamura, Regazzini, Matsushigue & Kiss (1999), que também verificaram que um maior condicionamento aeróbio pode auxiliar no desempenho de exercícios intermitentes anaeróbios.

    No estudo de Franchini et alii (1999), objetivou-se verificar a influência da potência e da capacidade aeróbia sobre o desempenho em uma tarefa anaeróbia intermitente (quatro séries de Wingate para membros superiores com um intervalo de três minutos entre as séries). Para tal, dois grupos foram formados, considerando a aptidão aeróbia dos atletas, no caso judocas. Pelos resultados obtidos, os autores puderam concluir que indivíduos com maior capacidade aeróbia parecem ser capazes de realizar mais trabalho anaeróbio intermitente quando comparados com indivíduos com menor capacidade aeróbia, embora com mesma capacidade e potência anaeróbia em uma única série de exercício.

    Uma possível explicação para essa maior capacidade de realizar trabalhos anaeróbios sucessivos, pelos indivíduos que apresentaram maior capacidade aeróbia parece estar associada à maior utilização do metabolismo aeróbio nas séries subseqüentes, como alternativa à diminuição da participação glicolítica (Franchini et alii,1999).

    Com relação ao conteúdo de glicogênio e desempenho atlético, Ekblon (1986) observou que estoques reduzidos dessa substância reduzem tanto a capacidade aeróbia como a capacidade de realizar atividades de alta intensidade. O autor verificou que jogadores de futebol com conteúdo baixo de glicogênio na musculatura dos membros inferiores (quadríceps) logo no início do jogo percorreram uma distância 25% menor do que os outros jogadores. No entanto, as diferenças mais marcantes foram notadas nas atividades realizadas em alta velocidade: jogadores com estoques de glicogênio inicialmente baixos percorreram 50% do total da distância caminhando e 15% em velocidade, ao passo que jogadores com altos níveis de glicogênio muscular logo no início da atividade percorreram 27% caminhando e 24% participando de corridas executadas com velocidade.

    Segundo Wisloff, Helgerud & Hoff (1998), os fatores referidos sugerem que jogadores com valores altos de VO2máx terão um maior potencial para participar de situações mais decisivas e interessantes do jogo. Em adição, os autores também acreditam que os atletas serão capazes de realizar os elementos táticos e técnicos em uma intensidade mais alta quando estiverem mais bem preparados aerobiamente.

    Em uma revisão sobre a relação da aptidão aeróbia com a recuperação de exercícios intermitentes realizados em alta intensidade, Tomlin & Wenger (2001) relatam que a literatura tem sugerido que a aptidão aeróbia provavelmente melhora a recuperação de exercícios intermitentes por intermédio do aumento da contribuição do metabolismo aeróbio durante essa forma de exercício, aumento do consumo de oxigênio durante a fase de recuperação, o que contribuiria para ajudar a restaurar os processos metabólicos às condições de pré-exercício; possivelmente, a aptidão aeróbia também contribuiria, para uma remoção mais rápida do lactato, além de ressintetizar mais rapidamente os estoques de fosfagênios (ATP-CP). Ainda, para Tomlin & Wenger (2001), é fundamental que novos estudos sejam realizados para determinar quais dessas adaptações provocadas pelo treinamento aeróbio são causas ou efeitos e quais adaptações são apenas mera coincidência.

    Em contraposição aos resultados que indicam que uma melhor condição aeróbia poderia contribuir para o rendimento de atividades intermitentes, encontram-se os estudos realizados por Bell, Snydmiller, Davies & Quinney (1997), Wadley & Rossignol (1998) e Hoffman, Epstein, Einbinder & Weinstein (1999).

    No estudo realizado por Wadley & Rossignol (1998), os autores procuraram determinar a relação entre a capacidade de realizar repetidas séries de velocidade (vinte metros) com os sistemas de energia aeróbio e anaeróbio. Para tal, investigaram-se 17 jogadores de futebol da liga australiana, que foram mensurados quanto ao VO2máx, déficit de oxigênio acumulado (calculado como a diferença entre o consumo de oxigênio medido e estimado durante um teste de corrida supramáximo - 120 a 150% do VO2máx), melhor tempo em teste de corrida, realizado em velocidade máxima, numa distância total de vinte metros e tempo total de um teste que envolveu 12 corridas com velocidade, também em distâncias de vinte metros (12 x 20 m), realizadas com intervalos de vinte segundos.

    Os autores sugerem que indivíduos que podem produzir os maiores valores de produção de pico de potência e os melhores tempos em atividades de velocidade são, provavelmente, os que têm a melhor capacidade de utilizar em maior proporção os estoques de fosfocreatina (CP). Com períodos de recuperação curtos, esses sujeitos teriam menores estoques de CP antes de iniciar o próximo trabalho de velocidade e, por essa razão, provavelmente, apresentaram um maior grau de fadiga em séries repetidas de velocidade. Com relação ao desempenho nas séries de velocidade e aos resultados de VO2máx e déficit de oxigênio acumulado, não foi possível detectar uma relação estatisticamente significante, ou seja, a condição aeróbia dos atletas não apresentou relação com o desempenho nos testes de velocidade.

    Para Wadley & Rossignol (1998), os altos valores de VO2máx mensurados nos jogadores de futebol desse estudo (59,0 ml/Kg.min) refletem a importância do sistema aeróbio durante o jogo de futebol, entretanto esse alto nível de potência aeróbia seria importante para que os jogadores enfrentassem com sucesso os longos períodos de atividade de intensidade baixa a moderada que ocorrem durante o jogo de futebol.

    Com relação ao estudo dirigido por Bell et alii (1997), que contou com dezesseis ciclistas bem condicionados aerobiamente (valores médios de VO2máx de 63,1 ml/kg.min), os autores verificaram que a recuperação metabólica de exercícios intermitentes de alta intensidade não foi relacionada com várias medidas de aptidão aeróbia (VO2máx, limiar ventilatório, freqüência cardíaca máxima e submáxima, valores de lactato sangüíneo).

    A aptidão aeróbia depende de fatores relacionados ao sistema cardiorrespiratório, tais como débito cardíaco, oxigenação do sangue e fluxo sangüíneo, assim como fatores periféricos associados à capacidade oxidativa da musculatura esquelética. Já a capacidade para a recuperação de esforços intermitentes depende, no mínimo, dos seguintes fatores: restauração dos níveis de ATP e fosfocreatina, oxidação do lactato acumulado, restabelecimento do balanço iônico e dos níveis hormonais circulantes, magnitude do aumento da temperatura corporal e da intensidade e duração do exercício. Nesse sentido, Bell et alii (1997) salientam que os resultados obtidos no trabalho por eles realizado não colocam em questão o fato de o treinamento aeróbio poder melhorar alguns dos aspectos de recuperação listados acima.

    Os resultados do estudo de Bell et alii (1997) indicam que pode ser inapropriado assumir que exista relação entre medidas de aptidão aeróbia e recuperação de atletas já bem condicionados aerobiamente. Os autores acreditam que existe a possibilidade de que aumentos seguidos na aptidão aeróbia, além de um nível particular, podem não levar a maiores melhoras na recuperação dos atletas.

    Por essa razão, Ekblon (1986) afirma que, “se o aumento ou não da taxa média de VO2máx de um time é capaz de aumentar a qualidade do jogo e melhorar o rendimento de um time, ainda é matéria para discussão, porém com relação à demanda relativamente alta, por exemplo, em jogos de futebol, o autor acredita que é razoável assumir que uma taxa alta de valores de VO2máx melhoraria o rendimento do time, especialmente no segundo tempo”. Outra questão levantada por esse autor é sobre se esse tipo de treinamento (treinamento aeróbio) deveria ser executado fora do campo (sem a bola) ou incorporado em diferentes momentos do treinamento dos jogadores, isto é, no treino com bola. De acordo com o pesquisador, essa questão também é motivo para discussão já que irá depender das facilidades do local de treinamento, dos tipos de jogadores e de outros fatores.

    Completando a lista dos estudos que não verificaram relação entre condição aeróbia e rendimento em atividades intermitentes realizadas em alta intensidade figura o estudo conduzido por Hoffman et alii (1999). Para este estudo foram avaliados vinte jogadores de basquete, com idade média de 19 anos, correspondentes à elite nacional de Israel. Cada jogador realizou um teste em esteira rolante para determinar o VO2máx, um teste de potência anaeróbia (Teste de Wingate) e um teste de campo comum ao esporte, também realizado para avaliar potência anaeróbia (Line Drill). Este teste (Line Dril) consiste em uma corrida realizada em velocidade, com algumas mudanças de direção, totalizando um percurso de 143m.

    De acordo com HOFFMAN et alii (1999), os resultados apresentaram pouca ou nenhuma relação entre capacidade aeróbia e índices de recuperação (taxas de fadiga e recuperação de freqüência cardíaca após os testes de potência anaeróbia) de exercícios intermitentes realizados por jogadores de basquete.

    Ainda de acordo com os autores, embora não tenha sido examinado, seria interessante avaliar se a relação entre capacidade aeróbia e o desempenho em esforços intermitentes se tornaria mais forte se as séries de exercícios dessa natureza tivessem uma duração maior. Para os pesquisadores, embora o jogo de basquete apresente uma demanda metabólica semelhante ao teste Line Drill (exercício intermitente), a duração de um jogo é muito maior do que os 5,5 minutos de duração desse teste.

    Já que, quando a duração de um exercício de alta intensidade aumenta, há uma maior demanda do metabolismo oxidativo, provavelmente em um jogo de quarenta minutos, o papel do metabolismo aeróbio em fornecer energia pode ser aumentado, o que possivelmente aumentaria a importância da capacidade aeróbia para a recuperação dos exercícios. Por essa razão, Hoffman et alii (1999) acreditam que futuros estudos deveriam examinar se a relação capacidade aeróbia e recuperação de esforços intermitentes torna-se mais forte com testes que se aproximam mais dos esforços realizados durante toda a duração de uma partida.

3.     Esforços intermitentes máximos de curta duração e o metabolismo aeróbio

    Assim como há uma preocupação em se analisar a relação entre condição aeróbia e desempenho em esforços intermitentes de curta duração realizados em alta intensidade (Astrand & Rodahl, 1980; Bell et alii, 1997; Brooks & Fahey, 1984; Ekblon, 1986; Gaiga & Docherty, 1995; Hoffman et alii, 1999; Petersen et alii, 1989; Sale et alii 1990b; Wadley & Rossignol, 1998), alguns estudos também têm buscado evidências científicas de que os esforços intermitentes máximos de curta duração possam exercer alguma influência sobre o metabolismo aeróbio.

    Para Wadley & Rossignol (1998), o ponto de partida para esse tipo de investigação está centrado no fato de que, em um grande número de jogos coletivos, é exigida dos jogadores a participação repetida em esforços de curta duração que envolvem a produção de velocidade máxima ou próxima do máximo, com apenas breves períodos de recuperação (esforço intermitente).

    Dentre os estudos que procuraram investigar esse tipo de situação, encontra-se o trabalho dirigido por Hilty, Groth, Moore & Musch (1989), que teve como objetivo determinar algumas respostas hemodinâmicas ao exercício máximo e submáximo de ratos que foram expostos a um treinamento intermitente de intensidade máxima e de ratos que serviram como grupo-controle. O treinamento intermitente, que teve duração de seis semanas, consistiu de cinco repetições de corrida em esteira rolante, com duração de um minuto cada corrida, em cargas de trabalho na esteira (15% de elevação e 97m/min) que excediam o consumo máximo de oxigênio dos animais.

    Em síntese, Hilty et alii (1989) relataram que os resultados do estudo demonstraram que o treinamento intermitente realizado em uma intensidade máxima produziu um aumento significante no VO2máx dos ratos quando expresso em valores absolutos (ml/min) ou quando normalizados pelo peso corporal (ml/Kg.min). A diferença verificada no VO2máx após as seis semanas de treinamento deveu-se, basicamente, a um aumento no débito cardíaco e volume de ejeção detectado nos ratos que passaram pelo treinamento intermitente.

    Ainda para os autores, já que a diferença arteriovenosa de oxigênio e a atividade das enzimas citrato-sintetase e fosfofrutoquinase dos ratos treinados foram similares aos valores apresentados pelos ratos sedentários, parece razoável sugerir que o aumento no VO2máx produzido pelo treinamento intermitente em ratos esteve fortemente ligado a um aumento na função cardíaca central (mecanismo central), como indicado pelo maior desempenho no débito cardíaco e volume de ejeção. Entretanto, os autores alertam que tal efeito do treinamento intermitente sobre o mecanismo central deve ser visto com certa cautela já que algumas variações observadas no estudo, em relação ao rendimento do mecanismo central dos animais, podem estar ligadas ao processo de crescimento por que passaram durante a realização do experimento.

    Com a mesma intenção de investigar os possíveis efeitos do treinamento intermitente máximo sobre as respostas adaptativas do organismo, Macdougall et alii (1998) dirigiram um estudo com vinte sujeitos, saudáveis, do sexo masculino, que passaram por um intenso treinamento intervalado durante sete semanas. O treinamento consistiu de esforços máximos de trinta segundos, realizados em um cicloergômetro mecânico (semelhante ao procedimento do teste de Wingate). O programa de treinamento começou com a execução de quatro repetições de esforço máximo, com intervalos de quatro minutos entre as repetições. A partir da primeira semana, o número de sessões de trabalho intermitente máximo foi aumentado a cada semana de dois em dois até a quarta semana; daí em diante, foram realizadas dez repetições de esforços intermitentes em cicloergômetro, com um intervalo de três minutos entre um esforço e outro.

    Neste estudo, os pesquisadores puderam observar que o programa de treinamento que envolveu esforço intermitente máximo resultou em um aumento significante na produção de potência de pico, trabalho total e do VO2máx dos sujeitos. A atividade máxima das enzimas hexoquinase, fosfofrutoquinase, citrato-sintetase, succinato-desidrogenase e malato desidrogenase também obteve um aumento estatisticamente significante após o treinamento.

    Para Macdougall et alii (1998), embora a intensidade do treinamento possa ter sido considerada muito estressante e desconfortável, a duração total do exercício foi extremamente breve, alcançando somente cinco minutos por sessão durante a última semana de treinamento. No entanto, apesar desse estímulo relativamente curto, o programa resultou em melhoras significativas tanto para o VO2máx como para a produção de potência máxima de curta duração, além de provocar aumentos na atividade das enzimas tanto glicolíticas como oxidativas.

    Para os autores, o aumento na produção de potência máxima pode ter sido resultado do aumento da atividade enzimática glicolítica e do aumento da capacidade da bomba de sódio e potássio, ao passo que o aumento da atividade enzimática mitocondrial pode ter sido um resultado do aumento da taxa de fluxo de piruvato em decorrência de tal modelo de treinamento.

    Na prática, estas informações podem explicar o fato de atletas que são expostos a esforços intermitentes, como ocorre na maioria dos jogos coletivos, conseguirem manter durante a temporada de competições, a condição aeróbia, apenas com os estímulos provenientes das partidas disputadas, tendo em vista que, em função do calendário esportivo, os treinamentos físicos ficam relevados a um segundo plano.

4.     Considerações finais

    A análise das possíveis contribuições obtidas com os modelos de treinamento híbridos sobre as respostas adaptativas do organismo torna-se bastante interessante na medida em que é possível observar nos jogos coletivos (futebol, basquete, andebol, futsal, etc.) que são muitas as situações em que os atletas são expostos a formas de esforços físicos que mesclam em sua execução atividades que combinam diferentes formas de reposição de energia; por isso, eles são levados, possivelmente, a experimentar adaptações no organismo que se assemelham às informações relatadas nos estudos abordados nesta revisão.

Nota

  1. O termo trabalho aeróbio intervalado de alta intensidade é utilizado nesta revisão apenas por respeito ao texto original do autor. Entretanto, essa forma de treinamento é entendida, pelo autor, como um trabalho intervalado, sem a preocupação de classificá-lo como aeróbio ou anaeróbio, haja vista que, para essa forma de treinamento, entende-se que há tanto a participação do metabolismo aeróbio quanto do metabolismo anaeróbio para a produção de energia necessária à execução desse exercício.

Bibliografia

  • ACEVEDO, E.O.; GOLDFARB, A.H. Increased training intensity effects on plasma lactate, ventilatory threshold and endurance. Medicine and Science in Sports and Exercise, v.21, n.5, p.563-568, 1989.

  • ASTRAND, P.O.; RODAHL, K. Textbook of work physiology. New York, Mcgraw Hillbook Company, 1980.

  • BELL, G.J.; SNYDMILLER, G.D.; DAVIES, D.S.; QUINNEY, H.A. Relationship between aerobic fitness and metabolic recovery from intermittent exercise in endurance athletes. Canadian Journal of Applied Physiology, v.22, n.1, p.78-85, 1997.

  • BROOKS, G.A.; FAHEY, T.D. Exercise physiology: human bioenergetics and its applications. New York, John Wiley, 1984.

  • EKBLOM, B. Applied physiology of soccer. Sports Medicine, v.3, p.50-60, 1986.

  • FRANCHINI, E.; TAKITO, M.Y.; NAKAMURA, F.Y.; REGAZZINI, M.; MATSUSHIGUE, K.A.; KISS, M.A.P.D. Influência da aptidão aeróbia sobre o desempenho em uma tarefa anaeróbia lática intermitente. Motriz, v.5, n.1, p.58-66, 1999.

  • GAIGA, M.C.; DOCHERTY, D. The effect of an aerobic interval training program on intermittent anaerobic performance. Canadian Journal of Applied Physiology, v.20, n.4, p.452-464, 1995.

  • HICKSON, R.C.; ROSENKOETTER, M.A.; BROWN, M.M. Strength training effects on aerobic power and short-term endurance. Medicine and Science in Sports and Exercise, v.12, n.5, p.336-339, 1980.

  • HILTY, M.R.; GROTH, H.; MOORE, R.L.; MUSCH, T.I. Determinants of VO2max in rats after high - intensity sprint training. Journal of Applied Physiology, v.66, n.1, p.195-201, 1989.

  • HOFFMAN, J.R; EPSTEIN, S.; EINBINDER, M.; WEINSTEIN, Y. The influence of aerobic capacity on anaerobic performance and recovery indices in basketball players. Journal of Strength and Conditioning Research, v.13, n.4, p.407-411, 1999.

  • HOLLOSZY, O. Muscle metabolism during exercise. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, v.63, p.231-234, 1982.

  • HURLEY, B.F.; SEALS, D.R.; EHSANI, A.A.; CARTIER, L.J.; DALSKY, G.P.; HAGBERG, J.M.; HOLLOSZY, J.O. Effects of high-intensity strength training on cardiovascular function. Medicine and Science in Sports and Exercise, v.16, n.5, p.483-488, 1984.

  • MacDOUGALL, J.D.; HICKS, A.L.; MAcDONALD, J.R.; McKELVIE, R.S.; GREEN, H.J.; SMITH, K.M. Muscle performance and enzymatic adaptations to sprint interval training. Journal of Applied Physiology, v.84, n.6, p.2138-2142, 1998.

  • MacDOUGALL, J.D.; SALE, D. Como treinar a resistência: treino contínuo ou treino intervalado? Revista Treino Desportivo, n.22, p.23-28, 1991.

  • McMAHON, S.; WENGER, H.A. The relationship between aerobic fitness and both power output and subsequent recovery during maximal intermittent exercise. Journal of Science and Medicine in Sport, v.1, n.4, p.219-227, 1998.

  • MESSONNIER, L.; FREUND, H.; BOURDIN, M.; BELLI, A.; LACOUR, J.R. Lactate exchange and removal abilities in rowing performance. Medicine and Science in Sports and Exercise, v.29, n.3, p.396-401, 1997.

  • PETERSEN, S.R.; BELCASTRO, A.N.; QUINNEY, H.A.; HAENNEL, R.G.; REID, D.C.; KAPPAGODA, C.T.; WENGER, H.A. The influence of high - velocity circuit resistance training on VO2max and cardiac output. Canadian Journal of Applied Sport Science, v.14, n.3, p.158-163, 1989.

  • SALE, D.G. Influence of exercise and training on motor unit activation. Exercise and Sports Sciences Reviews, v.15, p.95-151, 1987.

  • SALE, D.G.; MAcDOUGAL, J.D.; JACOBS, I.; GARNER, S. Interaction between concurrent strength and endurance training. Journal of Applied Physiology, v.68, n.1, p.260-270, 1990.

  • SJODIN, B.; THORSTENSSON, A.; FRITH, K.; KARLSSON, J. Effect of physical training on LDH activity and LDH isozyme pattern in human skeletal muscle. Acta Physiologica Scandinavica, v.97, p.150-157, 1976.

  • TOMLIN, D.L.; WENGER, H.A. The relationship between aerobic fitness and recovery from high intensity intermittent exercise. Sports Medicine, v.31, n.1, p.1-11, 2001.

  • WADLEY, G.; ROSSIGNOL, P.L. The relationship between repeated sprint ability and the aerobic and anaerobic energy systems. Journal of Science and Medicine in Sport, v.1, n.2, p.100-110, 1998.

  • WILLOFF, U.; HELGERUD, J.; HOFF, J. Strength and endurance of elite soccer players. Medicine and Science in Sports and Exercise, v.30, n.3, p.462-467, 1998.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/

revista digital · Año 14 · N° 139 | Buenos Aires, Diciembre de 2009  
© 1997-2009 Derechos reservados