efdeportes.com

Avaliação de serviços de saúde:

aspectos conceituais e metodológicos

Evaluación de servicios de salud: aspectos conceptuales y metodológicos

Evaluation of health’s services: conceptual and methodological aspects

 

*Fisioterapeuta graduado pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB).

Professor do Departamento de Saúde da UESB

Membro do Núcleo de Atividade Física em Saúde (NEAFIS/UESB)

Especialista em Saúde Pública (FACINTER/UNINTER)

Mestrando em Saúde Coletiva (ISC/UFBA)

Thaís Alves Brito

Cleber Souza de Jesus*

cleber_uesb@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          A área de avaliação de serviços em geral e na saúde, em particular, passa por um processo de expansão e diversificação conceitual e metodológica, bem como por uma crescente demanda para se constituir como instrumento de apoio às decisões necessárias à dinâmica dos sistemas e serviços de saúde. Todo esse processo avaliativo tem papel imprescindível na implementação das políticas de saúde, desde a implantação de serviços e programas até o acompanhamento do seu desenvolvimento. Apoiando-se em uma revisão da literatura especializada realizada entre maio e dezembro de 2008, e tomando por referência os últimos 30 anos, foi realizada uma consulta a periódicos e artigos científicos selecionados através de busca no banco de dados do Scielo e Bireme. Este estudo buscou identificar os critérios e métodos que organizam o processo de avaliação, divergências conceituais, aspectos da qualidade de serviços, além de analisar a participação brasileira no desenvolvimento metodológico da área.

          Unitermos: Avaliação. Serviços de saúde. Avaliação de serviços de saúde

 

Abstract

          The area of evaluation in services general and health, in private, pass in the process of expansion and diversify conceptual and methodological, as well as a crescent demand to consist of in instrument of support decision necessary in the dynamic of system and services health. All this process evaluated have role indispensable in the implemented of politics health, since the implant of services and programs until the accompaniment of your development. This is study to rest on review of literature specialty accomplished between Mayo and December in 2008, and take for reference in the last 30 years, was realized a consult in periodic and article scientific selected through search data’s bank of Scielo and Bireme. This study research to identify the criteria and methods that organize the process of evaluate, divergences conceptual, aspects for quality of services, yonder to analyze the brazilian participation on methodological development in area.

          Keywords: Evaluation. Health’s service. Assessment of health’s service

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 139 - Diciembre de 2009

1 / 1

Introdução

    A área de avaliação de programas, serviços e tecnologias em geral e na saúde, em particular, passa por um processo de expansão e diversificação conceitual e metodológica, bem como por uma crescente demanda para se constituir em instrumento de apoio às decisões necessárias à dinâmica dos sistemas e serviços de saúde na implementação das políticas de saúde. (NOVAES, 2000, p. 547)

    Segundo Silva (1999, p. 332) a diversidade do instrumental metodológico atualmente disponível para a avaliação permite focalizar não apenas práticas, serviços e programas, mas abordar totalidades mais complexas, como sistemas nacionais e locais de saúde.

    Em texto publicado por Franco e Campos (1998, p. 62) é apontado que em alguns países, têm surgido iniciativas tanto governamentais, quanto da sociedade, exigindo maiores responsabilidades dos prestadores de serviços, com o intuito de proteger os consumidores. O número crescente de leis, normas e regulamentações evidencia este fato e decorre, daí, um outro objetivo da avaliação: reconhecer os direitos de cidadania dos consumidores de serviços de saúde.

    Silva (1999, p. 334) acrescenta que as novas responsabilidades municipais com a gestão do sistema de saúde requerem a incorporação da avaliação como componente do processo de planejamento, como atividade capaz de subsidiar as tomadas de decisões e como elemento auxiliar nas iniciativas voltadas para a mudança do modelo assistencial. A incorporação da avaliação como uma atividade sistemática ao interior da gestão municipal de saúde pode ser considerada como um dos indicadores de modificação do modelo assistencial.

    De acordo com Hartz (1999, p. 343) à medida que a atenção à saúde exige respostas às necessidades de populações específicas com maior vulnerabilidade ou alto risco, a avaliação de programas baseada em princípios epidemiológicos, necessários para determinar estratégias de maior efetividade é consensualmente tida como indispensável.

    A avaliação da qualidade, segundo Campos (2005, p. 567), não deve ser vista como um julgamento a priori, mas uma oportunidade de mudança. Esse é o princípio que norteia análises do tipo "auto-avaliação". A avaliação não deve ser entendida com um fim em si mesmo, mas deve ser acompanhada por propostas que busquem implementar as mudanças.

    Toda ação social se desenvolve em um contexto de complexidade crescente, envolvendo vários atores sociais, portadores de papéis, interesses, lógicas e linguagens diversos e não raramente contraditórios. (FURTADO, 2001, p. 179) A ação avaliativa é uma ação social específica, desenvolvida em ambientes complexos - programas ou serviços - nos quais não é possível atribuir significado específico a um elemento sem considerar a lógica e a interferência de outros. (DENIS e CHAMPAGNE, 1997)

    Este artigo constitui-se de uma revisão da literatura especializada entre maio e dezembro de 2008, no qual realizou-se uma consulta a periódicos e artigos científicos selecionados através de busca no banco de dados do Scielo e Bireme, a partir das fontes Medline e Lilacs. A busca nos bancos de dados foi realizada utilizando às terminologias cadastradas nos Descritores em Ciências da Saúde criados pela Biblioteca Virtual em Saúde. Os critérios de inclusão para os estudos encontrados foram que estivessem relacionados à avaliação de serviços e programas de saúde envolvendo aspectos conceituais, metodológicos e discursivos acerca dessa temática nos últimos 30 anos.

    Objetiva-se, dessa forma, analisar as discussões entre autores especializados no assunto, identificar os critérios e métodos que organizam o processo de avaliação, divergências conceituais, aspectos da qualidade de serviços, além de analisar a participação brasileira no desenvolvimento metodológico da área.

Desenvolvimento

Impactos da avaliação nos serviços de saúde

    Santos e Merhy (2006, p. 39) afirmam que a avaliação é, em especial, parte fundamental no planejamento e na gestão do sistema de saúde. Um sistema de avaliação efetivo deve reordenar a execução das ações e serviços, redimensionando-os de forma a contemplar as necessidades de seu público, dando maior racionalidade ao uso dos recursos.

    Para Silva e Formigli (1994, p. 81), entretanto, a avaliação como campo conceitual e de trabalho não está bem definida: o papel do avaliador carece de clareza e os conceitos da área são utilizados de formas diferentes, além do que são criados freqüentemente novos conceitos que redundam numa imensa diversidade terminológica. Corroborando com os autores supracitados, Patton (1982, p. 34) acrescenta que esta profusão do número e significados de conceitos ao mesmo tempo indica a riqueza do campo da avaliação e gera dificuldades à comunicação clara sobre o tema.

    A Organização Mundial de Saúde vincula o processo avaliativo ao planejamento, já que a avaliação deveria ser utilizada para tirar lições da experiência e aperfeiçoar atividades em curso ou a serem implantadas (OMS, 1981). Para Cohen e Franco (1998, p. 134) a avaliação deve estar voltada para a maximização da eficácia dos programas e para a obtenção da eficiência na utilização dos recursos.

    A despeito de toda a diversidade e de discordâncias sobre os vários aspectos da avaliação, para alguns autores existe consenso com relação ao fato de que avaliar significa emitir um juízo de valor sobre uma intervenção ou um de seus componentes. (SILVA E FORMIGLI, 1994, p. 85; AGUILAR E ANDER- EGG,1995, p. 97; CONTANDRIOPOULOS ET AL., 1997, p. 30)

    Porém, para Furtado (2001, p. 168), a admissão de que avaliar significa, em última instância, emitir juízo de valor, ainda que considere um aspecto importante da avaliação, necessita ser acompanhada de uma ampliação e diversificação dos eixos em torno dos quais são emitidos tais julgamentos. Torna-se necessário, no processo avaliativo, a inclusão de diferentes e eventualmente divergentes julgamentos, a serem realizados a partir dos distintos pontos de vista dos grupos envolvidos com um programa ou serviço, o que justificará a inclusão de representantes de diferentes grupos de interesse no processo.

    Silva (1999, p. 333) destaca um importante aspecto ao afirmar que o desenvolvimento de uma avaliação implica freqüentemente em escolhas relativas a perspectivas ou postos de avaliação. Ou seja, a avaliação poderá ser conduzida por um especialista externo à instituição que está sendo analisada, ou poderá ser desencadeada por um processo interno de auto-avaliação. Essas duas dimensões traduzem, por vezes, não somente divergências metodológicas e teórico-conceituais, mas também têm claras implicações políticas e gerenciais.

    A autora complementa que a avaliação externa freqüentemente tem sido associada à idéia de objetividade e tem sido acompanhada pela explicitação prévia de critérios, padrões e indicadores, bem como pela utilização de desenhos controlados, experimentais ou observacionais com elevado grau de validade interna e externa. Além disso, Silva (1999, p. 333) acrescenta que a adoção dessa abordagem permitiria ao avaliador evitar os diversos vieses possíveis além de propiciar a distância necessária à objetividade requerida por um julgamento isento.

    No extremo oposto, a partir da crítica à abordagem objetivista, Minayo (1996, p. 39) propõe estratégias não-estruturadas, em que todos os momentos e componentes da avaliação são definidos em negociação entre o facilitador e os sujeitos para os quais a avaliação se destina. Várias são as denominações desse enfoque: empowerment evaluation, que pode ser traduzido como “avaliação que autofortalece”, avaliação de quarta geração ou construtivista. Para Silva (1999, p. 333) as vantagens dessa segunda alternativa estariam na possibilidade de contextualizar as avaliações, de ampliar a compreensão do significado das práticas através da apreensão das representações dos atores sociais, além do envolvimento dos mesmos no processo de identificação de problemas e modificação de suas condições de vida a partir de um processo desalienante.

    A avaliação pode, segundo as funções que deve cumprir, ser classificada em “somativa” ou “formativa”. A avaliação “formativa” visa fornecer informações para adequar e superar aspectos problemáticos do programa durante o seu andamento, enquanto a avaliação do tipo “somativa” fornece julgamentos sumários sobre aspectos fundamentais do programa, sendo freqüentemente utilizada para deliberar sobre a continuidade ou o encerramento de um programa baseando-se na especificação de até que ponto os objetivos propostos foram atingidos. (FURTADO, 2001, p. 168)

    A participação e o envolvimento dos grupos de interesse no processo avaliativo e na construção de indicadores de avaliação vêm sendo discutidos ao longo das últimas décadas. Comumente designados pelo termo inglês stakeholders, foram traduzidos por Furtado (2001, p. 169) como “grupos de interesse” ou “grupos implicados” (embora já tenha sido sugerido também o sucinto termo “implicados”).

    Rossi et al. (1999, p. 27) definem grupos de interesse ou implicados ou ainda stakeholders como organizações, grupos ou indivíduos potencialmente vítimas ou beneficiários do processo avaliativo. De modo geral, os grupos de interesse são formados por pessoas com características comuns (pais, estudantes, gestores, usuários etc.) que têm algum interesse na performance, no produto ou no impacto do objeto da avaliação, isto é, estão de alguma maneira envolvidos ou potencialmente afetados pelo programa e por eventuais conseqüências do processo avaliativo.

    Para Furtado (2001, p. 170) dentro do vasto campo da avaliação, uma abordagem centrada nos diversos atores envolvidos no processo, que desde a concepção do plano considere os diferentes valores e pontos de vista envolvidos, que apresente uma real preocupação com a utilização dos resultados do processo investigativo e que se utilize de métodos voltados para o estudo do fenômeno in situ, lançando mão de instrumentos provenientes da etnografia, antropologia e sociologia, parece mais apropriado para a superação de algumas questões da avaliação clássica.

    Tal posição é corroborada por Minayo (1996, p. 37) para quem a pesquisa qualitativa se presta à avaliação de políticas públicas e sociais, do ponto de vista de sua formulação, aplicação técnica e dos usuários. Para a autora, devemos nos preocupar menos com a generalização e mais com o aprofundamento e abrangência da compreensão, o que torna ideal aquela amostra capaz de refletir a totalidade nas suas múltiplas dimensões.

    Hartz (2006, p. 733) pontua que essas questões são importantes em países em que a Política Nacional de Avaliação ainda é incipiente, como é o caso do Brasil, onde se observa a ausência de dispositivos legais, diretrizes, ou parâmetros que busquem claramente garantir a qualidade, credibilidade e reconhecimento da prática da avaliação.

    Porém, a inclusão dos grupos de interesse ou a utilização de métodos qualitativos está longe de tornar-se hegemônica. A despeito da diversidade conceitual e terminológica, o conceito de avaliação ainda gravita em torno da idéia de aferir até que ponto os objetivos inicialmente propostos foram atingidos, ou seja, com freqüência prevalece a análise de resultados (senso estrito) ou efeitos “líquidos” do programa (COHEN e FRANCO, 1998, p. 147; HARTZ, 1999, p. 342).

    Segundo Pedrosa (2004, p. 622), as avaliações, de maneira geral, também diferem quanto aos seus objetivos e podem ser definidas como:

  1. avaliação de contexto – objetiva analisar a situação na qual a intervenção ocorre, incluindo a descrição dos elementos presentes nessa situação que representam importantes fatores de sucesso ou fracasso, tanto na entidade que vai receber a ação interventiva, na própria intervenção e no momento em que a intervenção é iniciada;

  2. avaliação normativa – visa comparar o desenvolvimento da intervenção de acordo com regras estabelecidas anteriormente ou negociadas entre os participantes e envolvidos na intervenção;

  3. avaliação estratégica – quando analisa a partir dos dados a respeito do contexto a coerência entre objetivos, metas e resultados alcançados, identificando as forças políticas interessadas e desenhando a viabilidade da intervenção;

  4. avaliação de empoderamento (empowerment evaluation) – avaliação que se estabelece por meio da negociação entre avaliador e avaliado, também conhecida como avaliação comunicativa, objetivando acúmulo de poder por parte dos que desenvolvem a intervenção com as informações produzidas.

    Novaes (2000, p. 549), a partir de critérios mencionados na literatura e discutidos em reuniões científicas, apresenta aqueles que procuram dar conta das principais variáveis que orientam as decisões conceituais e metodológicas na construção dos processos de avaliação, são os seguintes: 

  1. objetivo da avaliação, 

  2. posição do avaliador, 

  3. enfoque priorizado, 

  4. metodologia predominante, 

  5. forma de utilização da informação produzida, 

  6. contexto da avaliação, 

  7. temporalidade da avaliação e 

  8. tipo de juízo formulado.

    Avaliação, contudo, não seria, para Akerman e Nadanovsky (1992, p. 364), considerada um fim em si mesma, mas um processo onde um julgamento explícito é elaborado, e a partir daí desencadear-se-ia um movimento de transformação na direção da qualidade previamente desejada.

Aspectos da qualidade de serviços

    Segundo Donabedian (1988, p. 489), a idéia de qualidade está presente em todos os tipos de avaliação, uma vez que têm como característica nuclear o estabelecimento de um juízo, a atribuição de um valor a alguma coisa que, quando positivo, significa ter qualidade, na acepção atual do termo.

    As preocupações com a qualidade dos serviços de saúde prestados à população constituem tema já considerado de interesse há décadas. Os Estados Unidos são pioneiros no assunto, um dos primeiros documentos sobre o tema é o Relatório Flexner, de 1910, sobre educação médica, que investigou os cursos de medicina e os hospitais de então, propondo drásticas medidas para seu aprimoramento. Esse relatório repercutiu no fechamento de escolas e na criação de normas mais explícitas para o funcionamento dos hospitais e para qualificação do pessoal que neles trabalhavam. Com o passar do tempo, as normas foram expandidas e aperfeiçoadas, outros temas relacionados à qualidade, além do trabalho médico e da estrutura hospitalar, passaram a ser objeto de pesquisa e debate. (PEREIRA, 2006, p. 197)

    Para Donabedian (1990, p. 116) é possível considerar que é a partir do desenvolvimento econômico capitalista e industrial que o valor (de troca) de um produto passa a depender também do oferecimento de uma “garantia” de estabilidade no seu valor de uso, ou seja, de uma determinada qualidade. Os mecanismos para garantirem essa qualidade foram se modificando, acompanhando as transformações nos processos de produção industrial: a excelência dos agentes produtores da mercadoria, os sistemas de controle e fiscalização dos produtos, os sistemas de garantia da qualidade (normas e padrões) e a gestão ou controle total da qualidade.

    De acordo com Novaes (2000, p. 554) foi a partir dos anos 60, que os serviços, por sua própria expansão, passaram a ser pensados também como produtos e, portanto, passíveis de uma padronização na qualidade, atualmente um atributo importante na sua valorização no mercado. A autora acrescenta que além da sua importância no setor privado, a qualidade ganhou destaque também nos serviços prestados no setor público, como parte dos direitos sociais da população e pelos movimentos de consumidores. Os serviços de saúde, um dos setores de maior expansão no período, foram igualmente envolvidos nesses movimentos quando então a avaliação da qualidade, freqüentemente associada à gestão e à garantia de qualidade, passou a ser desenvolvida com alguma regularidade por profissionais especializados, em particular nos Estados Unidos.

    O dicionário editado pela Associação Internacional de Epidemiologia refere-se à qualidade dos cuidados como “um nível de execução e realização que caracteriza a assistência prestada”. (PEREIRA, 2006, p.194) A qualidade em saúde envolve múltiplos aspectos e pode ser definida ainda por Hernandez (1993 apud CAMPOS, 2005, p. 564) como a "... provisão de serviços acessíveis e eqüitativos, com um nível profissional ótimo, tendo em conta os recursos disponíveis, de forma a alcançar a adesão e a satisfação do usuário".

    Apesar de todas as definições, para Campos (2005, p. 564) a concepção sobre o que venha ser qualidade depende do lugar que ocupa o sujeito no sistema de saúde. Aqueles responsáveis pela provisão e gestão dos serviços tendem a focalizar a sua atenção em determinados aspectos e interesses, tais como rendimento, custo e eficiência. Já no ambiente da prestação dos serviços, os profissionais de saúde têm outras expectativas, tais como a satisfação pessoal, o reconhecimento profissional, a excelência técnica, o acesso à tecnologia, o aprimoramento dos processos individuais e coletivos do cuidado à saúde e um bom ambiente de trabalho, incluindo o conforto, a segurança. Por outro lado, o cliente ou usuário entende como qualidade a obtenção dos benefícios esperados diante de demandas, expectativas, carecimentos e necessidades de saúde.

    Embora haja diferentes maneiras de abordar o conceito de qualidade, Pereira (2006, p. 1999) conclui que existe consenso em que o termo significa o grau de adequação ou excelência alcançado na execução das ações e serviços, medidos através de comparação com parâmetros apropriados. A dificuldade reside em definir, objetivamente, quais são os parâmetros que expressam qualidade e como medí-los adequadamente.

    Entretanto, os critérios utilizados para caracterizar um serviço de qualidade, de acordo com Campos (2005, p. 564) não são definitivos ou absolutos porque a evolução do conhecimento e a dinâmica social estão sempre a exigir mudanças e aprimoramentos na forma como se prestam os serviços

Métodos de avaliação da qualidade dos serviços de saúde

    O enfoque de avaliação mais tradicional utilizado refere-se àquele proposto por Donabedian na década de 1960, que permite, numa abordagem normativa e focada nos conceitos da administração clássica de eficiência, eficácia e efetividade, definir estratégias, critérios e padrões de medição da qualidade. O Modelo Donabedian é fartamente usado em todo o mundo como referência para a avaliação da qualidade dos serviços de saúde. (AKERMAN e NADANOVSKY, 1992, p. 362; MEDRONHO, 2006, p. 134; PERERA, 2006, p. 196)

    A partir da formulação inicial desse método de avaliação da qualidade, Donabedian (1990, p. 117) propôs uma importante ampliação dos critérios a serem utilizados, os quais ficaram conhecidos como "the seven pillars of quality", quais sejam: eficiência, eficácia, efetividade, otimização, aceitabilidade, legitimidade e eqüidade.

    Para Medronho (2006, p. 78) eficiência implica em uma análise da relação entre custos e conseqüências, podendo ser medida ou sob condições próximas do ideal ou na prática diária. Para o mesmo autor a eficiência refere-se aos efeitos alcançados em relação ao esforço empreendido, em termos de custos, recursos e tempos que foram gastos para alcançá-los.

    Embora exista alguma variação na literatura quanto aos conceitos de eficácia e efetividade, as definições adotadas pela OTA (Office Technology Assessment), agência norte-americana para avaliação tecnológica, têm sido amplamente utilizadas. Segundo esta agência, eficácia refere-se ao resultado de uma intervenção realizada sob condições ideais, bem controladas, como nos ensaios clínicos controlados ou em “centros de excelência”. Efetividade refere-se ao resultado de uma intervenção aplicada sob as condições habituais da prática médica, que incluem as imperfeições de implementação que caracterizam o mundo cotidiano. (PEREIRA, 2006, p. 125)

    A aceitabilidade é o fornecimento de serviços de acordo com as normas culturais, sociais e de outra natureza, e com as expectativas dos usuários em potencial. O conceito de equidade é relacionado à justiça social, ou seja, justiça na distribuição de bens sociais e materiais em uma sociedade, o que significa distribuição dos serviços de acordo com as necessidades da população. (PEREIRA, 2006, p. 125)

    Nesse sentido, para a medida do nível de qualidade alcançado são comparadas e analisadas as informações a partir das dimensões de estrutura, processo e resultado, a partir de critérios previamente estabelecidos. A “estrutura” diz respeito aos recursos ou insumos utilizados na assistência à saúde; o “processo” engloba as atividades ou os procedimentos empregados pelos profissionais de saúde para transformar os recursos em resultados e os “resultados” (ou “impacto”) dessas intervenções na saúde das pessoas são representados pelas respostas ou mudanças verificadas nos pacientes. (MEDRONHO, 2006, p. 79; PERERA, 2006, p. 197)

    Porém, a avaliação só é viável porque existe uma ligação de dependência entre estrutura, processo e resultado, ou seja, uma boa estrutura aumenta a possibilidade de um bom processo e um bom processo possibilita um bom resultado. Donabedian (1990, p. 116) preconiza que a melhor maneira de se fazer uma avaliação da qualidade do cuidado é utilizar um instrumento que contemple indicadores representativos das três categorias e que os resultados possuem a característica de refletir os efeitos de todos os insumos do cuidado, podendo, pois, servir de indicador para a avaliação indireta da qualidade tanto da estrutura quanto do processo.

    Mendonça e Guerra (2007, p. 370) destacam que satisfação dos usuários de serviços de saúde vem sendo cada vez mais enfocada como um indicador da qualidade da atenção. Embora a qualidade da assistência continue sendo uma grande preocupação na saúde, o principal foco de pesquisas ainda tem sido principalmente na qualidade técnica das especialidades clínicas e não nos aspectos da satisfação do paciente e de sua opinião.

    Para Trad et al. (2002, p. 582) os elementos contemplados pelo sujeito na avaliação de níveis de satisfação envolvem uma ou mais combinações dos seguintes elementos: um ideal de serviço, uma noção de serviço merecido, uma média da experiência passada em situações de serviços similares e um nível subjetivo mínimo da qualidade de serviços a alcançar para ser aceitável.

    A avaliação segundo um número de critérios que envolvam a estrutura, o processo e o resultado permite, ao final, um juízo de valor sobre o nível de qualidade alcançado, os problemas e as falhas, trazendo a necessidade de buscar estratégias para a sua correção ou a melhoria de aspectos não satisfatórios. Campos (2005, p. 567) pontua que a avaliação segue uma seqüência cíclica composta pelas seguintes etapas: entendimento do papel e da missão do serviço no sistema de saúde, estabelecimento dos objetivos da avaliação, escolha dos aspectos ou dimensões a serem avaliadas, construção de critérios, padrões e indicadores; desenho do estudo de avaliação; processo de avaliação; identificação dos problemas e falhas, propostas de mudança; execução das ações de correção e reavaliação. O processo se reinicia indefinidamente em um círculo contínuo.

Conclusão

    Diante do exposto, puderam-se identificar os critérios e métodos que organizam o processo de avaliação, divergências conceituais, aspectos da qualidade de serviços, além de analisar a participação brasileira no desenvolvimento metodológico da área. Observou-se quão complexo é o processo de avaliação e as divergências conceituais e metodológicas quem acompanham essa temática. Deve-se, assim, buscar uniformizar padrões de avaliação em programas e serviços de forma a tornar reprodutíveis as experiências nesta área.

    Não se pode deixar de destacar que a avaliação é, na maioria das vezes, voltada para os gestores e/ou financiadores em detrimento do público-alvo, dos profissionais do programa ou serviço e dos parceiros institucionais e comunitários. O caráter político das práticas avaliativas é inegável e o afloramento de jogos de poder onde estas se realizam é freqüente, o que requer do avaliador atenção constante de modo a evitar cumplicidades de diversas ordens ou que se venha a sucumbir a pressões políticas e administrativas. O trabalho do avaliador dentro dos sistemas de saúde não deve se limitar à execução de tarefas definidas por grupos particulares, mas nuançar ao máximo possível a diversidade que envolve o programa ou serviço avaliado.

    Furtado (2001, p. 180) faz importante análise ao afirmar que o controle do processo avaliativo por parte dos grupos de interesse, a consideração da complexidade e diversidade do contexto, os dados e construções daí originados, a preocupação com a utilização das informações e do próprio processo avaliativo como dispositivos para o desenvolvimento dos programas e serviços deveriam se tornar diretrizes destinadas a contribuir para a ampliação do papel até agora restrito que o campo da avaliação tem desempenhado dentro do SUS. Além também de contribuir para a capacitação e desenvolvimento de todos os grupos implicados com o sistema público de saúde brasileiro.

    Neste sentido e tomando o Sistema Único de Saúde brasileiro como referência, para alguns autores como Hartz (2002, p. 410), avaliar aspectos estreitamente vinculados ao ideário da promoção da saúde como a descentralização político-gerencial do sistema e a participação da população, implica qualificar e institucionalizar a avaliação nos diversos níveis de governo comprometidos com as mudanças do modelo assistencial do SUS

    Para Hartz (2002, p. 408), institucionalizar a avaliação exige a definição de uma política para avaliar políticas que apresente um mínimo de diretrizes relativas aos propósitos e recursos atribuídos à avaliação. Estão entre estas diretrizes a estrutura: a localização e abordagens metodológicas das instâncias de avaliação; a prática: as relações estabelecidas com a gestão; e a tomada de decisões – utilização.

    Ter a avaliação instituída na estrutura da política, entretanto, requer alguma cautela em razão das inúmeras transformações que as intenções, diretrizes e normas que orientam a política sofrem ao serem implantadas no âmbito federal, estadual e municipal de gestão do sistema.

    Este cuidado se torna particularmente importante no Brasil, diante da difícil e desigual realidade socioeconômica, da extensão territorial nacional, da heterogeneidade dos problemas regionais, das distintas capacidades locais e da diversidade cultural. É preciso promover práticas solidárias, criativas e flexíveis que contribuam para superar relações excludentes e situações de iniqüidade, e concretizem propósitos sociais de bem-estar para todos.

Referências

  • AGUILAR, M.J.; ANDER-EGG, E. Avaliação de serviços e programas sociais. Ed. Vozes. Petrópolis, 312 pp. 1995.

  • AKERMAN, M.; NADANOVSKY P. Avaliação dos Serviços de Saúde — Avaliar o Quê? Cad. Saúde Públ. V. 8, n. 4, p. 361-365, out/dez 1992.

  • BODSTEIN, R. Atenção Básica na agenda da saúde. Rev. Ciência & Saúde Coletiva, v. 7, n. 3, p. 401-12, 2002.

  • BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria Executiva. Departamento de Apoio à Descentralização. Nota Técnica. Considerações sobre a instituição de um processo de monitoramento e avaliação do SUS. Brasília: MS; 2005.

  • BRASIL. Lei 8080. Lei Orgânica da Saúde. Diário Oficial da União. Brasília, 1990.

  • CAMPOS, C.E.A. Estratégias de avaliação e melhoria contínua da qualidade no contexto da Atenção Primária à Saúde. Rev. Bras. Saúde Materno Infantil, Recife. V. 5, (Supl 1), p. S63-S69, 2005.

  • COHEN, E.; FRANCO, R. Avaliação de projetos sociais. Editora Vozes, Petrópolis, 312 pp. 1998.

  • CONTANDRIOPOULOS, A.P. et al. A avaliação na área da saúde: conceitos e métodos. Editora Hucitec, São Paulo, pp. 29-47.1997.

  • DENIS, J.L.; CHAMPAGNE F. Análise de implantação, pp. 49-88, 1997. In HARTZ, Z.M.A. (org.). Avaliação em saúde: dos modelos conceituais à prática da implantação de programas. Editora Fiocruz, Rio de Janeiro, 1997

  • DONABEDIAN, A. The assessment of technology and quality. Int J Technol Assess Health Care, v.4, p. 487-96.1988

  • DONABEDIAN, A. The Seven Pillars of Quality. Archives of Pathology and Laboratory Medicine, p. 114:115-118, 1990.

  • FELISBERTO, E. Da teoria à formulação de uma Política Nacional de Avaliação em Saúde: reabrindo o debate. Ciência & Saúde Coletiva, v. 11, n. 3, p. 553-563, 2006.

  • FRANCO, S.C.; CAMPOS, G.W.S.. Avaliação da qualidade de atendimento ambulatorial em pediatria em um hospital Universitário. Cad. Saúde Pública. Rio de Janeiro, V. 14, n. 1, p. 61-70, 1998.

  • FURTADO, J.P. Um método construtivista para a avaliação em saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Salvador, v. 6, n. 1, p.165-181. 2001

  • HARTZ, Z.M.A. Avaliação dos programas de saúde: perspectivas teórico metodológicas e políticas institucionais. Ciência e Saúde Coletiva, Salvador, v. 4, n. 2, p. 341-353.1999.

  • HARTZ, Z.M.A. Institucionalizar e qualificar a avaliação: outros desafios para a atenção básica. Ciência & Saúde Coletiva, v. 7, n. 3, p. 401-412, 2002.

  • HARTZ, Z.M.A. Princípios e padrões em metaavaliação: diretrizes para os programas de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, v. 11, n. 3, p. 733-738, 2006.

  • HERNANDEZ, P.J.S. La definición de la calidade de la atención. Apud CAMPOS, Carlos Eduardo Aguilera. Estratégias de avaliação e melhoria contínua da qualidade no contexto da Atenção Primária à Saúde. Rev. Bras. Saúde Matern. Infant., Recife, v. 5, n. 1, p. 563-569, 2005

  • MEDRONHO R.A. Epidemiologia. São Paulo: Editora Atheneu., 2006

  • MENDONÇA, K.M.P.P.; GUERRA, R.O. Desenvolvimento e Validação de um Instrumento de Medida de Satisfação do Paciente com a Fisioterapia. Rev. Bras. Fisioter., v. 11, n. 5, p. 369-376, set./out 2007.

  • MINAYO, C. O desafio do conhecimento. Editora Hucitec, São Paulo, 269 pp.1996.

  • MINISTÉRIO DA SAÚDE. Caderno do Programa Nacional de Avaliação dos Serviços de Saúde- PNASS. Edição 2004-2005. Brasília-DF, 2004.

  • NOVAES, H.M.D. Avaliação de programas, serviços e tecnologias em saúde. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 34, n. 5, p. 547-59, out. 2000.

  • OMS, L’évaluation des programmes de santé: príncipes directeurs pour son application dans le processus gestionnaire pour le dévelopement sanitaire national, 1981.

  • PATTON, M.Q. Practical evaluation. Sage Publications, Beverly Hills, 327 pp. 1982.

  • PEDROSA, J.I.S. Perspectivas na avaliação em promoção da saúde: uma abordagem institucional. Ciência & Saúde Coletiva, v. 9, n. 3, p. 617-626, 2004

  • PEREIRA, M.G. Epidemiologia: Teoria e Prática. 10a reimpressão. Rio de Janeiro, Guanabara Koogan. 2006.

  • ROSSI, P.H.; FREEMAN, H.E.; LIPSEY, M.W. Evaluation: a systematic approach. Sage Publications, Thousand Oaks, 500 pp. 1999.

  • SANTOS, F.P.; MERHY, E.E. A regulação pública da saúde no Estado brasileiro – uma revisão. Interface - Comunic, Saúde, Educ, v.10, n.19, p.25-41, 2006.

  • SILVA, L.M.V. Avaliação do processo de descentralização das ações de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Salvador, v. 4, n. 2, p. 331-339. 1999.

  • SILVA, L.M.V; FORMIGLI, V.L. Avaliação em saúde: limites e perspectivas. Cadernos de Saúde Pública, São Paulo, v. 10, n. 1, p. 80-91. 1994.

  • TRAD, L.A.B et al. Estudo etnográfico da satisfação do usuário do Programa de Saúde da Família (PSF) na Bahia. Ciência & Saúde Coletiva. V. 7, n.3, p. 581-589, 2002.

  • UCHIMURA, K.Y; BOSI, M.L.M. Qualidade e subjetividade na avaliação de programas e serviços em saúde. Cad. Saúde Pública. V.18, n 6, p.1561-1569, 2002.

Outros artigos em Portugués

  www.efdeportes.com/

revista digital · Año 14 · N° 139 | Buenos Aires, Diciembre de 2009  
© 1997-2009 Derechos reservados