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Michel Foucault e a estética da existência/resistência

Michel Foucault y la estética de la existencia/resistencia

Michel Foucault and aesthetics of existence/resistance

 

*Curso de Graduação em Licenciatura em educação Física, ex-bolsista Faperj

**Prof. Adjunto, DLCS, ICHS, UFRRJ

(Brasil)

Gláucio Oliveira da Gama*

glaucio_gama@hotmail.com

Cláudio Oliveira da Gama*

claudiodagama@hotmail.com

Luiz Celso Pinho**

 

 

 

Resumo

          Pensar como Foucault é refletir acerca dos mais variados acontecimentos e inquietudes da modernidade. Era das mudanças, da adequação e da conformação dos corpos. Adequação no sentido de “estar sempre na moda”, adquirindo hábitos que são vistos pelo senso comum como os melhores, os mais invejáveis e difíceis de seguir, mas que devem ser alcançados para a obtenção da “felicidade”. Para Foucault, a idéia de corpo livre e autônomo é falsa, onde, todas as manifestações corporais são resultados de constantes e meticulosas formas de investimento do poder sobre o corpo. Assim pensar numa proposta de resistência quanto a uma desvinculação a implementação do corpo padronizado socialmente aceito pela sociedade torna-se impossível, pois uma mudança já poderia estar relacionada a um novo formato de ação do poder, na qual seria possível uma transformação de referências para a construção de um novo corpo do sucesso.

          Unitermos: Poder. Corpos. Modernidade

 

Abstract

          Think about how Foucault is reflected in a variety of events and concerns of modernity. Age of changes, the adequacy and conformation of bodies. Suitability to "always be in fashion, buying habits are seen as common sense as the best, the most enviable and difficult to follow, but that should be made to obtain the" happiness ". For Foucault, the idea of free and autonomous body is false, where all physical manifestations are results of constant and meticulous forms of investment in power over the body. So think of a proposal for resistance on a body untie the implementation of standardized socially accepted by society it is impossible, because a change could already be related to a new format of the action, which could be a transformation for the construction of a new body of success

          Keywords: Power. Bodies. Modernity

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 138 - Noviembre de 2009

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Introdução

    Nos seus escritos Foucault sempre “apontava o potencial inventivo que residia nas relações sociais inventadas por aqueles que a sociedade classificava como anormais e desviantes” (MISKOLCI, 2006, p. 691). Assim já se propunha uma possível revolta aos que se propõem a voltar-se contra o poder que rege os corpos na modernidade.

    Os padrões sociais podem mudar com o tempo e com as sociedades, o bonito hoje pode ser o feio de amanhã. E isso demonstra a capacidade de migração do poder, transpondo e agindo sempre de forma inovadora, porém, sempre investindo no corpo. “Vivemos na era do corpo como encarnação da identidade, sustentáculo dos ideais societários que incidem sobre os indivíduos e depositário das ansiedades individuais sobre a possibilidade de adequação ao mundo” (ibid, p. 681).

    O poder contemporâneo se exerce num formato diversificado, dando uma falsa impressão de liberdade e autonomia aos corpos, implementando a necessidade de “estar sempre na moda”, adquirindo hábitos que são vistos pelo senso comum como os melhores, os mais invejáveis e difíceis de seguir, mas que devem ser alcançados para a obtenção da “felicidade”. Diante disso, Miskolci indaga: “e se meu corpo não se adequar ao que esperam de mim, o que será de mim?” (Ibid, p. 681), já demonstrando um formato avassalador do poder, no qual somos “forçados” a exibir uma boa forma para que seja aceito na sociedade. Porém, a infelicidade com o próprio corpo e, portanto, com a própria identidade é muito comum em nossos dias. O que força, em muito, a necessidade dos indivíduos almejarem “uma categoria que lhe é socialmente apresentada como modelar, bem-sucedida” (Ibid, p. 685). Neste ensaio filosófico, discutiremos a relação do poder diagnosticado por Foucault na modernidade com relação ao controle efetivo dos corpos bem como sua atuação na formação de modelos corporais, com vistas à estética.

Discussão e resultados

    Para Foucault, a idéia de corpo livre e autônomo é falsa, para ele, todas as manifestações corporais são resultados de constantes e meticulosas formas de investimento do poder sobre o corpo. O que se comprova na modernidade, da qual “um corpo ‘saudável’ tem de ser esbelto, pois a magreza (no ponto certo) é vista como prova de disciplina corporal e alimentar, de uma mente ativa e sob controle, enquanto o gordo é visto como um compulsivo, um descontrolado, ou seja, alguém ameaçado por uma versão contemporânea da loucura” (Ibid, p. 687).

    Isso corrobora para a afirmativa de que “a busca da felicidade por meios voltados à adequação corporal baseia-se em uma dicotomia de exclusão e inclusão” (Ibid, p. 685): inclusão para os que seguem a risca os mandamentos previstos em “manuais” de beleza, e exclusão, para os que por algum motivo, não conseguem por em prática os ensinamentos sociais, pois “um corpo inadequado não apenas marca a maior parte da população como gorda, feia ou disforme, segundo os padrões modelares de uma elite, mas também gera subjetividades autodestrutivas em sua busca de adequação a qualquer custo. Em alguns casos, o medo da rejeição supera até mesmo o desejo de sobreviver” (Ibid, p. 685).

    Percebe-se claramente nas proposições foucaultianas a exemplificação de estereótipos sociais nas sociedades modernas. Estes, por estarem diluídos em todo o corpo social, submetem todos a um tipo de poder hegemônico, que incorporam nos corpos, através de suas múltiplas táticas, características de constituição de uma padronização, sem a qual, não seria possível viver. Tendo presente no cotidiano a constatação “de que nas sociedades contemporâneas existe uma crescente tendência em adular, valorizar e mostrar o corpo, ao mesmo tempo que, cada vez mais, ele é explorado, aviltado e violentado” (SANT'ANNA, 2004, p. 23).

    Porém, para Miskolci, é possível indagar:

    “Qual a naturalidade de um corpo que só existe sob o domínio dessas técnicas e só é reconhecido socialmente como adequado quando elas se revelam eficientes? O que há de natural em músculos inflados à base de longas sessões de musculação, consumo de suplementos alimentares e até injeções ilegais (muitas delas criadas originalmente para a utilização em cavalos)?” (2006, p. 687).

    Vivemos sim numa época em que a “corporificação reduz toda a complexidade humana às suas formas físicas e visíveis” (Ibid, p. 686). O corpo, preparado para a docilidade, opõe-se ao poder e mostra as condições de funcionamento próprias a um organismo, todavia “a docilidade só poderá ser obtida, se for dada uma atenção especial às forças e às operações específicas do corpo; não se pode circunscrever o adestramento dócil apenas a um dispositivo mecânico e passivo” (WELLAUSEN, 2007, p. 19).

    Assim “não seria fascista esta norma do corpo malhado que é vomitada pela mídia diuturnamente?” (SOARES, 2001, p. 121). Ao expor tal citação, surge uma proposta de um possível meio de resistir ao poder que nos é imposto atualmente e que nos instiga a responder:

    “que corpos se quer produzir? Para que fins? Com que recursos? Conforme quais padrões? A que custo? Problemas bastante atuais, em aberto, cujas respostas provocam desconforto, mas que precisam ser enfrentados tendo em conta os limites – elásticos – de produção, manipulação, modelagem, investimento e “fetichização” dos corpos hoje disponíveis” (PRADO FILHO; TRISOTTO, 2008, p. 120).

    Através dos mecanismos disciplinares o poder diminui a força político-ideológica que os corpos poderiam ter ao, numa hipótese de audácia, tentar voltar-se contra o poder. No entanto,

    “a resistência não equivale à recusa simplista dos modelos difundidos pela mídia e à aversão à musculação ou às dietas. Essa é apenas a parte visível de um assujeitamento maior: aquele que faz dos corpos e das identidades objetivos narcísicos, veículos do isolamento e da constituição de laços superficiais entre as pessoas – um culto a si mesmo que pouco difere da busca especular de si mesmo no outro” (MISKOLCI, 2006, p. 689).

    O poder com suas múltiplas formas de ação e já prevendo uma recusa frente à sua influência dita as regras de que a aceitação social baseia-se na conformação às normas de conduta ascética voltadas para adquirir um padrão corporal cada vez mais inalcançável, e isto faz dos corpos cada vez mais dependentes ao sistema, por reconhecerem a dificuldade de se adquirir resultados desejáveis.

    “Hoje, contudo, podemos indagar para onde vão esses seres feitos de montanhas de músculos senão exibir-se numa sociedade que cada vez mais prescinde da força muscular?” (SOARES, 2001, p. 120), empregando a beleza com as normas de que devemos ser sempre “jovens, ‘brancos’, masculinos e, é claro, ricos” (MISKOLCI, 2006, p. 686).

    “O assujeitamento às representações do verdadeiro homem – do corpo musculoso, da obrigação da conquista e do domínio – faz parte da auto-representação, da subjetivação identitária moldada por mecanismos regulatórios que impõem modelos inseridos em regimes de verdade que mal começamos a desconstruir. As representações sociais sobre o que é um homem de verdade são poderosas” (Ibid, p. 688).

    Assim “as propostas de estética da existência desenvolvidas por figuras como Wilde e Foucault não partem da sexualidade, mas sim da transgressão da heteronormatividade. Portanto, o fundamento de uma estilística da existência é o rompimento com padrões sociais que prescrevem uma forma única de associação e afetividade entre as pessoas” (Ibid, p. 690).

    Uma saída, como ação de contra- poder, seria “problematizar a relação estabelecida com o mundo, com o outro e consigo mesmo parece, assim, condição fundamental para que se possam abrir novas saídas mais positivas e mais saudáveis para o exercício da liberdade e a invenção da vida’” (Ibid, p. 689). Foucault propôs em seus estudos que versam sobre a ação do poder, que deveríamos incitar a refletir sobre essas relações, bem como uma possível revolta contra os métodos de disseminação de condutas padronizadas que nos fariam refletir sobre questões como a de “esperar desse corpo uma autonomia?” (WELLAUSEN, 2007, p. 19), um meio de fazer o que desejar ou de ir contra o sistema e os métodos impostos nos alicerces inconscientes dos corpos?

    “A aplicação de tecnologias políticas, como também estéticas e médicas de produção de corpos e subjetividades, não apenas se encontra presa às suas próprias possibilidades de caráter técnico e científico, mas é ainda limitada por padrões éticos, históricos, de caráter social e profissional” (PRADO FILHO; TRISOTTO, 2008, p. 120).

    Assim “a estética da existência só é possível como devir, quando desconstrói as representações sociais que criam e impõem identidades” (MISKOLCI, 2006, p. 690). Ao desvendar suas ações, o poder que antes era invisível torna-se vulnerável.

    “Teriam os diversos trabalhos sobre o corpo no presente a capacidade de eliminar – ou minimizar – o antigo receio de ‘conviver com um corpo’ que não cessa de escapar ao controle e com máquinas que, igualmente, ameaçam de ‘deixar de funcionar’ conforme o desejado? Teriam as experiências que tomam o corpo das máquinas e o dos humanos como centro das atenções a potência de provocar conexões entre eles, destituídas da grosseira ambição de dominação de um sob o outro? O desejo de virtualizar o corpo ou de imbricá-lo a sofisticadas tecnologias, metamorfoseando – formas, cores, funções – responderia somente ao surrado desejo de driblar a finitude humana e ao medo hoje dramático de sombrear na insignificância e no anonimato? Até que ponto os adeptos das transformações corporais e das simbioses entre o humano e o não humano conseguem rir sem ironia de seus novos limites ‘tecnocorporais’ e evitar a invasão do totalitarismo fotogênico hoje globalizado” (SANT'ANNA, 2004, p. 23).

    Assim, fica a pergunta: “que corpo podemos nós ter hoje? Que corpo ‘natural’, humano, para uma alma que se tornou completamente artificial, antinatural, destruidora da natureza? Pomos à prova os limites da nossa ‘naturalidade’, procuramos pontos de referência por toda parte e é por isso que acolhemos todas as espécies de monstros” (GIL, 2000, p. 169 apud FRAGA, 2006, p. 74).

    O que se percebe, é que o poder, longe de promover um autocontrole das vontades, ele veicula que por meio da vontade, dedicação, dureza e sacrifício podemos alcançar o desejável, contudo, emprega estes valores descritos, como algo agradável, não sendo visto como algo trabalhoso, no sentido de se tornar uma tarefa desgastante, mas sim como algo que devem estar diluídos nas rotinas diárias dos indivíduos.

    Estes discursos tratam com suavidade o autocontrole das práticas corpóreas, promovendo uma autonomia aparente nos corpos, fazendo com que eles busquem a todo custo o tão sonhado corpo perfeito. Mas o que seria este corpo ideal? Para Foucault, estes estereótipos se tratam de uma ideologia imposta pelo poder; não existindo um corpo ideal, porém, para o poder explicitado por ele, o corpo ideal é aquele que cumpre as exigências da sociedade, que, por estar sendo influenciada pelo poder invisível de que versa, este está totalmente “disciplinado” agindo na manipulação e disseminação de saberes que agem como “flechas” certeiras nos corpos, que, atingidos, adotam tais práticas como filosofias de vida.

Conclusão

    Os corpos estão à amostra como nunca, provocando com isso desejos, inquietudes, sensações, dos mais altos aos mais baixos, encarnando nas aparências o valor e o real sentido da sua proposta, implementando resultantes em “processos de subjetivação que se dão por meio do controle, da submissão e, paradoxalmente, também do aumento da potência do corpo (ALBINO; VAZ, 2008, p. 201).

    Ao longo dos séculos “o corpo foi compreendido como lugar das mais distintas manipulações engendradas a partir de uma racionalidade dada pela máquina. Passa, assim, a ser visto como produtor e consumidor de energia. Daí as preocupações com a economia de gestos, economia de energia no século XIX e com o desejo compulsivo de gastar energia nos dias atuais” (SOARES, 2001, p. 118). Em decorrência disso, “refletir sobre os sentidos humanos e suas possibilidades, também frente ao maquinário, parece ser de importância fundamental. Mais ainda se considerarmos que os discursos e práticas sobre o corpo na modernidade alicerçam-se fortemente em imagens do corpo-máquina” (VAZ, 2006, p. 60). A idéia de corpo máquina impostas, sutilmente, pelos mecanismos de controle, indagados por Foucault nos fazem refletir que “se tudo no corpo é hoje amplamente comercializado, onde esta o limite? Parece que hoje, de fato, ele é a próxima fronteira do capital” (SOARES, 2001, p. 125). Usam o corpo para a aquisição de conquistas como a riqueza e a manipulação de ideais e formatos de modelos de vida, contudo

    “talvez o corpo, por ser esta tela tão frágil onde a sociedade se projeta, possa ser o ponto de partida, hoje, para pensar o humano, para preservar o humano, este humano factível, inusitado, que guarda sempre uma réstia de mistério e, assim romper com a auto-alienação que faz com que a humanidade viva a sua própria destruição como um prazer estético” (Ibid, p. 129).

    Seria possível uma revolta contra o poder que nos assola? As possibilidades estão dadas e tornam-se cada vez mais conhecidas pelos indivíduos, permitindo, assim, ampliar o repertório de respostas possíveis para acharmos as respostas que buscamos. Resta saber o mundo que queremos...

Referências bibliográficas

  • ALBINO, Beatriz Staimbach; VAZ, Alexandre Fernandez. “O corpo e as técnicas para o embelezamento feminino: esquemas da indústria cultural na revista Boa Forma”. Movimento (Porto Alegre), v. 14, 2008, p. 199-223.

  • FOUCAULT, Michel. “Poder – corpo”. In: Machado, R. (Org.). Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1982, p. 145-152.

  • FOUCAULT, M. “Os corpos dóceis”. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 29ª ed. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004a, p. 125-52.

  • FOUCAULT, M. “Os recursos para o bom adestramento”. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 29ª ed. Tradução de Raquel Ramalhete. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004b, p. 153-72.

  • FRAGA, A. B. “Anatomias emergentes e o bug muscular: pedagogias do corpo no limiar do século XXI”. In: Carmen Lúcia Soares. (Org.). Corpo e História. 3 ed. Campinas: Autores Associados, 2006, v. , p. 61-77.

  • MISKOLCI, Richard. “Corpos elétricos: do assujeitamento à estética da existência”. Rev. Estud. Fem. ,  Florianópolis,  v. 14,  n. 3, dez.  2006, p. 681-693.

  • PRADO FILHO, K. ; TRISOTTO, S. “O corpo problematizado de uma perspectiva histórico-política”. Maringá: Psicologia em Estudo, v. 13, n. 1, 2008, p. 115-21.

  • REVISTA EDUCAÇÃO – Especial Biblioteca do Professor 3: Foucault pensa a Educação, São Paulo, 1º mar. 2007.

  • SOARES, C. L. “Corpo, Conhecimento e Educação: notas esparsas”. In: Carmen Lúcia Soares. (Org.). Corpo e Educação. 1a. ed. Campinas: Autores Associados, 2001, v. 1, p. 109-129.

  • SANT'ANNA, D. B. “É possível realizar uma história do corpo?”. In: SOARES, Carmen. (Org.). Corpo e História. Campinas: Autores Associados, 2004, v.1. p. 3-23.

  • VAZ, A. F. “Memória e progresso: sobre a presença do corpo na arqueologia da modernidade em Walter Benjamin”. In: Carmen Lúcia Soares. (Org.). Corpo e História. 3 ed. Campinas: Autores Associados, 2006, v. , p. 43-60.

  • WELLAUSEN, S. S. “Os dispositivos de poder e o corpo em Vigiar e punir”. In: Rago, M.; Martins, A. L. (Orgs.). Revista Aulas. Dossiê Foucault. Campinas, SP, n. 3, dez. 2006/mar. 2007, p. 1-23.

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