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Aventura na Natureza e Esporte entre Índios Kaingang no Paraná

Aventura en la naturaleza y deporte entre indios Kaingang en Paraná

 

* Bacharel em Educação Física pela Universidade Estadual de Maringá

Bolsista do CNPq. Integrante do Grupo de Estudos do Lazer (GEL)

** Doutor em Educação Física. Docente da Universidade Estadual de Maringá

Líder do GEL e pesquisador financiado pelo CNPq (Edital Universal)

e pela Rede CEDES do Ministério do Esporte

Mariana Lopes Benites*

Giuliano Gomes de Assis Pimentel**

ggapimentel@uem.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          O principal objetivo deste estudo foi diagnosticar as atividades de aventura na natureza dos Kaingang da terra indígena Apucaraninha. O projeto foi desenvolvido com uma comunidade indígena situada no Paraná, a partir de observação participante, entrevista intensiva e análise de documentos. O trabalho de campo foi feito com o objetivo de observar o lazer de aventura dos índios no seu tempo livre. Contudo, apesar da terra indígena Apucaraninha estar cercada por locais propícios para a prática do lazer na natureza, poucas dessas atividades permanecem presentes na cultura Kaingang, restando outros lazeres, como o futebol, esporte de maior popularidade na aldeia.

          Unitermos: Kaingang. Lazer. Tempo Livre

 

Resumen

          El principal objetivo del estudio fue diagnosticar las actividades de aventura en la naturaleza en las tierras indígenas Kaingang, Apucaraninha - PR. El proyecto fue desarrollado con una comunidad indígena, a partir de la observación participante, entrevistas intensivas y análisis de documentos. El trabajo de campo tuvo el fin de observar las actividades de de ocio de los indios en su tiempo libre. A pesar de que las tierras indígenas Apucaraninha está rodeadas de lugares que son propicios para la práctica de actividades de aventura en la naturaleza, practican otras actividades de tiempo libre como el fútbol, que es un deporte más popular en la aldea.

          Palabras clave: Kaingang. Recreación. Tiempo libre

 

Abstract

          The goal of this study was diagnosing the wild adventure activities of Kaingang from Apucaraninha. The project was developed with an indigenous community from Paraná, from participant observation, intensive interviewing and document analysis. The research was done to observe the leisure adventure of the indians in their free time. However, in spite of the indigenous land Apucaraninha is surrounded by places to do the practice of leisure and adventure in nature, few of these activities are still present in the culture Kaingang, with other kinds of leisure activities, like soccer, the most popular sport between indians.

          Key words: Kaingang. Leisure. Free Time

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 138 - Noviembre de 2009

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1.     Introdução

    Até os anos de 1970, conforme Mota (2000, p. 03) acreditava-se que os índios, no Brasil, “não tinham futuro nem passado”. Pregava-se o seu fim frente à sociedade envolvente e ao avanço capitalista. Contudo, o panorama teria começado a se modificar quando o índio utiliza-se de mecanismos jurídicos, em nível nacional e internacional para garantir seus direitos, sobretudo em relação a terra (MOTA, 2000).

    Como mostram os dados da Fundação Nacional dos Índios, FUNAI, atualmente existem cerca de 460 mil índios no Brasil, distribuídos entre 225 etnias, representando cerca de 0,25% da população brasileira. No estado do Paraná existem cerca de 10.375 indígenas divididos entre as tribos Guarani (M'byá e Nhandéwa), Xeta e Kaingang, encontrados em 11 áreas indígenas. Os kaingangs também podem ser encontrados no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, correspondendo a uma população de aproximadamente 29 mil pessoas, tornando-se um dos cinco povos indígenas mais populosos no Brasil.

    De acordo com D’Angelis & Veiga (2009), as raízes lingüísticas e culturais separam os povos indígenas. O povo Jê possui três subdivisões: Centrais, Setentrionais e Meridionais. Os Jê Centrais correspondem aos Xavantes, Xerentes e Xakriabás; os Setentrionai correspondem aos Apaniekrás, Ramkokamekras, Krahôs, Pukobye, Parakateyês, Kreyês, Krikatis, Apinayés, Suyás, Mebengokrê (Kayapó/Xikrin) e Tapayunas; e os Meridionais correspondem aos Kaingangs e aos Xoklengs (Laklãnõ). Existem casos na bibliografia em que se atribui a denominação Kaingang aos Xokleng, pelo fato de ambas as tribos possuírem culturas com traços bastante marcantes e próximas entre os Jê, embora a organização social tenha grandes diferenças, como a língua e o comportamento diante da morte de integrantes das tribos.

    O imaginário coletivo coloca o indígena como alguém próximo da natureza. A mesma é fonte de sobrevivência, lendas, rituais e, também, de Atividades Físicas em Ambientes Naturais (AFAN), as quais, quando diagnosticadas, poderão fornecer um melhor entendimento sobre a produção cultural de movimento desses povos. Em geral se imagina como essas atividades são, mas pouco se sabe concretamente sobre tal fenômeno. Ademais, pesquisar o “outro” exige um olhar sociocultural livre de julgamentos de valor, evitando que se veja a diferença de forma a querer enquadrá-la nos valores de quem pesquisa.

    Para pensar essa diferença é necessário enfatizar que as etnias indígenas não compõem um todo homogêneo, necessitando serem estudadas em sua particularidade. Para grupos que vivem de forma rudimentar na natureza, as características gerais das atividades em ambientes naturais mantêm-se? De que forma? Como se manifestam? Foi objetivo desta pesquisa analisar as manifestações corporais relacionadas à aventura que são recorrentes entre a cultura Kaingang, diagnosticando as manifestações corporais relacionadas à aventura que são recorrentes entre tal cultura, compreendendo as manifestações corporais relacionadas à aventura que são recorrentes entre os Kaingang e formulando indicativos para valorização das manifestações corporais relacionadas à aventura que são recorrentes entre a cultura Kaingang nas políticas públicas de lazer.

Metodologia

    O projeto foi desenvolvido com uma comunidade indígena, tendo como n de sujeitos os 1.323 indígenas Kaingang que vivem na terra Apucaraninha, no Estado do Paraná. O estudo deu-se a partir de um estudo que deveria se etnográfico, ou seja, aquele que faz uso das técnicas que, tradicionalmente, são associadas à etnografia, ou seja, a observação participante, a entrevista intensiva e a análise de documentos. Porém, devido às dificuldades de acesso somente alguns procedimentos da etnografia foram seguidos e não a etnografia em si.

    Para mediar a interação com essa população houve contato prévio com os órgãos de controle, bem como com as lideranças locais. Os instrumentais de coleta consistiram de fotografia e filmagem, forma de registro iconográfico das atividades de aventura, registro em diário de campo, no qual foram anotadas as observações de forma a descrever a realidade, e entrevistas por meio de um gravador portátil, fornecendo dados complementares ao registro em diário de campo.

    Foi realizada uma incursão a uma aldeia Kaingang, localizada na Terra Indígena Apucaraninha, localizada na confluência dos rios Apucarana e Apucaraninha com o Rio Tibagi, no município de Londrina, Paraná.

    Devido ao pouco tempo de interação com o grupo, em decorrência dos receios e da burocracia, os dados não foram os esperados. A fim de evitar a criação de estereótipos, fruto das primeiras impressões sobre os indígenas por parte dos pesquisadores, a maior parte das informações trazidas e apontadas sobre a cultura Kaigang vieram de estudos já realizados, mas que também foram corroborados pelo presente estudo por meio da pesquisa de campo.

Primeiras impressões sobre a realidade da comunidade

    A área original desse território indígena era de aproximadamente 80.000 hectares. Porém a área atual conta com 5.574 hectares de terra, em que existem casas, um posto de saúde, uma escola, uma sede da FUNAI, um salão para festas e uma cadeia. A população moradora, no ano de 1945, era constituída de 247 kaingangs (fonte: SPI); em 1975 passou a ser de 295 (fonte: GT FUNAI, INCRA, Governo PR). No ano de 2000, foram constatados 1350 moradores (fonte: Prefeitura municipal de Londrina).

    O tempo de permanência na aldeia foi de aproximadamente seis horas no dia 30 de maio (das 11 às 16h50 min) e duas horas no dia 31 de maio (das 9 às 11h). O pernoite na aldeia não foi executado por recomendações técnicas da Tulha, laboratório de Arqueologia, Etnologia e Etno-História da UEM, criado há cerca de nove anos, que é ligado ao Programa Interdisciplinar de Estudos de Populações. O Laboratório é composto por professores que atuam em cursos diversos, como História, Geografia, Agronomia, Pedagogia e Letras. A recomendação, feita a todos os estudantes que visitam sozinhos as aldeias, deveu-se a questões de conforto e segurança.

    Uma das principais dificuldades encontradas em coletar os dados foi o desconhecimento da língua Kaingang. Nas entrevistas orais, antes de responderem as questões em português, os índios conversavam entre si na língua nativa, a fim de entrarem em um acordo. Consideramos cabível que, após tantas vezes explorados e enganados, os indígenas ajam com desconfiança e prefiram selecionar qual tipo e qual qualidade de informação compartilham com um pesquisador desconhecido. Há relatos que entre certas reservas Guarani do Paraná, os “antigos” chegaram a decretar sigilo de certas tradições e conhecimentos, preferindo que os mesmos sejam perdidos a serem apropriados por não-índios.

    Outra dificuldade encontrada na coleta de dados foi a ausência de atividades realizadas pelos indígenas em ambientes naturais. Constatamos que na entrada da terra indígena Apucaraninha existe um local propício para a prática de atividades de aventura, como a escalada e o rapel. O local é formado por uma parede rochosa acompanhada por uma cachoeira do rio Apucaraninha, de aproximadamente 126 metros de altura. Contudo, apesar de a aldeia contar com esse e vários outros locais propícios para a prática do lazer e aventura na natureza, como o rapel e o montanhismo, poucas dessas atividades ainda estão presentes na cultura Kaingang.

 

Figuras 1 e 2. Parede rochosa na entrada da terra indígena Apucaraninha – PR e cachoeira do rio Apucaraninha, na entrada da terra indígena Apucaraninha – PR

    A falta de prática por parte dos indígenas de atividades realizadas em ambientes naturais, apesar de haver estrutura geofísica propícia para tal, não se deve apenas a análise sobre a acessibilidade de recursos materiais para tal ou tais práticas (mosquetão, oito, cordas, fitas de segurança), mas sim sobre a compreensão da não utilização desses paredões para qualquer atividade lúdica inserida na cultura indígena pesquisada.

    Como as observações sugerem, pouco resta dos esportes relacionados à sobrevivência e aventura na natureza. Restam outros lazeres, a maioria dos quais de origem não-indígena. Neste aspecto, observou-se que o esporte de maior popularidade na aldeia, assim como em todo o país, é o futebol, praticado tanto por homens quanto por mulheres e crianças.

    Os campeonatos acontecem, geralmente, no sábado à tarde, domingo de manhã e domingo à tarde, com equipes, árbitro, torcidas e uniformes. Os times que irão jogar marcam horário e reservam o campo, antecipadamente, com o cacique da aldeia. Em geral existem apostas entre os times, com o time vencedor ganhando refrigerantes ou cervejas.

    A prática organizada ocorre em um campo, com delimitações traçadas por cal e traves e travessões incrementados com redes. Alguns times da aldeia são convidados a ir até as cidades de Tamarana ou Londrina para participar de campeonatos promovidos pelo governo. Já a prática não formal acontece quase toda hora e em qualquer lugar da aldeia, especialmente entre as crianças, devido ao fato de o futebol adaptar-se à diversas condições e regras.

Figura 3. Prática organizada do futebol entre os moradores da terra indígena Apucaraninha

    As regras do futebol jogado entre eles são –em aparência– as mesmas utilizadas para jogos oficiais. Contudo existe somente um árbitro, previamente escolhido, que se utiliza de um apito indígena para exercer suas funções. Sobre esse instrumento utilizado nos jogos, é interessante observar a foto abaixo, que denota não se tratar de um apito Kaigang, mas Pataxó, povo indígena de língua da família Maxakali do tronco Macro-jê. Isso se explica pelo contato entre diferentes povos motivado pela necessidade dos índios em conhecer e defender seus direitos, o que acabou aproximando as várias etnias. Como consequência, existe uma troca de experiências e materiais entre os membros desses diferentes povos indígenas.

    O interessante em termos culturais não está propriamente no jogo em si, visto que há uma busca por dominar o futebol em pé de igualdade da forma como é praticado pelos não-índios (o futebol funciona como afirmação e integração e, portanto, é um elemento de identidade). Porém, a especificidade cultural se afirma na maneira como as equipes são organizadas, obedecendo ao sistema da linhagem familiar e em conformidade com as opções políticas dentro da organização interna. Enfim, fazer parte de um time é confirmar uma posição social e de linhagem na comunidade.

    Os jogos são realizados entre os próprios moradores de Apucaraninha, onde existem oito times masculinos e três femininos. Porém existem ocasiões em que moradores de outras aldeias Kaingang, como Ivaí e Faxinal, deslocam-se até Apucaraninha a fim de jogar.

    Um dos três campos de futebol existentes na aldeia está sendo gramado, o que fará de Apucaraninha a única aldeia Kaingang do Paraná a possuir um campo gramado para a prática do esporte. A grama, do tipo Mato Grosso, foi doada em tapetes por Paulo Vieira, dono de um hotel fazenda a 40 km de Apucaraninha.

    Porém, os moradores da terra indígena não se utilizam somente dos campos de futebol da aldeia. Constantemente vão até os campos particulares das fazendas vizinhas e organizam as partidas em tais locais, como é relatado por um Kaingang:

    Não sei se você viu ali, por exemplo, ali tem um monte de campo por ali. E a gente sai joga aí fora. A gente não joga só aqui, a gente joga... O campo das fazendas. A gente vai até lá. A gente vai de caminhão, de trator ou qualquer outra condução.

Hegemonia do futebol, fim das atividades na natureza?

    É muito difícil encontrar situações em que ainda cultivem a mesma cultura e agem do mesmo modo como agiam seus antepassados. Os indígenas, assim como as demais sociedades, também se transformaram, isto é, mudaram com o passar do tempo. Tornou-se folclore a idéia de que os moradores das aldeias vivem isolados das cidades, não têm ligação alguma com a tecnologia e se utilizam da cultura de subsistência para sobreviver, não dependendo do capital financeiro. Muitas vezes, a visão que grande parte da sociedade não-indígena possui não passa de identidades criadas pelos índios para atraírem turistas.

    O etno-desporto indígena caracteriza-se pela capacidade que os integrantes de cada povo têm de adaptar-se aos esportes modernos e inconporá-los nas terras indígenas, porém sem perder a identidade étnica do seu povo (FASSHEBER, 2003). Caracteriza-se também pela transformação das próprias tradições indígenas em tradições provenientes do contato com povos não-índios, expressando um processo de novos significados de valores culturais.

    Os jogos tradicionais se diferenciam dos esportes por manterem um caráter de informalidade, enquanto o esporte foi institucionalizado e universalizado. As transformações sociais provenientes do aldeamento, perda da mata, etc, ajudaram no processo de ressignificação dos jogos e brincadeiras tradicionais Kaingang (FASSHEBER, ROCHA FERREIRA, 2002).

    Atualmente pode-se observar os jogos tradicionais e brincadeiras, realizadas durante rituais e festas. Porém, tais atividades têm ficado cada vez mais escassas, especialmente nos povos que se encontram mais próximos às cidades. Em contrapartida, o futebol vem ganhando cada vez mais adeptos entre esses povos.

    Esse esporte, há mais de oitenta anos, de acordo com os informantes mais antigos, tornou-se um meio de re-inserção dos Kaingang no restante da sociedade, proporcionando redes externas e internas de sociabilidade. Apesar de a maioria das regras de futebol serem as mesmas, existe uma preocupação entre os Kaingang com o fair play, ou seja, com uma prática mais civilizada e honesta, sem tanta violência, mostrando que o esporte não é somente imitado, mas sim incorporado, ganhando significado próprio na tradição indígena (FASSHEBER, 2003).

    Um entrevistado Kaingang confirma a popularidade do futebol na Terra Indígena Apucaraninha:

P - Tem algum outro esporte além do futebol pra desenvolver? Ou é mais futebol mesmo?

R - É mais futebol que a gente tem aqui. Eu acho que futebol, é uma coisa que é muito eclético, né? Todo mundo pode participar.

    A grande importância do futebol na terra indígena Apucaraninha pode ser atribuída ao fato de, como acontece em outros lugares, ele permitir a interação entre os índios moradores de uma mesma terra indígena, entre índios de diferentes terras indígenas e entre os índios e as populações das cidades vizinhas, criando uma situação de igualdade entre todos.

    Outro depoimento Kaingang, na Terra Indígena Apucaraninha identifica no futebol uma possibilidade de profissionalização para os índios:

    O que a gente teme é por que os nossos filhos hoje, eles saem pra fora. Eles vão pro colégio lá fora e a gente quer dar um apoio pra eles aqui internamente. Eles vão pra um mundo mais perdido de drogas, essas coisas, consume excessivo de álcool. E se a gente puder garantir isso pra eles aqui, é muito interessante! A gente tem um projeto junto ao Ministério do Esporte pra desenvolver um campeonato aqui internamente. E tem muitos “muleque” aqui bom de bola que poderia até tá desenvolvendo e saindo fora, jogar fora em clubes aí, profissionais.

    Entre os Kaingang do Paraná, a relação entre os índios e o futebol apresenta as seguintes características: a maioria dos campos de futebol é localizada no centro das terras, os indígenas sempre se reúnem para jogar e assistir aos jogos, as equipes jogam em competições contra equipes das cidades vizinhas, a montagem das equipes é influenciada pelas lideranças Kaingang e alguns jogadores Kaingang fazem parte de equipes das cidades em competições municipais e regionais (FASSHEBER, 2006).

    Por fim, um outro aspecto a ser considerado no possível e aparente “abandono” das AFAN e substituição pelo futebol, é que as famílias indígenas são muito integradas, havendo imitação das crianças pelo o que é feito pelos adultos. Villas Boas e Villas Boas (1982, p. 83) afirmam que as crianças índias “não têm jogos ou brincadeiras com formas e designações específicas”. Esses autores observam que as crianças indígenas, “criados e protegidos sem castigos e outras naturezas de repressões, sentido-se livres e sem temores, são sempre muito alegres, expansivas e brincalhonas”. Por isso, é possível vê-los na natureza brincando de caçar ou nadando. Por que esse comportamento das crianças não foi observado em Apucaraninha? Terá sido o pouco tempo para interagir com as crianças e perceber suas aventuras, possivelmente, por vezes, às escondidas dos pais? Ou será devido aos filhos desejarem fazer o mesmo que os pais fazem? Neste caso, o futebol.

Conclusão

    Diferente do esperado pelo imaginário coletivo, os habitantes da Terra Indígena Apucaraninha não estão muito ligados à natureza, especialmente se tratando de AFAN, Atividades Físicas em Ambientes Naturais. Estas não foram identificadas de forma significativa na aldeia Kaingang situada nessa Terra Indígena.

    Esse fato pode ser explicado por hipóteses baseadas na pesquisa e na literatura, tais como a influência dos povos não-índios na manifestação da produção corporal realizada durante tais atividades. Consequentemente, as comunidades indígenas criaram mecanismos políticos, sociais e econômicos diferentes dos costumeiros (FASSHEBER, 2006). O que isso tem a ver com o esporte? Os jogos tradicionais e brincadeiras vêm diminuindo entre os indígenas, principalmente em povos que encontram-se mais próximos às cidades. Enquanto isso, o futebol tem sido cada vez mais popular entre tais povos, tornando-se um modo de re-inserção dos Kaingang na sociedade.

    O futebol é a atividade física mais popular entre os indígenas, disputada entre os próprios moradores de Apucaraninha e entre esses e jogadores de outras Terras Indígenas, sempre objetivando uma prática mais civilizada e honesta que a dos não-índios.

    A prática do futebol ocorre em quase todos os dias da semana, seja de forma organizada, como jogos em campo e arbitrados, como de forma não-formal, proporcionando redes externas e internas de sociabilidade e criando uma situação de igualdade entre os jogadores.

    Uma hipótese concorrente ao abandono das práticas na natureza, diz respeito ao estudo não ter cumprido com todos os procedimentos planejados. Houve fatores limitantes no estudo durante a fase de pesquisa de campo e coleta de dados. Dentre eles, destacam-se as dificuldades relacionadas à língua Kaingang e à desconfiança do povo com os não-índios. Para superá-las, haveria necessidade de realizar estudos de imersão e de maior duração, o que exigiria maior espaço, dentro das universidades, para a discussão sobre o atual estado dos indígenas no Brasil.

    Nessa mesma linha de pensamento, outro aspecto que limitou a abrangência do estudo e que inviabilizou se alcançar os objetivos foi que as dificuldades de acesso à terra indígena resultaram em um tempo insuficiente para a coleta e para adquirir confiança e espontaneidade entre os sujeitos pesquisados. Logo, houve limitações (tempo de duração na comunidade), que foram decisivas para não se evidenciar outras manifestações esportivas e lúdicas na natureza. Como foi reduzido o tempo de permanência, não houve como saber da existência de manifestações do cotidiano deles, quase imperceptíveis pela rotina.

    Assim o estudo conclui que as AFAN não são imediatamente reconhecíveis na comunidade de Apucaraninha, onde o futebol mostrou-se a atividade lúdica esportiva predominante. Limitações do estudo sugerem a necessidade em aprofundar a investigação para perceber as atividades na natureza que ocorrem de forma tradicional e espontânea. Não se trata de concluir por sua extinção, mas pela necessidade das coletas serem densas, de longa duração, pois ao primeiro olhar os indígenas forneceram apenas o que é para o não-índio ver, o futebol. Seus rituais e suas AFAN parecem reservadas aos iniciados, o que esperamos comprovar com a retomada do estudo.

    Esses resultados, embora resultem em poucas descobertas, são indicativos para se pensar no duplo desafio aos professores de Educação Física, no contexto da educação multicultural. De um lado, pensar como esse docente, em comunidades indígenas, irá dar trato pedagógico às práticas corporais existentes e em conexão com a cultura indígena. De outro, é refletir que, no contexto da América Latina, há um movimento de valorização dos saberes autóctones, com fomentos e leis para estimular o ensino das culturas indígenas em todas as escolas. No Brasil, isso pode ser verificado com a Lei n. 11.645 de março de 2008, que trata como obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena nos ensinos fundamental e médio. A realização de pesquisas sobre a cultura corporal indígena é um passo necessário para que as práticas indígenas sejam ensinadas tal como se manifestam concretamente.

Referências

  • D’ANGELIS, W.; VEIGA, J. Londrina, 2006. Disponível em: http://www.portalkaingang.org/index.htm. Acesso em 16 de maio. 2009.

  • FASSHEBER, J. R. M.; ROCHA FERREIRA, M. B. A eficácia do futebol entre os Kaingang. In: 23 REUNIÃO DE ANTROPOLOGIA BRASILEIRA, 2002, Gramado, 2002. v. 1. p. 1 - 9.

  • FASSHEBER, J. R. M. Etno-Desporto Indígena: contribuições da Antropologia Social a partir da Experiência entre os Kaingang. 2006. 172 p. Tese (Doutorado) Curso de Educação Física, Departamento de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006.

  • MOTA, L. T. (Org.). As cidades e os povos indígenas: mitologias e visões. Maringá: EDUEM, 2000.

  • VILLAS BOAS, O; VILLAS BOAS, C. O divertimento das crianças indígenas. In: OLIVEIRA, P. S. Brinquedos artesanais e expressividade cultural. São Paulo: SESC-CELAZER, 1982. p. 33-34

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