Educação, esporte e sociedade: uma análise cultural da mídia impressa em Blumenau na cobertura dos XV Jogos Pan-Americanos Educación, deporte y sociedad: un análisis cultural de la prensa escrita en Blumenau en la cobertura de los XV Juegos Panamericanos |
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*Mestre em Educação (UFRGS). Professor da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI. **Acadêmico/a do curso de Educação Física do Instituto Blumenauense de Ensino Superior – IBES (Brasil) |
George Saliba Manske* Franklin Francisco Gonçalves** Kátia Borba da Silva** Lindomar Postai** |
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Resumo Discutir os elementos envolvidos nas noticias veiculadas pelo jornal Santa Catarina nos XV Jogos Pan-americanos, realizados na cidade do Rio de Janeiro em 2007, foi o objetivo do estudo realizado. Para isso tivemos como corpus de análise a parte do jornal acima referido destinada exclusivamente para as notícias do Pan, denominada Revista do Pan, no período que compreende de 13 a 31 de julho de 2007, espaço de tempo em que ocorreram os jogos Pan-americanos, obtendo, no total, 16 exemplares do corpus de investigação. A partir do marco teórico do campo dos Estudos Culturais, com abordagens pós-estruturalistas, elaboramos os eixos de análise que se desdobraram em duas linhas de discussão, a saber, formação de ídolos e regionalização das noticias. Percebemos, durante as análises, que o jornal procura criar estratégias de identificação com seus leitores relacionando as atividades que ocorriam no Pan com elementos culturais específicos da região em que o jornal tem circulação. Além disso, identificamos que o jornal constrói identidades de ídolos para os atletas participantes do Pan, ora trazendo-os como sujeitos com limites além do normal e ora colocando-os como extremamente humanos. Inferimos, por fim, que a mídia contribui na construção de significados acerca dos esportes e dos atletas envolvidos quando faz a cobertura do evento, noticiando-o. Tais construções de significados contribuem para a consolidação e renovação do esporte enquanto fenômeno cultural de massa na atualidade. Unitermos: Esporte. Mídia. Cultura
Pesquisa realizada com incentivo de Bolsa de Pesquisa do artigo 170 para os acadêmicos envolvidos |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 138 - Noviembre de 2009 |
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Dos elementos constituintes do estudo
Quando ocorre algum evento esportivo de grande porte no Brasil há, inevitavelmente, a participação do campo midiático atuando em sua cobertura, produzindo notícias, informações, sentidos e significados específicos sobre os esportes que estão sendo alvo das manchetes noticiarias.
No ano de 2007, por exemplo, ocorreram no Brasil os XV Jogos Pan-americanos, realizados na cidade do Rio de Janeiro. Este evento teve uma cobertura midiática ininterrupta, inclusive, havendo “agendamento” dos Jogos meses antes de sua realização, e notícias e imagens relacionadas ao evento semanas e até mesmo meses após o seu encerramento.
Durante os Jogos poucas ou nenhuma cidade de grande ou médio porte no Brasil ficou ausente das notícias e da cobertura dos fatos que ocorreram no Pan, sejam essas notícias veiculadas pela mídia televisiva ou impressa, as quais possuem um poder de persuasão e de inserção social imensurável.
Frente a estes acontecimentos, e pela importância que possuem em nossa sociedade, algumas questões não poderiam deixar de serem formuladas: como as notícias sobre o Pan foram veiculadas? Qual a parte destinada de um veículo de comunicação em massa para noticiar o evento? Que acontecimentos possuem privilégio de comunicação em detrimento a outros?
A premência de tais discussões se justifica pelo fato de a mídia na ter um grande poder de formação de opinião, de construção de verdades e de subjetividades, ainda mais se tratando de um evento de porte internacional como os jogos pan-americanos e de sua importância para assegurar uma tão sonhada vaga em uma olimpíada ou de uma Copa do Mundo, esta última já conquistada.
Na região do Vale do Itajaí, no estado de Santa Catarina, onde se situa a cidade de Blumenau, há um veículo de comunicação impressa que possui grande circulação social, seja da ordem de tiragem de exemplares ou da ordem de quantidade de leitores. O Jornal Santa Catarina possui uma tiragem diária de 20.000 exemplares, sendo que aos finais de semana chega aos 26.000 exemplares. Este jornal possui circulação no Vale do Itajaí e litoral, tendo cerca de 19.300 assinaturas em dia.
No estudo que aqui apresentamos tivemos como material de investigação as notícias veiculadas pelo jornal Santa Catarina a respeito do Pan 2007, dando especial ênfase ao encarte intitulado Revista do Pan. Como corpus de análise selecionamos a parte destinada exclusivamente para as notícias do Pan, denominada Revista do Pan, no período que compreende de 13 a 31 de julho de 2007, espaço de tempo em que ocorreram os jogos Pan-americanos, tendo o jornal avançado com seu encarte dois dias após o término do evento.
Ao final dos Jogos Pan-americanos obtivemos 16 exemplares da Revista do Pan, nosso corpus de investigação. A área total de notícias foi de 72,540 cm², e a quantidade de páginas sempre variou de exemplar para exemplar, conforme tabela 1.
Exemplar |
Páginas |
01 |
08 |
02 |
08 |
03 |
06 |
04 |
06 |
05 |
04 |
06 |
05 |
07 |
06 |
08 |
06 |
09 |
04 |
10 |
07 |
11 |
06 |
12 |
05 |
13 |
04 |
14 |
06 |
15 |
04 |
16 |
08 |
Total de Páginas |
93 |
Tabela 1. Quantidade de exemplares e de páginas por exemplar
No intuito de discutir os significados e os modos pelos quais o esporte de rendimento e espetáculo foram narrados no jornal acima referido, delimitamos em nossa investigação os seguintes elementos de pesquisa: temos os esportes de rendimento e de espetáculo desenvolvidos nos jogos Pan-americanos do Brasil como objeto central de nossos estudos, sendo que o foco das analises foram as notícias veiculadas no jornal de Santa Catarina em seu encarte ‘Revista do Pan’, acerca do referido evento esportivo.
Frente a estas informações, tivemos as seguintes questões norteando nossas análises e discussões: Que estratégias foram utilizadas para uma identificação dos leitores com as notícias sobre os acontecimentos ocorridos no Pan? Quais os sentidos vinculados aos esportistas em seus resultados/performances e como foram construídos? Que significados estão presentes nas notícias sobre esportes no ‘pan’ quando narram e constroem distinções em relação a gênero e nacionalidade?
Cabe destacar a existência de inúmeros estudos que já abordaram, com distintas ênfases, o entrelaçamento entre Educação Física, esportes e mídia. Ressaltamos que, segundo levantamento de Pires et al (2006), quando há uma relação entre mídia e o campo da Educação Física o tema esportivo é aquele que possui maior incidência de investigações, e a mídia impressa, como o jornal, ocupava o segundo lugar em recorrências temáticas de investigações no campo da Educação Física, ficando atrás apenas da mídia televisa.
Outro fator que merece ser mencionado é acerca das principais bases teóricas e metodológicas utilizadas nas pesquisas que entrelaçam os campos da Educação Física e da mídia. No que se refere as bases teórico-conceituais, os estudos que tem enfoque na cultura e Na espetacularização ocupam o topo daqueles mais desenvolvidos, enquanto na parte metodológica, as pesquisas que visam produtos midiáticos são aquelas mais recorrentes (PIRES et al, 2006).
Em nosso estudo nos inserimos em todos os aspectos ora levantados, ou seja, discutimos, no entrelaçamento da Educação Física com a mídia, o tema esportivo, tendo a mídia impressa como material de análise. Além disso, o esporte investigado é de espetáculo e em nossa análise nos valemos de uma teoria cultural, calcada no campo dos Estudos Culturais.
Não podemos afirmar que nosso estudo, por situar-se na convergência dos temas, conceitos e métodos mais recorrentes na articulação de Educação Física e mídia, possui maior legitimidade do que outros estudos realizados, ou ainda, que não possui nenhuma relevância para área, pois justamente trata daquilo que é mais recorrente. Pensamos que sua contribuição está na possibilidade de discutir e questionar, novamente e incessantemente, temas que por outros já foram abordados, ou ainda, dar continuidade a discussões antes iniciadas.
A justificativa e a relevância desta discussão se alicerça, também, no entendimento de que a mídia contribui para toda uma construção cultural e de verdades sobre o esporte, influenciando sobremaneira os modos como podemos compreender algumas das práticas contemporâneas da cultura do corpo e do movimento, e conseqüentemente, de uma área da Educação Física. Assim, pensamos que estas construções de sentidos e verdades sobre o esporte repercutem na Educação Física, tanto no campo científico como pedagógico, tendo em vista que a mídia vem sendo vista como uma grande articuladora no meio de informação de massa que envolve e representa as diferentes práticas corporais em discursos homogêneos e unificadores.
Dos aspectos teórico-metodológicos
Discutir sobre esporte e práticas esportivas não é algo recente. Muitos autores há algum tempo vêm se debruçando sobre esta temática, embora procurem abordar com ênfases distintas esta manifestação cultural. No entanto, mesmo apresentando ênfases distintas - e até por vezes bastante contraditórias -, grande parte destes estudos apontam para uma tendência no âmbito das produções sobre o esporte: é comum desenvolver estudos, pesquisas, projetos e práticas educacionais (formais e não formais) que tomem o esporte de rendimento, espetáculo ou performance como referência.
Para percebermos tais fatos e relações basta lançarmos um olhar mais detido para tais acontecimentos, principalmente se atentarmos para os aspectos contemporâneos que envolvem o fenômeno esportivo e o considerarmos à luz de uma perspectiva cultural. Cabe ressaltar, neste momento, que estaremos nos apoiando no conceito de cultura desenvolvido no campo dos Estudos Culturais, e lançaremos mão de sua possibilidade analítica ancorada em pressupostos pós-estruturalistas de linguagem.
O campo dos Estudos Culturais está implicado com um movimento de transformação política e epistemológica ocorrido em meados dos anos 1960 e que alguns teóricos denominam de “virada cultural”. A “virada cultural” inscreve-se numa mudança que ocorreu, primeiramente, em relação à linguagem, onde esta passou a ser compreendida como uma instância privilegiada na produção e circulação de significados e dos sentidos que atribuímos ao mundo (HALL, 1997). A partir deste deslocamento da linguagem a cultura também veio a ocupar um lugar mais central nas teorizações sociais, adquirindo uma grande importância na análise social.
A partir de tal reconfiguração teórica e das produções de conhecimento desenvolvidas neste campo de estudos, a cultura passou a ser compreendida como um conjunto de sistemas de organização e de classificação de sentidos no qual a linguagem, como instância privilegiada de significação, é posta em movimento a fim de dar significado às coisas. Assim, poderíamos pensar não mais em Cultura, no singular, mas em culturas, no plural, e tampouco em distinções hierárquicas de culturas, outrossim, pensar que elas são produtos e produtoras das relações sociais de grupos e indivíduos.
Esta possibilidade de pluralizar o termo cultura acarretou pensá-lo como uma condição constitutiva da vida social e com um “amplo poder analítico e explicativo” nas Ciências Humanas e Sociais, adquirindo, dessa forma, uma centralidade em nosso mundo contemporâneo (HALL, 1997, p. 16). Essa centralidade não significa que a cultura seja o centro das ações humanas ou um elemento neutro e acima dos outros para realizarmos análises e compreensões, mas essa centralidade se refere ao fato de que a cultura perpassa todos os espaços e recantos da vida humana. Não que não haja nada fora da cultura ou que “tudo é cultura”, mas que toda ação humana e prática social depende e tem relação com o significado, ou seja, as práticas possuem caráter cultural, existem e adquirem sentidos no interior das culturas (HALL, 1997, p. 33).
Esta possibilidade de entendimento de cultura ancora-se na “virada lingüística”, ruptura teórica na qual a linguagem deixou de ser entendida como um instrumento capaz de descrever o real e o verdadeiro, tal como na modernidade, para adquirir a capacidade que lhe é inerente de produzir o real, ou seja, de que a linguagem produz aquilo do qual ela fala, e ainda, de que é na linguagem que atribuímos sentidos e significados às coisas, ao mundo, aos eventos e a nós mesmos, sentidos esses sempre diferidos, abertos, inacabados. A linguagem, por fim, amplia-se não apenas para a produção de sentidos, mas, principalmente, compreende uma instância que diz respeito aos modos pelos quais atribuímos os sentidos que atribuímos, as maneiras pelas quais processamos aquilo que processamos como entendimento acerca do mundo. É nessa relação entre linguagem e cultura que ocorreu à “virada cultural”, pois a cultura “não é nada mais do que a soma de diferentes sistemas de classificação e diferentes formações discursivas aos quais a língua recorre a fim de dar significado às coisas” (HALL, 1997 p. 29).
Pensar o esporte, então, à luz de uma perspectiva cultural seria, primordialmente, entendê-lo como uma prática social que é produzida por sujeitos de uma mesma cultura, os quais partilham modos semelhantes de atribuir sentidos a este acontecimento. O esporte, então, passa a ser compreendido por dois aspectos inextrincáveis: um deles seria o fato de sujeitos partilharem modos semelhantes de dar significados e sentidos, através da linguagem, às práticas corporais que passam a ser configuradas como esporte; em segundo lugar estes sujeitos partilhariam, entre si e entre grupos, os significados atribuídos as práticas corporais tidas como esporte, a fim de comungarem semelhantes sentidos de um determinado evento e acontecimento social.
É possível percebermos estas ocorrências culturais nas próprias mídias impressas que circulam no Brasil, onde em diversos estudos realizados sobre tal temática o esporte hegemônico (de rendimento) surge como principal fenômeno esportivo abordado e veiculado nos jornais de maior circulação, tal como abordamos anteriormente.
Nossa intenção ao reunir e analisar as reportagens direcionadas a cobertura do Pan-americano no Brasil deveu-se justamente ao fato de que tais meios de comunicação atuam nos processos de atribuição de sentidos sobre as práticas esportivas de rendimento (hegemônicas) desenvolvidas no referido evento, e desse modo, corroboram para a manutenção do quadro cultural vigente sobre esta temática.
A fim de potencializar as análises dos documentos midiáticos de domínio público que compõe nosso corpus de investigação, os compreenderemos como resultados e produtos culturais imbricados com os processos de significação dos esportes contemporâneos (nesse caso os jogos pan-americanos) os quais, ao selecionarem e veicularem determinadas informações, acabam por atuar conjuntamente e concomitantemente nesse processo de atribuição de sentidos. Portanto, à luz da perspectiva cultural aqui assumida, tais mídias impressas serão consideradas como artefatos culturais.
O termo artefatos culturais compreende as produções culturais (textos, registros, imagens, revistas, documentos, páginas da internet, músicas, álbuns, entre outros) como objetos imersos em culturas específicas, os quais atuam como significantes e significadores de conjuntos de saberes e possibilidades de pertencer a um registro maior de sentido que permite, por sua vez, que tais artefatos signifiquem de uma determinada maneira. Os artefatos culturais são o “resultado de um processo de construção social” e constituem um “campo de lutas em torno da significação”, que envolvem relações de estabelecimentos de significados (SILVA, 1999, p. 134).
Ao entender as reportagens dos jornais aqui propostos para análise como artefatos culturais implicados com os efeitos de descrever, nomear e indicar modos de compreender as coisas e a si mesmo na cultura, atuando, dessa forma, na constituição de sujeitos, poderíamos pensar que estes objetos tornam-se possíveis e até mesmo necessários de serem investigados. Discutir tais elementos como artefatos culturais implica pensá-los em suas relações na rede de produção cultural a que estão vinculados, visto que tais artefatos “não interessam por si mesmos, mas pelo sentido que recebem nas práticas culturais” a que estão vinculados (TRINDADE, 2004, p. 36).
É preciso enfatizar, então, que tais reportagens midiáticas atuam produzindo saberes a partir dos fatos ocorridos no Pan e estratégias para que seus leitores se identifiquem com tais acontecimentos; criam sentidos acerca das diferenças de nacionalidade e de gênero quando narram episódios vinculados a estes termos; constituem um acervo de significados sobre o que é da ordem do verdadeiro e do falso, do que possui mais valor e do que possui menos valor; produzem, através das relações de poder estabelecidas, verdades nas quais os indivíduos se baseiam para construir seus repertórios de saber acerca do esporte e, por conseguinte, lugares culturais nos quais podem tornar-se sujeitos.
Frente a estas problematizações e a fim de contemplar as questões de pesquisa antes formuladas, dividimos em dois eixos de discussão as análises seguintes, a saber, formação de ídolos e regionalização/identidade nacional no Santa.
Das análises do material empírico
a. Formação de ídolos
Seria possível afirmar que o que assistimos nos esportes de rendimento é uma supervalorização dos valores estéticos da performance em detrimento aos valores morais e éticos da competição? Ou seria demasiado inoportuna tal suposição? Será que pensamos no sacrifício de um atleta, com relação a seus incansáveis e alienantes treinamentos, e na sua conduta moral e ética enquanto ser social?
Na atualidade passamos a admirar, cada vez mais, a plástica dos movimentos, as modelagens dos corpos, o esporte como um “show”, um desfile de corpos.
Nesse contexto, Welsch (2001, p. 144) evidencia:
Admitimos a elegância de uma esguia saltadora em altura quando, subindo e descendo, desliza seu corpo suavemente sobre a barra; ou a potência da célebre corredora cujas pernas espantosas explodem quando sentem se aproximar a linha de chegada _ e essa é a razão de todo esse gosto de observar, inspecionar, mirar seus belos corpos durante e depois do evento, de modo que assim se possa melhor compreender suas realizações e melhor se surpreender ao vê-los cruzar tão inteiros e infatigáveis a linha de chegada.
Isso nos dá uma demonstração de que o que é veiculado pela mídia (tal como o jornal aqui analisado) é baseado naquilo que se “pressupõe” que a maioria dos leitores querem ver, ou seja, padrões altamente estéticos.
Devido a técnicas e tecnologias fotojornalisticas, os jornais podem muito bem manipular sentidos e sentimentos com relação a determinadas fotos, muitos recursos são usados nas imagens fotojornalisticas para poder gerar sentido, como por exemplo, o travamento de imagem, a posição do ângulo, a técnica do escorrido, a truncagem, e várias outras técnicas. Assim, Souza (2004, p. 71) enfatiza que “um fotojornalista deve procurar ordenar e hierarquizar numa fotografia para gerar um determinado sentido”.
Com a análise do material fotográfico foi possível verificar uma grande freqüência (principalmente na capa da Revista do Pan) de imagens nas quais os esportistas estavam expostos de forma que os mostrassem ora com aparências de “Super-humanos” 1, ora com aparências de “super-humanos”.2
Super-humanos
Nessa categoria as fotos paralisavam os movimentos na hora da prática esportiva, os quais eram flagrados num momento de simetria e plástica impressionante, algo como se o esportista tivesse super-poderes, ou fosse capaz de fazer coisas “impossíveis”, dando assim ao atleta uma imagem de super-humano. Para isso o jornal utiliza-se da técnica do travamento como explica Souza (2004, p. 77):
Travar o movimento é a opção mais comum no fotojornalismo. Os gestos significativos, as posições sugestivas, precisam freqüentemente ser “congeladas” para que lhes possa ser imposto um sentido. A máquina fotográfica tem a capacidade de “sacar” à realidade um fragmento de tempo que potencia o nosso limitado poder de visão.
Essas imagens trazem ao leitor um sentimento parecido com o que temos quando nos defrontamos como um a obra de arte, a qual é expressão, fluidez, impacto e transcendência. Isso nos dá a sensação de transposição de limites, que, por sua vez, se apóia na grande utopia da sociedade moderna, o progresso ordenado e ilimitado. Isso é esporte moderno!(?).
Mas ao mesmo tempo em que os leitores ficam impressionados pelos “superpoderes”, se sentem maravilhados com o que o ser humano é capaz de fazer, por saberem que não se tratam de “extraterrestres”. Segundo Welsch (2001, p. 155), “nada realmente está além de nosso alcance – nem os corpos, nem as atividades, nem as emoções – tudo é familiar em certa medida. É um semelhante que está atuando, sofrendo e vencendo ou perdendo lá do outro lado”.
Super-humanos
Nessa categoria analisamos imagens que classificamos como super-humanas. Por ter o jornal Santa Catarina, também veiculado fotos que “tiram” os atletas dessa imagem de indestrutíveis de super-heróis, mostrando-nos momentos emocionais, seja uma vibração, desabafo por uma conquista ou choro por uma perda, ou ainda dor por uma contusão.
Ao nos deparar com uma prática esportiva de tão alto nível, como o Panamericano, temos a sensação de estarmos num universo onde “seres com poderes especiais”, apresentam seu show. No entanto, os atletas, querendo ou não, se mostram tão frágeis, limitados e destrutíveis, tanto quanto nós.
Essas imagens foram divulgadas pelo jornal, muito mais como meio de fazer com que os leitores sintam um impacto tal como o que foi apresentado na categoria Super-herói, mas por outro ângulo. O qual tem em foco valores “humanos”, tais como limitação, questões morais, preconceitos, credos, formação e inserção histórico-cultural dos atletas. O que também nos traz uma sensação de proximidade, por nos identificarmos com os atletas por sua garra, esforço, superação, sentimento de limitação, de não conseguirmos ser o melhor naquilo que fazemos e nem por isso desistir. Ou mesmo uma vibração por acreditarmos que fazemos parte de uma conquista devido ao sentimento de nacionalidade e regionalidade que temos, o famoso “amor à camisa”.
Mas não somente fotografias encaixam-se nessa categoria de analise “formação de ídolos”, também foram veiculados no jornal Santa bastante material escrito que buscava o apego idolátrico dos leitores para com alguns esportistas.
Podemos perceber então, por parte do jornal, a utilização constante de atletas como símbolos emblemáticos, que foram usados de forma que gerassem no leitor um certo “apego familiar”, proporcionando assim uma sensação de aproximação mais íntima com determinados esportes. Seguindo esse pensamento algumas manchetes e chamadas foram escritas. Tais como a frase na matéria da página 23 do exemplar nº3, sobre Diogo Silva que dizia “Nem a origem humilde e o salário de R$ 600,00 por mês impediram que Diogo Silva subisse no lugar mais alto do pódio”. Ou sobre Diego Hypolito do exemplar nº5, página 24, “O maior de todos”, “Diego Hypolito conquista dois ouros e não deixa dúvidas: é ele o melhor ginasta do Brasil”.
Tanto que muitos esportes coletivos eram representados por um ou dois atletas somente, dando a eles uma notoriedade e uma representabilidade destacada. Isso aconteceu em especial com três esportes, no futsal, com Falcão, no futebol feminino com Marta e no Handebol feminino as blumenauenses Eduarda Amorim e Fabiana Grimpa, onde suas imagens e suas palavras eram porta-vozes dessas modalidades.
b. Regionalização e identidade nacional no Santa
A mídia brasileira possui extrema influência sobre os sentidos e significados que atribuímos ao esporte. Analisar o esporte como cultura exige que falemos de mídia, esta que possui tanta importância e influência em todos os âmbitos da sociedade.
Neste sentido Pires e Mezzaroba (2006, p. 224) afirma que “isso faz com que a cultura esportiva conformada pela indústria midiática seja uma cultura desencarnada, desprovida do potencial crítico-reflexivo que caracteriza a formação autêntica”, o que nos remete ao fato de que muitas vezes atribuímos significados de acordo com o que a mídia nos incute, sem refletirmos, sem questionarmos.
As informações são passadas de forma “pronta”, destinada “a nós mesmos”, pois a mídia reconhece seu “público alvo”, aborda o que nos interessa, e o que ela nos transmite acaba sendo na maioria das vezes o “nosso ponto de vista”.
O significado está intimamente relacionado ao contexto, de como as situações e os conceitos nos são passados, da nossa “cultura”. Por isso um jogo de futebol, por exemplo, é significativo para várias pessoas que apenas o assistem e não o praticam, porque esse jogo possui um sentido a essas pessoas, tem valor na história e na cultura delas.
Nessa linha podemos entender porque a Revista do Pan falou tanto sobre Handebol. Haviam duas atletas de Blumenau no time, Eduarda Amorim e Fabiana Gripa, o Handebol é um esporte de tradição em Blumenau, faz parte da cultura local, é um esporte que possui significados ao povo blumenauense. Comprovamos isso na primeira edição da Revista do Pan, no dia 13/07, numa pequena chamada na capa: Estréia blumenauense, as meninas do handebol da Furb Fabiana e Eduarda entram em quadra hoje no Rio, às 10h, com o México. Uma notícia grande que era intitulada: “Acorde mais cedo, Blumenau estréia antes” (REVISTA DO PAN, 13/07/07, p. 22). Inclusive nesta matéria já falava sobre a pressão pela medalha de ouro, grande expectativa para todos, e principalmente para os Blumenauenses. Tanto que o jornal nos emite que Blumenau estréia antes e não o time de handebol, pois a inclusão de Blumenau no Pan se evidencia desta forma, o jornal usa as palavras para fomentar nas pessoas que é realmente a “cidade de Blumenau” que compete no Pan!
A regionalização surge para que os leitores se identifiquem mais com sua leitura, neste sentido Pires afirma: “Transportado para o campo da cultura esportiva na sociedade contemporânea, podemos perceber que o discurso midiático destina-se a prover de sentidos adaptadores a grande massa de signos sociais que apresenta”.
A Revista do Pan possui muitas matérias com foco regional, para melhor identificação dos leitores. Portanto, uma das categorias estudadas foi a Regionalização. Dentro dessa aproximação Pan e Blumenau/região temos também a matéria dos alunos da E.E.B. Arnoldo Agenor Zimmerman, de Gaspar, falando de trabalhos sobre o Pan que os alunos realizaram juntamente com a professora (REVISTA DO PAN, 13/07/07 p.28). Temos também o árbitro de tênis de Blumenau que trabalhou no Rio, inclusive o jornal se refere a ele como “Nosso menino” (REVISTA DO PAN, 14/07/07, p. 34).
Dessa forma o esporte é cultura, pois ele incute significados na sociedade, e a mídia não tem apenas o papel de mostrá-los, mas usa esse meio esportivo para significar ou re-significar. Ela transporta para um determinado local “noções” de esporte que fazem “pontes” com a cultura daquele povo ou daquela região.
Estamos numa “aldeia global”, onde as distâncias diminuem cada vez mais, onde as “culturas” dos povos se entrelaçam, a “ocidentalização” aumenta no mundo todo. Caminhamos a uma homogeneização mundial. Ao mesmo tempo em que conhecemos e incorporamos culturas de outros povos, como por exemplo, incensos e meditação próprios do Oriente, incutimos nossa cultura em outros povos. Porém, sem a pretensão de discutir se é bom ou ruim essa “aglutinação das culturas”, podemos perceber que além de gerar aproximação, muitas coisas próprias de cada povo acabam se perdendo. Isso significa dizer que essa ênfase ao local ou ao global admite que muitas coisas percam e recriem seus significados.
Hall (1997) diz que as revoluções da cultura a nível global causam impacto sobre os modos de viver, sobre o sentido que as pessoas dão à vida, sobre suas aspirações para o futuro – sobre a “cultura” num sentido mais local. Esse é um dos papéis do esporte, dar significado, pregar valores e conceitos, como por exemplo, dignidade, persistência, garra, força. Assim sendo, quando a mídia, no nosso caso o jornal, enfatiza o local, traz informações dos jogos significando-os e tentando aproximá-los a região, muito dos jogos é perdido.
Um outro exemplo desse enfoque ao local pelo Handebol é a edição de 16/07 que na capa possui uma chamada: “massacre verde e amarelo, meninas do handebol vencem o Canadá por 37 a 10, em jogo que teve a blumenauense Eduarda Amorim como ajudante do técnico” (REVISTA DO PAN, 16/07/07, p. 22). O interesse dos leitores blumenauenses pelo handebol é lógico, cabe ao jornal fazer as notícias do Pan ficarem com mais “cara blumenauense”.
Em certa região a mídia aborda os jogos de um modo, em outra aborda de outro modo. Esse modo que ela abordará dependerá do interesse de seus leitores, do que se aproxima a eles, ou seja, o que atribuiria significado. Se fossem abordados aspectos gerais dos jogos provavelmente os interesses de leitura diminuiriam, mas isso não significa dizer que o boxe é um esporte pior do que o handebol, tão abordado porque é significativo em Blumenau. Nesse contexto, Pires e Mezzaroba (2006) mostra que: “Em 2004, nos jogos de Atenas, 15 mil jornalistas de todo o mundo levaram o evento global ao seu público local, utilizando-se de símbolos culturais por ele identificáveis”.
Através das diferentes estratégias apresentadas neste artigo podemos afirmar que a cultura interioriza significados comuns ao grupo que pertencemos, que nos faz sentir semelhantes dentro do grupo e nos causam estranheza quando nos relacionamos com outras pessoas aquém do “habitat social”. Contudo, como pudemos perceber, as diferenças se tornam mais evidentes quando o que está em ‘jogo’ é a afirmação, a diferenciação e a construção de identidades, além é claro, a capacidade de endereçar e interpelar notícias da mídia para atrair leitores específicos.
Considerações finais
Os esportes são uma das práticas do corpo e do movimento mais exploradas pela mídia na atualidade, tornando-se um fenômeno de massa que atinge um sem número de indivíduos. Esta amplitude se consolida e multiplica principalmente em época de grandes eventos esportivos, sejam eles regionais, nacionais ou internacionais. No caso do evento aqui analisado, os XV Jogos Pan-americanos, discutimos a cobertura da mídia e a atenção dada a este evento no que tange a região do Vale do Itajaí, no Estado de Santa Catarina, pelo veiculo midiático impresso jornal Santa Catarina.
O jornal Santa Catarina, através do caderno do Pan, veiculou uma série de notícias e informações acerca dos jogos pan-americanos, produzindo, deste modo, sentidos e significados específicos sobre estas práticas, criando condições de verdade vinculadas ao evento e suas práticas esportivas.
A partir do material analisado destacamos dois eixos de análise: formação de ídolos e regionalização das notícias. No primeiro eixo de discussão observamos que as noticias vinculadas aos atletas participantes do Pan oscilavam ora em apresentá-los como sujeitos com destrezas e valências físicas e motoras acima do normal – o que denominamos como Super-Humanos – e ora apresentava os atletas como sujeitos normais, os quais choram, gritam e sofrem como todos os seres humanos normais – o que denominamos de super-humanos.
No segundo eixo de discussão apresentamos elementos que indicam uma regionalização das noticias acerca do Pan. Nesta seção destacamos noticias que identificavam elementos do Pan e de seus atletas com a cultura local de Blumenau e da região do Vale do Itajaí, como por exemplo, notícias que enalteciam a participação dos atletas blumenauenses/catarinenses, ou ainda, os modos com a região se fazia presente nos jogos – como o caso da bicicleta do Pan que era produzida em Blumenau.
Através do estudo e das análises realizadas é possível inferir que a mídia ao cobrir um evento esportivo de grande porte produz, simultaneamente e intrinsecamente, sentidos acerca deste evento, criando significados acerca da prática esportiva e dos atletas nela envolvidos, construindo verdades e possibilidades de sujeição através das práticas comunicativas envolvidas neste processo.
Notas
Super no sentido de “além”, após, superação do humano
super, no sentido de “muito”, demasiado, humano.
Referências
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PIRES, Giovani et al. A produção do GTT Educação Física, comunicação e MÍDIA/CBCE (1997-2005): Análise preliminar de uma centena de textos. In 3º Congresso Sulbrasileiro de Ciências do Esporte – Santa Maria/RS, 20-23/9/2006.
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Outros artigos em Portugués
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digital · Año 14 · N° 138 | Buenos Aires,
Noviembre de 2009 |