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Educação Física Escolar na EJA: uma experiência com planejamento dialógico e participativo com adolescentes em privação de liberdade

Educación Física Escolar en la EJA: una experiencia con planeamiento dialógico 

y participativo con adolescentes privados de su libertad

 

Especializando em Educação Física Escolar no

Departamento de Educação Física e Motricidade Humana da

Universidade Federal São Carlos (EEFE – DEFMH – UFSCar)

Professor de Educação Física na Fundação CASA

(Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente)

Willian Lazaretti da Conceição

willianlazaretti@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          O objetivo deste trabalho é compartilhar uma experiência de realização do planejamento participativo e dialógico do componente curricular da Educação Física com alunas da educação de jovens e adultos de uma unidade de internação. Como organização dos conteúdos, utilizo a proposta de sistematização de conteúdos temáticos, e as alunas escolhem o elemento cultural a ser desenvolvido no bimestre. Houve unanimidade na escolha pelo esporte no primeiro bimestre, sendo o futsal a modalidade coletiva escolhida.

          Unitermos: Educação Física. Planejamento. Privação de liberdade

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 138 - Noviembre de 2009

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Introdução

    Neste trabalho será apresentado o desenvolvimento do planejamento participativo realizado com adolescentes que cumprem medida socioeducativa de privação de liberdade. Esta estratégia foi utilizada com turma de ensino fundamental II e ensino médio de uma unidade de internação feminina da Fundação CASA (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente antiga FEBEM – Fundação Estadual do Bem Estar do Menor), pois permite ouvir as adolescentes e compreender suas verdadeiras intenções no que tange aos conteúdos/temas, além de compartilhar a responsabilidade de decisão de escolha dos elementos culturais do movimento humano.

    As aulas de Educação Física acontecem fora do horário regular de aulas, ou seja, os alunos realizam em horário contrário dos demais componentes curriculares. O ensino fundamental II compreende alunos que cursam de 5ª a 8ª série e o ensino médio de 1º à 3º ano do ensino médio, pois o sistema utilizado é do ENCCEJA (Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos), que utiliza uma matriz de competências e habilidade.

    A educação física numa perspectiva crítica e inovadora e enquanto componente curricular deve subsidiar a construção de saberes de modo que propicie aos educandos a compreensão de sua condição social e existencial, buscando uma libertação no que tange aos processos sociais de opressão, alienação, exclusão e discriminação (CORREIA, 2009).

Objetivo

    O presente artigo tem como objetivo compartilhar as experiências do trabalho desenvolvido no componente curricular Educação Física em uma unidade de internação, no qual as adolescentes cumprem medida socioeducativa de privação de liberdade.

A adolescente: algumas questões pertinentes

    Analisando alguns trabalhos já realizados sobre adolescentes que cumprem medidas socioeducativas (ANDRADE, 1997; NOGUCHI, 2006 e PEREIRA, 2007, CONCEIÇÃO, 2009a e 2009b), a questão dentre as nomenclaturas já utilizadas para referenciar ao adolescente em conflito com a lei, a que mais me chamou a atenção é o conceito de “Menor”. De acordo com Andrade (1997, p.29), “a história do atendimento à infância e adolescência no Brasil mostra que criança e adolescente são as de famílias estruturadas, com boa renda financeira e que terão condições de boa formação educacional e profissional”, sendo menor aquele que vive a margem da sociedade, advindo das famílias de classe baixa. Até hoje comumente ouvimos o termo menor, até mesmo por parte dos próprios adolescentes.

    A questão do adolescente autor de ato infracional e a aplicação de medidas sócio-educativas, ou até mesmo o uso da nomenclatura correta é um tema delicado, cheio de controvérsias e que não admite reduções.

    De acordo com Passetti (1986) existe um modelo de família organizada, na qual o certo é respeitar os pais, os professores e os mais velhos e se possível seguir os passos dos que se consideram realizados. Mas assim como há famílias organizadas, o autor afirma que há famílias desorganizadas, ou seja, criança filha de mãe solteira, cujos pais não têm condições de obter seus meios de subsistência pelo trabalho e vivem nas ruas ou nas periferias das cidades. Como em muitos casos a família inexiste a criança dificilmente será capaz de compreender relações de respeito, sociabilidade que comumente são realizadas num ambiente familiar. Os adolescentes que podem ser considerados resilientes, são os que por força de vontade própria e pelo trabalho conseguirem superar as infelicidades de terem nascidos em famílias desorganizadas.

Procedimentos

    O planejamento participativo utilizando a pedagogia dialógica de Freire (1985, 1987, 2005), possibilitou uma compreensão das reais intenções das alunas no que tange a escolha dos elementos culturais que tinham interesse em vivenciar. Questionei as alunas sobre quais temas, assuntos e conteúdos eles demonstravam interesse e assim fomos organizando o nosso planejamento bimestral, pois o sistema de ensino é semestral e considerando que a todo instante chega e sai adolescente, optamos por fazer a cada bimestre.

    De acordo com Gonçalves Junior (2008) a investigação temática é um processo que visa identificar aspectos além do que já conhece o que pensa sobre o mundo, e qual assunto lhe é mais interessante, assim podemos discutir um tema gerador. Possibilitando um aprendizado onde o conhecimento é construído no coletivo, considerando que o professor não é detentor de todo conhecimento e muito menos da verdade absoluta.

    A tematização parte de um educador que incentiva e motiva a partir da palavra, do tema gerador. O diálogo se faz necessário para percebermos posturas, posições, pontos de vista distintos, e, de modo igualitário, compartilhar conhecimentos, mesmo que muitos adolescentes venham de situações de miséria e de indignação, os conhecimentos apresentados por eles são riquíssimos, desde que valorizados.

    A problematização é uma das principais etapas deste processo, pois considera o compromisso emancipador solidário daquele conhecimento, da construção-reconstrução do mundo lido, da transformação das condições de vida, da libertação.

Os elementos culturais do movimento humano

    Foram apresentados aos adolescentes os elementos culturais do movimento humano propostos numa sistematização de blocos temáticos (SANCHES NETO e col., 2006, 2007 e 2008). Os blocos estão organizados em: 

  1. Elemento Cultural, 

  2. Movimentos, 

  3. Aspectos pessoais e interpessoais do corpo humano, 

  4. Demandas ambientais. 

    Esses blocos de conteúdos sistematizados foram organizados seguindo um critério de complexidade a respeito do que os alunos devem aprender na Educação Física Escolar (EFE), objetivando reduzir a incoerência entre as intenções (teorias da ação) e as ações efetivas (teorias em uso), tendo em vista que não basta planejar coerentemente a intervenção, mas é necessário concretizá-la diariamente na prática pedagógica.

    Iniciei questionando quais as possibilidades de vivenciar estes elementos culturais, quais conteúdos poderiam desenvolver ao decorrer de um bimestre. Em alguns momento expliquei detalhadamente algumas possibilidades de vivências de cada um destes elementos culturais,este exemplos foram retirados de um trabalho realizado anteriormente por um grupo de professores pesquisadores.

    Segundo Conceição e col (2008) algumas vivências que foram implementadas neste grupo são relevantes, tais como jogos executados pelas meninas e meninos de Marrocos, a atividade fora desenvolvida para a criação de jogos com o pino, relacionando as diferenças de gênero e de habilidades motoras entre Marrocos e Brasil, considerando importante que as adolescentes tomem conhecimento de práticas corporais presentes em outras culturas.

    Na Ginástica e Circo tiveram duas vivências. A da ginástica contemplou algumas possibilidades de ginásticas no âmbito escolar, e dentre elas foram exploradas a ginástica de academia, a ginástica natural (movimentos naturais), esteve direcionada ao nível do Ensino Médio. Já a prática do circo teve por objetivo identificar e vivenciar movimentos característicos do circo (malabares, perna-de-pau, trave de equilíbrio e contorcionismo), utilizando como estratégias a leitura de texto sobre a origem e história do circo, grupos organizados e distribuídos em 4 ou 5 estações - malabares, pernas-de-pau, pé de lata, trave de equilíbrio e contorcionismo.

    A práxis da Dança teve por objetivo apresentar as danças folclóricas (Chimarrita e Xaxado), resgatando, reconhecendo e valorizando as diferentes manifestações culturais do país e suas respectivas regiões. Utilizando como estratégias a formação de pares avançados, registro de conceitos, roda de conversa, chamada temática e grupos operacionais.

    Nos esportes vivenciamos o tênis, objetivando perceber, identificar e registrar o corpo durante as vivências; explorar a habilidade de manipulação, apresentar e manipular as possibilidades de materiais adaptados para a prática do Tênis, discutindo-o como um “esporte de elite” - assim considerado, com acesso pelo público de grande poder aquisitivo e mantido por alto custo dos materiais por meio da roda de conversa, apresentando e construindo materiais (raquete, base e rede) para a prática do Tênis.

    Discutimos e relacionamos também o processo histórico do esporte Streetball com a própria realidade, executando movimentos de manipulação, vivenciando, criando e discutindo regras, utilizando a roda de conversa, grupos operacionais e brincadeiras como estratégias.

    No contexto das lutas, vivenciamos o boxe, implementado por um professor-pesquisador que já havia realizado tal trabalho no ensino formal, para crianças do ensino fundamental I, apresentando as algumas adaptações e estratégias de ensino. A vivência da esgrima assim como o boxe, também foi elaborada para o ensino fundamental I, sendo lúdica, explicando diferenças entre lutas, jogos, esportes, origem, historia entre outros aspectos. E também a capoeira que teve por objetivo organizar, analisar e discutir sobre algumas características que contemplam o processo histórico da capoeira, numa perspectiva enquanto luta e sua ressignificação cultural e social, todas estas práticas foram interessantes e muitas delas utilizaram materiais adaptados tendo em vista que muitos professores da área reclamam da falta de materiais para desenvolver um bom trabalho.

    Nas práticas relacionadas as vivências e AVD, vivenciamos uma aula utilizando patins e outra relacionada aos conhecimentos sobre o corpo. A vivência com patins utilizou a roda de conversa, chamada temática como estratégias para discutir possibilidades e diferentes formas de patinação. Já na vivência sobre os conhecimentos sobre o corpo, o objetivo foi ampliar o conhecimento sobre corpo, utilizando como estratégias a “chuva de idéias”; preenchimento da lista “alimentação diária”; apreciação do Vídeo ”Corpo Humano II – Nutrição”, discussão e registro em duplas; leitura do texto sobre alimentação e releitura da lista “alimentação diária”; jogo com perguntas e respostas; vídeo sistema esquelético; contorno do corpo no papel craft em duplas, nomeando algumas de suas partes utilizando atlas anatômicos; leitura do texto sobre “esqueleto humano”. Apenas a nível didático estes exemplos foram citados, pois as alunas nunca tinham realizado um planejamento, nem sequer conheciam esta estratégia.

    Além desse compromisso de ensinar, o professor também aprende com o aluno, desde que saiba valorizar seus conhecimentos, o que a meu ver é muito importante. Freire (1996) já dizia que ensinar não é transferir conhecimento, fazendo referência à educação bancária, considerando que não devemos tratar o aluno como depósito de informações por meio de memorização mecânica.

    Tiba (2006) discorre sobre a educação, professores, mestres e alunos de forma relevante, em dado momento relata que aprender é como comer, diz que uma boa aula é como uma gostosa refeição, referenciando as estratégias de ensino que são ou que podem ser utilizadas, que o professor deve tornar o tema ou o conteúdo atrativo, com sentido e significado ao aluno, facilitando o processo de ensino e de aprendizado.

Considerações

    É fato que o processo histórico da educação física na escola tem influências de várias concepções ou tendências pedagógicas. De certo modo ao analisar as escolhas das alunas, houve uma unanimidade pelo elemento cultural esporte, e após discutirmos as possibilidades de esportes, escolheram o futsal.

    Mas o que de fato do futsal sabiam, queriam e já haviam vivenciado? Estes questionamentos foram feitos ao decorrer da construção do planejamento, e identifiquei que algumas muito os movimentos, procedimentos realizados ao decorrer da vivência, bem como algumas regras. Em contrapartida, a dimensão conceitual e atitudinal não apareceram em nenhum momento desse processo.

    Assim propus que construíssem individualmente e que efetivamente criassem uma história para o futsal Partindo desta tarefa, foi possível discutir alguns conceitos relacionados a origem desta modalidade coletiva, e explicando para elas sobre estas possibilidades de aprendizado, e não apenas o fazer pelo fazer.

    Posteriormente organizei atividades discutindo os movimentos realizados neste esporte, principais equipes, jogadores e jogadoras, as atitudes de alguns atletas, as manifestações das torcidas organizadas etc.

    Após o encerramento deste tema, realizamos outra discussão, e o retorno foi positivo tanto na discussão quanto nas avaliações feitas ao decorrer das aulas. Assim podemos considerar que uma perspectiva dialógica pode contribuir no processo de ensino e de aprendizagem, a medida que valoriza o conhecimento do aluno, e caminha para o desenvolvimento de um cidadão crítico e reflexivo, autônomo e emancipado.

Referências

  • ANDRADE, M. P. Educação Física na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor – FEBEM/SP: Uma análise da proposta de 1992 a 1994 segundo os discursos dos professores. Dissertação de mestrado, FEF-UNICAMP, Campinas, 1997.

  • CONCEIÇÃO, Willian L.; Venâncio, Luciana; Matias, Rosângela A.; Ulasowicz, Carla; Sanches Neto, Luiz. Conteúdos temáticos na educação física escolar: vivências dos elementos culturais do movimento do corpo humano. In: Seminário de Metodologia do Ensino de Educação Física da FEUSP: "o currículo escolar como fruto da participação coletiva", 2008, São Paulo. (Apresentação Oral).

  • CONCEIÇÃO, Willian L. da. A “escola” e a Unidade de Internação na Fundação CASA. In: Anais do III Congresso Paulistano de Educação Física Escolar, Caraguatatuba, 2009. Tema livre apresentado em 23 de julho de 2009a.

  • CONCEIÇÃO, Willian L. da. Educação física escolar: uma experiência com a educação libertadora para adolescentes em privação de liberdade. In: IV Colóquio de Pesquisa Qualitativa em Motricidade Humana: as lutas no contexto da motricidade / III Simpósio sobre o Ensino de Graduação em Educação Física: 15 anos do Curso de Educação Física da UFSCar/ V ShotoWorkshop, 2009, São Carlos. Anais... São Carlos: SPQMH/UFSCar, 2009b.

  • CORREIA, Walter R. Educação Física no ensino médio: questões impertinentes. São Paulo: Plêiade, 2009

  • FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 40. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

  • FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

  • ______. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2005.

  • ______. Educação como prática da liberdade. 16. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

  • GONÇALVES JUNIOR, L.. Dialogando sobre a capoeira: possibilidades de intervenção a partir da motricidade humana. In: IV Seminário de Estudos e Pesquisas em Formação Profissional no Campo da Educação Física: "Das Escolas de Ofício à Profissão Educação Física". 4, 2008, Bauru. (Palestra).

  • NOGUCHI, N. F. C. Seguro na FEBEM-SP: Universo moral e relações de poder entre adolescentes internos. Dissertação de mestrado, IP-USP, São Paulo, 2006.

  • PASSETI, E. O que é menor. Brasília: Brasiliense, 1986. 2ª Ed.

  • PEREIRA, A. S. F. A vida em semiliberdade: um estudo sobre adolescentes em conflito com a lei. Dissertação de mestrado, PUC, São Paulo, 2007.

  • SANCHES NETO, Luiz; VENÂNCIO, Luciana; OKIMURA, Tiemi; ULASOWICZ, Carla. Sistematização de conteúdos temáticos na Educação Física escolar: Uma proposta de professores-pesquisadores. In P. Fontoura (Ed.), Coleção Pesquisa em Educação Física, 4 (pp. 270-274). Jundiaí, SP: Fontoura, 2006.

  • SANCHES NETO, Luiz. A brincadeira e o jogo no contexto da educação física na escola. In: SCARPATO, M. et al. Educação Física: Como Planejar as Aulas na Educação Básica. São Paulo: Avercamp, 2007. p.109-30.

  • SANCHES NETO, Luiz; BETTI, Mauro. Convergência e integração: uma proposta para a educação física de 5ª a 8ª série do ensino fundamental. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, V. 22, n.1, p.5-23, jan./mar. 2008.

  • TIBA, Içami. Ensinar aprendendo: novos paradigmas na educação. São Paulo: Integrare, 2006.

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