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As qualidades físicas agilidade, resistência e descontração na Capoeira

 

Mestre em Ciência da Motricidade Humana - Universidade Castelo Branco – LABESPORTE

Professor Substituto do Departamento de Lutas da Escola de Educação Física

e Desportos da UFRJ – Setor Capoeira

Sócio-Diretor, Coordenador Técnico e Professor da Academia da Usina - Rio de Janeiro, RJ

Ricardo Martins Porto Lussac

ricardolussac@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          O desenvolvimento das qualidades físicas nos praticantes do jogo e da luta da Capoeira auxilia os mesmos no treinamento e na performance de sua prática. Deste modo, este trabalho teve como objetivo elaborar apontamentos iniciais sobre três qualidades físicas desenvolvidas através da prática da Capoeira: a agilidade, a resistência e a descontração. Foi verificado que há a necessidade de um maior aprofundamento em pesquisas relativas a propostas de desenvolvimento destas qualidades físicas baseadas na prática da Capoeira.

          Unitermos: Capoeira. Educação Física. Agilidade. Resistência. Descontração

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 137 - Octubre de 2009

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Introdução

    A Capoeira é uma das modalidades de luta que mais desenvolvem as qualidades físicas em seus praticantes, sendo um esporte considerado completo por muitos capoeiristas. O desenvolvimento das qualidades físicas nos praticantes da arte-luta auxiliam os mesmos no treinamento e na prática do jogo e da luta da Capoeira, desenvolvendo a sua performance. Este trabalho teve como objetivo elaborar apontamentos iniciais sobre três qualidades físicas desenvolvidas através da prática da Capoeira: a agilidade, a resistência e a descontração.

A agilidade na Capoeira

    A agilidade é “a qualidade física que permite mudar a posição do corpo no menor tempo possível” (TUBINO, 1984, p. 181). Campos define a agilidade como a qualidade de “mudar rápida e efetivamente a direção de um movimento executado com destreza e velocidade” (CAMPOS, 1998, 106). Este autor nos diz que os exercícios de agilidade têm relação direta com a flexibilidade, potência muscular, equilíbrio, desenvoltura e poder de decisão, sendo o seu treinamento recomendado para todas as faixas etárias e que, para os jovens escolares, deve ser ministrado com ênfase nos jogos. Campos (1998) chama a atenção para o fato de que esta atividade é assimilada facilmente, devido à sua dinâmica, motivação e desafios que oferece, sendo também de grande valia para o futuro atlético.

    Portanto, ter agilidade significa ter a capacidade de mudar a posição ou sentido do corpo ou parte dele, mudar a direção do movimento o mais rápido ou no menor tempo possível, com velocidade, habilidade e destreza, características não só presentes, mas marcantes na prática da Capoeira.

    Para Cunha esta valência física é muito requisitada na Capoeira, principalmente para os mais avançados e/ou graduados (CUNHA, 2003). Segundo esta autora:

    “Através da agilidade desenvolvida na arte-luta, o indivíduo ganha facilidade para se locomover de forma rápida e eficiente, podendo surpreender o capoeirista com quem joga e aqueles que observam o jogo na roda” (ibidem, 2003, p. 68).

    Campos nos diz que esta qualidade física está presente na maioria dos esportes. Na capoeira ela é uma valência que merece destaque, pois durante o jogo, através dos variados movimentos, os capoeiristas mostram, desenvolvem e criam situações sui generis de agilidade, para se defender, atacar, esquivar, fintar e gingar. Para Campos (1998), a capoeira, por si só, é uma atividade de agilidade, considerando-se sua história, mandinga e filosofia, na qual estão intrínsecos os movimentos com liberdade.

Figura 1. A esquerda, Mestre Teco, quando ainda era Professor do Grupo de Capoeira Filhos de Angola-Brasil, efetua uma “mola” 

para se esquivar do “rabo-de-arraia” aplicado pelo Mestre Cabeção (in memorian), quando o este ainda era aluno do mesmo grupo. 

À direita, Mestre Teco realiza um “parafuso”: Academia Valdo Santana, Centro, Rio de Janeiro, RJ, 1995.

    Em fontes antigas sobre a Capoeira, a agilidade como qualidade física pode ser encontrada em abundância. Ela é uma das qualidades dos bons capoeiristas, todo o exímio capoeira tem extrema agilidade, pois faz parte da característica e dinâmica da arte-luta e de seu jogo. Tanto em um ritmo rápido ou extremamente veloz, onde a agilidade é mais notada, quanto em ritmos mais lentos, esta qualidade física é necessária. A agilidade está ligada à velocidade, em especial à velocidade de reação. Pode estar ligada a fatores genéticos, como o percentual e tipo das fibras musculares.

    Bons exercícios de agilidade na capoeira são as movimentações no chão, na ginga e em seqüências previamente elaboradas para este fim. Estes exercícios podem ser pré-determinados, como nas seqüências ditas anteriormente, mas a liberdade de movimentos pode ser usada para esta finalidade. O treinamento da agilidade da capoeira tem melhores resultados práticos se forem realizados com movimentos específicos da capoeira. Contudo, o melhor treinamento desta qualidade física acontece durante o jogo da capoeira, seja no treino ou na roda de capoeira, onde o fator surpresa é constante, e as vivências, emprego e necessidades das qualidades físicas acontecem na plenitude desta modalidade.

    Finalizando, para fins didático-pedagógicos e de treinamento é proposto neste trabalho uma divisão da agilidade na Capoeira em:

  1. Agilidade Geral;

  2. Agilidade de Deslocamento ou Agilidade de Movimentação;

  3. Agilidade Parcial: membros, tronco e cabeça.

Figura 2. Mestre Teco, quando ainda era Professor do Grupo de Capoeira Filhos de Angola-Brasil, realizando uma 

“queda-de-rins jogada” no gramado da parte externa do Estádio da Portuguesa, Ilha do Governador, Rio de Janeiro, RJ, 1996.

A resistência na Capoeira

    A resistência é “a qualidade física que permite um continuado esforço, proveniente de exercícios prolongados, durante um determinado tempo” (TUBINO, 1984, p. 181). De acordo com Weineck, “geralmente entende-se por resistência a capacidade psicofísica do esportista em suportar a fadiga” (1989, p. 52).

    Para Tubino (1984), a resistência está dividida em três tipos: Resistência Aeróbica, Resistência Anaeróbica e, Resistência Muscular Localizada. Já para Weineck (1989), quanto aos tipos de resistência, este autor afirma que em suas formas de manifestação a resistência pode se dividir em diversas modalidades conforme o ponto de vista escolhido. Quanto à participação da musculatura, distinguem-se: resistências geral e local; quanto à especificidade do esporte: resistências geral e especial; quanto à mobilização de energia muscular: resistências aeróbica e anaeróbica; quanto à duração: resistências de curta, média e longa duração; e, finalmente, quanto às principais formas de solicitação motora envolvidas: resistências de força, de explosão e de velocidade. Contudo, este autor menciona que, a resistência pura e simples não existe; de acordo com o metabolismo, ocorrem formas mistas, gradualmente escalonadas, de tipo aeróbico-anaeróbico, específicas de cada esporte, e que ocupam o espaço intermediário entre a produção puramente aeróbica ou anaeróbica de energia.

    Segundo Hollmann-Hettinger (apud Weineck, 1989), a resistência muscular local aeróbica dinâmica representa, percentualmente, a forma de solicitação motora mais claramente passível de treinamento: seu valor inicial, encontrado em indivíduos não treinados, pode aumentar em várias vezes, cem e até mesmo mil por cento. Portanto, esta forma de resistência pode ser amplamente trabalhada na Capoeira com efeitos práticos visíveis.

    A resistência “no jogo da Capoeira é utilizada quando o capoeirista joga durante um período relativamente longo sem interrupções” (CUNHA, 2003, p. 69), contudo, como já visto, esta resistência pode variar de acordo com o tipo de jogo, a intensidade imprimida e as características próprias de cada jogo de capoeira. Cada jogo é único, mesmo se os jogadores, o ritmo e o tipo de jogo forem os mesmos, um jogo não será igual ao outro. A resistência em um jogo de Angola, não é a mesma de um jogo de São Bento Grande. Do mesmo modo, diferentes métodos de treinamento da resistência podem ser desenvolvidos na capoeira, a fim de apurar performances específicas em cada praticante ou tipo de prática ou de movimentos. Por ser um campo ainda praticamente inexplorado e com muitas possibilidades de pesquisa e intervenção, mais estudos devem ser elaborados neste sentido.

A qualidade física descontração na Capoeira

    A descontração é “a qualidade física compreendida como fenômeno neuromuscular resultante de uma redução de tensão na musculatura esquelética” (TUBINO, 1984, p. 181). Portanto, tanto o Tônus Muscular quanto o Sistema Nervoso têm papeis fundamentais neste processo. Uma leitura mais apropriada sobre estes tópicos podem ser realizadas em outros dois artigos do autor: “O tônus muscular enquanto portador de significado: subsídios para a compreensão do tono como linguagem corporal” (LUSSAC, 2009) e “Tópicos sobre o sistema nervosos e a experiência motora” (LUSSAC, 2008).

    Costa cita Dantas e também Pereira quando aborda esta qualidade física:

    “Qualidade física eminentemente neuromuscular oriunda da redução da tonicidade da musculatura esquelética” (Dantas 1985, 71).

    “Como elemento a ser treinado pela proposta dialética de abordagem de todos os fenômenos referentes à cultura física, no treinamento físico-desportivo, ao par de desenvolver-se a força, de se preocupar com a contração muscular, é necessária também a preocupação com o relaxamento, o seu oposto. A descontração muscular, e mesmo corporal geral, inclusive mental, também pode ser treinada. É usual o treinamento da descontração como meio de melhorar a eficiência mecânica e para economizar energia”, descreve Pereira (1988, 173)” (COSTA, 1996, p. 141).

    Tubino (1984) afirma que a descontração está dividida em dois tipos: Descontração Total e Descontração Diferencial.

  1. Descontração Total ou Relaxamento Total está intimamente ligada a processos psicológicos, onde a mente é a variável principal de qualquer tentativa de desenvolvimento dessa qualidade física, segundo (ibidem, 1984). “Descontração total – quando o relaxamento da musculatura esquelética acontece a nível global” (DANTAS apud GOMES da COSTA, 1996, 141). Pode-se afirmar então que, a descontração total pode ser trabalhada durante a volta à calma, ao final de uma aula de capoeira. Mas esta qualidade física pode ser amplificada se o capoeirista treinar o domínio de sua mente sobre o seu estado psicofísico, o que pode ser obtido com a prática e o conhecimento de outras modalidades como a Yoga.

  2. Descontração Diferencial: “encontra-se diretamente correlacionada à capacidade de relaxamento da musculatura esquelética” (COSTA, 1996, p. 142). E subdivide-se em dois tipos básicos:

    1. Descontração Diferencial Ativa:

    “É a qualidade física que permite a descontração dos grupos musculares que são necessários à execução de ato motor específico... É uma valência física que colabora para a eficiência mecânica dos gestos desportivos, ou seja, capacita os atletas a executarem suas técnicas desportivas específicas da modalidade eleita, com um máximo de economia energética” (TUBINO, 1984, p. 214).

    Costa concorda com Dantas, que a denomina a Descontração Diferencial Ativa apenas de Descontração Diferencial, quando este afirma que:

    “Quando o relaxamento da musculatura ocorre durante o movimento. Nesta situação pode-se observar o músculo agonista realizando trabalho, ao passo que o antagônico se encontra descontraído. Esta qualidade física é basicamente uma qualidade de conscientização motórica” (DANTAS apud COSTA, 1996, p. 142).

    Observa-se que a Descontração Diferencial Ativa depende da perfeita relação, consciente, entre a contração do músculo agonista e o relaxamento do músculo antagonista, objetivando em economia energética, eficiência motora e aperfeiçoamento da coordenação. A conscientização corporal e a experiência do tempo de prática específica da Capoeira contribuem efetivamente para a performance nesta qualidade física.

  1. Descontração Diferencial Passiva:

    “É a qualidade física que visa a descontração dos grupos musculares que foram solicitados durante a atividade física desenvolvida.

    Sua aplicação não se faz durante o movimento e sim após este, estando, desta forma, sua manifestação, associada às estratégias de recuperação músculo-esqueléticas” (COSTA, 1996, p. 143).

    Segundo Costa, na Ginástica Localizada ela pode ser desenvolvida intensamente na etapa do relaxamento, mas também pode ser utilizada na parte específica, nos intervalos de recuperação entre dois estímulos. Este autor afirma que é “representada mais especificamente pelas estratégias de alongamento muscular” (ibidem, 1996, p. 143):

    “Concluindo, o trabalho da descontração – total, diferencial ativa e diferencial passiva – tem como principal objetivo, representar a necessidade de compensar corpo e mente dos esforços que foram induzidos a realizar, proporcionando um equilíbrio harmônico entre esforço e recuperação, não só otimizando a performance como, principalmente, protegendo, no mínimo minimizando, o aluno/atleta da possível ocorrência de lesões” (ibidem, 1996, p. 143).

    Portanto há a necessidade de se “incluir exercícios de flexibilidade e descontração muscular, para ensinar o corpo a relaxar, descansar” (PEREIRA apud COSTA, 1996, p. 143). Como a flexibilidade na Capoeira é uma qualidade física requisitada para uma melhor performance, e através de diversos movimentos e posições específicas da Capoeira se pode desenvolver esta qualidade física, há a possibilidade do desenvolvimento paralelo das qualidades físicas flexibilidade e descontração na prática do jogo-luta.

    Neste sentido, a prática da capoeira desenvolve a descontração, visto que o lúdico também é uma constante presente nesta atividade e auxilia no estado positivo emocional dos sujeitos praticantes; sendo assim, amplas as possibilidades de desenvolver e trabalhar a qualidade física descontração através da Capoeira. Para Cunha, esta é “uma valência física ligada ao sistema nervoso, importante de ser utilizada em exercícios de relaxamento ou descontração, serve como meio preventivo para o estresse da vida moderna” (CUNHA, 2003, p. 69). A autora está correta ao afirmar que “esta valência pode ser trabalhada de forma muito produtiva na Capoeira” (ibidem, 2003, p. 69), mas para isso, é necessário ampliar as pesquisas e desenvolver práticas conscientes e efetivas apoiadas na Ciência.

Conclusão

    Através da prática da Capoeira as qualidades físicas agilidade, resistência e descontração podem ser trabalhadas e desenvolvidas de diferentes modos. Exercícios e jogos dentro da dinâmica e práxis da Capoeira podem ser elaborados com este objetivo. O mestre de Capoeira pode através do jogo-luta da Capoeira desenvolver e potencializar as qualidades físicas aludidas em seus alunos. Portanto, a Capoeira pode ser considerada uma grande ferramenta neste sentido. Por ser o mestre de Capoeira quem mais detém conhecimento sobre o treinamento da arte-luta, este agente pode ser considerado indispensável para o desenvolvimento de novas técnicas de treinamento envolvendo elementos da Capoeira, pois a conhecida criatividade dos referidos mestres é indispensável para este fim. Contudo, é necessário o desenvolvimento técnico-científico no âmbito da Educação Física e de outras áreas para atingir tais metas. As qualidades físicas agilidade, resistência e descontração devem ser desenvolvidas no praticante de Capoeira, não só por melhorar o rendimento e performance no jogo-luta, mas também por serem essenciais ao desenvolvimento do condicionamento físico geral. Foi verificado neste trabalho que há a necessidade de um maior aprofundamento em pesquisas relativas a propostas de desenvolvimento destas qualidades físicas baseadas na prática da Capoeira.

Referências bibliográficas

  • CAMPOS, Hélio. Capoeira na Escola. 1ª edição, Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia, 1998.

  • COSTA, Marcelo Gomes da. Ginástica Localizada. Rio de Janeiro: Editora Sprint, 1996.

  • CUNHA, Andréa Cristiane Alves da. Capoeira Positiva - Os benefícios da prática da Capoeira para crianças portadoras do vírus HIV. Rio de Janeiro: Edições Abada-Capoeira, 2003.

  • LUSSAC, Ricardo Martins Porto ( Mestre Teco ). O tônus muscular enquanto portador de significado: subsídios para a compreensão do tono como linguagem corporal. Lecturas: Educación Física y Deportes, Buenos Aires, v. 13, n. 128, enero, 2009. http://www.efdeportes.com/efd128/subsidios-para-a-compreensao-do-tono-como-linguagem-corporal.htm

  • _________. Tópicos sobre o sistema nervoso e a experiência motora. Lecturas: Educación Física y Deportes, Buenos Aires, v. 13, n. 127, dic. 2008. http://www.efdeportes.com/efd127/o-sistema-nervoso-e-a-experiencia-motora.htm

  • _________. Desenvolvimento psicomotor fundamentado na prática da capoeira e baseado na experiência e vivência de um mestre da capoeiragem graduado em educação física. Universidade Cândido Mendes, Pós-Graduação “Lato Sensu”, Projeto A vez do Mestre. Rio de Janeiro: 2004.

  • TUBINO, Manoel José Gomes. Metodologia científica do treinamento desportivo. 3ª edição. São Paulo: Ibrasa, 1984.

  • WEINECK, Jürgen. Manual de Treinamento Esportivo. 2ª edição. São Paulo: Editora Manole, 1989.

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