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O rádio como recurso didático para entender os anos 30 no Brasil

La radio como recurso didáctico para entender los años 30 en Brasil

 

Formada em História pelo Centro Universitário Metodista – IPA

(Brasil)

Priscila Ferreira

priscila_tarouco@yahoo.com.br

 

 

 

Resumo

          O presente trabalho trata sobre o uso do rádio como recurso didático no ensino de História. O conteúdo das gravações radiofônicas existentes podem ser utilizadas como fonte de pesquisa histórica, além de seu uso em sala de aula como forma de aproximar o aluno com conteúdos a ser trabalhado, em especial aqueles referentes a década de 30 no Brasil.

          Unitermos: Rádio. Década de 30. Didática

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 136 - Septiembre de 2009

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    O rádio na década de 1930 sofre alterações significativas, deixando de ser um veículo voltado para a educação, como assegurava o decreto nº 16.657 (5.11.1924)1 para se tornar um meio de propagação de consumo fortemente vinculada ao campo político. O conteúdo radiofônico deste período pode servir como recurso didático, para ser trabalhado com alunos do Ensino Médio, como forma de aproximação do aluno com o conteúdo proporcionando uma maior análise e compreensão do assunto.

    Sendo assim, no presente artigo serão tratadas questões que demonstram a influência do poder na determinação dos conteúdos radiofônicos a partir da década de 1930 e o uso de gravações como forma de pesquisa histórica para ser desenvolvida com os alunos em sala de aula.

    Para tanto, serão revisitados trabalhos que tratam do tema para desenvolver esta análise, salientando as questões que focalizam o objeto em pauta. Além disso, o foco do artigo está diretamente ligado à forma como os conteúdos radiofônicos são determinados na programação da rádio a partir da década de 1930 até a implantação do Estado Novo e sua utilização na sala de aula.

O contexto histórico do rádio brasileiro

    O rádio no Brasil tem sua primeira transmissão por volta de 1922, nos festejos do Centenário da Independência Brasileira.2 Ele nasce como meio de comunicação das elites, e não das massas (que não tinham contato com este meio), além de se dirigir a quem tinha condições de adquirir os aparelhos receptores que eram muito caros na época. Em sua primeira fase, o rádio brasileiro se estabeleceu como um veículo de comunicação privado, subordinado às regras do mercado econômico e ao mesmo tempo controlado pelo Estado.

    Sendo assim, a fórmula utilizada para a criação de uma nova emissora era a formação de uma rádio-sociedade, que previa em seus estatutos a existência de associados com obrigação de colaborar com uma determinada quantia mensal. Desta maneira, o setor radiofônico na década de 20 era uma área de incertezas, com investimentos caros e retorno duvidoso.

    Pode-se considerar que o desenvolvimento do rádio brasileiro foi freado neste período, não “apenas por razões de ordem técnica, mas também pela turbulenta conjuntura política”.3 Já na década de 30, o rádio sofre uma mudança radical com a inserção de mensagens comerciais, onde o que era “erudito”, “educativo”, “cultural”, passa a transformar-se em “popular”, voltando-se mais para o lazer e à diversão.

    No entanto, foi no governo de Getúlio Vargas que se demonstrou preocupações no sentido de estabelecer regulamentação específica para os diversos setores de produção cultural. Os decretos nº 20.047 e 21.111 (27.5.1931 e 1.3.1932, respectivamente) regulamentavam, de forma detalhada, o funcionamento técnico e profissional do setor radiofônico.4

    Com a devida regulamentação, as emissoras puderam fazer o uso da inserção da publicidade favorecendo para que as rádios se organizassem como empresas. Sendo assim, seu intuito maior era disputar o tão sonhado “mercado”.

    Segundo Gisela Ortriwano, com o advento da publicidade as emissoras radiofônicas trataram de se organizar como empresas para disputar então o mercado.5 Desta maneira, essas “novas empresas” começaram a se preocupar em como obter status e popularidade, voltando seus conteúdos para uma visão mais mercadológica e menos educativa.

    Entretanto, o rádio após as transformações ocorridas (regulamentação e profissionalização) não pôde mais viver da improvisação, tendo que se adaptar e aprimorar suas técnicas. A sua linguagem tornou-se mais coloquial, direta e de fácil entendimento e a publicidade torna-se o suporte de sua programação.

    Contudo, o objetivo das emissoras naquele momento era alcançar audiência e abrir novos espaços para as mercadorias anunciadas. Pensava-se em mobilizar os ouvintes, induzindo-os com as mensagens publicitárias para consumir os produtos que estavam sendo anunciados, como apresenta Abraham Moles:

    “A doutrina demagógica visa a imergir o indivíduo em um campo publicitário e a mantê-lo nele durante o maior tempo possível, por um recurso permanente a sua tendência ao mínimo esforço. Procura condicioná-lo nesse campo à adesão a um certo número de valores que constituem para ele motivações permanentes, sendo esses valores os de uma sociedade de consumo”.6

    Essa nova fase do rádio será muito marcada na Era Vargas, onde diversas agências de publicidade vindas para o Brasil, na década de 30, passam a usar o rádio como meio de venda de seus produtos anunciados. Sendo assim, o papel que o rádio assume perante a sociedade, neste período, é o elemento fundamental na determinação dos critérios de seleção dos conteúdos da programação da emissora.

    Neste sentido, Ortriwano orienta que o fundamental no que diz respeito ao rádio e aos outros meios eletrônicos é que eles têm uma grande função enquanto empresa: que é vender-se enquanto veículos. E isso fica claro quando o veículo – o rádio – passa a ocupar lugar de destaque no lar dos brasileiros, como menciona Lúcia Lippi Oliveira.7

    Sendo assim, o novo objetivo das emissoras radiofônicas se modifica tornando-se um só: “atingir o ouvinte, o consumidor dos produtos e serviços anunciados”. A mensagem emitida pelo veículo torna-se um produto determinado pelo aparelho burocrático radiofônico, que para existir apóia-se no complexo publicitário.

    Não obstante, o rádio, com o passar do tempo, passa a ser também um poderoso “instrumento político” que tanto poderia servir à mudança como à manutenção de um Estado. Quando o governo Vargas, implanta no Estado Novo o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda), a radiodifusão torna-se uma forma de repressão e controle feita pelo Estado.

    Isabel Vieira afirma tal pensamento ao dizer que “o rádio torna-se um instrumento ideológico na medida em que seu controle e propriedade o transforma em ‘arma’ – arma que mobiliza, induz, liberta ou escraviza”.8 Já Gisela Ortriwano ressalta que o rádio, como meio de comunicação com grande poder de penetração entre as massas, une-se com a política, onde a influência desta penetra em todos os setores da radiodifusão.

    A autora reforça a idéia de que qualquer que seja o regime político em vigor, a informação jamais se constitui em atividade livre. A ação política passa a ser exercida sobre os meios de comunicação de massa, sendo mais difícil de ser detectada do que aquela que é especificadamente legal ou econômica (pois esta já é determinada ou condicionada pela visão política do assunto).

    Percebe-se com isso, que além da política, de posição autoritária e centralizadora, um outro fator importante na determinação dos conteúdos veiculados nas rádios é o “Campo Publicitário”.9 Sendo que este é um dos elementos que influenciam não só o consumo dos ouvintes, mas também a imposição de um novo comportamento entre os sujeitos.

    Sendo assim, as variáveis que interferem na determinação dos critérios de seleção dos conteúdos envolvem aspectos múltiplos, interdependentes entre si, abrangendo o macro e o micro ambiente social em que a emissora está situada. Desta forma, o trabalho em sala de aula pode ser voltado à explicitação destas variáveis através da audição de gravações radiofônicas do período estudado.

O rádio como recurso didático

    Quando pensamos no conteúdo radiofônico, apenas nos atemos às suas possibilidades de audição. Isso pode ser notado também ao pensar na educação e na comunicação como linhas que não se entrecruzam, onde ambos são independentes, distintos e até divergentes em certos momentos.

    Sendo assim, Marciel Consani, em seu livro “Como usar o rádio na sala de aula”, fala que do ponto de vista prático pode-se constatar que tanto a educação como a comunicação lidam com as interações entre as pessoas, mediadas por agentes especializados – indivíduos que se dedicam especificamente a esse trabalho -, e que visam aprimorar as relações sociais. Além disso, ele também trata sobre os processos educativos e comunicativos como sendo “ações objetivas direcionadas para a organização e a transmissão de conhecimentos de um indivíduo a outro”.10

    Desta forma, é possível visualizar vários pontos em comum entre a “missão do educador e a do comunicador”, como a preservação e ampliação dos saberes constituídos, a manutenção da coesão do tecido social, a sustentação da lógica do sistema de produção e consumo, além do fortalecimento do estado de direito.

    Enquanto os processos educativos demonstram uma grande preocupação com a preservação da mensagem transmitida (o que estende seu âmbito histórico), os processos comunicativos tendem a expandir seu âmbito geográfico, buscando um número maior de interlocutores.11

    Segundo Consani, os processos educativos buscam um fim utilitário, que pode ser o de instruir sobre o uso de tecnologias, de disseminar um certo matiz lingüístico ou ainda validar uma moral específica. No caso dos processos comunicativos, costuma-se sustentar a premissa de “distinção menor entre meios e fins”, podendo ser tomados como “espontaneístas”.

    A relação existente entre esses dois agentes do processo fica clara quando a Educação enfatiza o ato de transmitir a informação mais do que recebê-la. Contudo, os processos comunicativos alimentam uma grande preocupação com quem recebe a mensagem – inclusive pela identificação deste personagem com o consumidor.

    Logo, pode-se considerar a existência de uma relação familiar do Estado com os processos educativos na medida em que este assume a universalização do ensino como uma de suas funções. No caso dos processos comunicativos, apesar de ser administrado pelo Estado, acabam se identificando mais com os setores produtivos.

    É importante observar, que o educador esteja atento à convergência histórica de interesses existente entre a Educação e a Comunicação, especialmente, segundo no que se refere, “as Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) se esforçam para diluir os limites entre acessar dados e aprender, ou seja, entre informação e conhecimento”, conforme Consani.12 Mas, sabe-se que mesmo com as novas tecnologias de informação e comunicação necessita-se a intervenção direta e assumida dos agentes educativos.

    Isto porque ao analisar a audição dirigida de programas radiofônicos, deve-se levar em consideração uma leitura crítica sobre estes conteúdos. Claro que a condição do professor, neste ponto, poderá ser de mediador da análise perante os alunos.

    Para tanto, o professor deve definir um planejamento geral de utilização do material, inserindo-o no conjunto de atividades didáticas a serem realizadas. Segundo Marcos Napolitano, “a seqüência de programas exibidos e analisados deve possuir coerência com os objetivos e conteúdos trabalhados”.13

    Logo, com a análise posta em temas específicos, a gravação radiofônica se oferece como um laboratório para centralizar a dinâmica histórica do tempo presente. Napolitano menciona ainda que as formas de construção e articulação de temas e eventos não só podem revelar as artimanhas ideológicas, mas o conjunto de representações simbólicas que perpassa as contradições da sociedade em que vivemos.14

    O problema central é a dificuldade de se delimitar se a mídia só faz circular um evento pela sociedade ou se ela articula a própria experiência social deste evento. Desta forma, deve-se ter claro que a experiência cotidiana interfere na dinâmica de assimilação social dos eventos históricos, reduzindo-os a um tempo quase imediato.

    Entretanto, o autor ressalta que encarar o desafio de trabalhar criticamente com os documentos midiáticos parece mais produtivo do que o costumeiro exercício de retórica pseudocrítica, no qual alunos e professores falam mal dos meios de comunicação.

    A partir do contexto histórico apresentado sobre o rádio, percebe-se que com o decorrer do tempo, não apenas o Estado influenciava na programação da emissora radiofônica, mas também o campo publicitário exercia influência. Neste caso, a publicidade passou a impor e determinar novos comportamentos dentro da sociedade.

    Com as mudanças ocorridas a partir dos decretos assinados no governo Vargas, o rádio começa a utilizar uma linguagem mais coloquial, direta e de fácil compreensão. Foi isso, mais do que tudo, que favoreceu para que a radiodifusão passasse a ser vista como grande companheira nos lares brasileiros. Era o rádio falando a língua do povo.

    Atualmente, trabalhar em sala de aula com gravações radiofônicas, segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, “favorece para o desenvolvimento de competências e habilidades que possibilitam a compreensão da lógica da realidade além da construção do conhecimento”.15 Dessa forma, Maria Auxiliadora Schmidt, ressalta que o professor pode oferecer a seu aluno a apropriação do conhecimento histórico existente, através de um esforço com a qual ele retome a atividade que edificou o conhecimento.16

    Portanto, fazer uso do rádio em sala de aula torna possível que os alunos possam ter uma aproximação maior com o conteúdo apresentado. Nada melhor então que, ao apresentar a realidade brasileira nos anos 30 para uma turma de Ensino Médio, a classe possa ter acesso àquilo que o povo brasileiro ouvia, consumia e identificava como real e verdadeiro.

Notas

  1. O decreto n.16.657 (5.11.1924) assegurava que “as transmissões deveriam conter uma programação com fins educativos, científicos e artísticos de benefício público (...)”. CALABRE, Lia. A era do rádio. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004, p.16.

  2. Segundo Lia CALABRE, no dia da inauguração da Exposição Nacional, que fora preparada especialmente para os festejos do Centenário da Independência Brasileira, ocorreu a primeira demonstração pública de uma transmissão radiofônica, levando espanto e curiosidade aos visitantes da exposição. CALABRE, Lia. A era do rádio. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. p.10.

  3. Ibid., p.15.

  4. Segundo CALABRE, a principal contribuição da legislação para o desenvolvimento do setor foi a liberação de transmissão de propaganda comercial. Ibid., p.19.

  5. ORTRIWANO, Gisela S. A informação no rádio: os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. 2. ed. São Paulo: Summus, 1985. p.15.

  6. ORTRIWANO, Gisela S. A informação no rádio: os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. 2. ed. São Paulo: Summus, 1985 apud MOLES, 1973, p. 301.

  7. Lúcia Lippi Oliveira fala que o rádio “passava a ocupar lugar de destaque no lar, onde era identificado com a alegria, o bem-estar, a facilidade da vida moderna”. OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Sinais da modernidade na era Vargas: vida literária, cinema e rádio. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lúcia de A. N. (org). O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. (O Brasil Republicano; v. 2), p. 340.

  8. VIEIRA, Isabel. Rádio – ele nunca esteve tão vivo. In: __________. Singular & Plural. nº 5, abril 1979, p. 58.

  9. Segundo ORTRIWANO, a publicidade subvenciona os meios de comunicação de massa e, assim, condiciona todos os seus conteúdos, principalmente a informação. As empresas de comunicação lutaram para salvaguardar sua independência em relação aos governos, sem que percebessem que gradualmente estavam se entregando aos anunciantes. ORTRIWANO, Gisela S. A informação no rádio: os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. 2. ed. São Paulo: Summus, 1985, p.63.

  10. CONSANI, Marciel. Como usar o rádio em sala de aula. São Paulo: Contexto, 2007. (Coleção como usar em sala de aula). p. 10.

  11. Id., 2007, p. 10.

  12. CONSANI, Marciel. Ibid., p. 11.

  13. NAPOLITANO, Marcos. A televisão como documento. In: BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004. p. 158.

  14. NAPOLITANO, Marcos. Ibid., p. 159.

  15. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Orientações curriculares para o Ensino Médio: ciências humanas e suas tecnologias. Brasília: Secretaria de Educação, 2006. v.3, p. 74.

  16. SCHMIDT, Maria Auxiliadora. A formação do professor de história e o cotidiano da sala de aula. IN: BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004. p. 57.

Referências bibliográficas

  • CALABRE, Lia. A era do rádio. 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.

  • CONSANI, Marciel. Como usar o rádio em sala de aula. São Paulo: Contexto, 2007. (Coleção Como usar em sala de aula)

  • MOLES, Abraham A. Civilização industrial e cultura de massas. Petrópolis: Vozes, 1973.

  • NAPOLITANO, Marcos. A televisão como documento. In: BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004.

  • OLIVEIRA, Lúcia Lippi. Sinais da modernidade na era Vargas: vida literária, cinema e rádio. In: FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lúcia de A. N. (org). O tempo do nacional-estatismo: do início da década de 1930 ao apogeu do Estado Novo. 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. (O Brasil Republicano; v. 2)

  • PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Orientações curriculares para o Ensino Médio: ciências humanas e suas tecnologias. Brasília: Secretaria de Educação, 2006. v. 3.

  • ORTRIWANO, Gisela S. A informação no rádio: os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. 2. ed. São Paulo: Summus, 1985.

  • SCHMIDT, Maria A. A formação do professor de história e o cotidiano da sala de aula. In: BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2004.

  • VIEIRA, Isabel. Rádio – ele nunca esteve tão vivo. In: _________. Singular & Plural, n° 5, abril 1979, p. 58.

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