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Mulheres praticantes de futsal torcem? Pra quem?

¿Mujeres practicantes de futsal alientan? ¿Para quién?

 

*Licenciada em Educação Física e Mestre em Ciências do Movimento Humano (ESEF-UFRGS)

Professora do curso de Educação Física da Universidade Federal de Rio Grande (FURG).

**Licenciada em Educação Física (IPEF)

Especialista em Pedagogias do Corpo e da Saúde

Mestre em Ciências do Movimento Humano (ESEF-UFRGS)

Atualmente doutoranda na mesma instituição

Bolsista da CAPES/CNPq- IEL Nacional

Raquel da Silveira*

Ileana Wenetz**

ilewenetz@gmail.com

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          O futebol pode ser considerado um espaço reservado aos homens na sociedade brasileira, no entanto, existem diversas mulheres que integram este universo esportivo. Elas jogam, escrevem, falam, discutem e torcem para times de futebol. A proposta aqui é compreender as diversas maneiras que mulheres, participantes de um time de futsal de Porto Alegre, torcem. Com esse fim, através da etnografia, foi possível observar que, para elas, o torcer, da mesma forma que estudiosos do tema já identificaram, está vinculado ao sentimento de pertencimento. No entanto, o que chama atenção é para qual time elas se sentem pertencente. Durante as observações do cotidiano das praticantes ficou evidente que elas torcem e se sentem pertencente ao time que elas jogam.

          Unitermos: Mulheres. Futsal. Torcida

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 136 - Septiembre de 2009

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    Pode-se considerar o futebol e seus derivados espaços reservados aos homens na sociedade brasileira,1 no entanto, existem diversas mulheres que integram este universo esportivo. Elas jogam, escrevem, falam, discutem sobre futebol,2 e claro, torcem por times deste esporte. Portanto, afirmar que “Futebol é ‘coisa para macho’”3 ou “Só homem joga futebol” parece ser nos dias de hoje insuficientes, pois a cada dia há mais mulheres participando do universo futebolístico.

    Observa-se que os campeonatos de equipes femininas não são organizações esporádicas, mas possuem cronogramas pré-estabelecidos e representações a nível internacional como aconteceu no Pan-Americano do Rio de Janeiro de 2007. Nessa competição as jogadoras da seleção brasileira participaram obtendo bons resultados. Na Copa do mundo de futebol de campo feminino, na China, a seleção brasileira também teve uma ótima participação se consagrando vice-campeã da competição.

    Em relação ao futsal - um esporte derivado do futebol, mas que não integra os esportes Olímpicos – também há uma grande visibilidade e praticantes no Brasil. Os homens, da mesma forma que no futebol, são os maiores protagonistas mas as mulheres participam cada dia mais. Outro exemplo pode ser visto no futsal amador da cidade de Porto Alegre, em que no Campeonato Municipal de Futsal de 2006 havia 92 times masculinos e 21 times femininos participando. No entanto, apesar do menor número de praticantes mulheres, o futsal feminino, assim como o futebol feminino, se apresenta em ascensão.

    As praticantes de futsal jogam nos dias de semana e nos fins de semana, tanto em nível de lazer quanto competitivo. Elas se envolvem com treinos, horários, compromissos, desenvolvimento de habilidades técnicas e com o grupo. As mulheres também torcem. Como mostrou Costa (2006) no estudo “O que é uma torcedora? Notas sobre a representação e a auto-representação do público feminino de futebol” elas torcem sozinhas, em casa, nos estádios ou em torcidas organizadas.

    A proposta inicial desse artigo era, assim como a maioria dos referenciais bibliográficos sobre torcidas (COSTA, 2006; DAMO, 2002; TOLEDO, 1996), compreender as formas que praticantes de futsal de um time amador da cidade de Porto Alegre denominado de “Moinhos”4, torcem pelos clubes de futebol masculino de grande prestígio no Brasil. No entanto, com o desenvolver da pesquisa de campo, cerca de 10 meses, resultando em mais de 50 diários de campo, observou-se que, primeiramente, era necessário saber para quem elas torcem.

    Se a priori estabeleceu-se nesta pesquisa uma relação com times de futebol brasileiros reconhecidos, após alguns meses de observação e convivência com as praticantes de futsal, foi possível compreender que a relação do torcer deveria ser feita com o time que elas jogam, pois é para esse time que elas torcem.

    A partir disso, realizaram-se entrevistas semi-estruturadas com as integrantes, totalizando 8 entrevistas, na tentativa de compreender as diversas formas que elas torcem. Este artigo esta dividido em quatro partes, primeiramente é descrito informações gerais do time investigado onde as relações de gênero são aprofundadas, após há uma discussão sobre o torcer e finalmente a análise das informações obtidas com as praticantes de futsal.

1.     Descrição do time de futsal investigado

    O time de futsal feminino investigado é composto por praticantes amadoras, que treinam sistematicamente e participam de alguns Torneios e Campeonatos. Essa equipe também possui algumas atividades extra quadra que são os churrascos e outras atividades sociais.

    Atualmente, o time é formado por 21 praticantes de futsal e um técnico. As integrantes da equipe têm entre 16 a 40 anos de idade. A maioria delas trabalha e as profissões são bastante diversificadas.5 Há mulheres que estudam. Algumas estão cursando o ensino médio e outras cursando faculdade.6 Em relação às condições financeiras, há heterogeneidade entre as integrantes da equipe. Algumas possuem carro, moram em bairros considerados nobres e outras moram em bairros periféricos da cidade e não têm carro. Algumas vivem em imóveis próprios e outras os alugam. Algumas pessoas moram em Porto Alegre, outras se deslocam desde Viamão7 e uma jogadora se desloca da cidade de Harmonia8 para participar das atividades da equipe. Algumas são sustentadas pelos pais, outras se sustentam e outras, além de se sustentarem, sustentam os pais.

    É possível perceber nesse time que algumas jogadoras possuem amizades que ultrapassam os momentos de encontro da equipe. Muitas se encontram durante dias da semana, trocam mensagens, telefonemas e conversam em chat da internet.

    Uma vez por semana, o grupo realiza o que denomina de “treino” do time. Esta atividade é realizada numa quadra alugada mensalmente, com dia e horários fixos e com a presença das jogadoras, do técnico e demais acompanhantes (filhos, maridos, namorados, namoradas). Nesses treinos a busca pelo rendimento esportivo acontece de forma sobreposta às brincadeiras e a um ambiente divertido.

    Em relação aos jogos de torneios e campeonatos há muitas tensões presentes entre as jogadoras, o técnico e a torcida.9 As vitórias são importantes e muito comemoradas e as derrotas acabam proporcionando desentendimentos entre algumas jogadoras, técnico e torcedores do time. Porém, esses desentendimentos duram somente o dia do jogo em que houve a derrota.

    A presença de familiares nos dias de jogos oficiais é intensa. Graciele, por exemplo, sempre leva uma de suas filhas para assistir os jogos. Conforme conversas informais com Graciele, a outra filha fica aos cuidados da mãe, que não consegue cuidar das duas crianças ao mesmo tempo. Débora, na maioria dos jogos leva o seu filho Tiago, e Glória leva a sua sobrinha. Outra presença constante nos jogos oficiais são as praticantes de futsal que fazem parte da equipe e encontram-se machucadas. Laura que rompeu o ligamento do joelho em julho de 2006, durante um treino do time, e que em outubro do mesmo ano fez a cirurgia que lhe foi indicada, foi torcer pela a equipe em alguns jogos oficiais. Já, Helena que também rompeu o ligamento do joelho em um jogo oficial do torneio acompanhou o time em outros jogos oficiais mesmo usando gesso na perna. Essas pessoas que acompanham o time fazem parte do que foi denominado de torcida do “Moinhos”, juntamente com as jogadoras da equipe.

    Antes de profundizar o que é torcer para elas, gostaríamos trazer algumas considerações em relação ao gênero, pois, no Brasil o futebol é tradicionalmente um esporte masculino e a equipe analisada é composta de mulheres, isto é realizado com o objetivo de compreender o contexto no qual elas mulheres torcem.

2.     O gênero no contexto do futebol feminino

    meu pai (...) só diz assim: “bah, se ela tivesse nascido homem eu tava feito” (risos) ele sempre fala isso (...). Eu só concordo com ele (risos) eu tinha que ter nascido homem, como se diz... (risos) Eu tenho que concordar com ele, né? Porque eu teria tido mais oportunidade (Graciele, 17/09/2007).

    Como podemos observar no epigrafe a condição de gênero esta presente no futebol feminino. A frase enunciada pela jogadora Graciele que, a pesar de ter um domínio técnico e uma longa historia na participação no futebol feminino, encontra ate hoje dificuldades para realizar a prática do futsal. Podemos visualizar quanto o pai dela apesar de estar orgulhoso e até reconhecer as habilidades no jogo de futsal, percebe também que, se ela fosse homem teria tido outras oportunidades de fazer o que gosta (inclusive até participar do futsal profissional), já que em um país como o Brasil, a virilidade no futebol parece ser um requisito fundamental.

    Além desse aspecto da falta de patrocínios, estrutura e oportunidades, a própria sexualidade das praticantes são colocada em dúvida. Goellner (2000) entende que o grande número de participantes em esportes não isentam a categorização dessas mulheres como masculinizadas pois “o suor excessivo, o esforço físico, a emoções fortes, as competições [...] parecem abrandar certo limites que contornam o ideal dominante de feminilidade”( p.63).

    Ainda segundo Adelman (2003) que realizou sua pesquisa com atletas do hipismo e do vôlei, mas as entrevistadas se posicionaram de maneiras diferentes. As atletas do hipismo entendem certas dificuldades pelas mulheres para praticar o esporte, tanto na infância como na vida adulta. Assim, de meninas segundo uma das entrevistadas diz: “eu falei para meu pai que estava a fim de entrar no hipismo para aprender a montar e eles disseram que não, que era muito perigoso, para menina não! (p.453). Elas destacaram que para elas o “preconceito estaria mais arraigado nas famílias pois elas intervem liberando os meninos e restringindo a participação das meninas” (p.455).

    Mas, ao contrario, as atletas do vôlei que defenderam a “feminilidade” de sua prática, como por exemplo, a fala de uma atleta:

    Nunca gostei de basquete. Para a mulher, acho que torna muito masculina. Se você comparar as jogadoras de basquete com as de vôlei, você vê a diferença no físico. Elas são mais troncudas; têm um jeito diferente – eu não gosto.

    Ainda, outra jogadora expressou:

    O basquete é uma coisa muito masculina. Jogam com aquela bermudona e o corpo delas é mais quadradão... O vôlei já é uma coisa mais feminina. Tem mais atrativos do que o basquete (p. 457).

    Em nossa pesquisa as entrevistadas começaram na sua maioria, a jogar futebol brincando na rua do bairro onde moravam com apoio dos pais, encontrando algumas dificuldades para continuar jogando a nível escolar, seja por preconceito seja por não terem parceiras para realizar um time. Mas o preconceito, de maneira geral, quando era evidenciado era por algum membro do próprio grupo familiar ate que a família e amigos acostumam-se com que elas jogavam e passaram a apoiar, acompanhar e torcer por suas filhas na prática do futsal.

    Em relação a masculinização todas as entrevistadas desta pesquisa falaram que se promove o jogo masculino mas que não por isso as mulheres são masculinizadas. Na fala seguinte é interessante observar como a própria jogadora percebe que o modelo que é promovido é o masculino, assim,

    Eu acho que muitas vezes acontece isso né, mais eu acho que a opção é de cada um também. Eu por exemplo, não ando com nada masculino, e gosto de futebol. Eu acho que, não sei se pela cultura tem a vê, porque é um esporte mais masculino. Mas pra mim não influencia em nada (Graciele, 18/09/2007).

    (...) o Brasil só desenvolve o masculino (tu liga a TV, tu é criado com a figura masculina jogando), tu se identifica (pensativa)... Eles desenvolvendo ali, correndo, chutando daquela... Por que é diferente o masculino do feminino. Então eu acho que acaba às vezes algumas querendo imitar, querendo ser igual, querendo, de certa forma, pegar aquele ídolo, de repente, dela e colocar em si mesma, se masculinizando dessa forma de andar, de passar a bola, de ter trejeitos masculinos, né. Isso eu acho que acaba um pouco acontecendo. Isso a gente via muito, anteriormente, até cabelo, essas coisas assim (Michele, 24/09/2007).

    Nessa segunda fala podemos observar, como essa torcedora percebe tem um modelo masculino do jogo e que muitas jogadoras possam querer imitar, se parecer a esse modelo, e que “antes ate nos cabelos isso aparecia, mas que hoje não é tão assim”, ela mesma consegue visualizar que são maneiras de jogar diferente.

    Nessa direção, Lorena entende que,

    eu acho que o futebol em si não masculiniza ninguém... Ta... as pessoas se masculinizam porque querem, né? Ou tem a opção sexual dentro do futebol ali (...) Mas isso é porque querem. Mas o futebol não deixa ninguém masculino. Assim como o basquete não deixa ninguém masculino. E nem muda. Tu muda a tua personalidade porque tu quer. Assim como pode não jogar futebol e tornar-se masculina e começar... a ser menina e gostar de menina, entendeu? Eu acho que isso é uma coisa da própria pessoa, não tem a ver com o futebol. Acontece que...rotularam e... a maior parte das pessoas se identificam com isso, entendeu? (25/09/2007).

    Aqui, segundo ela podemos observar como conseguem distinguir duas coisas diferentes, por um lado a prática esportiva seja qual for o esporte e, por outro lado, a opção sexual que as praticantes de futsal. Ainda, uma delas expressa que conseguem conviver com a diferencia sexual,

    Mas eu não acho isso como um problema até porque, eu aprendi a respeita de mais, porque elas respeitam de mais quem não é homossexual. (...) até porque eu aprendi a respeitar exatamente por ver como elas respeitam, sabe (Graciele,18/09/2007).

    Desse modo, podemos observar como para as próprias praticantes de futsal a pratica em si no decorre de uma opção sexual especifica mas de um gosto pelo esporte, do lazer. Assim segundo Costa (2006, p.1), entende que “a mulher como-ser-que-torce vem se configurando um perfil feminino cada vez mais comum, perfil que se manifesta por diferentes meios que vão desde as arquibancadas até os espaços virtuais da Internet”, e por que não em um legitimo sentimento de simplesmente...torcer.

    Também aqui é interessante para nós perguntar o que as pessoas pensam sobre mulheres torcedoras de futebol? Será que é outorgada uma maior legitimidade a torcedora que pratica futebol? Costa (2007) entende que, a mulher esta se incorporando na dimensão de torcedora, mas essa incorporação se realiza com algumas dificuldades a quais se relacionam com uma rejeição de aceitar que uma mulher pode torcer e que é capaz de estabelecer uma relação legitima com o clube. Ainda, compreender que a mulher pode sim, se interessar pelo futebol inclusive a níveis técnicos e tácticos do esporte. Mas o que é torcer para elas?

3.     Para torcer é preciso tu se sentir pertencente

    o torcer, pra mim... é que nem eu falei, o torcer é tu ter emoção. Pra começar... emoção. Tu tem que ter, como se diz, é gostar. Tu tem que gostar daquilo dali, e emoção. Que nem eu disse, tu tem que ter ... tu tem que sentir, que é legal torcer, que o teu time vai ganhar. sabe? A gente canta a gente berra. A gente grita, tenta dá apoio para o time. Eu acho que é isso, é bem isso (Graciele, 17/09/2007).

    Para Ana “torcer é tu ficar emocionada, tu ficar preocupada, ficar tensa, ficar feliz quando ganha ficar triste quando perde” (18/09/2007), para Luana “torcer...é vibrar, tu vibrar... tu chorar, tu se emocionar, tu gritar alto” (25/09/2007) e para Laura “o negócio de torcer é mais pra tu levar para o teu lado, de tu, de tu perder junto com a equipe que esta jogando, alguma coisa assim” (24/09/2007).

    Graciele, Ana, Luana e Laura entendem que o torcer envolve emoções da pessoa que torce para com um time, ou, como identificou Damo para com o “clube do coração” (2002, p. 12). Essas emoções são requisitadas aos extremos, alternando da alegria à tristeza e do sorriso ao choro. O ato de torcer não é imparcial. Se alguém torce, tem que torcer por algo que faz sentido na sua vida. No futebol e seus derivados isso não é diferente. Se os times de grande prestígio no Brasil possuem torcedores apaixonados que lotam os estádios é devido o futebol, em especial aquele praticado pelo “time do coração” ser significativo na vida do torcedor: “os torcedores, ou a maior parte deles ao menos, não assistem aos jogos para formular juízos imparciais – o que requer certo distanciamento –, mas antes para vivenciá-los” (DAMO, 2001, p. 86).

    O torcer é tu se envolver com o time, tu gritar, tu perder junto, tu vibrar. O uso do pronome tu na definição de torcer das entrevistadas pode ser entendido através do sentimento de pertencimento delas para com o time. Esse sentimento, como já demonstrou Toledo (1996) e Damo (2002), apresenta-se de forma fundamental para a compreensão do torcer. Segundo Damo “torcer é o mesmo que pertencer, o que significa, literalmente, fazer parte, tomar partido, assumir certos riscos e vivenciar excitações agradáveis ou frustrações” (2002, p. 12).

    É importante esclarecer que, mesmo dedicando este tópico para uma tentativa de definição de alguns aspectos do que é torcer, nem todas as pessoas ou grupos de pessoa torcem da mesma maneira. Há inúmeras formas de torcer para algum time, como afirma Toledo “a identificação ou empatia com algum time de futebol é algo verificável de modo genérico e diferenciado na sociedade brasileira. Com maior ou menor intensidade, significativa parcela da população vivencia, de várias maneiras, o futebol” (1996, p. 12 e 13). Assim, é oportuno nesse momento questionar de que maneiras as praticantes de futsal investigadas vivenciam o futebol no aspecto do torcer.

4.     Diferentes formas de vivenciar o torcer

    Observa-se que na equipe “Moinhos”, co-existem diferentes formas de torcer. Se por um lado algumas praticantes torcem por times de futebol masculino, de clubes grandes e reconhecidos no Brasil e também internacionalmente, por outro lado, todas torcem, às vezes até com maior entusiasmo, para o time que elas jogam. Assumir essa diferença para quem se torce foi um dado empírico que se mostrou relevante no decorrer da investigação. Durante a convivência com as praticantes, observou-se que era necessário considerar o torcer para além de times masculinos que integra a elite do futebol brasileiro, pois torcer só para esses times não expressariam o significado e as maneiras que as praticantes torcem.

    Quando o torcer é feito para times de grande prestígio nacional o principal argumento vincula-se com o ensinamento da família pelo gosto do futebol, e também pelo “clube do coração”. Falas como “já vem do berço” “ou esta no sangue” são freqüentes nas explicações dadas pelas praticantes pra explicitar o porquê torcer por algum grande time de futebol masculino. Na fala de Graciele é possível perceber a diferença entre o torcer para o Internacional (clube de coração dela) e o “Moinhos”, sendo o argumento utilizado por ela ser torcedora do time do Internacional desde pequeninha.

    É uma coisa que vem assim, uma emoção indiscutível como se diz, né. Só tu tem ... porque tu tem sangue na veia, como se diz, tu é Inter desde pequeninha. Já pro Moinhos assim, é um time que eu torço, mas é um time que agora eu to me habituando, né. Então tem diferença, assim, né. Tem diferença da gente nascer colorada e ... né, ta acompanhando agora o time. É claro que eu sempre vou querer ver o Moinhos bem. Eu sempre quero que o Moinhos ganhe, né. É meu time. Então já viu....(17/09/2007).

    Julia também recorre à argumentação hereditária para justificar o seu torcer pelo seu clube de coração, o Grêmio. Sua fala também mostra a impossível comparação entre torcer pelo Grêmio e torcer pelo “Moinhos”.

    eu tenho um amor assim sem fronteiras, que nem eu falei, pelo Grêmio, não que eu não tenho pelo Moinhos mas são coisas bem diferentes. Meu amor pelo Grêmio vem lá no sangue já. O Moinhos não. O Moinhos surgiu há três anos. Seria isso então, não tem como descrever uma coisa e outra (28/09/2007).

    Algumas delas, 3 praticantes das 8 entrevistadas, se auto definem fanáticas pelo clube do coração. Julia, por exemplo, se considera fanática, devido acompanhar os assuntos do time, escutar e olhar jogos, ir a campo e até brigar pelo clube. No ano de 2007, quando o time que Julia torce disputava a final da competição Libertadores da América esta pensou em tatuar no seu corpo algo relacionado ao Grêmio:

    Agora na final da Libertadores pensei até em tatuar alguma coisa relacionada do Grêmio. Se o Grêmio ganhasse eu ia tatuar. Porque paixão é assim. Aquela coisa de emoção, de tu ir ao estádio, de tu estar em casa, de tu levantar a bandeira, beijar a camisa e o distintivo. Adoro o Grêmio (28/09/2007).

    Apesar do fanatismo auto declarado, as três praticantes racionalizam alguns limites em sua relação com o clube preferido, como por exemplo, o fato de investir muito dinheiro nele. Graciele relata uma situação que faz se diferenciar de outros torcedores fanáticos devido ao limite que ela se impõe:

    esses tempos nós estávamos vendo um torcedor colorado que ... vendeu o PlayStation dele para ir num jogo. Pra ti ter uma idéia ... esse é fanático, né? Só que eu sou fanática diferente, porque eu não sou louca de fazer isso. (...) entendeu? Sou fanática, mas não rasgo dinheiro, ta louco. (17/09/2007).

    Além desses exemplos, temos o caso de Ana que apesar de ela não jogar nunca ao futsal ela se sente parte da equipe e constitui uma fiel e assídua torcedora assistindo todos os treinos e competições da equipe. Assim o sentimento de pertencimento dela é maior que a sua participação ativa/jogando dentro de quadra o que não significa também, sua participação ativa fora da quadra. Ao perguntar a ela o porque dessa participação, ela bastante emocionada, ao falar do Moinhos, afirma,

    é um sentimento de sete anos, já convivendo com as gurias e com o treinador, que já é uma família, ne, já tem um relacionamento a mais que tu ir a torcer por um time, é um carinho que tu tem pelo pessoal, pela união, pelo tempo que elas estão ai, se esforçando, se dedicando ao time, (...) o treinador, também, o amor que ele tem pelo time, isso cativa qualquer um, ne (Ana, 25/09/2007).

    Ainda, para observar uma relação de pertencimento quem tem as jogadoras com os times no qual elas torcem, existe um vinculo “familiar” com um time, parte de suas vidas, de seu lazer e de seu cotidiano. Desse modo, pode ser observada uma relação de pertencimento legitimada com a equipe, constituindo uma maneira particular de torcer dependendo da historia pessoal de cada jogadora ou participante do time.

    Assim, com no caso de Ana que se torna fanática de um time no qual ela só é espectadora no momento do jogo encontramos outras participantes que a pesar de não serem fanáticas por um time oficial e grande, ao participarem do Moinhos, tornam-se fanáticas por ele,

    R- é torce para o Moinhos...?

    C- bah!!! (risos) ai sou fanática, porque é diferente eu sou parte da equipe, entendeu...mexe contigo, porque você é parte, dentro de quadra e além de ser jogadora, torço, quando estou fora de quadra, to torcendo, to gritando, vai lá e força. Eu torço pelo Moinhos sou fanática (Lorena, 25/09/2007).

    Sandra, apesar de torcer pelo Grêmio se sente uma torcedora fanática pelo Moinhos, e descreve seu sentimento da seguinte maneira,

    Então eu me sinto mais, não digo triste, muito triste, mas eu digo assim, chateada se a gente perde né, ou sei lá, feliz se a gente ganha. Então eu acho que a intensidade muda um pouco nesse sentido. Exatamente pela proximidade. Exatamente por saber que de certa forma... Não digo que tu criou aquilo, mas tu ajudou em algum momento, que tu conhece as pessoas que estão ali, as dificuldades que eles têm. Então essas coisas. (pensativa) Hãã, eu me sinto mais próximo pra torcer, pra apoiar, pra vibrar, sei lá, pra alguma coisa do Moinhos ( Michele, 24/09/2007).

    Nessas falas podemos observar como o sentimento de torcedora fanática pelo time no qual se faz parte é maior que por outra equipe. Em essas diferentes mulheres participantes de um mesmo time, no qual varias pessoas, com diversas historias pessoais podemos mapear uma diversidade de formas de torcer destacando que o futsal para elas constitui, mais especificamente uma forma de lazer e, principalmente, um estilo de vida. O estilo de vida é segundo Stigger, inspirado em Giddens (2002, p. 213) entende que é “a maneira de ser [...] que não deixa de ser individualizada pelo contexto social mais ampliado, relativo às normas de condutas e posições socioeconômicas que lhe são impostas” mas também “relacionado com as escolhas que as pessoas e grupos podem fazer”.

    Nessa direção, entendemos que cada maneira de torcer dos membros do time constitui uma maneira especifica de um estilo de vida de vivenciar e sentir a pratica do futsal.

5.     Conclusão

    Observamos, neste artigo, que a pesar do futsal ser considerado um espaço reservado ao desempenho masculino no contexto brasileiro, a participação das mulheres nesta pratica esportiva e de lazer vêem aumentando consideravelmente. As mulheres, além de participar tornam-se torcedoras legitimas com conhecimentos tácticos e técnicos, que não só se colocam como espectadoras mas que também participam e ate criam/formam seus próprios equipes.

    Mais especificamente, elas simplesmente gostam de praticar o futsal e sem considerar que essa escolha modifique sua condição de gênero, portanto, não há uma relação condicionante entre a escolha do futsal como uma pratica esportiva ou de lazer e de sua escolha sexual. Também elas consideram que o esporte foi nomeado como tradicionalmente masculino mas que a pratica em si mesma não masculiniza as mulheres que o pratica, e no caso de isso acontecer, é mais por uma opção pessoal.

    Destacamos, ainda, a riqueza da metodologia etnográfica, que nos permitiu, uma analise profunda e de dentro da constituição do grupo. Desse modo, mapeamos um forte sentimento de pertencimento com a equipe, destacando o laço da amizade entre as mulheres e conformando “diferentes estilos de torcer” no futsal.

Notas

  1. Ver em: MOURA, E. L. O futebol como área reservada masculina. In: DAOLIO, J. (Org.). Futebol, cultura e sociedade. Campinas, SP: Autores Associados, 2005. p. 131-147.

  2. Ver Silveira (2007), quando analisou reportagens do jornal Folha de São Paulo escrita por mulheres sobre a Copa do Mundo de futebol masculino de 2006.

  3. Ver em: FRANZINI, Fábio. Futebol é “coisa para macho”? Pequeno esboço para uma história das mulheres no país do futebol. In: Revista brasileira de História. São Paulo, v. 25, n° 50, 2005, p. 315 – 328.

  4. Por questões éticas o nome da equipe de das jogadoras foram alterados.

  5. Podóloga, zeladora, fisioterapeuta, contadora, cobradora de ônibus, atualizadora de páginas da web, técnica em eletroeletrônicos e secretária.

  6. Todas as mulheres que cursam faculdade trabalham em outros turnos.

  7. Cidade distante 30 Km. de Porto Alegre.

  8. Segundo informações da Valéria, a cidade de Harmonia dista cerca de 80 quilômetros da cidade de Porto Alegre.

  9. Foi denominado de torcida do “Moinhos” as pessoas acompanhantes das jogadoras , as praticantes machucadas e também o banco de reserva da equipe.

Referencias

  • ADELMAN, M. Mulheres atletas: re-significações da corporalidade feminina. In: Estudos Feministas. Florianópolis, 11(2): 360, julho. P.445-465.

  • COSTA, M. L. da. O que é uma torcedora?: notas sobre a representação e auto-representação do público feminino de futebol. In: Esporte e Sociedade, Ano 2, número 4, Nov 2006. fev/2007.

  • COSTA, M. L. Marias-Chuteiras x torcedoras “autênticas”: identidade feminina e futebol. In: Usos do Passado- XII Encontro Regional de História ANPUH-RJ. 2006.

  • DAMO, A. Futebol e Estética. Perspectivas (São Paulo), São Paulo, v. 15, n. 3, p. 82-91, 2001.

  • DAMO, A. Futebol e Identidade Social. 1. ed. Porto Alegre: Editora da Universidade - UFRGS, 2002. v. 1. 159 p.

  • FRANZINI, F. Futebol é “coisa para macho”? Pequeno esboço para uma história das mulheres no país do futebol. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 25, n° 50, 2005, p. 315 – 328.

  • JORNAL ZERO HORA. Seleção começa com goleada 13 de setembro de 2007. Porto Alegre.

  • GOELLNER, S. A Educação Física e a construção de imagens de feminilidades no Brasil dos anos 30 e 40. In: Movimento. Ano VII. N 13.2000/2. pág.61-70.

  • MOURA, E. L. O futebol como área reservada masculina. In: DAOLIO, J. (Org.). Futebol, cultura e sociedade. Campinas, SP: Autores Associados, 2005. p. 131-147.

  • SILVEIRA, R. da. Copa do Mundo de 2006: O que elas escreveram na Folha de São Paulo. Pensar a Prática (UFG), v. 10, p. 133-152, 2007.

  • STIGGER, M. P. Esporte, Lazer e Estilos de Vida: um estudo etnográfico. Campinhas SP: Autores Associados, Chancela editorial Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (CBCE), 2002. (coleção educação física e esportes).

  • TOLEDO, L. H. Torcidas Organizadas de Futebol. Campinas, SP: Autores Associados- Anpocs. 1996 (Coleção Educação Física e Esportes).

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