Formação continuada de educadores/as de Educação Física no âmbito da Educação Infantil em Florianópolis, SCFormación permanente de educadores/as de Educación Física en el ámbito de la Educación Infantil en Florianópolis, SC |
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*Estudante de graduação em Educação Física **Graduação em Educação Física Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC (Brasil) |
André Delazari Tristão* Simone Morini** |
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Resumo O presente trabalho busca divulgar a sistematização de algumas das ações de formação continuada da rede municipal de ensino de Florianópolis/SC, Brasil, realizada entre os meses de agosto e dezembro de 2008. Utilizando os relatórios produzidos a cada encontro, pretende-se apresentar as temáticas que carecem de um debate mais profundo, sendo elas: 1) A organização do tempo pedagógico da Educação Física; 2) A documentação de práticas pedagógicas; 3) As possibilidades do conteúdo esporte e sua relação com a técnica na Educação Infantil. Deste grupo participaram professores/as de Educação Física que atuam na Educação Infantil, estudantes de graduação e mestrado (voluntários) e ministrantes vinculados à Universidade Federal de Santa Catarina. Os encontros, realizados quinzenalmente, pautaram-se pelas dificuldades oriundas das práticas pedagógicas, buscando um diálogo com as produções acadêmicas. Mesmo considerando os limites e dificuldades encontrados, alcançamos uma contribuição ampla, na perspectiva de melhorar e desenvolver subsídios necessários para pautar a Educação Física infantil em Florianópolis, buscando com que as reflexões teóricas feitas a partir da prática retornem à realidade concreta, auxiliando professores/as em suas atividades docentes. Unitermos: Formação continuada. Educação Física. Educação Infantil |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 136 - Septiembre de 2009 |
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Introdução
O presente trabalho busca divulgar a sistematização de algumas das ações de formação continuada da rede municipal de ensino de Florianópolis/Brasil, realizada entre os meses de agosto e dezembro de 2008.
Deste grupo participaram professores/as de Educação Física que atuam na educação de 0 a 5 anos,1 estudantes de graduação e mestrado (voluntários) e ministrantes vinculados à Universidade Federal de Santa Catarina. A diversidade dos graus de formação, bem como de experiências no campo, foi um elemento potencializador das discussões que procuravam ampliar a compreensão acerca de algumas temáticas emergentes das práticas pedagógicas, que carecem de uma análise crítica coletiva.
Os encontros de formação, realizados quinzenalmente em espaço cedido pela prefeitura de Florianópolis/Brasil, pautaram-se por debates em relação às problemáticas oriundas do cotidiano das creches e nei´s,2 buscando sempre um diálogo com as produções acadêmicas.
Dentre as temáticas discutidas, elencamos algumas que parecem sofrer uma carência de debate mais profundo. A forma de organização do tempo da Educação Física, a documentação das práticas e as possibilidades do conteúdo esporte e sua relação com a técnica, foram questões que tiveram uma demanda muito grande e que propomos esclarecer e socializar o que este grupo produziu a respeito.
A organização do tempo pedagógico da Educação Física
Desde 1982, a Educação Física se faz presente nas instituições de atendimento à pequena infância no município de Florianópolis/Brasil, primeiramente com o propósito de oferecer uma referência masculina às crianças, imersas no universo feminino das professoras regentes, além de proporcionar formação de tipo preparatória para a alfabetização, vinculada à psicomotricidade (Sayão,1999: 223). A partir da década de noventa, o aprofundamento das discussões sobre a infância e, paralelamente, o avanço dos debates na Educação Física,3 contribuiu para melhor compreendermos o papel deste campo do conhecimento naquelas instituições, o que chamamos de especificidade. Paradoxalmente, a legitimidade da Educação Física é constantemente colocada à prova, e a tensão que existe entre a Pedagogia da Infância4 e a presença de educadores físicos nas creches e nei´s, é alvo freqüente das discussões do grupo de formação continuada.
Um dos pontos de tensão se refere exatamente à organização do tempo pedagógico da Educação Física. Atualmente, a Secretaria Municipal de Educação do município de Florianópolis, prevê que as aulas de Educação Física aconteçam três vezes por semana, com duração de quarenta e cinco minutos, porém dá autonomia às instituições para desenvolveram outro modelo de organização.
Propostas de superação deste modelo, que está fortemente enraizado no modelo escolar, vêm sendo desenvolvidas e trazem respostas positivas. A temporalidade da intervenção deve ser suficientemente extensa para as crianças vivenciarem o que é proposto, adequando o tempo das aulas aos objetivos da formação. Para tal, essa concepção de tempo deve ser construída com os demais profissionais, analisando o tempo institucionalmente, ou seja, elaborar uma proposta com vistas à totalidade do trabalho pedagógico, evitando as tradicionais quebras evidenciadas por expressões como: "- agora precisamos voltar para a sala porque acabou o nosso tempo" e ainda "aguardem, crianças, que a professora de Educação Física já está chegando" (Sayão, 2004: 33).
O diálogo com os demais profissionais da instituição é um caminho para o desenvolvimento de uma prática docente de qualidade, construindo um vínculo entre os saberes, buscando a totalidade do trabalho pedagógico, pautado pelas necessidades, interesses e demandas das crianças.
Nesse sentido, os quarenta e cinco minutos previstos para as aulas de Educação Física podem não ser suficientes para contemplar os objetivos do professor ou mesmo o interesse da criança. Por isso, a Educação Física deve assumir outra configuração nas unidades de Educação Infantil, com atividades que podem durar trinta minutos ou uma manhã inteira, com apenas uma turma ou com três ao mesmo tempo. O importante a ser frisado é que estas propostas inovadoras devem ter um caráter institucional, altamente vinculado ao contexto em que se encontram.
A documentação de práticas pedagógicas
Uma das questões mais carentes quando nos referimos à Educação Física de 0 à 5 anos é a documentação de práticas pedagógicas. A falta de registros das próprias práticas contribui para consolidar o não enfrentamento das problemáticas emergidas do cotidiano nestas instituições, que acabam caindo no esquecimento ou são lembradas de forma difusa.
A realidade das práticas pedagógicas de Educação Física na Educação Infantil ainda é, em grande parte, desconhecida e apesar da documentação de algumas ótimas propostas de educadores do grupo de formação, a falta de pesquisas pode estar contribuindo para que a especificidade da área não seja reconhecida. Isso acaba gerando uma falta de subsídios para reflexão e orientação, levando freqüentemente à reprodução de atividades que seriam facilmente realizadas fora das creches ou calcadas pelo modelo escolar.
Nesta perspectiva, o processo de formação continuada dos professores de Educação Física que atuam na Educação Infantil, acompanhou e documentou práticas pedagógicas, resultando na confecção de um DVD com aproximadamente trinta minutos, dividido em três partes, cada parte em uma instituição diferente, e foram usadas como ferramenta de reflexão sobre a prática, fomentando valiosos debates. Este momento de reflexão e autocrítica sobre o trabalho docente avaliamos ser uma das mais importantes contribuições do projeto desenvolvido, na tentativa de fazer com que os professores atuantes nas instituições de atendimento à infância avancem o olhar sobre os acontecimentos presentes em sua rotina, podendo perceber os problemas existentes e a partir daí elaborar estratégias para intervir, buscando sempre uma prática que seja uma experiência formadora.
Paralelamente, o grupo desenvolveu um blog (www.efinfantil.blogspot.com), que facilitou a comunicação entre os participantes e a disponibilização dos textos trabalhados durante o período de formação. Este ambiente virtual contém todos os textos utilizados e alguns complementares, os relatórios dos encontros de formação, documentações feitas pelos professores participantes, podendo os educadores ter acesso ao material desenvolvido por eles e pelo grupo, buscando uma maior compreensão sobre possíveis problemáticas que enfrentem na realidade concreta, sempre que necessário. A consecução do blog é também uma iniciativa de documentar e sistematizar práticas pedagógicas submetidas a uma reflexão crítica conjunta, o que muito pode contribuir com professores iniciantes ou mesmo experientes, na proposição e disposição dos materiais, sobre temáticas como tempo, espaço, dinâmica, documentação, entre outros temas.
Na tentativa de estreitar as relações entre a realidade das práticas de Educação Física e o conhecimento científico, o processo de formação continuada contou com apresentações de alguns educadores participantes do grupo, que socializaram suas propostas desenvolvidas na rede na forma de relato de experiência, com o auxílio de fotos. Esta dinâmica surtiu um efeito muito positivo, na medida em que os professores relatavam suas experiências, os outros se sentiam instigados para debater questões que se assemelhavam com suas práticas, resultando numa importante contribuição coletiva, a troca de experiências.
As possibilidades do conteúdo esporte e sua relação com a técnica na educação infantil
Alguns temas são tidos como tabus na Educação Infantil, e certamente a presença do conteúdo esporte neste ambiente é um deles. Apesar da falta de pesquisas que relate esta realidade, podemos argumentar que o esporte não faz parte dos conteúdos trabalhados pela Educação Física nas creches e nei´s. Um dos elementos ligado ao tema esporte, a técnica sofre com más interpretações neste contexto, há uma falsa e equivocada idéia de que a técnica coíbe a criatividade, a espontaneidade, porém o grupo a concebe por outro ponto de vista, como um elemento potencializador da ampliação do repertório de movimentos, pois a criança com um maior aparato técnico, cria outras possibilidades e dá outros sentidos aos saberes da cultura corporal.
A prática pedagógica deve propiciar momentos prazerosos e formadores, mas alertamos que não pode se esgotar no que as crianças “gostam” e querem de forma casual ou imediata, mas trazendo constantemente novos elementos que contribuam para ampliar o repertório de movimentos, sensações, emoções, situações e gostos. Para tal, a técnica se torna um elemento fundamental e libertador, na medida em que as crianças aprendem a técnica de um determinado movimento, elas absorvem também os perigos oferecidos e as outras possibilidades existentes deste mesmo movimento.
Sobre a técnica, Vaz (2001: 91) traz importantes contribuições para melhor compreendermos esta questão na sociedade contemporânea, segundo escreve, ” é pensando a questão da técnica que nos colocamos a ponto de refletir sobre os instrumentos que podem nos fazer viver melhor”.
O domínio da técnica é de certa maneira o domínio do próprio corpo, e o processo de aprendizagem da técnica proporciona momentos prazerosos para as crianças, que vivenciam e desfrutam a possibilidade de fazer um determinado movimento com satisfação, como descrito diversas vezes pelos participantes do grupo, além de começarem a atribuir um valor estético para os movimentos.
E qual a relação entre esporte e técnica na Educação Infantil? Quando o conteúdo esporte é pauta das discussões empreendidas pelo grupo, não nos referimos à iniciação das modalidades esportivas ou às regras. O ensino dos esportes, como qualquer outra prática corporal, são elementos da cultura decodificados em movimentos, que nas práticas pedagógicas de Educação Física devem ter o intuito de ampliar o repertorio de vivências corporais das crianças, e não podem ser comparados à prática de alto rendimento pois possuem uma dimensão educativa, e por isso deve assumir outro caráter na educação de 0 à 5 anos.
Os conteúdos clássicos da Educação Física podem ser uma importante contribuição, usufruindo dos elementos presentes na Ginástica, no Atletismo, ou mesmo em outras práticas corporais não tão tradicionais, como por exemplo, a capoeira. Nos referimos especificamente em decodificar as práticas corporais esportivas em elementos que possam ser ensinados na Educação Física. Propostas nesta perspectiva estão sendo experimentadas por professores participantes do grupo, que relatam uma aceitação muito grande por parte das crianças, mas também que exerce uma função importante, que é o aprendizado da técnica. Apesar da importância dos elementos técnicos esportivos, eles não devem ser a finalidade da proposta pedagógico, e sim elementos que potencializem o prazer e o alcance de novas possibilidades de movimento, possibilitando que as crianças se sintam mais seguras na execução de um gesto durante a brincadeira e também dando subsídios para elas criarem maneiras próprias de se movimentar a partir da técnica básica.
O professor de Educação Física assume um papel imprescindível nesta decodificação dos movimentos, é preciso ficar atento, pois pode cometer equívocos e reforçar o fetiche5 pela técnica. Infelizmente, as propostas desenvolvidas por professores do grupo estão fortemente vinculadas à experiência pessoal em alguma modalidade ou por esforço próprio dos profissionais, não recebendo a devida atenção nos cursos de graduação em Educação Física.
Segundo o grupo, um fator que prejudica a compreensão do fenômeno esporte e suas possibilidades nas práticas educacionais é a mídia. Quem define o que é o esporte não são os profissionais de Educação Física e sim as pessoas que trabalham com o esporte na mídia, normalmente com discursos de senso comum, cristalizando cada vez mais a idéia de que o esporte é um meio de ascensão social, omitindo a pluralidade deste fenômeno. Dizer que o esporte não é um meio de ascensão social seria mentira, porém o que destacamos são as implicações que isto tem de uma forma mais ampla.
Para superar a superficialidade da compreensão deste fenômeno, pensamos que o professor de Educação Física assume uma função extremamente relevante, analisando criticamente o esporte midiático para transformá-lo em elemento educativo. É necessário também que os professores de Educação Física conheçam os esportes, podendo criar novas possibilidades para intervir em determinada realidade.
A presença do esporte no campo educacional deve assumir outra perspectiva, ou então ele pode ser altamente excludente, selecionando apenas os mais aptos, além da instrumentalização do corpo, limitando assim os movimentos que as crianças deveriam ter a chance de experimentar. Por outro lado, quando o resultado não é o fim e apenas um dos elementos presentes no esporte, este pode assumir outro caráter, enfatizando todo o processo de aprendizagem, o que julgamos ser fundamental.
Considerações finais
O processo de formação continuada dos professores/as que atuam em instituições de atendimento à infância se faz necessário na perspectiva de complementar a formação destes educadores, abordando temas que fazem parte do cotidiano educacional, almejando compreender e intervir na realidade concreta, trazendo para o plano da reflexão teórica diversos embates presentes nas práticas pedagógicas de Educação Física. A longa experiência dos professores/as nestas instituições que atendem crianças de 0 a 5 anos contribuiu para adentrarmos nesta realidade e compreendê-la a partir dos conhecimentos práticos, buscando o apoio teórico à luz da demanda emergente, para complementar e enriquecer todo o processo.
O material didático utilizado, imagens e textos, desempenhou destacado papel na medida em que instigava os professores a participarem das reuniões e discussões, sendo também um importante elemento de reflexão e complementação dos conhecimentos práticos.
Mesmo considerando os limites e dificuldades encontrados, alcançamos uma contribuição ampla, na perspectiva de melhorar e desenvolver subsídios necessários para pautar a Educação Física infantil em Florianópolis, buscando com que as reflexões teóricas feitas a partir da prática retornem à realidade concreta, auxiliando professores/as em suas atividades docentes.
Notas
A Lei Nº 11.114, de 16 de Maio de 2005, torna obrigatório o início do Ensino Fundamental aos 6 (seis) anos de idade. A Lei Nº 11.274, de 6 de Fevereiro de 2006, ampliou o Ensino Fundamental para 9(nove) anos, sendo a matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos. Tem-se aí duas modificações no Ensino Fundamental e por conseqüência altera também a Educação Infantil que passa então a atender crianças com idade entre 0(zero) a 5(cinco) anos de idade.
Na LDBEN 9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), no título “Dos Níveis e das Modalidades de Educação e Ensino”, na seção II “Da Educação Infantil” no artigo 30, esclarece que a Educação Infantil será oferecida em creches para crianças de até 3 anos, atendendo em período integral e nei’s (Núcleos de Educação Infantil) para crianças de 4 a 6 anos, atendendo em meio período.
São exemplos desse processo, entre outros, os trabalhos de Rocha (2000) e do Coletivo de Autores (1992).
Concebe a criança como ser integral, na Educação Infantil almeja uma educação que não seja fragmentada em disciplinas, evitando rupturas no processo educacional.
Sobre a fetichização da técnica, ver Adorno, 1995.
Referências
Adorno, T. (1995): “Educação após Auschwitz”. En Educação e emancipação. Ed. Paz e Terra, São Paulo, pp. 119 – 138.
Coletivo de autores. (1992): ”Metodologia do Ensino de Educação Física”. Ed. Cortez, São Paulo.
Rocha, E. A. C. (2000) “A Pedagogia e a Educação Infantil”. Em Revista Ibero Americana de Educação, v. 1, n. 22, Madri, pp. 61-74.
Sayão, D. T. (1999) “Educação Física e educação infantil: riscos, conflitos e controvérsias”. En Revista Motrivivência, n. 13, ano XI, novembro, Florianópolis,pp. 221 – 238.
_________. (2001-2002) “A construção de identidades e papéis de gênero na infância: articulando temas para pensar o trabalho pedagógico da educação física na educação infantil”. En: Revista Pensar a Prática, v.5, jul./jun., Goiânia, pp. 1 – 14.
_________. (2004) “O Fazer Pedagógico do/a Professor/a de Educação Física na Educação Infantil. En: Caderno de Formação. Ed. Prelo, Florianópolis. pp. 29 – 33.
Vaz, A. F. (2002) “Aspectos, contradições e mal-entendidos da educação do corpo e a infância”. En Revista Motrivivência, v. 13, n. 19, Florianópolis. PP. 7 – 11.
_________. (2001) “Técnica, esporte e rendimento”. En Revista Movimento, n.14, ano VIII, Julho, Porto Alegre. pp. 87 – 99.
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