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O desejo e os riscos de um corpo ‘arquitetado’: corpos

femininos e cirurgias plásticas em Cuiabá-MT, Brasil

El deseo y los riesgos de un cuerpo ‘diseñado’: cuerpos femeninos y cirugías plásticas en Cuiabá-MT, Brasil

 

*Licenciada em Educação Física (Univag, 2008)

**Licenciado em Educação Física (UFMT, 1999)

Mestre em Estudos da Linguagem (UFMT, 2006)

(Brasil)

Profª Runy Cristina da Silva*

Prof. Ms. Marcos Roberto Godoi**

mrgodoi78@hotmail.com

 

 

 

Resumo

          O objetivo desta pesquisa foi compreender a percepção das mulheres sobre o corpo feminino, em especial, os desejos e os riscos de ter um corpo modificado por intervenções cirúrgicas. Participaram do estudo sete mulheres, com média de idade de 36,8 anos, que passaram por cirurgias plásticas em Cuiabá. A análise dos dados revelou que: a) os tipos de corpos magro, obeso e musculoso são rejeitados, elas desejam um corpo em “boa forma”; b) o que mais motivou a cirurgia foi aumentar a estima e vaidade; c) os tipos de operações mais realizadas são lipoaspiração e implante de silicone nos seios; d) são unânimes em reconhecer a influência da mídia; e) a maioria tentou aliar dietas e atividade física para obter o corpo desejado, só uma mulher que não; f) a maioria delas sabia dos riscos e tomaram os cuidados no pós-operatório, só uma delas teve complicações.

          Unitermos: Corpo feminino. Cirurgias plásticas. Desejo

 

Trabalho apresentado no II Seminário Nacional Corpo e Cultura e Seminário Estadual do CBCE MT,

em agosto de 2009, na Faculdade de Educação Física da UFMT, em Cuiabá-MT, Brasil

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 136 - Septiembre de 2009

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Contextualização preliminar

    A sociedade contemporânea tem dado grande valor à aparência estética. Muitas mulheres e, em menor grau, alguns homens, têm recorrido a várias técnicas e procedimentos para enquadrar seus corpos no que é considerado social e culturalmente valorizado, como por exemplo, práticas de exercícios físicos, dietas, operações para redução do estômago e cirurgias plásticas.

    Sobre este assunto Godoi (2006, p. 03), afirma que na sociedade contemporânea:

    a indústria da beleza adquire um destaque considerável. Hoje, esse setor da economia estende-se das academias de ginástica aos spas, da medicina à cosmetologia, da moda à publicidade, faturando milhões de dólares em todo o mundo e, no Brasil em especial.

    O mesmo autor cita ainda que de acordo com uma série de reportagens exibida pelo Jornal Nacional no período de 04 a 09 de Agosto de 2003, foram apresentados dados sobre a importância que o brasileiro dá à aparência estética. A série de reportagens mostrou que o Brasil é o sexto maior mercado para produtos de beleza, embora a economia brasileira seja a 11ª no ranking mundial. Nos últimos cinco anos o PIB brasileiro cresceu 7,5%, mas as indústrias e serviços ligados à indústria da beleza cresceram 47%; 86% das mulheres e 76% dos homens brasileiros preocupam-se em melhorar a aparência física. Além disso, 62% das mulheres e 56% dos homens gostariam de se parecer mais jovens. Uma pesquisa internacional mostrou que mais de 60% dos brasileiros acham fundamental a aparência física. Na média dos outros países, nem 25% das pessoas dão tanta importância à aparência.

    O Brasil é conhecido como um dos países que mais realizam cirurgias plásticas no mundo. Segundo dados mais atualizados de uma pesquisa realizada pelo instituto DataFolha e encomendada pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP)1, entre setembro de 2007 e agosto de 2008 aconteceram 1252 cirurgias estéticas por dia, ou seja, foram 547 mil cirurgias estéticas neste período. Já as operações reparadoras, normalmente realizadas em pacientes com uma grave doença ou vítima de violência somaram 629 mil operações.

    Sendo assim o tema desta pesquisa refere-se ao corpo feminino e cirurgias plásticas: o desejo e os riscos de um corpo arquitetado. O objetivo central da pesquisa foi compreender a percepção das mulheres sobre o corpo feminino, em especial, os desejos e os riscos de ter um “corpo arquitetado”, ou seja, um corpo modelado através de intervenção cirúrgicas. Especificamente, buscamos identificar a opinião das mulheres sobre os diferentes tipos de corpos femininos (magro, musculoso, farto e em “boa forma”); verificar como as mulheres percebem a influência da mídia sobre o desejo de se enquadrar padrão estético; investigar quais foram às tentativas anteriores de combinar atividade física e dieta para obter o corpo desejado; verificar a opinião das mulheres sobre os riscos e a dor no pós-operatório.

    No que diz respeito à metodologia, o estudo foi realizado através de pesquisa de campo e pesquisa bibliográfica, segundo Gil (2002, p, 53):

    o estudo de campo focaliza uma comunidade, que não é necessariamente geográfica, já que pode ser uma comunidade de trabalho, de estudo, de lazer ou voltada para qualquer outra atividade humana. Basicamente, a pesquisa é desenvolvida por meio da observação direta das atividades do grupo estudado e de entrevista com informantes para captar suas explicações e interpretações do que ocorre no grupo (GIL, 2002, p. 53).

    O instrumento de pesquisa utilizado foi um roteiro de entrevista, contendo 07 questões abertas elaborados pelos autores. Além disto, utilizamos três fotografias de mulheres retiradas da Revista Marie Claire (s/d) e uma da capa da Revista Boa Forma (edição setembro de 2008). Vale destacar, que utilizamos somente as imagens, eliminando os textos que a acompanhavam, isto para que os signos lingüísticos não exercessem influência na opinião das entrevistadas.

    A amostra da pesquisa foi constituída por 7 mulheres com idades entre 24 e 49 anos, e média de idade de 36,8 anos, que foram submetidas à intervenção cirúrgica com fins estéticos, uma delas porém, passou por uma cirurgia de redução de estômago (gastroplastia), na cidade de Cuiabá-MT. A pesquisa de campo foi realizada entre os dias 06 e 08 de outubro de 2008 e o local da coleta foi o ambiente de trabalho das entrevistadas.

Corpo, cultura e mídia

    A busca por um corpo “ideal” não é recente, se observarmos na história veremos que mulheres de outras épocas já se submetiam a dores terríveis procurando melhoras estéticas, para isto elas utilizavam o que dispunham no momento, como apertarem seus espartilhos a ponto de quase ficarem sem ar para obterem cinturas finas ou ainda beliscarem as próprias bochechas quase ferindo-as para ter um ar rosado e saudável.

    O padrão estético é uma construção cultural, social e histórica. Ele muda de tempos em tempos, de sociedade para sociedade, e pode variar também em diferentes grupos sociais. Neste sentido, ser uma mulher bela, urbana, no século XXI é diferente de ser uma mulher bela no Renascimento cujo padrão era mais roliço, pois indicava poder para se alimentar bem e sinônimo de saúde. Diferente também de ser uma mulher bela em uma etnia indígena ou africana.

    Isto nos remete para o entendimento cultural do corpo, sobre este assunto Goellner (2003, p. 29) registrou que:

    Um corpo não é apenas um corpo. É também o seu entorno. Mais do que um conjunto de músculos, ossos, vísceras, reflexos e sensações, o corpo é também a roupa e os acessórios que o adornam, as intervenções que nele se operam, a imagem que dele se produz, as máquinas que nele se acoplam, os sentidos que nele se incorporam, os silêncios que por ele falam... enfim, é um sem limite de possibilidades sempre reinventadas e a serem descobertas. Não são, portanto, as semelhanças biológicas que o definem mas, fundamentalmente, os significados culturais e sociais que a ele se atribuem.

    Goldenberg (2002), também destaca que o corpo é uma construção cultural, é algo não “natural”, desta forma, é também roupa, máscara, veículo de comunicação carregados de signos que posicionam os indivíduos na sociedade.

    De acordo com esta estudiosa:

    (...) na segunda metade do século XX o culto ao corpo ganhou uma dimensão social inédita: entrou na era das massas. Industrialização e mercantilização, difusão generalizada das normas e imagens, profissionalização do ideal estético com a abertura de novas carreiras, inflação dos cuidados com o rosto e corpo: a combinação de todos esses fenômenos funda a idéia de um novo momento da história da beleza feminina, e em menor grau, masculina. A mídia adquiriu um imenso poder de influência sobre os indivíduos, generalizou a paixão pela moda, expandiu o consumo de produtos de beleza e tornou a aparência uma dimensão essencial da identidade para um maior número de mulheres e homens (p. 8).

    O padrão de beleza da sociedade moderna tem um enorme sustentáculo na mídia, que bombardeia as mulheres com todos os tipos de apelos publicitários. Wolf (1992) fala que quanto mais numerosos foram os obstáculos legais e materiais vencidos pelas mulheres, mais rígidas, pesadas e cruéis foram as imagens da beleza feminina a elas impostas.

    O corpo feminino vem sofrendo grandes modificações ao longo dos anos, porém a percepção destes corpos se faz mais claramente no início dos anos 70 quando as mulheres conquistam direitos legais e de controle de reprodução, alcançam a educação superior, entram para o mundo dos negócios e das profissões liberais e derrubam crenças antigas e respeitadas quanto ao seu papel junto à sociedade.

    Porém, conforme destaca Goellner (2003, p. 29), a mulher continua sendo alvo da estética:

    A cultura de nosso tempo e a ciência por ela produzida e que também a produz, ao responsabilizar o indivíduo pelos cuidados de si, enfatiza, a todo momento, que somos o resultado de nossas opções. O que significa dizer que somos os responsáveis por nós mesmos, pelo nosso corpo, pela saúde e pela beleza que temos ou deixamos de ter.

    A partir das transformações sociais e econômicas da sociedade e de sua modernização, o corpo também sofreu alterações sócio-culturais. O padrão de beleza passou por várias mudanças e essas transformações podem ser acompanhadas através das histórias antigas das civilizações, como a imagem de fragilidade da mulher medieval, ou as formas roliças do Renascimento e agora as formas atléticas contemporâneas.

    Silva (2001) nos fala que o corpo que se quer não e esse que é “presente” da natureza, mas sim aquele que corresponde á reconstrução e ao remodelamento que o mercado prega. A mesma autora fala ainda sobre a insatisfação imposta por essa obsessão pela “saúde perfeita” e a eternização da juventude.

    A insatisfação leva a intervenções drásticas sobre o corpo, como as cirurgias plásticas, as mais variadas dietas, as diferentes ginásticas cada vez mais especializadas em modelar milimetricamente o corpo humano, além da ingestão de medicamentos e produtos químicos com essa finalidade (SILVA, 2001, p.3).

    A mídia parece ser a maior colaboradora para que as mulheres desejem um corpo modificado e arquitetado, pois exibe sempre um modelo de mulher bela a ser seguida, desejada, conquistada. Em outros períodos históricos quem determinava este padrão era a literatura, a pintura, escultura etc. Como sabemos a grande arma da mídia é despertar desejos e com isso lança mão de todas as suas artimanhas para que as mulheres desejem e conquistem o corpo perfeito. De acordo com Andrade (2003, p. 119):

    Os ensinamentos produzidos e reproduzidos pelas instâncias midiáticas conformam determinados tipos de corpos como “ideais”. Assim, as pessoas passam a vida inteira buscando alcançar este corpo “modelo”, mas ele sempre escapa porque ele nunca é o mesmo. As representações em torno dele alternam-se, modificam-se de acordo com referenciais históricos e culturais. Do mesmo modo, os conhecimentos que a mídia apresenta como “verdadeiros” também são modificados de acordo com interesses econômicos, políticos e sociais.

    As mulheres parecem estar submetidas a estes modismos estéticos. Entretanto, elas podem se adaptar, se enquadrar, ou também, escapar, resistir e imprimir novas formas de lidar com os padrões impostos.

A percepção dos corpos femininos

    Apresentamos imagens de corpos femininos para as mulheres pesquisadas emitirem sua opinião sobre o que as imagens representavam para elas. Selecionamos quatro fotos de corpos femininos, três delas de um ensaio de nu artístico para a Revista Marie Claire (uma magra, outra musculosa, outra gorda), e por último, apresentamos a fotografia de uma capa da Revista Boa Forma. Apresentamos as fotos recortadas como se fossem um quebra cabeça, utilizamos essa estratégia para que as mensagens verbais não influenciassem nas respostas das entrevistadas. A cada imagem mostrada, perguntamos “o que está imagem representa para você?”. Importante destacar que neste trabalho, não apresentaremos todas as respostas das entrevistadas, selecionamos somente as mais representativas.

    A primeira imagem foi de uma mulher nua, com o corpo magro, debruçada sobre uma bancada e com um sorriso discreto. Parece não muito feliz com seu corpo. Vejamos o que as mulheres responderam.

    “Ai ta muito magra né? Não ta bonita não..., eu não gostaria de ser assim não, de jeito nenhum. Ai credo...”

C. M. R. 40 anos. Professora.

    “Ó... pra mim ela... pra mim ela ta muito magra, na minha opinião magra. Não queria ficar assim não. Gosto do meu corpo, queria perder só um pouco de gordurinha...”

A. B. A. 33 anos. Acadêmica de Ed. Física.

    “Caraca, magra assim é muito feio, eu não queria ser assim não. Parece até doente. Eu acho que tudo tem seu limite eu não ficaria assim nem morta.”

P. A. M. 30 anos. Secretaria.

    “Muito magra, eu não me vejo assim, acho muito feio. Ela parece até ser anorexica, não é?”

A. C. L. 27 anos. Técnica de Enfermagem.

    A partir dos depoimentos, verificou-se que as entrevistadas não desejam ter um corpo magro, este padrão estético parece atrair mais as adolescentes, principalmente aquelas que desejam ser modelos. Até pela média de idade das mulheres, a magreza parece não atraí-las como um padrão estético a ser conquistado.

    A segunda imagem mostrada para as mulheres apresenta uma mulher nua, com o corpo musculoso, na posição de pé encostada na parede com uma perna transposta na frente do corpo e segurando um halter em cada mão. Parece estar orgulhosa de ostentar o seu corpo. Vejamos as respostas.

    “Feio... Parece um homem. Eu acho muito feio...”

L. F. P. 49 anos. Farmacêutica.

    “Eu acho feio. Acho que fica muito masculino. Mulher tem que ser mulher, delicada e com formas mais femininas. Agora malho e faço musculação para manter meu corpo, mas sempre falo pro meu instrutor que quero só modelar minhas formas, não quero músculos a mostra de jeito nenhum. ”

P. A. M. 30 anos. Secretaria.

    “Também não me vejo assim... Acho que esses músculos todos eu prefiro em um homem, ou em fisiculturista, sei lá também né? Cada um é feliz como quer... eu não gostaria de ter tantos músculos. ”

A. C. L. 27 anos. Técnica de Enfermagem.

    Segundo os depoimentos observamos que a maioria das entrevistadas rejeitam o corpo feminino musculoso, isto porque tendo músculos muito desenvolvidos elas podem atravessar as fronteiras de gênero, uma vez que culturalmente músculos bem desenvolvidos está associado a estética masculina. Conforme Goffman citado por Sabino (2002), as mulheres fisioculturistas ao construírem seu corpo, subvertem os códigos de classificação da sociedade hegemônica. Esse processo acaba por confiná-las ao restrito grupo de amantes do peso e da forma, fazendo-as, em determinadas situações, perder a identidade e, consequentemente, a aceitação social plena.

    A terceira imagem mostrada para as mulheres foi de uma mulher com o corpo farto, ela está de pé, sorrindo, olhando para o alto e numa pose bem sensual. Parece estar feliz com o seu corpo. Vejamos o que elas responderam:

    “Feio também... Risos é duro ser assim, o gordinho é vitima de tudo quanto é coisa ruim, é piadinha de mau gosto, é apelidos grosseiros...”

L. F. P. 49 anos. Farmacêutica.

    “Meu Deus... (risos) eu acho feio. Se eu fosse assim eu não seria feliz e também não tiraria foto pelada jamais. ”

P. A. M. 30 anos. Secretaria.

    “Ui...(risos) ela parece feliz... Mas eu torço para não ficar assim. ”

A. C. L. 27 anos. Técnica de Enfermagem.

    “Não... Não, assim não. Muito gorda eu tinha só uma barriguinha e já me sentia feiosa imagina assim. Não nem pensar... ”

H. V. C. 40 anos. Empresaria.

    De acordo com os depoimentos observamos uma verdadeira aversão em relação ao corpo gordo, uma “lipofobia”. Conforme Novaes e Vilhena (2003, p. 32):

    a feiúra, frequentemente associada à gordura, sofre uma das maiores formas de discriminação nas sociedades que cultuam o corpo. Para eliminá-la, mitigá-la ou disfarçá-la, todos os esforços e sacrifícios serão despendidos. Discriminação ostensiva, manifesta e sem culpa, ao contrário dos negros, pobres, gays ou qualquer outra minoria – discriminamos os feios e/ou gordos sem nenhum pudor ou vergonha.

    A quarta imagem apresentada foi uma fotografia de Sabrina Sato, ex-participante do Big Brother Brasil e atualmente apresentadora de TV e de rádio, na capa da Revista Boa Forma. Ela está de biquíni, de pé, segurando uma bóia de piscina atrás de seu corpo e sorridente. As mulheres responderam o seguinte:

    “Aí... ta vendo como a mídia influencia, ó que corpo maravilhoso ó..., corpinho bunitinho dela, nem nem muito magra, nem muito gorda aqui ela ta bonita, assim que todas as mulheres sonham ter um corpo, né?”

C. M. R. 40 anos. Professora.

    “Ah sim... Isso aqui é o que eu sonharia pra ter um corpo igualzinho assim (risos) assim. Esse sim... seria o ideal.”

A. B. A. 33 anos. Acadêmica de Ed. Física.

    “Legal, corpinho em cima, tudo no lugar, acho que toda mulher sonha em ter um corpo bonito e bem distribuído, além do mais a nossa sociedade cobra muito isso, né?. ”

A. C. L. 27 anos. Técnica de Enfermagem.

    De acordo com os depoimentos, percebemos claramente que a beleza admirada, desejada e procurada por elas é de um corpo em “boa forma”, isto é, um corpo magro, não em excesso, que tenha curvas arredondadas e sem gordura. Este parece ser o “sonho de consumo” de nossas entrevistadas. Parece ser também o corpo mais amplamente divulgado na mídia, o padrão mais aceito social e culturalmente e aquele que rende status e capital simbólico para as que o possuem.

Corpos arquitetados: influências e implicações

    No que se refere aos tipos de cirurgias plásticas realizadas por elas, profissão e idades das mulheres, podemos identificá-las no quadro abaixo.

Tabela 1. Idade, profissão e tipos de cirurgias

mulher

idade

profissão

tipo de cirurgia

C.M.R.

40

Professora

Lipoaspiração, correção na orelha e abdominoplastia

W.F.A.

39

Professora

Prótese de silicone nos peitos

L.F.P.

49

Farmacêutica

Gastroplastia

A.B.A.

33

Acadêmica de EF

Lipoaspiração

P.A.M.

30

Secretária

Lipoaspiração e silicone nos seios

A.C.L.

27

Téc. de enfermagem

Prótese de silicone nos seios

H.V.C.

40

Empresária

Lipoaspiração e abdominoplastia

    Percebe-se que os tipos de operações mais realizadas entre as mulheres pesquisadas são lipoaspiração e prótese de silicone nos seios.

    Observando as profissões das mulheres, nota-se que temos duas professoras, uma secretária, uma estudante, uma técnica de enfermagem, uma farmacêutica e uma empresária. Podemos inferir que elas são de classe média, média baixa e também da classe trabalhadora. Isto nos remete ao fato da popularização das cirurgias plásticas, segundo Edmonds (2002), isto ocorreu devido às novas possibilidades de financiamento da operação. Muitas clínicas permitem que os pacientes dividam a conta em vários pagamentos, também surgiram consórcios e planos de cirurgia plástica.

    O corolário da crença de que “qualquer um pode ser belo” é que os problemas estéticos afetam ricos e pobres de maneira igual. Como afirmou um cirurgião no Jornal Folha da Tarde (16/04/90), “não é justo que só os ricos poderem fazer cirurgia plástica, pois tanto o pobre como o rico têm o mesmo sofrimento diante de um problema estético” (EDMONDS, 2002, p. 250-251).

    No que se refere à motivação para fazer uma intervenção cirúrgica, a maioria delas destaca que foi por motivos relacionados à melhora da estima e a vaidade. Vejamos alguns depoimentos:

    “Eu coloquei a prótese de silicone devido eu tinha complexo, por não ter seio, meu seio era muito pequeno”.

W. F. A. 39 anos. Professora.

    “Por estética, pra aumentar a minha auto-estima porque estava baixa.”

A. B. A. 33 anos. Acadêmica de Ed. Física.

    “O que me levou a fazer esses procedimentos foi por vaidade.”

P. A. M. 30 anos. Secretaria.

    Conforme Edmonds (2002), um dos fatores de aceitação da cirurgia plástica é a “psicologização”, ou a idéia de que a aparência e a auto-estima estão essencialmente ligadas. Nos Estados Unidos, os cirurgiões plásticos afastaram-se inicialmente das operações cosméticas ou embelezadoras, pois defendiam que só deveriam preocupar-se com procedimentos reconstrutores. Hayken citado por Edmonds acrescenta que num período relativamente curto os cirurgiões começaram a admitir a cirurgia cosmética, argumentando que elas forneceriam saúde psíquica a seus pacientes. Esta mudança deveu-se a popularização do “complexo de inferioridade”, usado para explicar que a má imagem pessoal, causada por qualquer desvio das normas de aparência, poderia criar uma barreira psicológica para o sucesso. Edmonds, destaca ainda que:

    O vínculo com psique ajuda a desviar a crítica implícita de que o paciente de cirurgia plástica é excessivamente vaidoso, ou elitista. O objetivo muda de “parecer bem” para o mais aceitável “sentir-se bem”. No entanto, a auto-estima (ou sua falta) não é um conceito vazio, usado conscientemente para justificar a cirurgia, mas um estado emocional sentido, embora talvez difícil de definir (EDMONDS, 2002, p. 215).

    Sobre a percepção da influência da mídia, elas são unânimes em reconhecer que a mídia influencia, vejamos:

    “Ah ela influência no seguinte porque ta sempre mostrando um padrão de beleza que a mulher tem que ter, né... aquele corpinho bunitinho, com aquelas curvinhas perfeitas e isso mexe muito com a auto estima da da da mulher né sempre imaginando ter um corpo igual a mídia mostra ai é a hora que vai para uma cirurgia plástica.”

C. M. R. 40 anos. Professora.

    “Ah influência sim e como... ó eu vejo assim eu já sou casada né, e ao assistir TV com o meu marido 100% das propagandas só tem mulherão e se você não estiver bem com você mesmo vou falar sério você se sente por baixo uma baranga.”

P. A. M. 30 anos. Secretaria.

    Ao observarmos as falas das entrevistadas percebemos claramente que todas são unânimes quanto à influência da mídia na auto-imagem delas. Segundo Del Priori (2000), a publicidade e o constante bombardeio de imagens que remetem, impõem as mulheres que não se encaixam nos padrões, uma ideologia de fracasso, de impotência em relação ao próprio corpo.

    Sobre as tentativas anteriores de combinar atividade física e dietas para o melhoramento estético, a maioria delas recorreu a estes recursos, somente uma que não. Como é possível perceber nos depoimentos a seguir:

    “Não nunca tentei nunca fiz.”.

W. F. A. 39 anos. Professora.

    “Antes de ser mãe não... meu corpo era bem minhonzinho, mais depois que tive meu filho tentei de tudo fiz dieta, freqüentei academia e tudo foi em vão porque não consegui voltar ao meu corpo de antes.”

P. A. M. 30 anos. Secretaria.

    “Já tentei sim, mas não é fácil, a gente sempre cai em tentação. Já fiz dietas, até aquelas mais radicais, já tive personal (preparador físico pessoal), mais a barriguinha insistia em ficar grudada em mim foi ai que resolvi fazer a cirurgia.”

H. V. C. 40anos. Empresaria.

    Como vimos através dos depoimentos elas, em sua maioria, já tentaram conciliar atividade física e dietas para adquirir o corpo desejado, mas não tiveram muito sucesso. Uma delas até assumiu ter feito dietas radicais, mas sem êxito.

    Segundo Guiselini:

    As conclusões das pesquisas da ultima década demonstraram que somente dieta não ajuda a alcançar a perda de peso permanente. A vida ativa, combinada com escolhas de alimentos saudáveis e terapias comportamentais, se necessário, é a resposta para o controle de peso ao longo da vida. O exercício físico mantém ou aumenta a massa magra que tem capacidade de queimar calorias (GUISELINI, 2006, p.80).

    O ideal seria que elas buscassem meios seguros de emagrecimento, ou seja, uma reeducação alimentar aliada a prática regular de exercícios físicos, esse método não é rápido, mas é mais saudável do que as falsas promessas de emagrecimento e exercícios de modelagem corporal rápidos, que vemos constantemente divulgados na mídia.

    Em relação à percepção dos riscos da cirurgia e da dor no pós-operatório, a maioria delas afirmou saber dos riscos e tomou os devidos cuidados após a cirurgia, só uma delas que teve complicações.

    “(...). Na cirurgia corre o risco de ter uma parada cardíaca, c corre o risco também de ter uma um choque anafilático né e já o pós você, depois de dois três dias você corre o risco de pegar uma infecção também, então é muito perigoso tem que pensar muito tem que tar bem com a cabeça, bem com tudo pra você passar por uma intervenção cirúrgica eu acho... que influência muito na...na recuperação também né?”

C. M. R. 40 anos. Professora.

    “Olha minha primeira cirurgia foi ótima, mais já a segunda foi um pouco complicado, o resultado não foi como o primeiro, ficaram alguns calombos e eu gastei bem mais com drenagens do que com a própria cirurgia. Foi bem desgastante...”

H. V. C. 40anos. Empresaria.

    Como observamos todas as entrevistadas disseram conhecer os riscos inerentes as cirurgias, uma só ressaltou que teve complicações. Infelizmente relatos de deformações corporais e até de óbito pós cirurgias tem ficado cada vez mais frequentes no Brasil. Só para exemplificar, foi noticiado no Jornal O Globo (07/07/2009), que o ex-médico Denísio Marcelo Caron é apontado como responsável pela morte de cinco mulheres e por lesões em outras trinta, após cirurgias plásticas. Ele está respondendo na Justiça por homicídio qualificado, por motivo torpe, omissão e exercício ilegal da medicina, se condenado pode pegar de 12 a 30 anos de cadeia.

    De acordo com o Dr. André G. Freitas Colaneri,2 toda operação plástica envolve riscos como qualquer outra cirurgia. Para reduzi-los é importante procurar um especialista qualificado e operar em ambiente hospitalar e não em consultórios ou clínicas, em que o ambiente é mais propenso a infecções e não dispõem de muitos recursos. A especialização em cirurgia plástica requer uma residência médica de cinco anos supervisionados pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, após isto eles devem passar no exame desta sociedade.

    Hoje em dia, o medo da rejeição social faz com que algumas mulheres façam qualquer sacrifício em prol da beleza. Elas parecem dispostas a irem cada vez mais longe à busca do tão sonhado corpo "perfeito", mas este caminho pode provocar também muita dor e arrependimentos.

Considerações finais

    Com base nos resultados, podemos concluir que as mulheres desejam muito um corpo dentro do padrão estético, este entendido como um corpo magro – não exageradamente –, delineado por curvas arredondadas e sem gordura. Elas já passaram por tentativas de aliar dietas e atividade física para obter este corpo, mas não conseguiram. Porém, compreendemos que no caso de seios pequenos ou caídos e de imperfeições no nariz é difícil resolver estes “problemas” pela via da atividade física.

    O problema que vemos é o exagero e a obsessão para atingir o padrão estético, podendo colocar em risco a própria vida, pois relatos de mortes, complicações no pós-operatório e deformações em decorrência das cirurgias são relativamente frequentes. É preciso paciência e determinação para atingir resultados através de atividade física e dieta, o que muitos não têm. Em uma sociedade do tipo “fast-food”, as operações plásticas dão resultado rápido, mas nem sempre duradouros, caso não haja mudança nos hábitos alimentares, de atividade física e de vida. Além disto, faz-se necessário um maior questionamento desses padrões que são impostos as mulheres, e a adoção de maneiras mais compreensivas de lidarem com seus corpos.

    De acordo com tudo isso e finalizando este trabalho esperamos contribuir para que as mulheres, em especial, possam refletir sobre a vaidade de maneira exagerada, salientando que mais importante do que sofrer para se enquadrar nesses padrões universalizados de beleza, é estar bem consigo mesma, desenvolver atividades prazerosas e valorizar a auto-estima e as qualidades inerentes a individualidade de cada um. Por outro lado, é preciso entender que a real beleza mora bem longe da imagem física que é sempre passageira. A verdadeira beleza reside na dádiva divina do envelhecer e no caráter que resiste ao tempo, pois essa sim é beleza fundamental.

Notas

  1. Disponível em: http://www.cirurgiaplastica.org.br/publico/ultimas09.cfm; Acesso em: 18/07/2009.

  2. Dr André G. Freitas Colaneri, Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica. Disponível em: http://www.cirurgiaestetica.com.br

Referências

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