Biotrauma em ventilação mecânica. Você sabe o que é? Biotrauma en ventilación mecánica. ¿Qué es? |
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*Discente do Curso de fisioterapia da UESB **Prof. do Curso de Graduação em Fisioterapia - UESB/DS Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB (Brasil) |
Igor Larchert Mota* Tiana Oliveira Vidal* Rodrigo Santos de Queiroz** |
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Resumo A ventilação mecânica (VM) é um recurso fundamental em Terapia Intensiva, no entanto, reconhece-se a grande incidência de danos locais e sistêmicos a partir da administração de parâmetros inadequados, além da falta de consenso e rotinas estabelecidas em diversas condições clínicas. Em vista disto e da escassez de pesquisas relacionadas ao tema, questiona-se se existe pleno entendimento sobre a correta utilização de parâmetros e dos modos ventilatórios adequados a cada indivíduo, além dos cuidados da equipe de saúde na prevenção das possíveis injúrias pulmonares. Sendo assim, o objetivo deste estudo foi descrever o biotrauma induzido pela VM bem como a importância de preveni-lo, criando um desafio para a equipe de saúde intensivista na tentativa de buscar a excelência no atendimento. Trata-se de uma revisão de literatura com busca de dados em pesquisas científicas publicadas em revistas nacionais e internacionais. Enfim, diante da ainda não uniformidade científica frente à melhor e menos danosa parametragem ventilatória paciente-específica. Percebe-se a urgência em incentivar o profissional intensivista a entender e prevenir o biotrauma, bem como a necessidade de realização de pesquisas nessa área e estabelecimento de um consenso brasileiro de parametragem em ventilação mecânica. Unitermos: Terapia Intensiva. Lesão pulmonar. Volutrauma. Barotrauma
Abstract Mechanical ventilation (MV) is very important in the optimization of care in intensive care, however, it recognizes the high incidence of local and systemic damage from the improper administration of parameters and little discussion among professionals about the care the patient critical. In view of this and the scarcity of research related to the subject, wonders about the correct use of ventilatory modes and parameters appropriate to each individual, in addition to the team of health care in the prevention of possible lung damage. The aim of this study was to describe the biotrauma induced by VM and the importance of strategies to prevent physical therapy for it, creating a challenge for the health team in intensive attempt to seek excellence in service. This is a review of the literature in search of data on scientific research published in national and international journals. Finally, we find the need to encourage the intensive work to understand and prevent the biotrauma and the need to perform research in this area. Keywords: Intensive care. lung injury. Volutrauma. Barotrauma |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 136 - Septiembre de 2009 |
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Introdução
Nas últimas três décadas, tornou-se evidente que a Ventilação Mecânica (VM) pode exacerbar ou iniciar uma lesão pulmonar, denominada lesão pulmonar associada à VM (LPAV) ou lesão pulmonar induzida pelo ventilador (LPIV) (1,2).
Por mais de 50 anos, as pesquisas mostraram que a VM com altas pressões nas vias aéreas acarretava lesões pulmonares, caracterizadas apenas por ruptura dos espaços aéreos e fuga de ar, produzindo muitas manifestações clínicas, que foram reconhecidas como barotrauma(2, 3, 4) . Hoje, este termo tem sido substituído ou talvez ampliado para a denominação Biotrauma, o qual inclui outros mecanismos de lesão como o volutrauma e o atelectrauma.
Sendo assim, o objetivo deste estudo foi descrever o biotrauma induzido pela VM bem como a importância de preveni-lo, criando um desafio para a equipe de saúde intensivista na tentativa de buscar a excelência no atendimento.
Material e métodos
O estudo foi realizado através de busca bibliográfica computadorizada utilizada as palavras chaves: Terapia Intensiva, Lesão Pulmonar, Volutrauma, Barotrauma. A pesquisa utilizou as bases de dados Google Acadêmico, SCIELO, MEDLINE, LILACS, e Periódicos Capes. Foram estudados 05 artigos nacionais e 18 internacionais do período de 2008 a 2009, selecionando-os de forma analítica e identificando os assuntos pertinentes ao tema. Teve como enfoque principal abordar os a lesão pulmonar causada pela ventilação mecânica nos pacientes em terapia intensiva. Como critérios de inclusão, os estudos escolhidos deveriam preencher as seguintes condições:
Estudo epidemiológico (série de casos, transversal, caso-controle ou coorte) ou experimental;
Artigos, resumos ou ensaios publicados em inglês, português ou espanhol;
Conter informações sobre volutrauma, barotrauma ou atelectrauma;
Utilizar método padrão (observacional, entrevistas ou questionários) na avaliação da exposição;
Foram excluídos os artigos sobre lesão pulmonar em terapia intensiva não induzida por ventilação mecânica.
Resultados
Biotrauma
O termo biotrauma deriva do grego, sendo bio (bíos = vida) e trauma (trauma = ferida) que tem significado literal de lesão ou ferimento local, num corpo ou organismo vulnerável, devido à ação de um agente externo vulnerante. Dessa forma, o biotrauma induzido pela Ventilação Mecânica (VM) (agente externo vulnerante) pode ser entendido como um processo lesivo que produz alterações na funcionalidade dos pulmões (organismo vivo vulnerável) que, segundo Santos e Slutsky (2006)5, podem ser causadas por mudanças na expressão gênica e/ou metabolismo celular, os quais ultimamente vêm sendo associados ao desenvolvimento de uma significativa resposta inflamatória mesmo na ausência de um dano estrutural ostensivo. A definição do termo biotrauma pode ser feita tendo em vista não só a inflamação pulmonar, mas também a inflamação sistêmica que ocorre em conseqüência das diversas alterações provocadas pela VM, lembrando que estudos recentes vêm apontando tal processo como desencadeador da liberação de mediadores inflamatórios a nível local e sistêmico2.
VM versus Biotrauma: principais mecanismos que predispõem a LPAV
A VM é um método utilizado com a finalidade de otimizar a troca gasosa à medida que mantém a ventilação alveolar e a administração de oxigênio. Condições como cirurgia torácica ou abdominal, DPOC, trauma múltiplo, choque e coma podem levar à insuficiência respiratória e à necessidade de ventilação mecânica6. Porém, devido à gravidade da condição do paciente e à natureza altamente complexa e técnica da VM, ocorrem processos lesivos que contribuem para a disfunção de múltiplos órgãos e sistemas (DMOS) com várias evidências, como a histológica de infiltração neutrofílica e níveis elevados de citocinas no fluido do lavado broncoalveolar e na circulação sistêmica7,8,9.
Os estudos encontrados apontam que níveis de pressão, volume, elevadas freqüências respiratórias, bem como o tempo e fluxo inspiratório inadequados podem ser determinantes da lesão pulmonar induzida pelo ventilador (1,2,3,4,10).
Dentre os principais mecanismos da lesão pulmonar pode-se citar volutrauma, atelectrauma e barotrauma como resultado de administração de volumes, fluxos e pressões inadequadas durante o suporte ventilatório, e está diretamente relacionada com a duração da exposição a esses fatores, ou seja, tempo em que o paciente permanece sob ventilação mecânica causando hiperdistensão e expansão desigual das unidades alveolares em função de altas pressões transpulmonares ou volumes, e lesão alveolar difusa caracterizada pela presença de membrana hialina, hemorragia alveolar e infiltração neutrofílica. A microscopia eletrônica permite a visualização de lesões endoteliais e epiteliais em poucos minutos de VM com altas pressões nas vias aéreas, caracterizadas por descontinuidade em pneumócitos tipo I, desacoplamento das células endoteliais da membrana basal, rupturas endoteliais e edema alveolar2.
Além disso, uma vez que as pressões aplicadas ao espaço aéreo também repercutem nos capilares pulmonares, as pressões e os fluxos intravasculares devem ser considerados na evolução e/ou no desenvolvimento da lesão pulmonar, visto que mesmo em pulmões normais, a insuflação alveolar impõe estresse vascular aos capilares pulmonares. O aumento na pressão vascular ocasionado pela VM pode induzir a um edema pulmonar que pode elevar a pressão de filtração nos capilares extra-alveolares e alveolares11.
Parametragem em VM
Vem sendo discutido na literatura acerca dos modos ventilatórios e parâmetros ideais para ventilação protetora e constatou-se redução da mortalidade de pacientes com LPA/SDRA (31%) ventilados com volume-corrente (VT) de 6 mL/kg quando comparado com VT de 12 mL/kg (40%)12. Webb e Tierney (1974)13 demonstraram que a VM, pode induzir a formação de edema pulmonar, que se desenvolve mais rapidamente nos animais ventilados com pressão de pico inspiratória (PIP) de 45 cmH2O do que com 30 cmH2O.
A partir de então, um questionamento notável pode aparecer: Qual destes principais determinantes da lesão pulmonar induzida pelo ventilador é mais lesivo para o paciente, a pressão ou o volume?
Por mais de 50 anos, as pesquisas mostraram que a VM com altas pressões nas vias aéreas acarretava lesões pulmonares, caracterizadas apenas por ruptura dos espaços aéreos e fuga de ar, produzindo muitas manifestações clínicas, que foram reconhecidas como barotrauma (pneumomediastino, enfisema subcutâneo, pneumotórax, pneumopericárdio, pneumoperitônio, enfisema subcutâneo intersticial)14. Portanto, a LPIV foi durante muito tempo sinônimo de barotrauma.
Somente em 1974, Webb e Tierney13 demonstraram que a VM poderia ser responsável por lesão ultra-estrutural, independentemente da ocorrência de fuga de ar. Além disso, vale lembrar que a pressão absoluta nas vias aéreas, por si só, não é lesiva. Isso pôde ser constatado por Bouhuys (1969)17, na observação de que tocadores de trompete comumente atingem pressões de vias aéreas de 150 cmH2O sem desenvolverem lesão pulmonar.
Adicionalmente, evidências experimentais indicaram que o grau de insuflação pulmonar parece ser mais importante na gênese da lesão pulmonar do que o nível de pressão. A contribuição relativa da PIP e do VT, na lesão pulmonar, foi avaliada primeiramente em ratos sadios ventilados com limitação do movimento tóraco-abdominal. Uma PIP alta (45 cmH2O) sem VT elevado não produziu lesão pulmonar. Entretanto, animais ventilados sem restrição do movimento tóraco-abdominal (alcançando VT alto), por pressão positiva ou negativa, desenvolveram lesão pulmonar grave18. Esses achados foram confirmados em outros estudos, o que gerou a definição do termo volutrauma.
Os pacientes com SDRA são mais susceptíveis à hiperdistensão alveolar, principalmente, quando submetidos à VM convencional com VT alto (10 a 15 mL/kg); já que o número de unidades pulmonares disponíveis para serem ventiladas é reduzido em função de acúmulo de líquido, consolidação e atelectasias. A ventilação com baixo VT reduziu a taxa de mortalidade nos pacientes com SDRA, porém isso não significa afirmar que um VT baixo de 6 mL/kg é seguro; mas que ele implica em melhor prognóstico do que VT mais alto de 12 mL/kg 4.
Somando estes fatores, encontram-se outros possíveis determinantes da lesão pulmonar induzida pelo ventilador. Elevadas Freqüências Respiratórias podem levar a LPIV por induzir estresse mecânico cíclico, acarretando micro-fraturas no parênquima pulmonar, que aumentam em número e se propagam a cada ciclo até que o traço de fratura seja grande o suficiente para proporcionar falência tecidual17, 18.
Em relação ao Tempo Inspiratório, estudos experimentais19 demonstraram que o aumento deste pode exacerbar a lesão pulmonar, piorando a relação ventilação-perfusão, reduzindo a complacência pulmonar e aumentando o edema pulmonar.
O fluxo aéreo inspiratório é também um importante determinante de estresse no pulmão. O fluxo inspiratório elevado aumenta o estresse tensile, resultando em transmissão de energia cinética para as estruturas subjacentes, e o estresse de cisalhamento, distorcendo o parênquima e deformando a superfície epitelial 20. Durante a VM com PIP alta, foi demonstrado que o fluxo aéreo elevado causa lesão microvascular pulmonar 21.
Estratégias de ventilação protetora
Visando a redução do biotrauma, inicialmente deve-se respeitar a indicação de que todo paciente só deve ser submetido à VM após avaliação dos critérios clínicos e gasométricos para o início desse suporte e caso esteja sendo feito o uso dessa terapêutica ela deve ser sempre monitorada quanto ao ajuste ideal dos parâmetros. Assim, Pinheiro e Holanda22 indicam algumas medidas que podem ser adotadas a fim de evitar complicações:
Na modalidade ventilatória assistido-controlada em pacientes com comando neural respiratório aumentado deve-se ter cuidado com a determinação de fluxos e volumes pequenos que não se adequem à demanda ventilatória do paciente podendo induzir alcalose respiratória facilmente, pois haverá taquipnéia com aumento do volume minuto e, consequentemente, da ventilação alveolar;
Há indícios de que grandes FIO2 podem ser lesivas para os pulmões, devendo, pois, serem evitadas quando desnecessárias, ou quando outras alternativas para melhorar a oxigenação, como elevação da PEEP, são possíveis;
O controle da FR nas doenças obstrutivas deve ser rigoroso e ela deve ser mantida em valores, em geral, inferiores a 12 respirações por minuto, sob pena de haver hiperinsuflação pulmonar, que é responsável por complicações importantes na VM desses pacientes. Nesses casos, o volume corrente elevado também pode determinar hiperinsuflação pulmonar;
Altos níveis de PEEP podem induzir à queda do débito cardíaco;
Na ventilação pressão-controlada, ao contrário da ventilação volume-controlada, tem-se a segurança de não haver hiperdistensão de alvéolos com menor resistência e maior complacência, fato que teoricamente poderia evitar maior lesão induzida pelo ventilador;
E, por fim, as unidades de terapia intensiva devem adotar critérios para identificar sistematicamente e diariamente os pacientes em condições de desmame evitando exposição prolongada e desnecessária aos agentes lesivos da VM.
Atualmente, para prevenir e/ou tratar complicações respiratórias, bem como reduzir o tempo de ventilação, além da implementação de uma estratégia protetora com PEEP e volumes baixos, geralmente é usada uma combinação de procedimentos que objetivam a “reexpansão pulmonar”, ou seja, terapia de expansão pulmonar (TEP) e a “remoção de secreções nas vias aéreas” através da terapia de higiene brônquica (THB) (1,3).
Dentre as técnicas utilizadas para a THB, sabe-se que a aspiração traqueal pode promover complicações, devendo ser realizada quando houver sinais sugestivos da presença de secreção nas vias aéreas, som sugestivo de aumento de resistência na ausculta pulmonar, padrão denteado na curva fluxo-volume observado na tela do ventilador, aumento da pressão resistiva, desconforto respiratório, aumento da pressão de pico, entre outros. A hiperoxigenação (FIO2 = 1) deve ser utilizada previamente ao procedimento para minimizar a hipoxemia induzida pela aspiração traqueal e pode ser associada à hiperinsuflação, devendo-se priorizar o uso do ventilador mecânico ao AMBU. A instilação de soro fisiológico a 0,9% antes da aspiração visando fluidificar a secreção não deve ser realizada rotineiramente, pois pode causar efeito adverso na Saturação de Oxigênio (SaO2), além do risco de infecção(1,3,4).
Além da THB, a TEP é frequentemente utilizada quando há distúrbio de complacência, sendo muito discutida, porém ainda sem um consenso, sendo indicado não ultrapassar pressões de platô de 35 cmH2O(6), além de promover mudanças de decúbito periódicas mantendo cabeceira elevada acima de 30 graus e mobilização precoce do paciente no leito. Outro cuidado importante é com a pressão do CUFF (ou balonete) do tubo traqueal que deve ser mantida entre 20 e 30 cmH2O (ou 15 e 25 mmHg), evitando lesão epitélio traqueal e micro-aspirações(1,3,4).
Conclusões
A VM não é uma mera modalidade de suporte usada para manter os pacientes vivos enquanto que tratamentos específicos à doença são empregados, e sendo o Fisioterapeuta, atualmente, o profissional responsável pelo manejo ventilatório, ele deve-se atentar, juntamente com a equipe multidisciplinar em terapia intensiva, à redução do tempo de ventilação e a prevenção da lesão pulmonar induzida por esta modalidade de suporte ventilatório, denominada de biotrauma.
Com esse estudo percebe-se que não há apenas uma alteração preponderante que cause o biotrauma induzido por VM, mas sim a interação de diversos fatores relacionados à escolha inadequada dos parâmetros ventilatórios além do tempo excessivo de exposição ao tratamento por retardo do desmame.
Realmente é difícil afirmar qual modo ventilatório ou qual parêmtero (volume ou pressão), é mais lesivo e provoca o biotrauma, até por que não existem estudos conclusivos que solucionem esta dúvida. Essa escassez de estudos pode, inclusive, apontar a falta de conhecimento e/ou de interesse sobre o tema por parte dos profissionais. Portanto, sugere-se a realização de novas pesquisas sobre o biotrauma com amostras consistentes e metodologias parâmetradas a fim de se possa chegar a um consenso sobre qual forma de ventilação é mais lesiva para os pacientes em terapia intensiva.
Além disso, nota-se a urgência em incentivar o profissional intensivista a entender o biotrauma a fim de preveni-lo, discutir os casos clínicos de cada paciente com a equipe buscando estratégias e parametragem de VM evitando as lesões sem deixar de atender às necessidades do paciente e incentivar a realização de diversos estudos de intervenção que mostrem a utilização e eficácia de estratégias protetoras com instituição de táticas eficientes.
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