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O corpo, lugar do contato privilegiado com o mundo, sob a luz

dos holofotes: reflexões sobre corpo na Educação Física a

partir da Indústria Cultural e da Sociologia do Corpo

El cuerpo, lugar de encuentro privilegiado con el mundo, a la luz de los focos: reflexiones sobre 

el cuerpo en la Educación Física a partir de la Industria Cultural y de la Sociología del Cuerpo

 

*Mestranda em Educação Física

**Professor Doutor

Universidade Federal de Santa Catarina

(Brasil)

Angélica Caetano*

Giovani De Lorenzi Pires**

angelica.caetano@hotmail.com

 

 

 

Resumo

          O presente artigo busca refletir, a partir das contribuições teóricas da Indústria Cultural e da Sociologia do Corpo, sobre como a sociedade vem construindo um conceito de corpo marcado pela razão da mercadoria, objetivando atender às necessidades impostas pela Indústria Cultural. A sociedade vem consumindo mercadorias e imagens, que a Indústria Cultural, pelos meios de comunicação, coloca como as melhores, utilizando-se de um discurso supostamente enraizado na liberdade de escolha, e que convoca os sujeitos a gozar dos objetos que se apresentam no mercado como capazes de atender, não à realização (simbólica) dos desejos, mas à satisfação das necessidades produzidas, em que está incluída a imagem do corpo ideal, aceito pela sociedade. Propomos uma reflexão/ação de uma Educação Física que promova a constituição de um sujeito autônomo, crítico e que seja capaz de mediar criticamente a imagem da mídia de um corpo “perfeito” para que não percamos nossa própria subjetividade. A Educação Física escolar torna-se fundamental para o aprendizado dessa maneira crítica de olhar e interpretar as influências culturais de nosso meio, sobretudo com relação aos temas corpo e práticas corporais.

          Unitermos: Educação Física. Indústria cultural. Corpo

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 135 - Agosto de 2009

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Introdução

    O corpo vem adquirindo tamanha importância na sociedade contemporânea. Convivemos com uma aceitação e aprovação do “outro” perante nosso modo de ser, se vestir, reagir, falar. Essa aprovação, quando aceita, nos desenvolve um sentimento de pertencimento a um mesmo grupo social. Os meios de comunicação de massa têm dado conta de expandir a maneira que todos devem seguir, influenciando de certa forma a nossa concepção de ser no mundo.

    Como parte das aproximações teóricas realizadas durante o Mestrado em Educação Física na Universidade Federal de Santa Catarina, a presente discussão propõe fomentar reflexões sobre o fazer-se humano na sociedade moderna, a partir dos estudos da Sociologia do Corpo e da Teoria Crítica, especificamente da contribuição do conceito de Indústria Cultural. O corpo, na visão da sociologia do corpo, é algo socialmente construído e fruto de uma elaboração social e cultural (LE BRETON, 2006).

    A Educação de hoje vem contribuindo para uma formação desumanizadora, a partir de uma lógica que o que aparece enquanto imagem é bom e o que é bom aparece, sintetizando-se num modo contemporâneo de identificar-se no mundo. Sem qualquer dúvida, neste sistema, os cuidados com o corpo se formam a partir da constatação de que o “outro” nos vê. Na escola, a Educação Física Escolar, como um componente curricular, trata tanto da dimensão biológica quanto social do corpo. Por sua especificidade, a tematização do corpo nas aulas vem sofrendo influências midiáticas que garantem uma padronização corporal preocupada principalmente com a forma como é visto o corpo.

    As questões norteadoras da atual reflexão teórica são: será que estamos, nós, professores de Educação Física, corroborando com esse sistema e assim, não contribuindo para a promoção de uma educação emancipadora e crítica? Que contribuições reflexivas estamos fornecendo aos nossos alunos sobre as informações midiáticas que eles recebem sobre um corpo ideal?

    Nesse sentido, objetivamos compreender como a indústria cultural constrói um conceito de corpo marcado pela razão da mercadoria e se a Educação Física pode possibilitar experiências crítico-formativas ao sujeito, refutando o caráter (de)formativo da indústria cultural. Propomos uma reflexão para uma concepção de Educação Física que promova a constituição de um sujeito autônomo, crítico e que seja capaz de mediar criticamente a imagem da mídia de um corpo “perfeito” para que não percamos nossa própria subjetividade (PIRES, 2007).

Aproximações teóricas

    A sociologia do corpo, diferente de outras abordagens como a positivista, que possui uma concepção de dimensão corporal dicotomizada de homem e que deduz do aspecto morfológico as qualidades do homem, preconiza um corpo moldado pelo contexto social e cultural em que o ator se insere. Para esta sociologia, a orientação segue em direção à consciência de que, em sua subjetividade, o homem constrói socialmente seu corpo. O homem não é produto do corpo e ele constrói suas qualidades na interação com os outros e na imersão no campo simbólico. Esquecemos com freqüência o quão absurdo é nomear o corpo como se fosse um fetiche, isto é, omitindo o homem que o encarna. Assim, como Le Breton (2006) afirma, as representações do corpo são representações da pessoa, do ser do homem, portanto estamos equivocados ao pensar que existem corpos em movimento, mas sim que existem homens em movimento.

    O entendimento é que do corpo nascem e se disseminam as significações que fundamentam a existência humana, sendo o eixo da relação com o mundo, o lugar e o tempo nos quais a existência toma forma através da fisionomia singular de um ator. Através do corpo, o homem apropria-se dos elementos da vida e os traduz para os outros, servindo-se dos sistemas simbólicos que compartilha com o coletivo.

    De acordo com Le Breton (2006):

    O corpo é o vetor semântico pelo qual a evidência da relação com o mundo é construída: atividades perceptivas, mas também expressão dos sentimentos, cerimoniais dos ritos de interação, conjunto de gestos e mímicas, produção da aparência, jogos sutis de sedução, técnicas do corpo, exercícios físicos, relação com a dor, com o sofrimento, etc. (p. 7).

    Os “outros” contribuem para modular os contornos de seu universo e dar ao corpo o relevo social que necessita, oferecem a possibilidade de se construírem inteiramente como atores do grupo de pertencimento. A aparência corporal e a forma como o homem é visto pelos outros têm profunda relação com o pertencimento social e cultural que este homem fomenta; esta forma de se mostrar é provisória e é mediada pelos produtos construídos pela indústria de consumo. O cuidado excessivo do homem com a aparência, na medida em que se expõe à avaliação de testemunhas, se transforma em engajamento social, em meio deliberado de difusão de informação sobre si, como atualmente ilustra a importância tomada pelo look no aliciamento, na publicidade ou no exercício meticuloso do controle de si (LE BRETON, 2006).

    O corpo, lugar do contato privilegiado com o mundo, está sob a luz dos holofotes por meios de diversas imagens. Propagandas que moldam nossa subjetividade e o nosso entendimento de corpo.

    Somos submetidos a um mercado em pleno crescimento que renova permanentemente as marcas visando à manutenção e à valorização da aparência sob os auspícios da sedução. A mídia disponibiliza produtos da Indústria Cultural que formam uma constelação de produtos desejados, destinados a fornecer a morada na qual o ator social toma conta do que demonstra dele mesmo como se fosse um cartão de visitas vivo. Trata de satisfazer a mínima característica social fundada na sedução, quer dizer, no olhar dos outros.

    No que se refere ao corpo, a sociedade como um todo vem consumindo mercadorias propagandeadas pelos meios de comunicação e imagens que a Indústria Cultural coloca como a melhor, utilizando-se de um discurso enraizado na liberdade de escolha, operando diretamente na defesa da satisfação pulsional, convocando os sujeitos a gozar dos objetos que se apresentam no mercado como capazes de atender, não à realização (simbólica) dos desejos, mas à satisfação das necessidades, o que está incluído a imagem do corpo ideal, aceito pela sociedade.

    A missão da Indústria Cultural, de acordo com Adorno, é a mercantilização da cultura e venda de sonhos, ideais, atitudes e valores para a sociedade inteira. Mesmo quem não consome nenhum dos objetos alardeados pela publicidade como se fossem a chave da felicidade, consome a imagem deles. Consome o desejo de possuí-los. Consome a identificação com o “bem”, com o ideal de vida que eles supostamente representam. O resultado é um sujeito nivelado não somente como consumidor, mas transformado em objeto da indústria, onde suas necessidades são modeladas e estimuladas a qualquer custo.

    Os princípios desse sistema compactuam com um sujeito acrítico, desacostumando-o da subjetividade, convocando a responder como um consumidor e espectador que perde o norte de suas produções subjetivas singulares e que recebe uma subjetividade espetacularizada, pois sentir-se pertencente à massa faz parte da satisfação pessoal, identificando-se com ela nos termos propostos pelo espetáculo (KEHL, 2004).

    Atrelada aos princípios da Indústria Cultural, a sociedade do consumo deixa claro os limites e as ambigüidades da libertação do corpo. Sua premissa fundamental é a de que consumir é possuir o signo da libertação física e sexual. Não há limites ou obediência a valores tradicionais, se o que importa é possuir para satisfação imediata, e para tal, o corpo, regido pelo sistema social torna-se objeto de reverência.

    Um imperativo de prazer impõe ao ator, à revelia, práticas de consumo visando aumentar o hedonismo de acordo com um jogo de marcas distintivas. O corpo é promovido ao título de “significante de status social” Esse processo de valorização de si, através do uso de marcas distintivas e mais eficientes do ambiente imediato, depende de uma forma sutil de controle social. (LE BRETON, 2006, p. 84)

    A mídia, como um dos meios de realização da Indústria Cultural e das prevalências da sociedade de consumo, atua diretamente sobre o homem, seja sobre sua forma de ser ou sobre sua aparência. No texto de Rocha (2007), a autora identificou um discurso da Revista Veja impregnado de fetiches: ser belo é estar de acordo com um padrão científico de normalidade, assim, ser normal significa não ser obeso, ter músculos definidos, conquistar a beleza, manter a juventude. Enfatizam-se as imagens, as cirurgias plásticas, a aparência jovem, as dietas sacrificantes e a forma corporal desejada.

    A Indústria Cultural utiliza diversas maneiras para difundir padrões de corpos, com o discurso da felicidade, na busca de um corpo construído conforme a nova ordem estética. Tudo é descartável e aquilo que não agrada pode ser (re)desenhado conforme padrões pré-estabelecidos (ROCHA, 2007). Como descrito no trabalho, as imagens e os discursos expandidos pela mídia contribuem para a construção de representações de um corpo perfeito, corpo este que seria validado pela própria ciência.

    Sendo a mídia utilizada como propagadora da sociedade do consumo e dos produtos ditos como os melhores pela Indústria Cultural, são produzidas práticas sociais criadas pelo enraizamento e circulação de idéias que inferem na formação de crenças, estereótipos e idealizações sobre a construção de corpos perfeitos.

    A educação e, conseqüentemente, a Educação Física tem recebido essas influências midiáticas e contribuído para a expansão desta perspectiva de corpo, fruto das construções sociais e culturais que a sociedade vem sendo submetida. Tem se tornado normal nas escolas competições enfatizadas na construção do melhor desempenho, do melhor corpo, da melhor aparência, do mais belo, criando e difundindo estereótipos cuja estética enfatiza o sujeito como objeto, deslocado de padrões e evidenciando uma beleza que quem não se encontra enquadrado a essa realidade, deve, a todo custo, buscar a padronização para ser aceito socialmente.

    A escola vem atravessando uma prova desafiante, a de educar para uma sociedade cujo fluxo acelerado desfaz a cada dia as certezas construídas coletivamente. Sob o domínio da cultura de consumo e o fetiche da mercadoria, a escola divide suas tarefa com os meios de comunicação de massa, que, sem medidas, atingem profundamente as consciências, principalmente as juvenis (BITENCOURT, 2007).

    Se por um lado a Indústria Cultural utiliza-se de mecanismos eficazes para sua emissão de sentidos e corrobora com a construção de uma sociedade cada vez mais consumista, o que determinará a maneira como essas informações serão significadas é a atuação mediadora realizada por nós, professores.

Considerações finais provisórias...

    As informações que recebemos atualmente sobre questões de beleza, saúde, cuidados com o corpo, atividades físicas de maneira geral, fazem parte de um modo de vida racionalizado, orientado fortemente pela cultura de consumo e por valores centrados no individualismo, na competição, no sucesso e no dinheiro. A Escola, como uma instituição socioeducativa, precisa trabalhar com a mediação dos meios de comunicação, não negando sua utilidade na educação, mas sim problematizando de forma crítica, certos equívocos e leviandades cometidas pela mídia.

    Acreditamos que, por tratar com temáticas relacionadas ao corpo, a Educação Física e a aula de Educação Física pode oferecer espaços fundamentais no ensino dessa maneira crítica de olhar e interpretar as influências culturais de nosso meio, sobretudo com relação aos temas corpo e práticas corporais.

    A Educação nunca é uma atividade puramente intencional, os modos de relação, a dinâmica afetiva da estrutura familiar, a maneira como a criança se situa nessa trama e a submissão ou resistência que a ela se opõe aparecem como coordenadas cuja importância é mais e mais considerada na socialização. Assim, as informações recebidas serão aprendidas de forma passiva se não questionadas ou refutadas, o que dependerá dessa ponte necessária para a interpretação das formas simbólicas transmitidas.

    Para finalizarmos, reportamos o seguinte pensamento: a educação promovida na Escola deve ir ao encontro de uma educação emancipadora, autônoma e contestadora da realidade, ainda que uma das funções formativas da indústria cultural seja retirar dos indivíduos a função subjetiva de esquematiza e assim, modelar a adaptação acrítica do indivíduo à realidade, revestindo-os da (falsa) necessidade do consumo excessivo.

    Por isso, a educação escolar e nós, professores, somos fundamentais para que os alunos desenvolvam a capacidade de problematizar, questionar, interpretar as influências dos meios de informação ativamente, identificando como mensagens e valores são difundidos. Porém este olhar sobre a realidade, implica no reconhecimento de que a arte de fazer educação é vigorosa em resistir, ressignificar, transformar, revolucionar os processos de dominação que nos são impostos.

    Alguns esforços devem ser levados em consideração no âmbito da Educação Física Escolar, no sentido de construir uma alternativa pedagógica mais crítica. Um marco histórico deve ser citado, na tentativa de consolidar as teorias críticas da Educação Física, principalmente a partir dos anos 80 e que tiveram contribuição dos mais diversos pesquisadores, como Celi Zulke Taffarel, Elenor Kunz, Mauro Betti, João Batista Freire, entre outros.

    Além disso, a criação e funcionamento de uma associação científica específica às ciências do esporte, o Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte, com a criação dos GTTs, tem buscado contribuir para uma Educação Física crítica e autônoma. Cabe salientar que o CBCE, a partir de meados da década de 1980, busca a reflexão de um processo de repensar a prática social da Educação Física, e marcadamente, a partir da direção de 1989, busca construir e legitimar a Educação Física com uma visão mais crítica, não fomentada apenas pelo discurso biológico como antes era enfatizado pelas gestões anteriores. No período de 1985 a 1991, debates significativos foram realizados, no sentido de pensar no desenvolvimento de uma Educação Física com base no trabalho pedagógico com a cultural corporal na perspectiva da libertação, da desalienação, da emancipação humana e não reduzida apenas ao aprimoramento da aptidão física do povo brasileiro através das atividades físicas e esportivas visando à saúde e o rendimento. Discussões como essas foram importantes para o crescimento da Educação Física e para o reconhecimento e a necessidade de um rompimento com as origens de perspectivas militares.

    Finalmente, salientamos também os esforços do GTT2 (Comunicação e Mídia) que busca uma análise crítica e interpretação dos processos de produção, difusão e recepção das informações, das mídias e tecnologias comunicacionais e suas aplicações políticas, econômicas, culturais e pedagógicas, assim como o Observatório da Mídia Esportiva/UFSC, que progressivamente vem contribuído com a formação de professores de Educação Física sobre os estudos relacionados à mídia.

Referências bibliográficas

  • ADORNO, T.W.; HORKEHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Tradução de Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 1985.

  • BANDEIRA, L. B.; ZONOLLA, R. S. R. Corpo Belo, Indústria Cultural e possibilidades crítico-formativas: Primeiras aproximações. Disponível em: www.cbce.org.br/cd/resumos/076.pdf. Acesso em 15 de maio de 2009.

  • BELLONI, M. L. O Lazer Espetacularizado: Cultura do Narcisismo e Indústria Cultural. Revista Motrivivência, n. 17, 2001.

  • BITENCOURT, F. G. Tele-espetáculo e futebol: descompassos no sistema discursivo e ético. In: XV Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte, 2007, Recife. Anais... Recife, 2007.

  • COSTA, J. F. O vestígio e a aura: o corpo e consumismo na moral do espetáculo. Rio de Janeiro: Graramond, 2005.

  • KEHL, M. R. O Espetáculo como meio de subjetivação. In: BUCCI, E.; KEHL, M. R. (org). Videologias: ensaios sobre a televisão. São Paulo: Boitempo, 2004.

  • LE BRETON, D. A Sociologia do Corpo. Petrópolis/Rio de Janeiro: Vozes, 2006.

  • PIRES, G. L. O esporte e os meios de comunicação de massa, relações de parceria e tensão - possibilidades de superação? In: Grunennvaldt, J. T. et al. (Org). Educação Física, esporte e sociedade: temas emergentes. São Cristóvão: Universidade Federal de Sergipe, DEF/UFS, 2007.

  • ROCHA, C. A. A divulgação científica sobre o corpo na Revista Veja. In: XV Congresso Brasileiro de Ciências do Esporte, 2007, Recife. Anais... Recife, 2007.

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