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‘Se for lutar vai apanhar!’: um estudo quantitativo sobre hábitos e modos de lutadoras universitárias de boxe, caratê e capoeira

‘Si vas a pelear, vas a perder’: un estudio cuantitativo sobre los hábitos 

y modos de luchadoras universitarias de boxeo, karate y capoeira

‘If you go to fight, you’ll take a licking’: a quantitative research about styles 

and customs of academic women fighters of boxing, karate and capoeira

‘Si tu veux te battre, tu vas prendre la fessée’: Une étude quantitative sur les 

habitudes et styles des combattantes universitaires de boxe, karaté et capoeira

 

*Bacharel em Esporte e Mestrando em Educação Física pela

Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo

**Licenciado e Mestre em Educação Física. Doutor em Psicologia

Docente da University of Western Sydney, Australia

Marco Antônio de Carvalho Ferretti*

macf@usp.br

Jorge Dorfman Knijnik**

J.Knijnik@uws.edu.au

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Este estudo teve como objetivo pesquisar, em nível quantitativo, alguns hábitos e modos que atletas universitárias têm de encarar as suas práticas e o seu meio esportivo. Mesmo com a grande participação das mulheres em modalidades esportivas, vários preconceitos ainda rondam as mulheres que praticam lutas, pelo fato da luta ser categorizada pela sociedade como um “esporte masculino”. Através da análise estatística de um questionário respondido por 66 lutadoras que freqüentam as aulas de lutas, os resultados foram que a maioria das boxeadoras e caratecas escolhe a modalidade por curiosidade, as boxeadoras foram as que mais “experimentaram” outras modalidades, a modalidade de luta mais experimentada foi a capoeira. Esse trabalho vem a colaborar com estudos sobre a mulher no esporte.

          Unitermos: Identidade de gênero. Atividade física. Mulheres

 

Abstract

          The aim of this paper was to take a look, in a quantitative level, on women on sport fights. Many women are in sports, but have some prejudices still around women who do sport fights, because the sport fights are categorized like “male sports”. The statistic analyses of the 66 questionnaires answered by women fighters. The sports researched was fights, the results pointed that majority boxers and karate fighters did choose yours sports by curiosity, the boxers looked more for other sport fights until find boxing, the sport more practiced was the capoeira. This work comes to upgrade studies with women on sport.

          Keywords: Gender identity. Motor activity. Women

 

Résumé

          Cette étude quantitativre concerne les habitudes et styles à partir desquels les athlètes universitaires envisagent leur pratique et leur milieu sportif. Malgré l’importante participation des femmes aux pratiques sportives, divers préjugés s’attachent aux femmes pratiquant les sports de combat, ceux-ci étant caractérisés par la société comme des “sports masculins”. A travers l’analyse statistique d’un questionnaire auquel ont répondu 66 combattantes qui fréquentent les salles de combat, les résultats montrent que la majorité des boxeuses et karatékases choisirent la pratique par curiosité, les boxeuses étant celles qui “expérimentèrent”: le plus d’autres pratiques, la pratique de combat la plus essayée étant la capoeira. Ce travail corrobore les études sur les femmes et le sport, qui souligent les difficultés et discriminations dont souffrent les femmes dans les sports de combat.

          Mots-clés: Genre. Boxe. Karaté. Capoeira. Sport

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 135 - Agosto de 2009

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Introdução

    As mulheres encontraram grandes resistências a sua saída do mundo privado do lar – e suas tarefas cotidianas – para os espaços públicos. Um dos últimos redutos masculinos que elas adentraram foi o esporte de rendimento. Algumas modalidades, então, continuam mantendo enormes obstáculos, sobretudo no plano do discurso, do simbolismo e do preconceito, à participação das mulheres, em especial as modalidades de luta. Esportes em que “físico frágil”, “sensibilidade”, “espírito materno” - características hegemônicas da feminilidade almejada - não têm vez; mas as mulheres estão entrando nesses ambientes, suplantando as barreiras e se inserindo com dignidade, demonstrando que as muralhas, que as dificultam são formadas principalmente por estigmas de ordem social, ligados às questões e concepções de gênero, pois biologicamente não há nada que as impeça de lutar.

    “A diferença feminina pode não ser ‘natural’, no sentido de ‘biológica’, mas é vista como fundante da identidade das mulheres, de uma maneira tão elementar que, para todos os efeitos, está naturalizada” (MIGUEL, 2001: 259).

    A mídia nacional vem retratando nos últimos anos as dificuldades que as mulheres e garotas que apreciam as lutas podem enfrentar. Em reportagem da Folha de São Paulo, Patrícia Miranda, lutadora de luta livre de alto nível, relata que enfrentou grande resistência por parte de seu pai, que chegava a invadir locais de competições para apagar o nome da filha do quadro de competições, tentando impedir que ela competisse; este mesmo pai, segundo a atleta, pedia nas reuniões escolares para que a filha não entrasse em competições de luta. O pai, naturalmente, desmente estas histórias na reportagem, mas confessa que não gostava de ver a filha lutando com homens e que para treinar ela teria que tirar notas “A” na escola. (LAJOLO, 2004)

    Em outra reportagem (YURI e GIANNINI, 2005), também na Folha de São Paulo, as boxeadoras entrevistadas relataram os atritos com seus pais pela escolha dessa modalidade, contando casos de surras e chantagens emocionais. A reportagem também aponta que as atletas têm dificuldades de manter relacionamentos heterossexuais, pois os homens “saem correndo” quando descobrem o esporte que elas praticam.

    Desta forma, considerando o grande interesse que as diversas modalidades de luta vêm despertando nas mulheres, o foco deste estudo foi conhecer algumas lutadoras universitárias de boxe, capoeira e caratê que superaram as imposições sociais para possivelmente se contrapor aos valores hegemônicos de gênero. Após breve revisão que abarcou a temática de gênero no esporte, a participação histórica nas mulheres nas lutas, a visão da cultura sobre estas, abrangendo também os tópicos de preconceito nos Jogos Olímpicos e na mídia esportiva, apresentamos estudo baseado em dados quantitativos sobre a vida destas mulheres.

Gênero no esporte

    Uma pessoa é definida como masculina ou feminina de acordo com o seu modo de andar, falar, pensar... A maneira como se comporta e por isso essa classificação não é de forma alguma de ordem biológica, mas sim de ordem social, pois se olharmos para a história os conceitos de masculinidade e feminilidade foram se modificando no decorrer das épocas e mesmo entre culturas diferentes (SOUZA e ALTMANN, 1999).

    Os valores de um tipo de feminilidade são transmitidos para as mulheres durante o processo de sociabilização são contrários aos códigos corporais do esporte, sendo que as diferenças biológicas acabam por servirem de base à construção social dos gêneros, e às desigualdades daí advindas, notoriamente no esporte (SALINAS, 2003).

    No boxe, os locais de treino e de competições são masculinos, homens lutam contra homens para comprovar a sua masculinidade (WACQUANT, 2002) e assim excluíram-se as mulheres dessa modalidade.

    O ingresso da mulher no esporte necessariamente não irá alterar a estrutura deste, mas pode sugerir uma modificação dos valores que dificultam a sua entrada; entretanto, muitas vezes a presença da mulher em ambientes altamente masculinos, como o boxe e o futebol, não feminiza estes espaços, contrariamente, o que ocorre é a absorção de valores masculinos pela mulher, o que acaba por reafirmar os preconceitos e velhos medos que as mulheres se masculinizem, em termos de sua sexualidade (RIAL, 2000). As mulheres que fazem esportes “destinados aos homens” são classificadas de masculinas, sofrendo com o preconceito de ambos os sexos (MOURÃO, 2002).

Corpo, preconceito e a mulher no esporte

    O corpo da mulher no esporte é constantemente avaliado, sob as normas dos padrões da feminilidade almejada; porém, estes padrões femininos de corpo vão em sentido oposto às necessidades do corpo esportivo e a atleta vive um dilema: ter um corpo competitivo e rejeitado socialmente ou um corpo dentro dos padrões femininos e que possivelmente não lhe ajudará a ter uma carreira esportiva de destaque (KNIJNIK, 2003).

    As levantadoras de peso não são avaliadas pela sua aparência e sim por quanto elas conseguem erguer, o que acarreta em um corpo fora dos padrões femininos, e muitas vezes elas criam uma espécie de “barreira psicológica” para se protegerem do olhar e julgamento alheio (BRACE-GOVAN, 2002).

    As entrevistas realizadas com jogadoras de futebol mostraram que elas vêem que um corpo ideal para jogar bem futebol é relativamente magro, forte e atlético. Jogadoras relataram que através do jogo conseguiram ter o aumento da força física, habilidade e confiança o que melhorou vários aspectos de suas vidas mesmo achando que essas qualidades fazem parte do traço masculino (COX e THOMPSOM, 2000).

    Em um trabalho com atletas de voleibol, as jogadoras defendem que a sua modalidade não masculiniza o corpo em comparação com outras, tais como o basquete, handebol e futebol. Elas diferenciaram as jogadoras brasileiras das cubanas, colocando que as brasileiras são mais técnicas e as cubanas valem-se da força (ADELMAN, 2003).

    Apesar das informações parecerem opostas, ter um corpo mais apto para a competição e não perder características da feminilidade almejada foi uma das maiores buscas das mulheres no esporte nos últimos tempos. Isto ajudou no surgimento de novos padrões para o corpo feminino, tal qual o modelo atlético. Para exemplificar olhemos para o tope (vestimenta feminina para os seios, utilizada para a prática esportiva), que surgiu em 1977 e recebeu inovações tecnológicas através do tempo, passando a fazer parte da moda feminina, refletindo uma maior aceitação do corpo atlético feminino. O tope acabou por se tornar um elemento de sensualidade para o corpo feminino (SCHULTZ, 2004).

    Retornando para as levantadoras de peso, conclui-se que quando as mulheres deixarem de ser apenas um objeto, cujo corpo serve prioritariamente para o deleite do homem heterossexual, elas poderão trabalhar o corpo de forma mais eficiente, buscando melhores resultados quantitativos (BRACE-GOVAN, 2002). A feminilidade almejada pode ser entendida como uma “estética da limitação”, limitação esta tanto das condutas sociais como dos potenciais do corpo (ADELMAN, 2003).

Mulheres lutando nos Jogos Olímpicos

    A reinauguração dos Jogos Olímpicos buscava enaltecer a força, a coragem e a masculinidade, através da competição. O idealizador dos Jogos e primeiro presidente do Comitê Olímpico Internacional, o Barão de Coubertin, pensando como homem de seu tempo, e querendo reproduzir os Jogos da Antiguidade, encarava que a mulher deveria ser restrita em seus movimentos, guardando suas energias para a reprodução, conceitos que afastaram ou restringiram a presença das atletas em Jogos Olímpicos. (DEVIDE, 2002).

    Apesar de algumas modalidades de combate terem contado com a participação feminina desde quase o início do século XX, nos primórdios dos Jogos Olímpicos, foi a grande mudança das mentalidades em relação às questões de gênero, que se aprofundou na segunda metade do século XX, um dos fatores que propiciou uma maior participação da mulher em esportes de combate, durante os Jogos e conseqüentemente em outras competições. Para se ter uma idéia desta participação, vejamos a tabela abaixo:

Tabela 1. Comparação das entradas de modalidades de lutas entre homens e mulheres

Entrada da modalidade

Homens

Mulheres

Diferença em anos

Luta greco-romana

1896

?

?

Esgrima

1896

1924

28

Boxe

1904

Previsto para 2016

112

Luta livre

1904

2004

100

Judô

1964

1992

28

Taekwondo

2000

2000

0

Mídia, esporte e mulheres em luta

    Certamente, quem joga um papel crucial na idealização de imagens e corpos, na normatização das simbologias e ideologias ligadas ao gênero e conseqüentemente ao corpo enquanto algo que literalmente incorpora estes valores de gênero é a mídia.

    A mídia de certa maneira, “força” a mulher a se preocupar com sua aparência, pois sua imagem corporal vai ser difundida na massa, e conseqüentemente também será avaliada; desta forma, as diversas mídias contribuem com uma série de preconceitos, difundindo as visões hegemônicas sobre gênero, que se refletem e são refletidas pelos corpos das atletas.

    A mídia empobrece os resultados femininos através da valorização do corpo da atleta, pois nas imagens divulgadas nos noticiários “[...] destacam-se a beleza das atletas, suas qualidades femininas, sempre frisando que são atletas, mas continuam mulheres” (SOUZA e ALTMANN, 1999: 58). Os grandes jornais priorizam qualitativa e quantitativamente (chegando-se, a diferenças de quase 700%!) a cobertura de homens no esporte, em detrimento das mulheres (SOUZA e KNIJNIK, 2007).

    A mídia norte americana retrata lutas livres com mulheres organizadas pela World Wrestling Federation (WWF). Entretanto, estes programas, transmitidos por filiais da ESPN, são dirigidos geralmente a homens heterossexuais, que consideram o esporte feminino como algo que não mereça respeito. Na luta livre pornô (wrestling porno) que envolve mulheres, as “atletas” são sexualizadas e ironizadas – mesmo na maior reportagem feita com uma atleta, Sable, que durou 2 minutos e 48 segundos, esta foi ridicularizada, a ponto de questionarem se ela sabia contar até 10 (MESNNER, DUNCAN e COOKEY, 2003).

    Mesmo com todo o preconceito contra as atletas, nos filmes de luta ocorre algo interessante. Existe uma grande diferença entre a realidade das chinesas e a vida fictícia. Na esfera privada, no mundo real as chinesas sofrem com a estrutura patriarcal, e neste elas tem como dever dar continuidade as linhagens, sofrem com infanticídio, humilhação, casamento forçado, violência... Já na ficção, são admitidas mulheres guerreiras, na literatura chinesa, nos filmes, desenhos e jogos eletrônicos estas aparecem como mulheres valentes, têm comando sobre os homens e são excelentes lutadoras, mas são poucas porque os protagonistas de filmes de luta geralmente são homens (APOLLONI, 2004).

    Porém existe a possibilidade de que a introdução de desenhos animados, filmes e videogames com mulheres lutadoras no mundo ocidental possam criar novos valores de gênero nas crianças (APOLLONI, 2004).

Não vai lutar menina!

    As representações sobre lutas como algo de predomínio masculino está fortemente presente também nas escolas, entre meninos e meninas. O questionário com a Classificação de Metheny (o questionado classifica a modalidade esportiva em uma escala de exclusivamente feminino a exclusivamente masculino) foi realizado com estudantes norte americanos de 4 a 19 anos, na opinião dos estudantes da 4ª à 6ª série, que 86,3% colocaram o boxe como uma modalidade que deve ser praticada apenas por meninos e a luta livre apresentou resultado semelhante, 86,5% (RIEMER e VISIO, 2003).

    Da 7ª ao 3º colegial o questionário da autora perguntava se o esporte era para as garotas (G), mais para as garotas do que para rapazes (G/R), para ambos (G=R), mais para rapazes (R/G) e só para rapazes (R). O resultado do boxe foi: 0,7% (G e G/R), 16% (G=R), 40,7% (R/G) e 42% (R). O resultado da luta livre foi: 1,3% (G), 0% (G/R), 6,7% (G=R), 35,3% (R/G) e 56,7% (R) (RIEMER e VISIO, 2003). Desta forma, a seguir apresentamos estudo empírico feito com estudantes praticantes de algumas modalidades de lutas.

Instrumentos, amostra e metodologia.

    Propusemos para 66 moças praticantes de lutas que respondessem a um questionário cujas perguntas versavam sobre suas idades, há quanto tempo praticavam a modalidade, como vieram a praticar, porque faziam, quantas vezes por semana praticavam, e quantas horas em média era a duração de seus treinos, se já haviam participado de competições da modalidade e quantas vezes participou, se pretendiam continuar a praticar a modalidade, se já praticaram outras modalidades de luta e se já foram vítimas de preconceito. Todas as atletas foram previamente esclarecidas sobre o intuito do questionário e da pesquisa, e assim assinaram termo de consentimento livre e esclarecido, no qual havia o compromisso de resguardar as suas identidades.

    Os dados obtidos nas respostas dos questionários foram inseridos em tabelas do software Microsoft Excel e através das tabelas, elaboramos os gráficos que são apresentados e discutidos a seguir; também realizamos o teste exato de Fisher para encontrar as possíveis relações entre as questões. O teste exato de Fisher, aplicado nas tabelas que se seguem, fornece informações sobre a relação entre as variáveis estudadas. O teste exato de Fisher tem o mesmo propósito de encontrar relações como o teste qui-quadrado, porém é mais adequado para amostras menores. Se a probabilidade do teste é maior que 0,05 conclui-se que não foi possível mostrar relação entre as variáveis. Se a probabilidade do teste for menor que 0,05 conclui-se que existe relação entre as variáveis (CAMPOS, s/d).

    A amostra, desta forma, foi composta por alunas de boxe (17), capoeira (29) e caratê (20) com a seguinte média de idade e desvio padrão (±): no boxe apresentam 24,64 ± 5,32, na capoeira a média foi de 23,86 ± 5,92, no caratê a média foi de 23,35 ± 7,52 e no geral a média é de 23,9 ± 6,23. Todas são freqüentadoras do Centro de Prática Esportivas da Universidade de São Paulo (CEPEUSP), sendo que as boxeadoras são compostas por 6 alunas de pós-graduação, 9 de graduação, uma funcionária e uma dependente (filha ou cônjuges de professor ou aluna da escola da Faculdade de Educação da USP), das capoeiristas 9 são alunas de pós-graduação, 16 de graduação, uma funcionária e 3 dependentes e das caratecas são 4 alunas de pós-graduação, 12 de graduação e 4 dependentes.

Resultados e discussão

“Há quanto tempo você pratica?”

    A maioria das boxeadoras tem pouco tempo de prática; 64,7% (n=11) têm menos de 1 ano de pratica, e 35,2% (n=6) tem entre 1 a 3 anos de prática.

    A maioria das alunas de capoeira tem pouco tempo de prática, 72,4% (n=21) têm menos de 1 ano de prática, 17,2% (n=5) tem entre 1 a 3 anos, 6,8% entre 3 a 5 anos e 4,4% (n=1) mais de 5 anos.

    As caratecas que responderam o questionário 40% (n=8) têm menos de 1 ano de prática, 35% (n=7) tem entre 1 a 3 anos, 15% (n=3) entre 3 a 5 anos e 10% (n=2) mais de 5 anos.

“Você já participou de competições?”

    Nenhuma boxeadora participou de competições. Já participaram de competições 7, 1% (n=2) das capoeiristas e não participaram 92,8% (n=26). Já participaram de competições 45% (n=9) das caratecas e não participaram 55% (n=11).

    Das 7,1% (n=2) alunas de capoeira que participaram de competição, uma participou uma vez e a outra participou duas vezes. Das 45% (n=9) das caratecas que participaram, 33,3% (n=3) participaram 3 vezes, 33,3% (n=3) mais de 4 vezes, 22,2% (n=2) uma vez e 11,1% (n=1) duas vezes.

“O que levou você a praticar?”

Gráfico 1. Respostas obtidas para a pergunta “O que levou você a praticar?”

    A maioria escolheu o fazer boxe por curiosidade, 84,2% (n=16) e 5,2% (n=1) tomou a decisão de praticar boxe por causa da violência. Em outros foi respondido: “vontade” e “gosto de energia”, que correspondem a 10,5% (n=2).

    Na questão, como veio praticar capoeira, 50% (n=15) respondeu por curiosidade, 16,6% (n=5) por influência dos amigos e 10% (n=3) por influência de parentes. Em outros foi respondido: “já fazia antes”, “gosto pela capoeira”, “já pratiquei e retornei”, “cultura”, “estudo racismo e quis conhecer”, “estudo sobre cultura afro-brasileira” e “escola”.

    As praticantes de caratê se interessaram em praticar 38% (n=8) por influência dos amigos, 28,5% (n=6) por curiosidade e 4,7% (n=1) por influência dos parentes. Em outros, 28,5% (n=6), foi respondido: “prazer”, “por interesse”, “já pratiquei por 3 anos”, “vontade de realizá-lo”, “sempre gostei de artes marciais” e “pratiquei na infância”.Nenhuma das alunas que responderam o questionário marcou a opção “propaganda”, isso deve ter ocorrido porque no CEPEUSP é feita apenas a divulgação para praticar esporte e não uma determinada modalidade esportiva.

    A opção menos marcada foi a “medo da violência”, isso demonstra que a mulher não pratica a luta como forma de auto defesa e isso se confirma na questão 3, cujo item “segurança (auto defesa)” foi pouco assinalado.

    No boxe as opções “influência dos amigos” e “influência dos parentes” não foram marcadas, as boxeadoras iniciaram no treino por vontade própria, sem nenhum “empurrãozinho” para incentivar, provavelmente porque eles não vêem como modalidade para mulheres. Na capoeira e no caratê o item “influência dos amigos” foi mais assinalado do que a dos parentes, dessa forma as universitárias praticantes de capoeira e caratê têm mais incentivo de praticar uma luta dos amigos do que em casa.

    Em entrevistas realizadas com lutadoras universitárias, foi encontrado que todas tiveram o “empurrãozinho” para o esporte na escola e incentivo dos pais (FERRETTI e KNIJNIK, 2007).

    O item “curiosidade” foi maior nas boxeadoras (84,21%), isso mostra o quanto está longo o boxe do universo feminino, pois a curiosidade é a vontade de ver, conhecer os segredos. Algo que faz parte do nosso universo não tem segredos, diferente do que ocorre entre o boxe e as mulheres.

“Por que você pratica esse esporte?”

Gráfico 2. Respostas obtidas para a pergunta “Por que você pratica esse esporte?”

    Nenhuma das mulheres que respondeu o questionário faz boxe por obrigatoriedade ou por segurança, 45,4% (n=10) faz visando a saúde, 18,1% (n=4) a estética e 36,3% (n=8) por gostar de lutar.

    Das alunas que praticam capoeira, 60,5% (n=23) fazem por causa da saúde, 15,7% (n=6) por gostar de lutar e 13,1% (n=5) pela estética. Em outros foi respondido: “satisfação pessoal”, “gosto pela capoeira”, “cultura” e “interesse”.

    Foi respondido por 43,3% das alunas que fazem caratê visando a saúde, 36,6% por gostarem de lutar, 13,3% como forma de auto-defesa e 6,6% por estética. Em outros, 16,6% (n=5) foi respondido: “prazer”, “controle mente e corpo”, “filosofia”, “estilo de vida” e “saúde mental”.

    A opção “obrigatoriedade” não foi marcada, pois no CEPEUSP pratica esporte quem quer, se essa opção fosse marcada a obrigatoriedade ocorreria por outra instituição ou parentes e colegas.

    O item “segurança (auto defesa)” foi pouco marcado e apenas pelas caratecas, como já foi colocada na questão anterior, essas mulheres não buscaram a luta para se proteger da violência, o que demonstra que não foi o aumento da violência nos centros urbanos que fizeram a mulher buscar as modalidades de luta. O que mais motiva a mulher praticar luta é a promoção da saúde.

    Nesse estudo a promoção da saúde é o que atraiu a maioria das mulheres para as aulas de lutas e foi visto que as universitárias treinam lutas visando a saúde, mas algumas discordam quanto a prática de luta no nível profissional/competitivo porque seria muito bruto para a mulher, o que demonstra a incorporação do discurso machista (FERRETTI e KNIJNIK, 2007). Ou seja, para elas, a luta pode ser uma prática “light”, saudável, deixando a brutalidade para os homens, o que traduz uma inequívoca concepção de gênero.

    Entre as boxeadoras e caratecas outra opção marcada com freqüência é “gosto de lutar”, demonstrando que a mulher esta separando a fragilidade da feminilidade. Durante a década de 30 a medicina construiu uma imagem de um corpo feminino frágil e na década de 40 as meninas aprendiam na escola sobre sua suposta fragilidade física (MIRAGAYA, 2002), mas mudou-se essa visão, pois o corpo feminino ideal deixou de ser a frágil doméstica passando a ser o da “mulher ativa” que tem o corpo magro e firme, mas sem ser muito musculoso (ADELMAN, 2003).

“Praticou ou pratica alguma outra luta?”

Gráfico 3. Respostas obtidas para a pergunta “Praticou ou pratica alguma outra luta?”

    Foi questionado se a praticante de boxe já havia praticado ou estava praticando outra modalidade de luta e 40% (n=8) não praticou ou pratica nenhuma outra luta, 35% (n=7) já fez ou faz capoeira, 15% já fez ou faz caratê, e 5% (n=1) já fez ou faz judô e taekwondo.

    Uma capoeirista praticou outra modalidade 3,4% (n=1) que foi boxe, as outras, 96,5% (n=28) não praticaram outra modalidade de luta.

    As caratecas que praticaram outras modalidades de luta foram 10% (n=2), uma praticou capoeira e a outra judô. Não praticaram outra modalidade 90% (n=18).

    As boxeadoras foram as que mais experimentaram outras modalidades até chegar ao boxe, isto pode ter ocorrido porque o boxe é uma modalidade considerada como uma das mais “masculinas” e as boxeadoras não são influenciadas a praticar essa modalidade, então elas querendo praticar alguma luta buscam por outras, como a capoeira e o caratê que apresentaram baixa pontuação nesta questão, e por fim encontram o boxe.

    A luta mais “experimentada” foi a capoeira, por se tratar de uma luta que está próximo da dança e a dança ser considerada algo do universo feminino, por ser uma luta que busca mais coreografar com o oponente do que acertá-lo faz com que as mulheres não encontrem tantas barreiras em comparação com outras lutas, e após a experiência de luta na capoeira foram buscar outras modalidades de luta. Em outro estudo com população semelhante, por meio do discurso de uma capoeirista (FERRETTI e KNIJNIK, 2007), pudemos inferir o quanto as moças tendem a feminilizar a capoeira para assim poder praticá-la sem conflitos de gênero. Isto é, ao afirmarem que “não é só luta, é também cultura”, as atletas acabam por colocar outras qualidades na capoeira, a fim de não confrontar o masculino da luta, diminuindo assim o “peso” delas estarem em uma prática considerada masculina.

“Você já foi vítima de preconceito por lutar?”

    A questão sobre preconceito mostrou que 17,6% (n=3) já foram vitimas de preconceito e 82,3% (n=14) não foram vitimas de preconceito. Em sim foi acrescentado: “meu namorado odeia”, “por parte de amigos homens” e “sim, principalmente da parte masculina achando que a presença de mulheres ‘masculinizaria’ a sua feminilidade”.

    As alunas de capoeira vítimas de preconceito foram 3,4% (n=1) e 96,5% (n=28) não foram vítimas. Em “sim” foi acrescentado “machismo”.

    Nenhuma carateca foi vítima de preconceito.

    As boxeadoras foram mais vítimas de preconceito do que em outras modalidades, mas a diferença é pouca para se concluir que pelo fato do boxe ser considerado mais “masculino” no imaginário das pessoas isso aumente a possibilidade das alunas de boxe passarem por uma experiência preconceituosa.

    O preconceito ocorre porque em uma sociedade homófoba as pessoas associam mulher com características ditas masculinas com homossexualidade. Existe relação histórica do esporte com a força, poder e músculo, se enquadrando como uma atividade masculina e que a mulher deveria ser poupada de um possível processo de masculinização (MARTINS e MORAES, 2007). Em conseqüência desse imaginário, o esporte feminino é tratado com desprezo, focado na beleza de seu corpo, associado ao papel materno e com preconceito, enquanto que nos homens são ligados a heróis, vitória, força, disputa e ser “macho” – enfim, vinculado às imagens da masculinidade hegemônica (CONNELL, 1995).

    Porém a associação de comportar-se conforme o gênero que não corresponda ao biológico com a homossexualidade foi desmentida, foi verificado se havia relação entre o teste de gênero (Bem Sex Role Inventory – BSRI) e de opção sexual (Sexual Attraction Questionnaire – SAQ). Não foi encontrado relação (FERNÁNDEZ, QUIROGA e OLMO, 2006), ou seja, condutas de gênero não correspondentes ao esperado para uma mulher, não significava necessariamente comportamento homossexual.

Analisando através do teste exato de Fisher

    Relação entre idade e o motivo de praticar o esporte

Tabela 2. Qual a sua idade? - Por que você faz?

 

Boxe

Capoeira

Caratê

Idade abaixo da média

Idade acima da média

Total

Idade abaixo da média

Idade acima da média

Total

Idade abaixo da média

Idade acima da média

Total

Saúde

5

5

10

11

9

20

7

6

13

Estética

2

1

3

2

2

4

1

1

2

Gosta de lutar

5

3

8

3

3

6

9

2

11

Segurança

0

0

0

0

0

0

2

2

4

Outros

0

0

0

3

1

4

1

4

5

Total

12

9

21

19

15

34

20

15

35

Probabilidade

 

 

0,850

 

 

0,043

 

 

0,208

    De acordo com os resultados, pode-se constatar relação entre “idade” e “motivo da prática do esporte” apenas para as praticantes de capoeira, pois a probabilidade do teste é 0,0434, o que mostra que as capoeiristas com idade abaixo da média do grupo têm motivos diferentes em praticar capoeira. Para boxe (0,85) e caratê (0,2085) não foi possível observar relação.

    O propósito dessa tabela era de encontrar mudanças do comportamento através do tempo, isso foi encontrado apenas nas capoeiristas, pois as mais novas praticam a modalidade por motivos diferentes das mais velhas, apresentando uma mudança de condutas com o passar do tempo.

Relação entre idade e participação em competições

Tabela 3. Qual a sua idade? - Já participou de competições nessa modalidade?

 

Boxe

Capoeira

Caratê

Idade abaixo da média

Idade acima da média

Total

Idade abaixo da média

Idade acima da média

Total

Idade abaixo da média

Idade acima da média

Total

Sim

0

0

0

2

0

2

3

5

8

Não

10

7

17

13

12

25

10

2

12

Total

10

7

17

15

12

27

13

7

20

Probabilidade

 

 

ERRO

 

 

0,487

 

 

0,062

    Não foi possível aplicar o teste para as boxeadoras por zerarem em muitos itens. Não foi encontrada relação entre “idade” e “participar em competições” nas alunas de capoeira (0,4872) e nem nas de caratê (0,0623), mas como o valor das caratecas é próximo de 0,05 deve-se considerar que possa existir relação entre idade e participar de competições e que as mais velhas tendem a participar mais de competições do que as mais novas.

    Com a impossibilidade de realizar o teste com as boxeadoras, realizou-se o teste unindo os três grupos e não foi encontrada relação (0,7275) entre “idade” e “participar em competições”.

    Nesse cruzamento procurava-se saber se as mais novas tinham um comportamento diferente quanto a participar de competições em relação as mais velhas, no caratê o valor ficou próximo de 0,05 e as que têm idade acima da média competiram mais que as mais novas.

Relação entre idade e a prática de outra luta

Tabela 4. Qual a sua idade? - Praticou ou pratica alguma outra luta?

  

Boxe

Capoeira

Caratê

Idade abaixo da média

Idade acima da média

Total

Idade abaixo da média

Idade acima da média

Total

Idade abaixo da média

Idade acima da média

Total

Sim

8

1

9

0

1

1

1

0

1

Não

2

6

8

15

11

26

12

7

19

Total

10

7

17

15

12

27

13

7

20

Probabilidade

 

 

0,015

 

 

0,444

 

 

0,999

    Foi encontrada relação entre “idade” e “praticar outra luta” nas boxeadoras (0,0152), essa relação mostra que as boxeadoras com idade abaixo da média praticaram mais outras modalidades do que as boxeadoras com idade acima da média. Não foi encontrada relação nas alunas de caratê (0,9999) e capoeira (0,4444).

    A maior “experimentação” em outras modalidades de luta das boxeadoras mais novas pode indicar uma mudança quanto a visão de mulher lutando, ou seja, as que têm idade abaixo da média procuraram mais as lutas por terem a visão diferente das que têm idade acima da média demonstrando uma mudança na mentalidade. No passado os preconceitos contra a mulher atleta estavam ligados a sua suposta fragilidade e incapacidade, atualmente o preconceito esta ligado aos padrões estéticos femininos que se confrontam com a modelagem que o esporte exige do corpo (KNIJNIK, 2003).

    Porém também pode indicar uma maior insegurança das mais novas para praticar modalidades consideradas masculinas, pois experimentaram lutas menos masculinas antes de iniciarem o boxe, enquanto que as mais velhas têm uma preocupação menor da avaliação do grupo social ao qual pertencem.

Relação entre idade e ser vítima de preconceito

    Não foi encontrada relação entre “idade” e “ser vítima de preconceito” em nenhuma das três modalidades (boxe: 0,9999, capoeira: 0,44, caratê: erro e geral: 0,9999), sendo que poucas lutadoras foram vitimas de preconceito.

    O propósito desse cruzamento era descobrir se houve uma mudança quanto ao preconceito em modalidades de luta através dos tempos, sabe-se que houve no esporte de modo geral, mas o tempo aqui trabalhado foi curto porque o desvio padrão da média de idade geral foi de 6,23 e assim aproximadamente 70% da amostra estão no período entre 12 anos.

    Na comparação da “Classificação de Metheny” realizada em 1965 com a classificação realizada mais recentemente, foi encontrada diferenças nas classificações que apontam para a diminuição dos extremos (RIEMER e VISIO, 2003), ou seja, menos esportes passaram a ser classificados como somente para homens ou mulheres.

Relação entre o tempo de prática do esporte e como veio praticar

Tabela 5. Há quanto tempo pratica essa luta? - Como veio praticar?

 

 

Boxe

Capoeira

Caratê

Menos de 1 ano

Mais de 1 ano

Total

Menos de 1 ano

Mais de 1 ano

Total

Menos de 1 ano

Mais de 1 ano

Total

Amigos

0

0

0

6

0

6

3

4

7

Parentes

0

0

0

3

0

3

0

1

1

Curiosidade

0

5

5

8

4

12

3

3

6

Violência

0

0

0

0

0

0

0

0

0

Outros

1

1

2

2

4

6

2

4

6

Total

1

6

7

19

8

27

8

12

20

Probabilidade

 

 

0,285

 

 

0,047

 

 

0,999

    Foi encontrada relação entre “tempo de prática do esporte” e “como veio praticar” nas capoeiristas (0,0474), isso mostra que as alunas de capoeira que estão a mais tempo praticando a modalidade esportiva vieram a praticar por meios diferentes daquelas que estão praticando a menos de 1 ano, ou seja, as que continuam praticando a capoeira têm motivos diferentes das que estão iniciando, isso demonstra que dependendo da forma como foram introduzidas na capoeira fazem com que elas continuem ou não, porém o grupo das capoeiristas apresentam a maior quantidade de alunas iniciantes, o grupo de boxe que tem menos iniciantes apresentou uma relação menor (0,2857) e as de caratê que tem a menor quantidade de iniciantes praticamente não apresentou relação (0,9999), o que demonstra a necessidade de futuras investigações para identificar se a capoeira tem uma característica peculiar que a diferencia das outras modalidades de luta quanto a forma de iniciar, ou cada modalidade tem a sua característica e a forma de como veio praticar influencia de forma particular naquela determinada modalidade, ou não influencia.

Relação entre o tempo de prática do esporte e o motivo de praticar o esporte

Tabela 6. Há quanto tempo pratica essa luta? - Porque você faz?

 

Boxe

Capoeira

Caratê

Menos de 1 ano

Mais de 1 ano

Total

Menos de 1 ano

Mais de 1 ano

Total

Menos de 1 ano

Mais de 1 ano

Total

Saúde

7

3

10

14

7

21

5

8

13

Estética

2

1

3

2

2

4

1

1

2

Gosta de lutar

4

4

8

4

2

6

5

6

11

Segurança

0

0

0

0

0

0

1

3

4

Outros

0

0

0

3

2

5

1

4

5

Total

13

8

21

23

13

36

13

22

35

Probabilidade

 

 

0,826

 

 

0,947

 

 

0,888

    Não foi encontrada relação entre “tempo de prática do esporte” e o “motivo de praticar” em nenhuma das modalidades analisadas (boxe: 0,9266, capoeira: 0,9472 e caratê: 0,8881).

    Pretendia-se encontrar se as que permanecem praticando a modalidade têm motivos diferentes das que estão iniciando, pois em caso positivo significaria que se continuou a praticar modificaram seus motivos.

    Dessa forma a universitária que inicia a modalidade de luta não muda os seus motivos para se adequar a modalidade mais “masculina” e sim, ao decidir praticar a modalidade já esta com os motivos incorporados para treinar.

    Corroborando com a idéia de que o motivo de entrada no meio não se altera após a entrada, não foram encontradas relações de motivo com “participação em competições” (0,2428), pois as que competiram tem os mesmos motivos que as que não competiram. Baixa relação com “pretensão em continuar” (0,5240), sendo assim o motivo não interfere em continuar ou não na pratica, pois já “estão dentro” o que explicaria também não ter encontrado a relação com “prática de outra luta” (0,904) e motivo.

Relação entre o tempo de prática do esporte e ter sofrido preconceito o esporte

    Não há relação entre “tempo de prática do esporte” e “ter sofrido preconceito” em nenhuma das modalidades e nem no agrupando as modalidades (boxe: 0,9999, capoeira: 0,32, caratê: erro e geral:0,9999).

    Procurava saber se quanto mais tempo praticando uma modalidade de luta, maior a chances de sofrer com preconceito, mas não foi encontrada relação que apontasse para isso, provavelmente isto ocorreu por terem poucas alunas com maiores tempos de prática e os treinos do CEPEUSP não visam a competição o que reduz a chance de masculinizar o corpo da aluna e dessa forma sofrer algum preconceito de caráter homófobo.

Relação entre participação em competições e como veio participar

Tabela 7. Como veio praticar? - Já participou de competições nessa modalidade?

Variáveis

Participação em competições

 

Probabilidade

Como veio participar

Sim

Não

Total

 

Amigos

5

9

14

 

Parentes

1

3

4

 

Curiosidade

1

34

35

 

Violência

0

0

0

 

Outros

4

9

13

 

Total

11

55

66

0,004

    Devido a grande quantidade de zeros encontrados nos itens contendo apenas uma modalidade, realizou o teste quadrado de Fisher somando os valores das três modalidades de luta e encontrou relação entre “participação em competições” e “como veio participar” (0,0041), isso mostra que as alunas que vieram competir iniciaram na modalidade esportiva por formas diferentes das que não competiram.

    Esse resultado mostra que a forma como se inicia a modalidade de luta influência em participar de competições ou não, entre as que não participaram de competições a maioria (61,81%) iniciou por curiosidade.

Relação entre início e pretensão em continuar

    Não há relação entre “como iniciou a prática” (através de amigos, parentes, por curiosidade ou medo da violência) e “pretensão em continuar” (0,9035). Buscou-se saber se dependendo do motivo a aluna tinha pretensão de continuar ou não, mas não foi encontrada relação.

    Por outro lado as lutadoras relataram motivos que poderiam dificultar a prática esportiva, como o ajustamento aos padrões de feminilidade na adolescência - ao relatarem que diminuíram a atividade física nessa fase e a dificuldade de conciliar tarefas da casa com a prática de atividade física (FERRETTI e KNIJNIK, 2007).

Relação entre participação em competições e vítima de preconceito

    Não há relação entre “participar de competições” e “ser vitima de preconceito” (boxe: erro , capoeira: 0,9999, caratê: 0,45)., sendo assim, quem compete na modalidade de luta não corre mais risco de ser vitima de preconceito daquele que não tem como objetivo participar de competições - porém deve-se atentar para o fato do número de alunas que competiram ser baixo, o que pode induzir ao erro.

Conclusões e sugestões

    Esse estudo teve como combustível a busca de promover a equidade expondo as barreiras que muitas vezes passam despercebidas, pois nos acomodamos com elas. A barreira é algo limitador, com isso, a sociedade como um todo, fica limitada a um espaço, impedida de continuar o seu progresso; pensamos que o aumento da conscientização dos malefícios dessas barreiras poderá fazer com que homens e mulheres derrubem-nas.

    Nas modalidades de lutas também há barreiras restringindo as mulheres, as lutadoras mais experientes conseguiram superá-las, um exemplo foi que os pais eram a barreira para a lutadora de greco-romano Patrícia Miranda (LAJOLO, 2004), e o mesmo foi achado para as boxeadoras Lalla, Loren, Thalita e Tamyres (YURI e GIANNINI, 2005). Outras barreiras encontradas foram a rejeição do parceiro e técnicos que não aceitam treinar mulheres (YURI e GIANNINI, 2005), meninas são encaminhadas pelas instituições para esportes “femininos” (STRAZZACAPPA, 2004); desde cedo a criança absorve qual é o “esporte mais adequado” para meninos e meninas e as lutas não são colocadas como modalidade adequada para as meninas (RIEMER e VISIO, 2003) e a mulher atleta tem que ajustar seu corpo em um molde social que não corresponde ao seu corpo atlético (KNIJNIK, 2003).

    No presente estudo as boxeadoras começaram a praticar essa modalidade por curiosidade e não o fizeram por influência de alguém, isso ocorreu porque as pessoas consideram a modalidade como a mais “masculina” e não sugerem o boxe para as mulheres.

    Elas fazem a modalidade por gostarem de lutar. Foram as que mais “experimentaram” outras modalidades de luta, ou seja, experimentaram primeiramente em lutas consideradas socialmente menos masculinas para depois encontrar a satisfação no boxe.

    As boxeadoras mais novas “experimentaram” mais outras lutas do que as boxeadoras mais velhas, isso pode ser um indicativo de que as mais novas têm uma visão diferente sobre luta do que as mais velhas.

    As capoeiristas, assim como as boxeadoras, começaram a praticar a sua modalidade de luta por curiosidade. As capoeiristas mais novas praticam a modalidade por razões diferentes das mais velhas e as que estão praticando a mais de um ano têm motivos diferentes das que estão a menos de um ano na prática, ou seja, dependendo do motivo que as levaram a praticar capoeira elas continuam ou não a freqüentar as aulas.

    A capoeira foi a luta mais “experimentada”, isso deve ocorrer porque é a modalidade de luta considerada menos “masculina”, pois tem a música que remete à dança que é visto como algo feminino e com menor contato corporal.

    As caratecas, da mesma forma que as boxeadoras, praticam o caratê por gostarem de lutar.

    De modo geral as lutadoras não foram motivadas a praticar uma modalidade de luta por causa do medo da violência ou buscando a autodefesa, o que mostra que não é o aumento da violência que fez as mulheres procurarem as lutas e sim a sua emancipação.

    Dependendo da forma que levou a lutadora a iniciar a modalidade ela vai ou não participar de competições. As que iniciam por curiosidade têm poucas chances de chegarem a uma competição.

    O preconceito não foi pouco assinalado pelas lutadoras do CEPEUSP, mas ele se demonstrou latente com outros pesquisadores, isso pode ter ocorrido pela maioria ter pouco tempo de prática e por praticar a luta como condicionamento e, portanto não houve tempo e esforço suficiente para modificarem seus corpos. Começaram quando adultas e por isso não sofreram sanções dos pais.

    Novos estudos com lutadoras de alta competição poderão deixar mais claro o quanto a questão do preconceito está afetando a iniciação e mesmo a permanência da mulher no mundo dos esportes de combate.

Agradecimentos

    Ao Prof. Dr. Adriano Ferreti Borgatto pelos auxílios estatísticos.

Referências

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