O esporte sob a lógica do capitalismo contemporâneo: apontamentos iniciais |
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*Doutorando em Educação / UFRJ Professor de Educação Física **Doutoranda em Serviço Social / UERJ Professora de Educação Física (Brasil) |
Bruno Gawryszewski* Adriana Machado Penna** |
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Resumo Na medida em que o esporte assume feições mundiais, este trabalho pretende traçar um perfil dos investidores do campo esportivo nos países do capitalismo central que escolhem o esporte como lócus para a acumulação de capital. Também discute como a realização de grandes eventos esportivos em países fora do eixo da tríade Estados Unidos – Zona do Euro – Japão. Dessa forma, o trabalho procura colocar o esporte como uma manifestação que é determinada em sua forma e seu conteúdo pela lógica do capitalismo contemporâneo. Unitermos: Esporte. Capitalismo. Mundialização |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 134 - Julio de 2009 |
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O esporte é um fenômeno cultural que vem assumindo contornos cada vez mais globais, fazendo-se presente no cotidiano de significativa parcela da sociedade. Diante de tamanha popularidade, a experiência e a fruição do esporte são manejadas a fim de adquirir formas próprias para sua inserção no modo de produção capitalista contemporâneo.
Nesse sentido, afirmamos que as expressões que compõem uma cultura esportiva – representada pelas diversas modalidades de esporte, pelas atividades da cultura corporal, pelos grandes eventos esportivos mundiais e a sua ampla cobertura pela mídia, sobretudo, televisiva – têm colaborado para a lógica de reprodução da forma capital. O avançado processo de mercantilização capitalista vem, cada vez mais, constituindo-se como circunstância fundamental para apreendermos as mediações presentes no campo esportivo. Não apenas sob a pretensão de enredar uma homogeneização de hábitos e padronização de comportamentos humanos na tentativa de escamotear e negar as contradições inerentes ao capitalismo e que resultam no processo de luta de classes, o esporte assimila uma funcionalidade no processo de produção e reprodução das atuais relações sociais capitalistas, na condição de fonte para alocação de investimento com vistas à continuidade do imperativo expansionista do capital.
Assim como qualquer setor da economia capitalista, o esporte vem apresentando diversificações e recomposições no seu processo de institucionalização e legitimação, o que acarreta em mudanças periódicas na forma geopolítica de seu quadro geral. Neste trabalho, pretendemos traçar um perfil dos emergentes investidores do campo esportivo nos países do capitalismo central que escolhem o esporte como lócus para a acumulação de capital. Também nos interessa discutir a realização de grandes eventos esportivos em países fora do eixo da tríade Estados Unidos – Zona do Euro - Japão. Dessa forma, o trabalho busca analisar como essas manifestações se inserem e determinam o esporte em sua forma e seu conteúdo pela lógica do capitalismo contemporâneo.
A configuração do cenário esportivo
A atual fase de mundialização do capital e suas medidas mais proeminentes como a liberalização da concorrência, a desregulamentação do trabalho assalariado e a financeirização da economia vêm atuando em configurar novas relações sociais e econômicas no campo esportivo nos países desenvolvidos. O modelo para a regulamentação esportiva abriu vez para que agentes privados controlem a organização dos torneios e a gestão de equipes. A entrada da lógica empresarial no comando do esporte, especialmente a associação entre ações de marketing e contabilidade como grande empresa, apresenta uma nova configuração para a continuidade do esporte. As grandes equipes internacionais precisam se mobilizar para consolidar sua participação, aumentar suas receitas e atrair patrocinadores. Os campeonatos de futebol europeu foram transformados em produtos de alto valor para a indústria do entretenimento de massas. Isto decorreu de uma série de estratégias de valorização de suas marcas (brand) no mercado. Dentre as ações mais recorrentes estão a exibição de publicidade nas camisas, a consolidação de ligas em formato empresarial, o aumento no valor dos contratos de direitos de transmissão televisiva, o lançamento de produtos personalizados (merchandising), a abertura de lojas em franchising, a construção das chamadas arenas multiuso e, conseqüentemente, a formação de um vasto público consumidor.
A inserção da lógica mercantil para organização, institucionalização e gestão das práticas esportivas se inscreve na estrutura totalizadora de controle de ser do capital, sistema que, como salienta Mészáros (2002), escapa a um significativo controle humano como “uma forma incontrolável de controle sociometabólico” (p.96). O esporte também passa a integrar o rol de atividades mercantis do capital a fim de consolidar seu processo de produção e reprodução.
Ainda sobre o modo como o capital opera seu funcionamento, Mészáros (2002) coloca que “O sistema do capital é orientado para a expansão e movido pela acumulação” (p.100). Na qualidade de um sistema de controle sociometabólico, o capital extrai e acumula o máximo de trabalho excedente para a sua reprodução expandida. Esse impulso expansionista do capital é irremediável, caso contrário estaria ele contrariando a sua própria natureza, cometendo uma espécie de suicídio do controle do metabolismo social. Contudo, sob condições em que esse processo dinâmico de expansão e acumulação esteja paralisado e haja bloqueio de novos territórios sobre os quais o capital poderia estender seu domínio, estas contradições ativam os limites absolutos e a simultânea crise estrutural do sistema e estes efeitos se fazem sentir no campo esportivo.
Um dos casos mais emblemáticos é o da seguradora AIG. A empresa anunciou em janeiro de 2009 que não iria renovar o contrato de patrocínio ao clube inglês Manchester United. O contrato, que tem vínculo até maio de 2010, estabelece que a empresa deve pagar o valor de 20,9 milhões de euros pela exposição de sua marca pelo clube. A AIG foi uma das empresas mais afetadas com a crise do capital. Sua atuação se baseia nos seguros de alto risco, a partir da inserção no mercado dos conhecidos derivados financeiros. Após as ações da seguradora terem caído em mais de 60% no crash de 16 de setembro de 2008 que levou a falência o Banco Lehmann Brothers, o governo estadunidense de Bush assumiu o controle de quase 80% das ações da empresa e do gerenciamento dos negócios, através de um aporte de capital inicial de 85 bilhões de dólares. Com a manutenção dos prejuízos da empresa, em março de 2009, já no governo Obama, o Departamento do Tesouro concedeu mais 30 bilhões de dólares, o que totalizou a voluptuosa quantia de 150 bilhões de dólares no curto espaço de seis meses.1 O caso do clube Manchester United é emblemático visto que a empresa patrocinadora das camisas a partir de junho de 2010 será a AON Corporation, empresa do ramo de seguros e contratos de risco, tal como a AIG.
A ordenação espaço-temporal no esporte
A sobrevivência do capitalismo, mesmo diante de tantas crises profundas e profecias sobre a sua queda iminente, é uma questão que recorrentemente ganha atenção dos intelectuais. As gestões dos colapsos econômicos e como as classes dominantes reagem a essas crises do capital por meio do adiamento do tempo e da expansão geográfica para impedir o ascenso do movimento organizado pelos trabalhadores são algumas das preocupações que o geógrafo David Harvey apresenta ao propor a teoria da ordenação espaço-temporal.
Quando o capital se encontra em falta de oportunidades lucrativas, torna-se imperativo que este gere mecanismos para absorver os excedentes de capital. Harvey (2005) afirma que a expansão geográfica e a reorganização espacial proporcionam tal opção. O autor compreende que, na medida em que as trocas de bens e serviços (incluindo a força de trabalho) quase sempre envolvem mudanças de localização, elas definem um conjunto de movimentos espaciais sujeitos a uma fricção da distância e, por conseguinte, seus vestígios impelem que as atividades se agreguem num espaço de formas que minimizem essas fricções. Os capitalistas individuais, ávidos em vencer a concorrência, buscam obter vantagens competitivas no interior dessa estrutura espacial, tendendo a ser atraídos a mudar para locais em que os custos sejam menores ou as taxas de lucro maiores. Desse modo, o capital excedente de um lugar pode encontrar emprego noutro lugar em que as oportunidades de lucro ainda não foram exauridas.
Harvey sintetiza a ideia da ordenação espaço-temporal a partir da condição das crises de sobreacumulação num dado sistema territorial que apresente condições de excedentes de trabalho (desemprego em elevação) e excedentes de capital (acúmulo de mercadorias). Assim, uma das soluções para a restauração para a absorção desses excedentes decorreria dos deslocamentos espaciais por meio da abertura de novos mercados, novas capacidades produtivas e novas possibilidades de recursos, sociais e de trabalho, em outros lugares.
Trazemos a discussão para o campo esportivo a partir do levantamento com os principais contratos de patrocínio nas camisas dos clubes europeus:
Club |
Patrocinador |
Atuação |
Duração |
Anos |
Valor Anual |
Manchester United |
AIG |
Seguros |
06/10 |
4 |
20.900.000 € |
Arsenal FC |
Emirates |
Transporte aéreo |
06/10 |
4 |
22.500.000 € |
Schalke 04 |
Gazprom |
Energia |
07/12 |
6 |
20.800.000 € |
Bayern Munchen |
T-COM |
Telecomunicações |
02/09 |
7 |
17.000.000 € |
Chelsea FC |
Samsung |
Tec. Informação |
05/10 |
5 |
14.800.000 € |
Tottenham Hotspur |
Mansion |
Apostas |
05/10 |
4 |
12.700.000 € |
Ajax |
AEGON |
Fundo de pensão |
08/15 |
7 |
12.000.000 € |
Juventus FC |
New Holland/FIAT |
Automobilístico |
07/10 |
3 |
11.000.000 € |
AC Milan |
BWIN |
Apostas |
06/10 |
4 |
10.000.000 € |
Olympique Lyon |
Novotel / Accor |
Turismo |
06/10 |
5 |
9.200.000 € |
Real Madrid CF |
BWIN |
Apostas |
07/10 |
3 |
8.300.000 € |
Newcastle United |
Northen Rock |
Transporte férreo |
05/10 |
5 |
7.500.000 € |
Liverpool FC |
Carlsberg |
Cerveja |
07/10 |
3 |
7.400.000 € |
AS Roma |
Wind |
Telecomunicações |
07/09 |
3 |
6.300.000 € |
Hamburger SV |
Emirates |
Transporte aéreo |
06/09 |
3 |
5.000.000 € |
Blackburn Rovers |
Crown Paint |
Decoração casa |
08/11 |
3 |
5.000.000 € |
Sevilha FC |
888.com |
Apostas |
08/11 |
3 |
5.000.000 € |
Everton FC |
Chang Beer |
Cerveja |
07/10 |
3 |
3.500.000 € |
Athletic Bilbao |
Petronor |
Petróleo |
08/11 |
3 |
2.000.000 € |
Paris St. Germain |
Emirates |
Transporte aéreo |
06/09 |
3 |
1.500.000 € |
Torino |
Renault Truck |
Automobilistíco |
08/11 |
3 |
1.000.000 € |
V.Guimarães |
Finibanco |
Bancário |
08/10 |
2 |
600.000 € |
Fonte: Adaptado de Futebol Finance2
Dentro do perfil comercial dos patrocinadores, evidenciamos que estão presentes os setores da indústria pesada (ramo energético, petrolífero, automobilístico) localizados historicamente no capitalismo com predominância industrial; setores de alta tecnologia (telecomunicações, transporte aéreo, tecnologia da informação, serviços de transporte) largamente impulsionados pela reestruturação produtiva e da crise do capital do final da década de 1960 e início dos anos 1970; e os setores ligados à época histórica da financeirização da economia (seguros, bancos, fundos de pensão, apostas online).
A incursão da esfera financeira sobre o esporte é uma amostra do ápice do movimento de mundialização do capital, que possui extrema capacidade de mobilidade e volatilidade dos investimentos. A financeirização da economia representa a tentativa mais próxima já alcançada pelo capital em fazer dinheiro a partir do próprio capital-dinheiro, como um movimento próprio de valorização autônoma. Desse modo, arvoram-se e empenham-se em reproduzir bravatas de que não precisam do Estado para regular coisa alguma, o que está se revelando uma verdadeira fraude na presente crise do capital. E ainda podemos ressaltar que há uma imbricação entre as dimensões produtivas e financeiras dessa mundialização como parte integrante de seu funcionamento. Se, por um lado o volume de transações puramente financeiras no mercado de câmbio represente a maioria das transações, por outro, essas transações são, em boa medida, proporcionadas por transferências efetivas de riquezas geradas nos ditos setores produtivos, especialmente pela extração agressiva da mais-valia sobre os assalariados.
Podemos ainda encontrar dados relevantes com relação aos perfis e particularidades dos atuais investidores do campo esportivo, quando analisamos o ranking publicado pela revista Forbes que aponta os dez maiores bilionários do futebol mundial.3
Proprietário |
Capital estimado |
Ramo4 |
Nacionalidade |
Equipe |
Lakshmi Mittal |
US$ 19,3 bilhões |
Siderúrgico |
Indiano |
Queen’s Park Rangers (ING) |
Amâncio Ortega |
US$ 18,3 bilhões |
Vestuário |
Espanhol |
Deportivo La Coruña |
Paul Allen |
US$ 10,5 bilhões |
T. I. |
Estadunidense |
Seattle Sounders |
Roman Abramovich |
US$ 8,5 bilhões |
Energético |
Russo |
Chelsea |
François Pinault |
US$ 7,6 bilhões |
Artigos de luxo |
Francês |
Rennes |
Silvio Berlusconi |
US$ 6,5 bilhões |
Comunicações, financeiro. |
Italiano |
Milan |
Philip Anschutz |
US$ 5 bilhões |
Entretenimento |
Estadunidense |
L.A. Galaxy, etc |
Mansour bin Zayed Al-Nahyan |
US$ 4,9 bilhões |
Fundo investimento |
Árabe |
Manchester City |
John Fredriksen |
US$ 4 bilhões |
Construção naval |
Norueguês |
Valerenga (SUE) |
Bernie Ecclestone |
US$ 3,7 bilhões |
Entretenimento |
Inglês |
Queen’s Park Rangers (ING) |
A liderança do indiano Lakshmi Mittal é emblemática por representar a força das empresas que comercializam os metais pesados, um setor produtivo altamente concentrado há mais de um século, tal como o quadro traçado por Lênin em 1916, na clássica obra Imperialismo: fase superior do capitalismo.
Por sua vez, seu irmão, Pramod Mittal, até dezembro de 2008, era dono do CSKA Sofia, principal clube búlgaro, vendido ao consórcio árabe Titan.5 De quebra, foi quitada a dívida que P. Mittal havia contraído um empréstimo com o empresário ucraniano Konstantin Zhevago, principal acionista da Ferrexpo, companhia produtora de minério de ferro e principal rival de Mittal nos negócios situados na Bulgária, onde disputam o controle da companhia siderúrgica de aço Kremikovitz.6
O fenômeno recente da “invasão” de magnatas provenientes da Rússia e países pertencentes à ex-União Soviética e de países árabes tomou de assalto o “Velho Mundo” que ainda não parece bem digerido pelos cosmopolitas europeus, apegados à reminiscências do antigo domínio colonial sobre o mundo. Conforme o ranking acima, Roman Abramovich (Chelsea) e Mansour bin Zayed Al-Nahyan (Manchester City) são os expoentes de uma lista de bilionários proprietários de clubes ingleses, que ainda contam com o uzbeque Alisher Usmanov, um dos principais acionistas do Arsenal, e o egípcio Mohammed Al-Fayed, dono do Fulham.
Os grandes eventos esportivos
Dentro do contexto de mundialização e de uma ordenação espaço-temporal do capital no esporte, acreditamos que a realização de grandes esportivos nos países na década de 2000 não resulta de mera coincidência, mas enredada numa trama de relações internacionais, que envolve uma série de aspectos econômicos, políticos e sociais, das quais pretendemos oferecer algumas indicações preliminares.
Os dados relativos ao Produto Interno Bruto (PIB) referente ao ano de 20087 indicam que, dentre os vinte países com maiores valores econômicos, ao menos sete se enquadrariam na categoria conhecida como países de poder econômico e político emergente (China, Rússia, Brasil, Índia, México, Coreia do Sul e Turquia), com destaque supremo ao crescimento galopante da China que, atualmente, ocupa a terceira posição do ranking, não muito atrás de seus rivais japoneses.
Tais países, adicionado a um conjunto de nações pertencentes aos outros continentes vem, gradativamente, gerando mais riqueza para o fortalecimento do sistema capitalista. Os países “em desenvolvimento” produziram 40% do volume de bens e serviços no ano de 2005, o que perpassa um total de US$ 55 trilhões.8 Não obstante, ao nos determos sobre o mapa geográfico dos maiores eventos esportivos em escala mundial, evidencia-se a preponderância desses países a partir da década de 2000:
Ano |
Evento |
País sede |
2000 |
Jogos Olímpicos |
Austrália |
2002 |
Copa do Mundo de Futebol |
Coreia do Sul e Japão |
2004 |
Jogos Olímpicos |
Grécia |
2006 |
Copa do Mundo de Futebol |
Alemanha |
2008 |
Jogos Olímpicos |
China |
2010 |
Copa do Mundo de Futebol |
África do Sul |
2012 |
Jogos Olímpicos |
Inglaterra |
2014 |
Copa do Mundo de Futebol |
Brasil |
Ao expandirmos o campo de observação para outros esportes, o resultado não é diferente. O mapa geográfico das provas da Fórmula 1, principal categoria do automobilismo, foi profundamente alterado na década de 2000 com o ingresso de países asiáticos e da região do Oriente Médio a sediar corridas. São eles: Malásia, China, Bahrein, Turquia, Cingapura e Emirados Árabes. Na temporada de 2009, apenas oito das dezessete provas serão realizadas em países da Zona do Euro, tradicionalmente responsável por sediar mais da metade das corridas, o que excluiu nos últimos anos, países como França e Portugal, e países da América do Norte, como Canadá e Estados Unidos. O tênis e o golfe repetem a tendência e também abriga alguns dos torneios mais valiosos em pontuação e premiação em países outrora periféricos, especialmente China e Emirados Árabes.
Nessa nova geografia do esporte, os Emirados Árabes são os maiores responsáveis pela incursão no campo esportivo entre os países do Oriente Médio. Dubai e Abu Dhabi são os dois pólos que impulsionam investimentos sem precedentes em instalações e eventos esportivos de grande magnitude. A primeira está construindo a Dubai Sports City, um complexo esportivo com mais de 4,6 milhões de metros quadrados, o que incluirá dois estádios multiesportivos, dois ginásios e um campo de golfe. Já a segunda, capital, abrigará o Mundial de Futebol de Clubes da FIFA em 2009 e 2010 e a primeira corrida de Fórmula 1 do país.
Esse fervor pela corrida em favor de sediar os grandes eventos esportivos acaba por se inserir numa lógica do desperdício, na qual a construção de modernas arenas e estádios multiuso serve à cultura do descartável que prevê que num curto espaço de tempo, tais espaços esportivos encontrem-se sumamente obsoletos de acordo com as normas internacionais de competição. István Mészáros (2002) reforça suas críticas ao entender que “o modo capitalista de produção [é] inimigo da durabilidade e que, portanto, no decorrer de seu desdobramento histórico, deve minar de toda maneira possível as práticas produtivas orientadas-para-a-durabilidade, inclusive solapando deliberadamente a qualidade” (p.636).
O capital fomenta mecanismos que subordinam o valor de uso ao valor de troca, o que implica que, mesmo o valor de uso persistindo ínfimo, o seu valor de troca não é afetado. Uma vez a transação comercial tenha ocorrido, a mercadoria se autoevidencia para justificar sua utilidade. Neste sentido, a expansão do capital não depende do incremento na taxa de utilização, mas ao contrário, o decréscimo é uma das facetas pelas quais o capital conseguiu atingir um crescimento inigualável em seu desenvolvimento histórico.
Entretanto, adicionada à taxa de utilização decrescente, a reprodução capitalista se orienta a um consumo destrutivo, um estágio avançado ao modo de produção perdulária que adota uma forma mais radical de desperdício – a destruição direta de vastas quantidades de riqueza acumulada com o objetivo de se livrar do excesso de capital superproduzido.
O subsídio ao complexo militar-industrial e as declarações de guerra são as formas mais visíveis desse processo de consumo destrutivo. No entanto, o capital também encontrou um subterfúgio para que o campo esportivo se insira nessa lógica. Um exemplo é o estádio italiano Delle Alpi, localizado na cidade de Turim. O estádio que foi construído especialmente para a Copa do Mundo de Futebol na Itália em 1990, portanto há apenas 19 anos, já está considerado ultrapassado. Isto porque quando foi concebido na época, o modelo em voga eram estádios com grande capacidade de público e dotados de pistas de atletismo. Contudo, a utilização do estádio em campeonatos italiano “revelou” que a concepção desse tipo de estádio seria equivocado por afastar em demasia o público do campo. Por isso, o estádio já está sendo demolido para dar lugar a um novo estádio, menor e mais moderno, ao custo de 105 milhões de euros.
Conclusão
O perfil das corporações e dos principais empresários que possuem investimentos no esporte e a discussão sobre a lógica da realização dos grandes eventos esportivos indicam que este não só não está imune às vicissitudes do capital, como se integra totalmente à lógica de produção e reprodução do sistema capitalista.
A entrada do maciço investimento privado no esporte atende ao imperativo expansionista e irrefreável do capital em se expandir a todos os cantos do planeta. Mesmo sob a sombra de uma “crise financeira”, o capital mantém seus aportes financeiros nos clubes e nos grandes eventos de modo que este dinheiro seja permanentemente “reciclado” e reconduzido aos nichos que manifestem oportunidades de lucros.
Tendo em vista como a mundialização e a ordenação espaço-temporal refletem o movimento do capitalismo em busca de sua manutenção, a realização dos grandes eventos esportivos surge como oportunidade decisiva para o aporte dos excedentes de capital. Orientados sob os interesses do capital, estes eventos surgem como panaceias para solucionarem todos os problemas de infraestrutura e qualidade de vida nas cidades e países sedes. Contudo, além de muitas vezes estes não atenderam às expectativas geradas na população, geram uma irracional lógica de investimentos calcados na perdularidade, já que os equipamentos esportivos construídos comumente estão sob investigação por conta de gastos superfaturados, e na obsolescência programada, quando estes são construídos sob a expectativa de brevemente serem destruídos ou reformados.
Desse modo, afirmamos que nenhum investimento no campo esportivo que esteja sob as rédeas do capital poderá ser benéfico à sociedade como um todo.
Notas
http://g1.globo.com/Noticias/Economia_Negocios/0,,MUL1023527-9356,00-COM+PREJUIZO+RECORDE+AIG+RECEBERA+MAIS+US+BILHOES+DO+TESOURO+DOS+EUA.html
Disponível em http://www.futebolfinance.com/contratos-de-patrocinio-nas-camisolas
http://epocanegocios.globo.com/Revista/Common/0,,EMI68684-16418,00-REVISTA+PUBLICA+RANKING+COM+OS+MAIORES+BILIONARIOS+DO+FUTEBOL.html
Por opção para exposição da tabela, optamos por colocar o investimento que mais se destaca, mas é bem conhecida a prática de diversificação de investimentos e participação como acionista em outras empresas.
http://www.futebolfinance.com/titan-adquire-o-cska-sofia
http://www.novinite.com/view_news.php?id=93102
https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/fields/2195.html
http://oglobo.globo.com/economia/mat/2007/12/17/327651654.asp
Referências
HARVEY, David. O novo imperialismo. 2a ed, São Paulo: Loyola, 2005.
MÉSZÁROS, Istvan. Para além do capital: rumo a uma teoria de transição. São Paulo: Boitempo, 2002.
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revista
digital · Año 14 · N° 134 | Buenos Aires,
Julio de 2009 |