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Governo dos corpos, gênero e sexualidade: 

reflexões sobre situações do cotidiano das escolas

 

Mestre em Estudos da Linguagem (UFMT-2006)

Licenciado em Educação Física (UFMT-1999)

Prof. da Rede Pública de Ensino de Cuiabá-MT

Professor substituto da UFMT

Prof. Ms. Marcos Roberto Godoi

mrgodoi78@hotmail.com

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          O trabalho em foco procura discutir algumas questões acerca da sexualidade e de gênero na escola. Para isto, o estudo constitui-se da apresentação, da análise e discussão de situações críticas vivenciadas no contexto escolar, sob o enfoque pós-estruturalista dos estudos feministas e dos estudos gays e lésbicos (teoria queer). A análise possibilitou constatar que: a escola tem demonstrado inabilidade pedagógica para lidar com as questões da sexualidade e de gênero; em relação à homossexualidade mais especificamente, a escola tem optado pelo desconhecimento e pela normatização da sexualidade.

          Unitermos: Gênero. Sexualidade. Escola.

 

Abstract

          The work in focus seeks to discuss some questions aroud the sexuality and gender in school. For such, the study is composed of the presentation, the analysis and discussion of critical situations lived inside the school context. Under the post-structural focus of the feminists studies, and the gays and lesbians studies (queer theory). The analysis created the possibility to find out that: the school has beean incapable pedagogic ability to deal with the questions concerning the sexuality and the gender; in relation to homossexuality more specifically, the school has chosen ignorance to normalization of the sexuality.

          Keywords: Gender. Sexuality. School.

 

Este trabalho foi apresentado no Seminário Educação 2001, na Universidade Federal de 

Mato Grosso, em Cuiabá-MT, Brasil e o resumo expandido foi publicado nos anais do evento

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 134 - Julio de 2009

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Contextualização preliminar

    A sexualidade e o gênero ganharam um evidente destaque nas sociedades contemporâneas. Cada vez mais, a escola tem sido convocada para discutir este tema. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNS), a Orientação Sexual é um dos Temas Transversais que pretendem integrar todas as áreas do currículo.

    Entretanto, a sexualidade e o gênero estão presentes na escola mesmo não tendo um espaço no currículo oficial através de uma disciplina, de um programa ou projeto de educação sexual. Até mesmo quando a escola não fala sobre o assunto, a sexualidade e o gênero estão presentes, por meio das regras e normas de conduta, dos valores, dos códigos, dos padrões, dos silenciamentos, das proibições. Explícita ou implicitamente a escola realiza uma pedagogia da sexualidade; consciente ou inconscientemente esta prática pedagógica irá exercer um efeito sobre seus alunos, principalmente aqueles que se desviam da norma padrão. Neste sentido, o objetivo deste trabalho é discutir alguns aspectos sobre a prática pedagógica da escola no que se refere à questão da sexualidade e de gênero.

    Em termos metodológicos, esta pesquisa caracteriza-se por ser do tipo ex-pos-facto, ou seja, “a partir do fato passado. Isso significa que neste tipo de pesquisa o estudo foi realizado após a ocorrência de variações na variável dependente no curso natural dos acontecimentos” (GIL, 2002, p. 49), caracteriza-se também por ser uma pesquisa do tipo descritiva, pois tem como objetivo principal a descrição de características do fenômeno estudado.

    Os sujeitos pesquisados foram alunos, professores e funcionários das escolas, que protagonizaram as situações observadas, mas os mesmos não foram identificados para manter sua privacidade. A técnica de coleta de dados foi a observação assistemática.

    No que se refere aos procedimentos metodológicos, o estudo constitui-se da apresentação, análise e discussão de cinco situações observadas no contexto escolar. As quatro primeiras situações foram observadas no cotidiano escolar de duas escolas da Rede Municipal de Ensino de Cuiabá-MT, Brasil, durante o ano de 2000. No que tange às características das escolas, elas são de porte pequeno (número de alunos e espaço físico), oferece a Educação Infantil e as séries iniciais do Ensino Fundamental (organizadas em etapas e ciclos) e localizam-se em bairros periféricos.

    A última situação apresentada, entretanto, foi selecionada de um artigo da revista Isto é, Ed. 1.569, com data de 27/10/99. Este artigo tem o título “O Amor que ameaça”; e relata a situação vivida no contexto escolar, por um aluno da 8º série de um Colégio Católico na cidade de São Paulo. A decisão de acrescentar esta última situação foi por permitir que o leque de situações fosse ampliado, e também por entender que situações daquele tipo podem acorrer nas escolas com relativa frequência.

    A abordagem teórica para a análise foi realizada sob o enfoque dos estudos sobre gênero, sexualidade e educação.

Da descrição e análise das situações

    Neste tópico serão descritas as situações observadas, bem como a análise dos dados.

Situação 1 – Do menino e da menina pegos com brincadeiras sexuais

    Um aluno de Educação infantil entra em baixo de uma mesa durante a aula, abaixa sua bermuda e começa a manipular seu órgão genital. Pouco depois, uma aluna aproxima-se e toca no órgão do garoto também. Quando a professora vê a cena repreende as crianças, muito perturbada com a situação, conta para alguns professores da escola o acontecido em sala de aula. Alguns dias depois a mãe do menino vai até a escola saber o que tinha acontecido, pois seu filho não queria mais tirar a roupa na frente dela.

    De acordo com Louro (19998:40), uma das mais antigas “mentiras” da escola é a de que as crianças nada sabem sobre sexualidade, e apesar das afirmações de Freud sobre a sexualidade infantil, ainda se celebra uma “inocência” infantil, supondo que na prática a sexualidade “surge” mais tarde na vida dos indivíduos. No entanto, diz autora, eles e elas experimentam muitas formas de prazer e de desejo, com seus corpos ou com os seus parceiros e parceiras, na escola e fora dela. A sexualidade é um terreno sobre o qual crianças e jovens têm especial curiosidade e interesses. Neste sentido, a não compreensão destes aspectos parecem ter levado à professora a reprimir o comportamento dos alunos.

    Outro aspecto a respeito da cena 1 é a questão do controle e da disciplina exercidos pela escola sobre o comportamento e a sexualidade das crianças. Segundo Weeks (in Louro, 1999b: 51), o estudo de Foucault sobre o dispositivo sexual está intimamente relacionado com análise que ele faz da “sociedade disciplinar”, que é uma característica das modernas formas de regulação social, uma sociedade de vigilância e controle descrita em seu livro Vigiar e Punir.

    Conforme Weeks, Foucault aponta quatro unidades estratégicas que ligam, desde o século XVIII, uma variedade de práticas sociais e técnicas de poder. Juntas elas formam mecanismos de conhecimento e poder específicos, centrados no sexo. Essas estratégias produziram ao longo do século XIX, quatro figuras submetidas à observação e ao controle social: a mulher histérica, a criança masturbadora, o casal que utiliza formas artificiais de controle de natalidade, e o “pervertido sexual”, especialmente o homossexual.

    Situações de masturbação na infância são relativamente comuns, e na escola, quando acontece, o professor deve conversar com o/a aluno/a, e mostrar que este não é um comportamento adequado para um ambiente social como é a escola. Este diálogo deve acontecem em separado, buscando não constranger o/a aluno/a diante de seus colegas, de uma forma tranquila.

Situação 2 – Dois meninos lutando, repreendidos pela diretora da escola

    Dois meninos, alunos das séries iniciais, estão brigando na hora do recreio com intenso contato corporal e rolando pelo chão. A diretora vê a cena e diz em voz alta para as crianças: “Larga menino, ta parecendo mariquinha, grudado um no outro!” As crianças imediatamente se separam.

    Willian Pollack (1999: 21) fala sobre o Código dos Meninos, como sendo um conjunto de comportamentos, regras de conduta, princípios culturais e até mesmo léxicos que são inculcados nos meninos pela nossa sociedade. Segundo este estudioso, este código não escrito é tão forte e ao mesmo tempo tão sutil em sua influência, sendo que os garotos nem notam a sua existência até que o violem alguma forma ou tentem ignorá-lo. Quando isto acontece, a sociedade tende a torná-los cientes imediata e forçosamente, seja na família, na escola ou no grupo de amigos.

    Conforme este autor, a vergonha é usada para controlar os meninos e está no cerne da forma como os outros se comportam em relação às crianças. Através de um processo de humilhação endurecedora, os meninos devem sentir vergonha constantemente durante a fase de crescimento, partindo da idéia de que um garoto precisa ser disciplinado, endurecido, agir como um “homem de verdade”, ser independente e manter as emoções sobre controle.

    Em seu estudo, Pollack apresenta quatro injunções que os meninos seguem, quatro estereótipos básicos do ideal de masculinidade ou de modelos de comportamento que representam em essência o “Código dos meninos”. São eles:

  1. Ser “sólido como o carvalho”. Os homens devem ser estóicos, estáveis, independentes e jamais demonstrar fraqueza. Do mesmo modo. Os meninos não devem partilhar a tristeza e a dor abertamente;

  2. Ser “macho”. Este é um papel baseando num fato: “eu”, extremamente audacioso, cheio de bravata e voltado para a violência. Essa injunção enraíza-se no mito de que “meninos são meninos”, a concepção errônea de que são biologicamente feitos para agir como machos, com uma energia elevada, até mesmo usando violência.

  3. A “roda gigante”. Esses são os homens ou meninos imperativos e que busca, status, domínio e poder. A “roda gigante” refere-se a forma pela qual homens e meninos são ensinados a evitar a vergonha a qualquer custo, a usar a máscara da frieza, agindo como tudo estivesse bem, sob controle, ainda que não esteja;

  4. “Não agir como mariquinhas”. Talvez a mais traumatizante e perigosa injunção impingida a homens e garotos é, literalmente a camisa de força do sexo, que proíbe ao menino exprimir seus sentimentos ou necessidades vistas erroneamente como “femininos”: dependência, calor e empatia. Em vez de explorar esses estados emocionais, os meninos são prematuramente forçados a escondê-los e a tornarem-se autoconfiantes. Quando começam a ceder a pressão e deixam entrever sentimentos e comportamentos considerados femininos, muitas vezes são cobertos de ridículo, com provocações e ameaças que os humilham por seu fracasso, incitando-os a agirem de modo estereotipadamente “masculino”.

Situação 3 – Da aluna considerada masculinizada

    Uma aluna da 1º etapa do 2º ciclo (3ºsérie) é alvo de freqüentes comentários a respeito de seu comportamento, atitudes, vestimentas e preferências. Na Educação Física, observou-se que era garota muito habilidosa e gostava de jogar futebol. Segundo sua professora regente de sala: “A garota se parece com um hominho!” A professora, ressalta também a capacidade de liderança, iniciativa e habilidade que a aluna tem para relacionar-se em diferentes contextos. A professora disse ainda, que já deu um par de brincos e um batom para a menina usar. Porém, ela não usou muito tempo.

    No que diz respeito à cena 3, segundo Louro (1999a: 79), podemos destacar que para algumas crianças que desejam participar de uma atividade que é controlada pelo gênero oposto, estas situações podem ser vividas com muita dificuldade. Berrie Thorne (In: LOURO, 1999a), observa que a “interação através das fronteiras de gênero” tanto pode abalar e reduzir o sentido da diferença, como pelo contrário, fortalecer as distinções e os limites. Thorne também registra que muitas dessas atividades de fronteira borderwork são carregadas de ambigüidade e têm um caráter de brincadeira, de humor.

    Uma outra estratégia de distinção que meninos e meninas aprendem desde cedo, segundo Louro (1999a: 29), são as piadas e gozações, apelidos e gestos para dirigirem-se àqueles e àquelas que não se ajustam aos padrões de gênero e de sexualidade na cultura em que vivem. Este tipo de brincadeira ou gozação pode acontecer com uma aparente naturalidade no contexto escolar, porem, os profissionais da escola devem estar atentos sobre essas praticas e seus efeitos sobre aqueles/as que são as vitimas principalmente quando ainda não conseguem se defender.

    Ainda em relação à cena 3, Britzman (1996: 78), relatam uma situação escolar em que uma menina, que desempenhava com sucesso a função de goleira num jogo de futebol feminino, foi questionada por um pai do time oposto que exigia provas de seu gênero. Segundo a autora, provavelmente a aluna se tornará o “projeto pedagógico” de algum/a professor/a, ou seja, provavelmente tentarão “refeminizá-la”, recompensando-a se ela usar vestido, batom e outros acessórios femininos e avaliando-a negativamente se ela não o fizer. Para Britzman, no interior desse trabalho de manutenção de categorias reside uma “hierarquia de correção identitária”, na qual a lógica funciona afirmando que, primeiro a pessoa “obtém” o gênero correto e depois “obtém a heterossexualidade”. Deste modo, é uma lógica que confunde a categoria de gênero com a categoria de sexo. É o que parece ter ocorrido na situação analisada, pois a menina em questão, virou alvo de um projeto de refeminilazação.

    Para Louro (1998: 41-2), no discurso homogeinizador, a normalização das identidades sexuais e de gênero ganha um destaque extraordinário. A escola esta absolutamente empenhada em garantir que seus meninos e meninas tornem-se homens e mulheres “verdadeiros”, ou seja, que se correspondam às formas hegemônicas de masculinidade e feminilidade. Ainda que as fronteiras de gênero possam ser aqui ou ali afrouxadas, elas continuam sendo vigiadas.

Situação 4 – Da vigilância e controle da sexualidade de todos os profissionais da escola

    Os professores e funcionários de uma escola, em algumas conversas informais, fazem especulações e comentários jocosos a respeito do comportamento de um dos guardas da escola por ser “meio afeminidado”. Nesta mesma escola algumas professoras falam com uma das professoras sobre sua falta de vaidade, do seu corte de cabelo, da suas roupas que a deixavam “menos feminina”. Diziam ainda que ela era bonita, mais tinha que se cuidar mais, usar coisas que valorizassem mais a sua feminilidade.

    Em relação a analise da cena 4, de acordo com Louro (1999a: 92), o processo educativo escolar instalado no início dos tempos modernos, assenta-se na figura de um mestre exemplar. Ao contrário dos antigos mestres medievais, ele tornar-se-á responsável pela conduta de cada um de seus alunos, para que eles e elas carreguem para além da escola, os comportamentos e virtudes que aprenderam na instituição escolar. Para que isso aconteça, não basta que o mestre seja conhecedor dos saberes que deve transmitir, mas é preciso que ele próprio seja um modelo a ser seguido. Sendo assim, o corpo e a alma, o comportamento e os desejos, a linguagem e o pensamento dos mestres devem ser disciplinados.

    Louro (1999a: 106) lembra que a vigilância é constantemente exercida, podendo ser renovada e transformada, mais ninguém escapa dela. Fazendo referencia as idéias de Foucault (1998), Louro destaca que desde o século XVIII, os construtores e organizadores escolares colocaram-se “num estado de alerta perpétuo” em relação à sexualidade daqueles que circulam na instituição escolar. Sendo assim, para fazer com que homens e mulheres se ajustem aos padrões das comunidades faz-se necessário ter atenção redobrada sobre aqueles e aquelas que serão os formadores e formadoras das crianças nas escolas. Esta análise cabe perfeitamente na situação descrita anteriormente, na qual a professora e o guarda da escola são vigiados e corrigidos em suas formas de ser homem e mulher, isto porque ele e ela devem ser formadores das crianças, e por isto, devem dar o exemplo, dentro dos padrões de “normalidade”.

Situação 5 – Do aluno que se declarou apaixonado para um colega

    Um garoto de 14 anos, aluno da 8º série de um colégio católico de São Paulo denunciou a escola por descriminá-lo por sua orientação sexual e por ter declarado apaixonado por um colega dois anos mais velho. O diretor respondeu a denúncia dizendo que homossexualismo é “anormalidade”, mas não quis falar mais sobre o assunto. Os alunos do colégio dividiram-se entre os que o apoiaram e os que o condenaram. O rapaz passou por humilhações como um abaixo-assinado de alunos exigindo a sua expulsão do colégio e sofreu até ameaças de linchamento. Segundo o adolescente, houve hostilidade também por parte dos professores. “Alguns simplesmente não respondem mais as minhas dúvidas. Fingem que eu não existo”. A escola sugeriu acompanhamento psicológico. “Disseram que eu não tinha um comportamento ‘normal’ e causava problemas demais. Ouvi das coordenadoras que muitas mães teriam medo que eu abusasse das crianças no banheiro”, disse o menino para a revista.

    Para Louro (1999b: 29), a homofobia é consentida e muitas vezes é ensinada na escola. Ela expressa-se pelo desprezo, pelo afastamento, pela imposição do ridículo, como se homossexualidade fosse “contagiosa”: cria-se uma grande resistência em demonstrar simpatia para os sujeitos homossexuais. A aproximação pode ser interpretada como uma adesão a homossexualidade, o resultado é, muitas vezes o que Peter McLaren, citado por Louro chamou de apartheid sexual.

    Por isto, muitos alunos, e também educadores homossexuais adotam uma estratégia de sobrevivência no ambiente escolar, ocultando sua identidade sexual. Johnson (apud. LOURO, 1999b, p. 30) fala do closet, como sendo uma forma escondida e “enrustida” de viver a sexualidade não hegemônica, entendendo-o como “uma epistemologia”, isto é, como um “modo de organizar o conhecimento/ignorância”. Essa epistemologia tem marcado as concepções de sexualidade através de um conjunto de oposições binárias, com as quais especialmente as escolas operam: “homossexualidade/heterossexualidade”; “feminino/masculino”; “privado/público”; “segredo/revelação”; “ignorância/conhecimento”; “inocência/iniciação”. Mais uma dicotomia apresentada por Johnson é “closeting/educação”, para representar o quanto as escolas que supostamente devem ser o local para o conhecimento, é ao contrário, no que diz respeito à sexualidade, um local de ocultamento.

    A escola, afirma Louro, é com certeza um dos locais mais difíceis para que alguém “assuma” sua condição de homossexual ou bissexual. A escola nega e ignora a homossexualidade, por supor que se pode haver um tipo de desejo sexual, qual seja, a heterossexualidade. Deste modo, a escola oferece muitas poucas chances para que adolescentes ou adultos gays assumam, sem culpa ou vergonha, seus desejos. O lugar do conhecimento, ou seja, a escola passa a ser então o lugar do desconhecimento em relação à sexualidade.

    Outro conceito importante nesta discussão sobre sexualidade e educação é a concepção de heteronormatividade que Britzman (1996: 79) apresenta em seu trabalho embasando-se em Michael Warner. A heteronormatividade, segundo Britzman e Warner, é a obsessão com a sexualidade normalizante, através de discursos que descrevem a situação da homossexualidade como desviante.

    Situações como esta, ocorrem com relativa frequência nas escolas brasileiras. No caso analisado, era um colégio particular, católico, e como se sabe, a Igreja Católica tem uma visão ainda muito conservadora em relação a qualquer questão relacionada à sexualidade (métodos contraceptivos, aborto, homossexualidade, masturbação etc.). Mesmo em escolas públicas, estas situações ocorrem, e nem sempre o sujeito homossexual tem algum ponto de apoio ou referência. Muitas vezes eles e elas, considerados desviantes acabam abandonando a escola ou mudando de instituição educacional. Sabemos também que discutir sexualidade sob a ótica da religião sempre vai ser pecado, por isto defendemos a tese de que as questões relacionadas à sexualidade na escola devem ser abordadas pelo ponto de vista da ciência, é claro, não podemos desprezar os códigos sociais, morais, religiosos e éticos, mas é na ciência que devemos nos respaldar.

    Outro aspecto que merece destaque é o fato de sugerirem acompanhamento psicológico para o garoto, ou seria “tratamento” psicológico? Com muita frequência homossexuais são conduzidos para terapias psicológicas, mas desde 1973 a Associação Psiquiátrica America (APA) retirou a homossexualidade da lista de transtornos mentais, deixando de ser considerada uma doença, desvio de comportamento ou perversão. De acordo com Souza (2009), em 1983 o Conselho Federal de Medicina do Brasil (CFM), retira a homossexualidade da condição de desvio sexual. Na década de 90, Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-IV) onde são identificados por códigos todas os distúrbios mentais, que serve de orientador para classe médica e psiquiatras, também retirou a homossexualidade da condição de distúrbio mental. Em 1993 a Organização Mundial de Saúde (OMS) retira o termo "homossexualismo", que da idéia de doença e adota o termo homossexualidade.

Considerações finais

    A análise das situações observadas no cotidiano escolar possibilitou constatar que: a sexualidade infantil ainda é vista sob a ótica da inocência, e quando se manifesta é controlada por mecanismos de repressão; mecanismos de controle e regulação são utilizados pela escola, algumas vezes, através de um processo de humilhação endurecedor; as interações pelas fronteiras de gênero são vigiadas e corrigidas quando fogem do ideal de masculinidade e de feminilidade vigentes; as identidades de gênero e sexuais de todos os profissionais da escola são vigiadas, controladas e até mesmo corrigidas; a homossexualidade quando revelada na escola é tratada como patologia, como desvio comportamental e é hostilizada.

    A escola através de suas pedagogias, com seu conjunto de códigos e normas tem demonstrado inabilidade pedagógica para tratar de assuntos relacionados à sexualidade e as relações de gênero. No que diz respeito à homossexualidade mais especificamente, a escola tem optado pelo seu desconhecimento como uma variante normal de sexualidade humana, tratando-a como patologia e conduzindo para a sua normalização.

    Deste modo, pode-se dizer que a escola tem fracassado no que diz respeito a sua abordagem das questões de gênero e de sexualidade, uma vez que sua prática denuncia que está agindo em contrário aos valores e princípios de pluralidade, diversidade, respeito e cidadania. E neste sentido, ela contribui para o governo e controle dos corpos de seus alunos, professores e funcionários no que diz respeito às questões de gênero e sexualidade.

    Fica evidente aqui a necessidade de cursos de educação sexual na formação inicial e continuada de professores. Já existem iniciativas de políticas públicas nesta área, como por exemplo, o Programa Saúde e Prevenção nas escolas, uma iniciativa do Governo Federal, por meio do Ministério da Educação e do Ministério da Saúde. Este programa teve seu início em 2006, e já foi implantado em vários estados brasileiros, inclusive em Mato Grosso.

    Mesmo sendo uma recomendação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, muitas escolas e professores têm dificuldade de trabalhar com este tema. Há iniciativas mais avançadas, que buscam incluir nos currículos escolares a disciplina de Educação Sexual, com professor específico. Em nosso ponto de vista, a inclusão de uma disciplina específica para trabalhar a educação sexual e a prevenção ao uso indiscriminado de drogas, uma boa formação inicial e continuada de professores, ao lado de várias outras medidas como uma escola de tempo integral, com infra-estrutura adequada, melhores condições de trabalho e de salário podem contribuir para uma educação de melhor qualidade.

    Para isto é preciso vontade política de nossos governantes, uma boa formação didática/pedagógica e política de professores, compromisso social com a educação de qualidade e uma prática criativa, inovadora e realista, pois a educação sexual não pode ser trabalha da forma tradicional de ensino, isto também não despertaria a atenção e motivação dos nossos alunos.

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