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Relação entre aclimatação ao calor e ciclo circadiano

 

*Mestre em Ciências do Esporte pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Laboratório de Fisiologia do Exercício. Professor da Rede Pública Municipal de Contagem – MG.

**Mestre em Ciências do Esporte pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Laboratório de Fisiologia do Exercício. Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos,

Unidade São Gonçalo do Rio Abaixo.

***Mestre em Ciências do Esporte pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Laboratório de Fisiologia do Exercício. Doutorando em Ciências do Esporte pela UFMG.

****Professor da Rede Pública Estadual Paulista (SEE/SP)

Membro da Sociedade de Pesquisa Qualitativa em Motricidade Humana (SPQMH/UFSCar) e do

Núcleo de Estudos de Fenomenologia em Educação Física (NEFEF/UFSCar)

Especialista em Lazer pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Mestrando em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)

*****Mestre em Ciências do Esporte pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Laboratório de Fisiologia do Exercício

(Brasil)

João Batista Ferreira Junior*

jbfjunior@gmail.com

Leonardo Gomes Martins Coelho**

leoufmg@gmail.com

Washington Pires***

washpires@pop.com.br

Robson Amaral da Silva****

juninhoamaral@bol.com.br

Angelo Ruediger Pisani Martini*****

angeloruediger@yahoo.com.br

Diego Alcântara Borba*****

diegoalcantara1@gmail.com

 

 

 

Resumo

          A aclimatação ao calor é um processo de adaptações centrais e periféricas devido a exposições prolongadas e/ou repetidas à ambientes térmicos estressantes, adaptações estas que diminuem o estresse fisiológico causado por ambientes semelhantes durante novas exposições. As adaptações decorrentes da aclimatação ao calor são várias e as mais estudadas são aquelas que ocorrem no sistema cardiovascular e termorregulatório. Como parece existir alteração das variáveis termorregulatórias durante o ciclo de 24 horas devida (deve concordar com a palavra alteração) aos efeitos dos ciclos biológicos circadianos, o objetivo do presente trabalho foi revisar a literatura a cerca da possível relação entre o ciclo circadiano e a aclimatação ao calor. A diminuição da temperatura interna, da temperatura e do tempo para início da sudorese decorrentes da aclimatação ao calor, parecem ser observadas somente no mesmo horário em que ela teria ocorrido previamente durante o processo de aclimatação. Em termos práticos, seria interessante o atleta passar pelo processo de aclimatação no horário em que as competições são realizadas.

          Unitermos: Aclimatação. Ciclo circadiano. Calor. Exercício

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 133 - Junio de 2009

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Introdução

    A aclimatação ao calor é um processo de adaptações centrais e periféricas devido a exposições prolongadas e/ou repetidas à ambientes térmicos estressantes, adaptações estas que diminuem o estresse fisiológico causado por ambientes semelhantes durante novas exposições. O processo de aclimatação pode ocorrer de maneira natural (por exemplo: mudança de residência ou de estação do ano) ou provocada e controlada (por exemplo: em laboratório), sendo conseguida através de exposições repetidas ao calor suficientes para elevar a temperatura interna (Tinterna) e esta alteração é mais efetivamente conseguida com a realização de exercícios que promovam uma sudorese de moderada a profusa. Exercício moderado e diário realizado em ambiente quente com duração de 1 h é comumente suficiente para produzir um efeito em indivíduos não aclimatados (MACHADO-MOREIRA e col., 2005), e as mudanças nos ajustes devido à exposição ao calor começam a aparecer já nos primeiros dias, embora sejam plenas após a décima exposição (SHVARTZ e col., 1973).

    Alguns pesquisadores têm estudado as alterações de variáveis termorregulatórias durante o ciclo de 24 horas na tentativa de observar os efeitos dos ciclos biológicos circadianos, que ocorrem ao longo de um dia. Timbal e col. (1975) e Stephenson e col. (1984) verificaram que a temperatura corporal apresenta um comportamento circadiano com máximo às 16:00 e mínimo às 04:00 horas, variando entre 36,5 e 37,5° C. Com base nesta variação, é razoável imaginar que variações semelhantes também ocorram com as respostas termorregulatórias tanto no repouso quanto no exercício. Considerando-se este efeito circadiano na temperatura interna do corpo, surge a pergunta se o ciclo circadiano influenciaria as adaptações decorrentes da aclimatação ao calor, ou seja, se as adaptações ocorreriam somente no horário que foi estimulada a aclimatação ou em qualquer horário do dia. Portanto, o objetivo do presente trabalho é revisar a literatura a cerca da possível relação entre o ciclo circadiano e a aclimatação ao calor.

Aclimatação ao calor

    As adaptações decorrentes da aclimatação ao calor são várias e as mais estudadas são: no sistema cardiovascular e no sistema termorregulatório.

    Dentre as várias adaptações cardiovasculares: aumento no volume intersticial (WYNDHAM e col., 1968; BASS e col., 1958), na quantidade de água corporal (WYNDHAM e col., 1968), parece que os principais ajustes cardiovasculares com a aclimatação ao calor são a diminuição da freqüência cardíaca (KIRB e col., 1986; WYNDHAM e col., 1968; ROWELL e col., 1967) e aumento do volume plasmático (KIRB e col., 1986; SHAPIRO e col.,1981; SENAY e col., 1976). A diminuição da freqüência cardíaca provavelmente ocorre devido a ajustes centrais que diminuem o tônus simpático para o coração em virtude do atual menor estresse representado pela mesma situação térmica de antes da aclimatação. Já o aumento no volume plasmático parece ser causado pelo aumento na concentração plasmática de sódio (KIRB e col., 1986), devido à reabsorção renal e produção de um suor mais diluído; ou ainda pelo aumento na quantidade de água corporal (WINDHAM e col., 1968).

    Outra importante adaptação da aclimatação ao calor, segundo Roberts e col. (1977), são as modificações nos vasos sanguíneos da pele. Tais modificações permitiriam maior dilatação arteriolar na pele, ou utilização mais eficiente do fluxo sangüíneo para a pele no que diz respeito à transferência de calor.

    Um dos tradicionais índices de sucesso de aclimatação ao calor é a diminuição da temperatura central durante exposição ao calor comparado com valores pré-aclimatação (NITCHELL e col., 1976; PANDOLF e col., 1988; WYNDHAM e col., 1973, MACHADO-MOREIRA e col.. 2005) tanto em ambiente seco (HORSTMAN e col., 1982; SHVARTZ e col., 1973), quanto em ambiente úmido (BUONO e col., 1998; GARDEN e col., 1966; NITCHELL e col., 1976; SHVARTZ e col., 1979; SHVARTZ e col., 1973; WYNDHAM e col., 1973). Buono e col. (1998) sugeriram que a diminuição da temperatura central após aclimatação ao calor ocorre em parte à diminuição da temperatura central de repouso e em parte ao aumento na perda de calor.

    O aumento da capacidade sudorípara, devido ao processo de aclimatação, contribui para um menor acúmulo de calor corporal (WENGER, 1988). Alguns autores consideram que o aumento da capacidade de suar em resposta à aclimatação ao calor seja uma adaptação periférica, na glândula sudorípara (COLLINNS e col., 1965; FOX e col., 1967; FOX e col., 1963; MAGALHÃES e col., 2006). Estas alterações periféricas incluem o aumento da sensibilidade da glândula sudorípara écrina (COLLINNS e col., 1965) e o aumento do tamanho destas glândulas (SATO e col., 1990).

    Outras alterações na dissipação de calor que ocorrem com a aclimatação ao calor são as reduções da temperatura para início da sudorese e também para início da vasodilatação (ROBERTS e col., 1977; SHVARTZ e col., 1979; SHIDO e col., 1999), fazendo com que a perda de calor pela evaporação do suor produzido e pela vasodilatação sejam iniciadas mais cedo.

Ciclo Circadiano

    Ciclos biológicos ocorrem ao longo de um dia e são denominados circadianos. Os ritmos circadianos são expressos por oscilações nos sistemas fisiológicos (temperatura corporal, níveis hormonais) e por respostas internas orgânicas (neurotransmissores, eletrólitos ou substratos metabólicos) (SANTOS, 2004). Os fatores externos que ajustam tais ciclos circadianos são chamados zeitgebers (do alemão, marcador de tempo) (MILLS, 1966), sendo que os principais fatores externos para os humanos são o ciclo claro/ escuro, as interações sociais e a temperatura do ambiente (SANTOS, 2004).

    A temperatura corporal apresenta um comportamento circadiano com máximo às 16:00 e mínimo às 04:00 horas, variando entre 36,5 a 37,5° C (TIMBAL e col., 1975; STEPHENSON e col., 1984). A temperatura corporal é considerada um ritmo endógeno, pois não se extingue com a suspensão dos zeitgebers (MILLS, 1966). O ritmo circadiano da temperatura corporal persiste, apesar do exercício realizado em diferentes horas do dia, como foi demonstrado por Callard e col. (2001), que estudaram ciclistas e observaram que a temperatura corporal e a freqüência cardíaca continuam apresentando significativa variação circadiana, mesmo durante a execução do exercício contínuo, apenas com uma amplitude mais elevada.

    Como a temperatura corporal varia entre 36,5 a 37,5° C, é razoável imaginar que variações semelhantes também ocorram com as respostas termorregulatórias. Smith (1969) encontrou variações circadianas no fluxo de calor, na condutância de calor centro-periferia e na temperatura do dedo, as quais acompanharam as variações circadianas da temperatura interna.

    A temperatura retal de repouso, a temperatura retal para início da sudorese e a sudorese em estado estável foram medidas às 02:00, 10:00 e 18:00 horas (TIMBAL et al., 1975). Foi observado que a temperatura retal de repouso e a sudorese em estado estável apresentaram comportamento circadiano em comum (noite<manhã<tarde), sendo estes achados associados a variações na taxa metabólica ao longo do dia. No entanto, a variação da temperatura retal para início da sudorese foi maior à tarde e de manhã em comparação com a noite, o que refletiria as variações no tônus vasomotor (menor à noite).

    Stephenson e col. (1984) observaram comportamento análogo entre a variação ao longo do dia (04:00<08:00<12:00<16:00<20:00<24:00 horas) da temperatura retal e a temperatura retal para início da sudorese, sem observar alteração na sensibilidade sudorípara. Esses autores associaram as variações circadianas da sudorese às variações circadianas no tônus simpático, o qual estaria aumentado à tarde, causando maior vasoconstrição cutânea, dificultando a produção de suor pelas GSE. Neste estudo não foi analisada a variação da temperatura interna para o início da sudorese, mas somente os valores absolutos.

    Portanto, parece que as respostas sudomotoras e vasomotoras apresentam um comportamento circadiano similar ao da temperatura interna, apesar de não estar claro na literatura se a variação da temperatura interna para o início da sudorese se modifica ao longo do dia.

Relação entre aclimatação ao calor e ciclo circadiano

    Como ocorrem oscilações no sistema termorregulatório durante o exercício ao longo do dia, surge o questionamento se isso influenciaria de alguma forma as adaptações que ocorrem no sistema termorregulatório após um período de aclimatação ao calor.

    A aclimatação ao calor intermitente ou contínuo altera os níveis de mudanças diárias na temperatura central e no limiar de temperatura para perda de calor em humanos (FOX, 1963) e em ratos (SHIDO, 1989). Shido e col. (1991) usaram exposições ao calor (Ta = 35,5° C) por cerca de 5 horas da última metade da fase escura do dia por 10 dias consecutivos para aclimatar ratos Wistar. Foram observadas diminuições na temperatura hipotalâmica, na perda e na produção de calor durante o período de prévia exposição ao calor. Os autores sugeriram que após a aclimatação ao calor em horários fixados em ratos fosse formada uma espécie de marcador de tempo na memória.

    Na tentativa de verificar se as adaptações adquiridas com a aclimatação ao calor apresentam um ciclo circadiano, ou seja, se elas manifestam-se somente nos horários em que ocorreram as exposições ao calor como verificado em ratos, Shido e col. (1999) usaram 9-10 dias consecutivos para aclimatar 12 voluntários ao calor: temperatura ambiente de 46° C e umidade relativa de 20% por 4h (14:00-18:00). No primeiro experimento, a temperatura retal de seis voluntários foi medida por 24h numa temperatura ambiente de 27° C antes e após aclimatação ao calor. A aclimatação ao calor diminuiu significativamente a temperatura retal apenas entre 14:00 e 18:00 horas. No segundo experimento, a temperatura retal e a taxa de sudorese do peito e antebraço de seis voluntários em repouso, sentados em uma cadeira, numa temperatura ambiente de 28° C; foram medidas antes e após a aclimatação ao calor em dois horários do dia. A aclimatação ao calor diminuiu o tempo de latência para início do suor e o limiar de temperatura retal para sudorese. Porém, estas mudanças foram observadas somente no período da tarde. Os autores concluem que exposições repetidas ao calor em humanos, limitadas a horários fixados, alteram o nível da temperatura central e funções termorregulatórias, especialmente durante o período no qual os voluntários foram expostos ao calor.

Conclusão

    Com base na presente revisão da literatura realizada, parece existir uma relação entre a aclimatação ao calor e o ciclo circadiano, ou seja, as adaptações do sistema termorregulatório após um período de aclimatação ao calor ocorreriam somente no horário da exposição ao calor. No entanto, existe a necessidade de confirmar esta hipótese com um protocolo de aclimatação que contenha a realização do exercício no calor, já que Shido e col. (1999) utilizaram como protocolo de aclimatação ao calor exposições ao mesmo em repouso. Em termos práticos, isso seria interessante para indicar ao atleta se ele deve passar pelo processo de aclimatação ao calor no horário em que a competição será realizada ou se isso pode ocorrer em qualquer horário do dia.

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