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A contribuição da relação da Psicomotricidade com 

a Educação Física na busca de uma educação plural

 

Especialista em Educação e Reeducação Psicomotora pela UERJ

Professor de Educação Física do Estado do Rio de Janeiro

e Município de Itaboraí, formado pela UFRRJ

Licenciando em Pedagogia pela UERJ

Jeimis Nogueira de Castro

jeimis@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Este artigo teve como objetivo relacionar a prática psicomotora com as aulas de Educação Física nas escolas brasileiras, procurando identificar quais são as contribuições dessa união para se chegar a uma educação plural dentro do ambiente escolar. Para atingir este objetivo, inicialmente, buscou-se definir de acordo com alguns dos principais autores da Educação Física e da Psicomotricidade, para em seguida, relacionar as duas áreas de forma integrada e sem dicotomias, com a contribuição da Pedagogia Libertária.

          Unitermos: Psicomotricidade. Educação Física. Educação Plural. Corporeidade. Educação Libertária

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 133 - Junio de 2009

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Introdução

    Os objetivos e as propostas da Educação Física foram se modificando ao longo dos últimos anos, e todas as tendências, de algum modo, ainda hoje influenciam a formação do profissional e suas práticas pedagógicas. Na Educação Física e na Psicomotricidade, assim como em outros componentes curriculares, não existe uma única forma de pensar e trabalhar na escola.

    A Educação Física na escola brasileira recebeu influências da área médica, com ênfase nos discursos pautados na higiene, na saúde e na eugenia. Também recebeu influência dos militares e também, a partir da década de 1960, dos grupos políticos dominantes, que viam no esporte um instrumento complementar de ação. Dessa forma, a Educação Física passou a ter a função de selecionar os mais aptos para representar o país em diferentes competições. O governo militar apoiou a Educação Física na escola com o objetivo de formar um Exército composto pela juventude forte e saudável.

    A partir da década de 1980, por influência do novo cenário político, esse modelo de esporte de alto rendimento para a escola passou a ser fortemente criticado e surgiram novas formas de se pensar a Educação Física no ambiente escolar.

    É neste contexto que a Psicomotricidade começa a aparecer na área da Educação Física brasileira, procurando orientar o trabalho dos educadores. Buscando uma educação que não valorizasse somente o ser físico, mas o ser social, fisiológico, afetivo, cognitivo, espiritual... Ou seja, uma pessoa integral, e dessa forma, romper com o dualismo cartesiano corpo-mente.

    Este artigo tem como objetivo fazer uma relação da prática psicomotora com as aulas de Educação Física dentro do ambiente escolar de forma conjunta, sem dicotomias com a utilização do conceito dessas duas abordagens, buscando dar os primeiros passos para desenvolver uma educação plural na escola.

    Para atingir este objetivo de relacionar a Psicomotricidade com a Educação Física de forma integrada, e identificar as contribuições desta aliança, é preciso, antes de tudo, definir estas duas abordagens.

Definições da Psicomotricidade

    De acordo com a Sociedade Brasileira de Psicomotricidade, ela é uma ciência que tem como objeto de estudo o homem através de seu corpo em movimento e se relacionando com o seu mundo interno e externo. Estando relacionada com o processo de maturação; onde a origem das aquisições cognitivas, afetivas e motoras estão centradas no corpo, que é sustentado por três estruturas de base: o movimento, o intelecto e os afetos. A Psicomotricidade é um termo aplicado para uma concepção de movimento organizado e integrado, baseado nas experiências vividas pelas pessoas, cuja ação é resultante de sua individualidade, sua linguagem e socialização.

    Já Le Boulch (1987), diz que a Psicomotricidade é uma ciência que estuda as condutas motoras como expressão do amadurecimento e desenvolvimento da totalidade psicofísica do homem. Procurando fazer com que os indivíduos descubram o seu corpo através de uma relação do mundo interno com o externo e a sua capacidade de movimento e ação.

    Fonseca (1988) diz que a Psicomotricidade constitui uma abordagem multidisciplinar do corpo e da motricidade humana. Tendo como objetivo, desenvolver o homem total e suas relações com o corpo, tornado-as integradoras, emocionais, simbólicas ou cognitivas, propondo-se a desenvolver faculdades expressivas do sujeito.

    Lapierre e Aucouturier (1986) dizem que a Psicomotricidade é um trabalho psicopedagógico autêntico, no qual mais do que métodos, procedimentos e técnicas preestabelecidas, sua determinação se dá pelas intenções e através da premissa que só se transmite bem aquilo que se vive.

    Assim, pode-se constatar que a Psicomotricidade se volta para uma ação motora, corporal e espontânea, que busca chegar a uma pedagogia do respeito e da descoberta. Onde possibilita um desenvolvimento harmonioso dos educandos, dando a oportunidade para eles existirem como sujeitos únicos que têm prazer em se comunicar, criar e pensar.

Definições da Educação Física

    De acordo com Bracht (1992, 1999), a Educação Física é uma prática pedagógica que tematiza as manifestações da cultura corporal de movimento. Esses movimentos são os que conferem especificidade à área, através de determinados significados/sentidos, que por vezes, lhes são conferidos pelo contexto histórico-cultural. O movimento que é tema da Educação Física se apresenta na forma de jogos, de exercícios ginásticos, de esportes, de dança, etc.

    O movimentar-se humano é compreendido como forma de comunicação com o mundo. É uma linguagem que, portanto, se refere ao mundo do simbólico, e o que qualifica o movimento enquanto humano é o sentido/significado do mover-se, sentido/significado mediado simbolicamente, e é tudo isso que coloca o movimento no plano da cultura. (BRACHT, 1999).

    Para Mauro Betti (1992), a Educação Física tem a função de integrar e introduzir os educandos no mundo da cultura do movimento, formando o cidadão que vai usufruir, partilhar, produzir, reproduzir e transformar as formas culturais da atividade física, que são manifestadas no jogo, no esporte, na dança, na ginástica e nas outras atividades que utilizam o movimento humano. Para isso, a Educação Física deve considerar o educando numa relação de totalidade, não como objeto, mas como sujeito humano, ouvindo-o, conhecendo-o, aceitando-o, como um ser humano global.

    Kunz (1996, p. 72) entende a Educação Física “como um processo social que indica uma consolidação cultural e histórica própria e pode existir tanto em instituições formais e públicas como também em instituições informais e ambientes privados”.

    Esta prática pedagógica fundamentada no trabalho de Kunz (op. cit., p. 75) se sustenta:

    [...] nos pressupostos apresentados da pedagogia crítico-emancipatória que se explicita na prática pela didática comunicativa, privilegiando os planos do agir para o trabalho, para a interação e para a linguagem, estes três atributos máximos da capacidade heurística humana: saber-fazer, saber-pensar e saber-sentir.

    Jocimar Daólio (2001, 2004) acredita que a Educação Física não lida somente com o corpo ou com o movimento humano como seu objeto principal de estudo, como foi feito e pensado durante décadas. A Educação Física trabalha com a cultura relacionada às questões corporais, cultura esta que foi criada e sistematizada pela humanidade desde o seu surgimento, sendo constantemente atualizada e transformada. O educador na concepção de Daólio (2004), não atua diretamente sobre o corpo ou com o movimento em si, não trabalha com o esporte em si e nem lida com a ginástica especificamente. Ele trata do ser humano nas suas manifestações culturais relacionadas ao corpo e aos movimentos humanos, historicamente definidos como o jogo, o esporte, a dança, as lutas e as ginásticas.

A Relação da Psicomotricidade com a Educação Física

    Através das definições das duas abordagens, é possível identificar uma grande correlação entre elas. Uma delas é que ambas trabalham utilizando o movimento humano e tudo que esse “movimentar-se” representa e significa.

    Porque Freire (1992) diz que a Educação Física enxerga o movimento humano carregado de intenções, sentimentos e inteligência, assim como a Psicomotricidade. E continua:

    [...] uma prática de Educação Física humanista não poderia viver sob qualquer miopia em relação ao gesto corporal. Não há por que desenvolver habilidades (correr, saltar, girar etc.) que não sejam significativas, isto é, que não sejam uma promoção de relações aperfeiçoadas do sujeito com o mundo, de modo a produzir as ações que o tornem cada vez mais humano, isto é, mais presente, mais consciente, testemunha do mundo em que vive.

    Kunz (1996) acredita que seja preciso valorizar o movimento autêntico, singular, significativo, inserindo-o em um contexto de expressão, para que a partir dele e com ele possa desenvolver a linguagem no sentido de criação, de troca, de diálogo, numa dimensão comunicativa.

    Desta forma, é importante destacar o movimento em ambas as abordagens como criador de relações e de significações, pela originalidade dos seus próprios arranjos, pelo ritmo que imprime, abrindo um campo de possibilidades, num eterno recomeço.

    De acordo com Daólio (2002), pode-se acreditar que tanto a Psicomotricidade, como a Educação Física progressista, propõem uma visão mais ampla do ser humano e da cultura, refutando a chamada concepção estratigráfica, substituindo-a por uma visão sintética, onde os fatores biológicos, psicológicos, sociológicos e culturais podem ser tratados como variáveis dentro dos sistemas unitários de análise. É evidente, ainda com as contribuições de Daólio, que elas não negam expressões ou características biológicas, psicológicas, sociais ou culturais no ser humano, mas procura concebê-las como variáveis de um todo humano indissociável, rompendo com qualquer forma de dicotomia ou de privilégios de alguma abordagem.

    Baseando-se nos trabalhos de Freire (1992), que defende uma educação aberta à criatividade dos educandos para criarem os seus modos próprios de se expressarem, movimentarem, brincarem, jogarem... Estando também aberta à observação e à análise de seus comportamentos, buscando dessa forma, atingir o real interesse dos educandos. Transformando o processo educativo em uma prática que possibilita a disponibilidade, o respeito e a aceitação, permitindo assim, o convite à autonomia criativa. Pode-se relacionar este mesmo objetivo com o objetivo da Psicomotricidade na educação.

    Esse é o tipo de educação que se busca com a união da Psicomotricidade e a Educação Física. Uma educação que valoriza o ser ao invés do ter, concentrando a atenção no processo de evolução da pessoa, que será concebida em sua integralidade, tendo as etapas de evolução do movimento voltadas ao plano simbólico vivenciado, e não apenas num plano neuro-motor. A educação nesta concepção é entendida como o desenvolvimento das potencialidades próprias de cada criança.

    Segundo Betti (1994), a Educação Física tem sonegado informação e negado o prazer e a sociabilização aos seus educandos, porque não tem feito a mediação simbólica do saber orgânico para a consciência, fazendo-os ter autonomia no usufruto da cultura corporal de movimento.

    Com a união da Psicomotricidade e da Educação, há uma busca por uma prática pedagógica que de certa forma, saiba ler, aceitar e compreender os significados originais de seu grupo alvo de trabalho, procurando empreender sua ação pedagógica intencional, considerando também os seus significados e atributos ao longo da tradição da cultura corporal de movimento.

    Utilizando um conceito mais simbólico da cultura corporal de movimento dentro da escola e das aulas de Educação Física através de uma educação plural, que propiciará uma capacidade de convivência com a diversidade de manifestações corporais humanas e o reconhecimento das diferenças a elas inerentes. Para isso, pode-se aplicar o princípio da alteridade, que considera os outros a partir de suas diferenças, levando em conta a intersubjetividade intrínseca às mediações que acontecem na área.

    Reconhecendo, dessa forma, as diferenças pessoais e culturais, não atropelando o processo de grupos com outros tempos e valores políticos culturalmente definidos. Essa união tem muito a contribuir para a educação brasileira, transformando-se numa prática que não se preocupa em controlar ou domesticar objetivamente elementos como o indivíduo, o tempo, o espaço, a história, o corpo, o movimento, a sociedade, o desenvolvimento individual ou social, a cognição, a emoção, os conteúdos escolares e os esportes. E assim, esta educação, pretende atuar sobre o ser humano, baseando-se nas manifestações eminentemente culturais, respeitando e assumindo que a dinâmica cultural é simbólica.

    A Psicomotricidade pode contribuir para ampliação da visão da Educação Física sobre o corpo para uma entidade além de um conjunto biológico de ossos, músculos, articulações, nervos e células.

    A Educação Física juntamente com as contribuições da Psicomotricidade, tornar-se-á uma área mais ampla, deixando de lidar somente com o corpo ou o movimento humano apenas, porque não é possível existir qualquer ação que seja sobre o corpo que ignore o seu significado na sociedade. Quanto a isso, Daólio (2002, p. 91), diz que: “o corpo não existe como entidade isolada, corpo humano é devidamente localizado numa cultura específica”.

    A partir dessas afirmações, há uma busca por uma Educação Física Escolar que não ensinará somente as técnicas corretas dos esportes, danças, ginásticas, ou aquela que vai corrigir e refinar os gestos dos educandos. Mas sim, uma área que recebe as contribuições da Psicomotricidade e assim, parti da dinâmica cultural específica de seus educandos no que se refere às questões do corpo, do movimento e dos esportes. Para ampliá-las, discuti-las, confrontá-la e tornar o educando um sujeito emancipado e autônomo nas questões corporais.

    Com as contribuições de Daólio (1995), este trabalho busca desenvolver uma educação plural na escola, onde as aulas de Educação Física com o auxílio da Psicomotricidade, sustentada por Aucouturier (2007), Lapierre & Lapierre (2002) e Cabral (2001), visa a alcançar todos os educandos, sem qualquer discriminação dos menos habilidosos ou dos mais habilidosos, dos baixinhos ou magrinhos, dos que usam óculos ou os que não usam, dos meninos ou das meninas. O importante é que os educandos são diferentes, tanto em termos de interesse, como de habilidade motora ou de especificidade cultural.

A contribuição da Pedagogia Libertária

    Para desenvolver esta educação plural com algumas contribuições da Pedagogia Libertária, este trabalho se baseia no pensamento de Gallo (1995), que acredita numa educação contra-ideológica, autônoma e libertária. Ele esclarece que uma educação libertária não é aquela em que os educandos são deixados à vontade de sua auto-organização. Para Gallo (op. cit.), o ponto de partida fundamental para a compreensão de uma proposta de educação libertária deve partir necessariamente da autoridade, para depois se chegar à liberdade, tanto individual como coletiva.

    Os educandos precisam aprender que fazer escolhas não é uma coisa simples. Eles precisam aprender que são plenamente responsáveis pelas escolhas que fazem e pelas conseqüências também. Essa é a principal característica da liberdade, nesta perspectiva, se somos livres para escolher, somos responsáveis tanto pelo que escolhemos quanto pelas conseqüências desta escolha. Isso faz com que cada indivíduo seja responsável não apenas por si mesmo, mas também por toda a humanidade, visto que seus atos se refletem em todos os homens, em maior ou menor grau, e pelo mundo, já que sua ação, além de se dar em meio a outros homens, dá-se também, necessariamente, no mundo. Se o mundo é assim, isso se deve as escolhas que todos nós fazemos, a determinados atos que escolhemos ou deixamos de escolher. Se vivemos numa determinada sociedade, concordemos ou não com ela, somos plenamente responsáveis por ela, pois a sociedade é sustentada, ou não, unicamente por nossas próprias ações (JABER, 2003 ).

    Segundo Gonçalves (1994), a Educação Física parte do movimento corporal, que envolve o homem como uma totalidade, não podendo, assim, ignorar a problemática da liberdade. De acordo com Lapierre & Aucouturier (1986), a Psicomotricidade também trabalha a partir da liberdade da livre expressão dos movimentos na relação com os espaços e os outros.

    A prática pedagógica dessas abordagens, em aliança, pode ser um meio de levar os educandos a uma maior liberdade subjetiva, possibilitando a eles ampliar seu campo de experiências e integrar suas condutas corporais em nível superior de integração; a incentivá-los na conquista de suas liberdades objetivas, levando-os a desenvolverem a consciência crítica e a vivenciarem o sentido da responsabilidade social. Esta união está baseada em assumir a aprendizagem da liberdade como o valor humano maior a ser conquistado.

    De acordo com Jaber (2003), a função da escola é desenvolver a personalidade e as potencialidades dos educandos, fornecendo condições para um autoconhecimento de suas potencialidades e limitações. E dessa forma, a escola poderá dar condições para eles interpretarem a realidade social em que vivem, socializando valores nobres de justiça, tolerância à diversidade cultural, pluralidade, liberdade, fraternidade e igualdade de oportunidades. É possível acreditar que Psicomotricidade e Educação Física juntas, poderão atingir este objetivo dentro da educação brasileira.

    Porque segundo Cabral (2001), a escola precisa se tornar em um novo espaço instituinte, onde a criança tem suas expressões desenvolvidas em sua plenitude. Dando espaço para as vivências em todos os aspectos: cognitivo, sensoriomotores, construtivos e expressivos. Da mesma forma, para as manifestações do inconsciente, dos conflitos que fazem parte da evolução da personalidade e a inserção social dos educandos.

    Dessa forma, o estudante que se descobre e afirma, pode se expressar e criar as possibilidades de compartilhar emoções e de construir algo de modo produtivo, podendo se relacionar com outras pessoas, com a sociedade, e crescer enquanto indivíduo consciente. Tornando-se um sujeito mais livre e capaz de poesia, no sentido de enfrentar as exigências de trabalho, sendo capaz de ir mais além das surpresas e dos cortes que a vida nos obriga a confrontar. Criando, assim, menos estruturas neurotizadas e encontrando possibilidades de saída para ser feliz na vida, construindo e trilhando o seu próprio caminhar e seu caminho de sujeito (idem).

    Essa é a educação que se busca com a união da Educação Física e da Psicomotricidade, com a contribuição da Educação Libertária.

Metodologia das aulas

    Na perspectiva de uma educação plural, pode-se iniciá-la com a recepção de sugestões dos educandos para o planejamento dos conteúdos, baseando-se em Correia (1996), para serem trabalhados durante o ano letivo, construindo-o de forma participativa, através de debates, discussões e um processo de votação. Sendo os procedimentos iniciais para a construção do projeto, uma vez que, é desejável que os educandos possam tomar parte do processo de decisão, organização, participação e avaliação.

    Após selecionar um rol de atividades que estivesse compreendido entre os temas propostos, os estudantes deveriam distribuí-los por entre os bimestres, iniciando assim, um novo processo de discussão e votação. Desta forma, todos aqueles que estavam envolvidos no processo, já teriam conhecimento do que estaria previsto para o ano letivo, e principalmente, terão a oportunidade de participar nas decisões do que fazer com a sua capacidade de se mover e com o seu corpo.

    Os discentes ajudarão, conforme seus gostos e desejos, na construção do plano de trabalho, fazendo assim que se sintam responsáveis por esses conteúdos e tendo um envolvimento maior e mais interesse nas aulas.

    Com as contribuições de Jaber (op. cit.), serão expostos alguns passos que podem ser seguidos para esta perspectiva de ensino.

    1º Passo – De acordo com Aucouturier (2007), o educador pode iniciar a aula cumprimentando todos os educandos e chamando todos pelo nome, e esclarecendo que estamos lá para facilitar as suas atividades e aprendizados, e que para eles brincarem livremente, algumas condições devem ser respeitadas, como: “Tudo é brincadeira, não podemos machucar as outras pessoas, nem nos machucamos. Não podemos quebrar o material”. (p. 203)

    Em seguida, pode-se discutir sobre o tema inicial da aula com os educandos, investigando os conhecimentos que eles já possuem do conteúdo a ser trabalhado, para que durante a aula, esses conhecimentos sejam aprofundados, passando por um processo de transformação desses conhecimentos, que parte do sincrético até se chegar ao conhecimento erudito. Em seguida, todos poderão ajudar com a arrumação do ambiente e dos materiais que serão utilizados para as aulas.

    2º Passo – Este é o momento principal da aula, é quando os educandos tentam se apropriar e incorporar os conhecimentos da cultura corporal dos movimentos. É nesta etapa que de acordo com Cabral (2001), os educandos vão elaborar melhor seus conflitos através de atividades lúdicas, espontâneas e livres; estabelecendo uma nova relação entre eles e o educador que vai ajudá-los a se confrontarem com seus desejos fusionais e seus desejos de identidade, no momento em que frente a uma necessária frustração, eles deverão aceder a uma comunicação simbólica e mediatizada. Buscando torná-los conscientes do que se passa com eles, e dessa forma, eles poderão ser sujeitos de seu próprio desejo, capacitando-os para a escolha de realizar ou renunciar a seus desejos, quando houver interdições necessárias à sua humanização, e, enfim, permitir a eles alcançarem a autonomia responsável.

    Neste processo, o educador os observará, procurando registrar as suas ações durante a aula, buscando identificar como eles se expressam, para procurar perceber como o grupo está e o que esse grupo necessita ser trabalhado nas próximas aulas. O educador também pode orientá-los, fazendo perguntas problematizadoras verbais, espaciais ou corporais, para desafiá-los na busca da superação de alguma dificuldade que perceba durante a aula de alguns participantes e com isso, pode dar sugestões para uma possível solução.

    3º Passo – Esta é parte final da aula, onde todos sentam e fazem uma avaliação de tudo que foi vivenciado. Todos falam um pouco de sua experiência durante a aula, dando sugestões para as próximas aulas e falando o que sentiram antes, durante e após as atividades, sobre os conflitos que existiram durante as vivências, buscando superá-los.

    Segundo Aucouturier (2007), um ritual de saída é muito importante e sempre deve fechar a aula, sendo indispensável, porque é uma proposta que dá segurança para os educandos e permite uma saída coletiva, possibilitando um reconhecimento individual de cada pessoa.

O papel do educador

    O educador durante as aulas, ao mesmo tempo em que ensina, também aprende, em uma relação de troca. Na maioria das vezes, o educador tem o papel de orientador do processo de ensino-aprendizado. Ele é o que está disponível quando um educando necessita de algum esclarecimento. Está aberto à escuta, ao diálogo, buscando sempre aumentar as potencialidades dos seus educandos, incentivando o trabalho cooperativo entre eles, sendo ao mesmo tempo um mediador e um problematizador das questões relativas ao aprendizado, permitindo que seus educandos se transformem em pessoas críticas, autônomas e conscientes de seus atos.

    Freire (1992) diz que as atividades tradicionais de Educação Física colocam em evidência a afetividade do professor ao lidar com os corpos em movimento e na maioria das vezes, esses professores não possuem estrutura afetiva para suportar a relação com os corpos livres em movimentos. Ele acredita que o educador para orientar atividades físicas precisa ter disponibilidade corporal, aprendendo a conhecer e a dominar os seus conflitos antes de iniciar o trabalho pedagógico.

    Para Aucouturier (2007), o educador deve considerar seus educandos como pessoas únicas, que são testemunhos de uma experiência única, e que deve ser acolhida com o maior respeito. Porque quando eles encontram um ambiente de respeito e de confiança, são capazes de expressarem o seu imaginário e suas emoções sem medo de serem julgadas. Na relação educador/educando, respeito, acolhimento, escuta e compreensão são palavras que devem ser vivenciadas, experimentas e interiorizadas, na opinião do autor.

    Outro fato importante é que o educador precisa estar atento sobre a separação entre meninos e meninas que podem ocorrer nas aulas de Educação Física. Freire (1992) cita o Decreto Federal número 69.450 de 1971, que decreta a separação entre meninos e meninas nas aulas de Educação Física nas escolas brasileiras. Ele comenta que nas outras disciplinas os educandos podem assistir juntos, falando que mentes não precisam ser separadas, de acordo com esse decreto, mas corpos precisam ser separados, para a escola. Os educandos só são corpos quando vão para o pátio de Educação Física, separando-os, em corpo e mente.

    João Batista Freire critica este decreto perguntando quais seriam os motivos para esta separação. E fala sobre os possíveis argumentos que poderiam justificar o decreto, o primeiro deles é focado nas habilidades físicas, dizendo que os meninos geralmente são mais fortes e ágeis que as meninas. Para Freire, estes argumentos só se justificariam se os objetivos das aulas fossem o rendimento físico.

    Outro argumento seria de origem cultural, dizendo que os educandos já chegam à escola separados por sexo, brincam nas ruas e em casa de acordo com o sexo, onde menino não brinca com menina. E quando chegam à escola não estão acostumados a fazerem atividades juntos.

    Quanto a esta questão, Freire argumenta que por mais que se compreenda a questão cultural envolvida nesta situação; manter a separação, o educador estaria reforçando o preconceito e trabalhando com uma educação para a discriminação. Quando na verdade, deveria estimular uma educação para a transformação das desigualdades. Onde os educandos são matriculados de corpo inteiro, cujas aulas tanto de Educação Física, como das outras disciplinas, não sejam separadas por sexo, nem por nenhum outro tipo de preconceito. Existindo o respeito com os educandos pela forma como eles se expressam, não existindo movimento bonito ou feio, certo ou errado, melhor ou pior; e sim, uma busca pela ampliação dos conhecimentos que eles já possuem, como uma espiral.

O lugar do corpo na escola

    Por muito tempo, a Educação Física esteve ou ainda está ligada ao aspecto biológico, lidando com o corpo ou apenas com os movimentos que são produzidos por esse corpo, que acaba sendo visto apenas como um conjunto de órgãos, ossos e músculos, onde todos acabam sendo iguais por possuírem esse conjunto biológico.

    A Psicomotricidade pode ajudar a ampliar essa visão de homem unicamente biológico, mostrando que o corpo é fruto da interação natureza/cultura, onde são inscritos todas as regras, todas as normas e valores de uma sociedade específica, por ser ele o meio de contato primário do indivíduo com o ambiente que o cerca.

    A escola não pode dividir os educandos em disciplinas que pensam e disciplinas que precisam agir; domesticando, disciplinando e anulando a livre expressão.

    Jaber (op. cit.) diz que a escola tem inculcado nos seus freqüentadores os comportamentos e atitudes que eles devem seguir para que contribuam para o “bom” funcionamento da escola, afastando-os assim, da sua maneira própria de agir e se tornar uma pessoal social. Dessa forma, a escola forma um corpo obediente através de um adestramento corporal, impedindo e inviabilizando os princípios básicos, tanto da Psicomotricidade, como o da Educação Física Libertária, que é a livre expressão.

    O corpo precisa ser liberto nas escolas, porque como já foi dito, é através do corpo que as pessoas assimilam e se apropriam de todos os valores, normas e costumes sociais, em um processo de incorporação. Portanto, se a escola domestica o corpo de seus educandos, também estará domesticando esses valores, normas e costumes deles, transformando-os em cidadãos acríticos.

    Sobre este assunto, Cabral (2001) diz que é através da ação que o corpo se especifica como o instrumento de adaptação à realidade, e na medida em que vai agindo, ocorre a maturação neurológica e a organização desses movimentos e gestos. Conforme esses movimentos vão se tornando cada vez mais objetivos, acabam sendo acompanhados por sensações e percepções as mais variadas possíveis, e vão, progressivamente, inscrevendo-se em esquemas de ação, tornando-se instrumentos de cognição.

    Portanto, este corpo total, é a base da pessoa integrada, que tem a oportunidade de mostrar a sua linguagem, sendo redimensionado e levado a se inscrever psiquicamente, abrindo o percurso para a inteligência e a afetividade, que deve ser valorizada na educação.

Considerações finais

    Este artigo buscou definir tanto a Psicomotricidade, como a Educação Física de acordo com alguns dos principais autores das suas respectivas áreas. E a partir dessas definições, algumas correlações foram feitas buscando chegar a uma educação plural com as contribuições da Pedagogia Libertária, envolvendo as abordagens em conjunto e sem distinção de uma ou outra, considerando outros aspectos que consigam ir além da dimensão física do homem.

    Esta educação plural procurou criar condições metodológicas para trabalhar com todos os alunos, através do princípio da alteridade, conceito da antropologia social contemporânea, onde se pretende despertar nos educandos o hábito de estar sempre se colocando no lugar do outro e pensando nas ações que praticam, realizando uma reflexão de seus atos. Considerando que o outro pode ser diferente e que as relações humanas, incluindo as pedagógicas, devem se pautar pelas diferenças, porque a única semelhança que todos apresentam é a capacidade de se expressarem diferentemente.

    Dessa forma, o objetivo final de uma educação plural é atingir todos os educandos sem discriminação das qualidades físicas que eles possuem ou não possuem, ou de questões de gênero, recusando o binômio igualdade/desigualdade para fazer comparações entre eles, aceitando que todos são diferentes. E assim desenvolver uma educação mais democrática e interessante para todos.

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