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O corpo nos espaços públicos cuiabano: 

um estudo etológico de seu comportamento

El cuerpo en los espacios públicos cuiabanos: un estudio etológico de su comportamiento

 

*Licenciada em Pedagogia, pelas Faculdades Integradas Cândido Rondon, Cuiabá

Especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional

pelas Faculdades Integradas Cândido Rondon (2006)

Atualmente é aluna do Programa de Pós-Graduação, Mestrado e Doutorado 

em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso - (Bolsista Capes)

**Licenciado em Educação Física, pela Universidade Federal de Mato Grosso, UFMT, Cuiabá

Especialização em Fundamentação Filosófica da Educação Física (1986)

Mestre em Educação pela Universidade Federal de Mato Grosso, UFMT, Cuiabá

Especialização em Ciências do Jogo pela Université de Paris-Nord, Villetaneuse/Paris, França

Doutor em Educação pela Universidade de São Paulo, USP, São Paulo

Flávia Karolina Campos

flavia.karolina@ibest.com.br

Cleomar Ferreira Gomes

gomescleo@yahoo.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          Este trabalho é um relato de investigação que tem por intento verificar, no cotidiano de pessoas comuns, ocupando locais públicos, as marcas deixadas pelos diferentes tipos de comportamento que a corporeidade apresenta. Essas marcas nos mostram que há uma comunicação não verbal que fala o tempo todo. Seja no ato de vestir, na expressão dura do rosto, na insatisfação durante os transportes coletivos, no desconforto da poluição sonora e visual, no isolamento individual em meio à multidão de pessoas que superlotam os espaços públicos, os meios de transportes... Essa corporeidade vai “gritando”, se ajeitando no jeito que pode. Para desenvolvimento deste trabalho utilizamo-nos de uma mini-pesquisa, nos moldes etnográficos, seguida de observações sistemáticas e assistemáticas, além de um roteiro de entrevistas, quando em campo foi possível utilizar uma câmera digital para registro de imagens. Apesar de algumas pessoas apresentarem diferenças visíveis quanto à situação financeira, no modo de ir e vir, no modo de ser, vestir, falar, ler, se divertirem e ocupar esses lugares, eles se assemelham em seu comportamento etológico. O trabalho pôde ver que somos todos parecidos nesses espaços para produzir uma acomodação necessária no trato de pertencer a um determinado grupo social.

          Unitermos: Comportamento humano. Etologia. Educação Física.

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 133 - Junio de 2009

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Introdução

    “O homem gosta demasiadamente de se imaginar no centro do universo, não fazendo parte do resto da natureza, mas opondo-se a ela como um ser de essência diferente e superior” (Konrad Lorenz)

    O comportamento humano está diretamente ligado ao ambiente em que nos circunscreve, isto é, a forma com que nos relacionamos com outras pessoas, nos vestimos, divertimos, alimentamos, exercitamos, entre outras modalidades de se comportar, sofre uma influência significativa das condições em que estamos incorporados. Etologia é a disciplina que estuda o comportamento animal. Está ligada aos nomes de Konrad Lorenz e Niko Tinbergen, sob a influência da teoria darwiniana, tendo como uma de suas preocupações básicas a evolução do comportamento através do processo de seleção natural.

    É relevante aqui para esse ensaio os estudos antropológicos de Edward Hall (1986) que buscam o “princípios” para esquadrinhar as subestruturas biológicas de onde nascem muitos aspectos do comportamento humano. Para esse autor “o homem é, primeiro, depois e sempre, como os demais membros do reino animal, prisioneiro de seu organismo biológico”, não havendo, portanto, um abismo entre homens e bichos.

    Com Hall ficamos à vontade, então, de posse de um referencial teórico-metodológico para lançar olhar para homens, mulheres, jovens e crianças em seus ajuntamentos em micros espaços urbanos e percebê-los como animais em busca de um melhor assento, de uma posição segura na lide de ir e vir, de freqüentar esses espaços para garantir a sua territorialidade. No dizer de Hall (1986), a territorialidade pode ser entendida como “o comportamento mediante o qual um ser vivo declara caracteristicamente suas pretensões a uma extensão de espaço, que defende contra os membros de sua própria espécie”.

    A etologia constitui-se, portanto, como uma disciplina da biologia que visa estudar o comportamento, tanto intra-específico, ou seja, o comportamento de uma espécie no seu meio ambiente, a partir da observação e análise das diversas facetas da vida dos indivíduos da espécie (sobrevivência, reprodução, comportamento territorial...), quanto ao comportamento interespecífico: a relação entre as espécies no meio ambiente comum.

    Cabe a essa disciplina a tarefa peculiar de ver em qualquer lugar as pessoas desenvolverem uma maneira de ser, tão próxima daquilo que Marcel Mauss (1974) define como “técnica corporal”. Para esse autor “as maneiras como os homens, sociedade por sociedade e de maneira tradicional, sabem servir-se de seus corpos” e ainda que sejam transmitidas através da educação e que são atos tradicionais, diferenciando-se assim dos animais provavelmente pela sua transmissão oral.

    Este trabalho é um relato de investigação a partir dos dados coletados pelos alunos do segundo semestre do curso de Educação Física na UFMT, sob a orientação do Gepecol (Grupo de Estudos e Pesquisa sobre a Corporeidade e a Ludicidade) com o intento de verificar o comportamento de pessoas em locais públicos da cidade de Cuiabá, tais como: restaurantes, terminais de ônibus, aeroporto, feiras de rua, igrejas, bares, shopping center, penitenciária, faculdades, escolas, demais locais onde há uma grande circulação de pessoas.

    Com a pesquisa feita foi possível notar os diferentes tipos de comportamento que essa corporeidade apresenta: em agrupamentos, duplas ou individual essas pessoas estão sempre em circulação vivendo e con/vivendo nesses espaços. A pesquisa se orientou por um roteiro de observação que privilegiou suas posturas nos locais investigados: assentar, andar, agrupar-se, comer, falar sobre que assuntos, sua vestimenta, seus adornos, suas expressões de rosto, como se exercitam, sobre o que sonham, suas formas de acasalamento, como se namoram.

    O olhar dos pesquisadores se direcionou para ver nesses micros-espaços-tempo, através de uma linguagem corporal dos sujeitos, acrescida de informações com pequenas entrevistas o que esses corpos tinham num comportamento etológico muito mais animal do que cultural quis nos mostrar.

    Temos tentado a partir de uma investigação antropológica observar como os corpos têm se comportado nessa geografia que cada dia faz aquilo que a proxêmica de Edward Hall cunhou de “apinhamento”, noutras palavras esta expressão diz de ajuntamentos cada vez mais abarrotados nos espaços urbanos. As regras de convívio têm que sofrer alterações para fazer as pessoas se adaptarem a esse ajuntamento que é cada vez mais freqüente nas sociedades modernas. Se espremendo em barracos, se acotovelando em filas de terminais de transportes coletivos se esbarrando em meneios nas festas, em bares, em shows, saracoteando em locais públicos como nas praças, as pessoas nos dizem com uma linguagem não verbal, isto é, puramente corporal, que é possível com/viver se as regras de convívio permitirem ser o que elas podem ser. Como nos lembra Montagu (1988) “as comunicações que transmitimos por meio do toque constituem o mais poderoso meio de criar relacionamentos humanos, como fundamento da experiência’.

    Algumas pessoas segundo a observação e a fala dos sujeitos nos dizem de um corpo extenuado “escravizado” pelas duras horas de trabalho que se complementa com horas de escola que se apertam no ir e vir nos transportes coletivos. Algumas nos falam de pisoteios, de engarrafamentos, desse estresse que as cidades grandes costumam produzir.

    Há um corre-corre habitual que rotiniza a vida dessas pessoas. Elas estão sempre com pressa e com a sensação de que perderam tempo. É comum pelas falas dos sujeitos um desagrado com o corpo. Quando perguntados sobre o que comem, por exemplo, há uma voz corrente sobre uma má alimentação: comidas rápidas e engorduradas que acabam desenhando as silhuetas que podemos ver a partir das imagens apresentadas pelos acadêmicos pesquisadores.

    Lembrando Mauss “em toda sociedade, todos sabem e devem saber ou aprender aquilo que devem fazer em todas as condições. Naturalmente, a vida social não é isenta de estupidez e de anormalidades.” Essa “estupidez” que fala Mauss pode ser notada nas falas e na própria expressão de ser de cada sujeito investigado. Empurrões nas filas, xingamentos no transito, abarrotamento nas festas, lugares que se supõem pontos de divertimento corporal, acabam por produzir um aborrecimento naquele que lá esteve para se distrair.

    O homem é um animal natural que se torna cultural. Essa é uma regra do comportamento etológico humano, esse comportamento sofre influências de fatores externos como, por exemplo, o clima quente-úmido da cidade de Cuiabá que obriga empurrar as pessoas para fora da casa. Parece contraditório dizer, mas é justamente este comportamento que produz uma socialização quase que compulsória com as pessoas desse local. Outros fatores são afetos a qualquer sociedade: ambiente físico, luta pela sobrevivência, as condições financeiras, a fluidez desses tempos pós-modernos, como nos diz Zygmunt Bauman (2007), a flutuação dos valores morais, a fragilidade das relações interpessoais entre outros.

    Toda sociedade possui características que são exteriorizadas principalmente através do comportamento de seus integrantes. Verificar as diferenças comportamentais dos grupos e não de um indivíduo isoladamente, foi para Mauss (1974) uma constatação, uma idiossincrasia social que cada ambiente produz.

Do roteiro de investigação

    Para desenvolvimento deste trabalho utilizamo-nos de uma mini-pesquisa para checar aquilo que Hall (1981) escreveu a mais de quarenta anos atrás. O autor dizia que as populações mundiais estão se amontoando nas cidades e nesses amontoamentos as necessidades de espaço das pessoas são concebidas “simplesmente em função dos limites de seus corpos”. Daí que essa leitura de Hall inspirou a nós pesquisadores em que envolvemos os alunos do segundo semestre do curso de Educação Física da Universidade Federal de Mato Grosso. Em campo eles utilizaram de câmera digital para registrar através de imagens os aglomerados de pessoas:

    Seguida de observações sistemáticas e assistemáticas, além de um roteiro de entrevistas com aqueles sujeitos que se mostraram com boa vontade para lhes dar informações a respeito das questões categorizadas, conforme quadro abaixo, fazemos um resumo do que se pôde retirar de suas falas e das observações:

Sobre o que Falam

Família/ Esportes/ Religião/ Clima/ Escola/ Emprego/ Homens/ Mulheres/ Sexo/ Experiências vividas/ Festas/ Comidas/ Encontros/ Negócios/ Finais de Semana/ Políticas/ Desabafos/ Fofocas/ Brigas/ Congressos/ Palestras/ Seminários/ Esportes/ Novelas/ Cinema/ Cidade Natal/ Cidade onde trabalham/ Faculdade/ Futebol/ Internet/ MSN/ Orkut/ Formatura/ Relacionamentos anteriores/ Pretensões futuras/ Rock/ Cerveja/ Moda/ Gírias/ Músicas/ Shows/ Namorados/ Professores/ Filmes Pornô/ Lutas/ Beleza feminina/ Comportamento/ Processos/ Notícias do dia-a-dia/ Promoções de Shopping/ Meninas/ Jogos eletrônicos/ Abordagens sofridas por policiais/ Drogas/ Brigas/ Armas/ Filmes de Guerra/ Roupas/ Assuntos diversos.

Como se Vestem (calçam)

Uniformes escolares/ Uniformes de empresas/ Roupas básicas/ Blusas/ Roupas adequadas ao clima/ Calças/ Short/ Saias/ Vestidos/ Tênis/ Sandálias/ Sapatos/ Chinelos/ Sapatilhas/ Rasteiras/ Sapatos baixos/ Moule/ Sandálias rasteirinhas/ Salto alto/ Tênis/ Sapatos/ Vestidos longos/ Tamancos/ Calça jeans/ Calça social/ Camisa social/ Camisetas/ Chinelo/ Camiseta de manga/ Regata/ Terno/ Gravata/ Meias/ Botas/ Sempre bem confortáveis/ Bonés/ Chapéus/ Fivelas/ Scarpan/ Forma simples/ Calça lycra.

Como e o que se comem (como se alimentam)

Porções de batata frita/ Salaminho/ Espetinho/ Arroz/ Farofa/ Vinagrete/ Cerveja/ Suco/ Refrigerante/ Água/ Pizza/ Espaguete/ Lasanha/ Chopp/ Whisky/ Caipirinha/ Caipirosca/ Cachorro quente/ Sorvete/ Salgados/ Frituras/ Balas/ Chicletes/ Chocolates/ Picolé/ Merenda oferecida pela escola/ Bolos/ Fastfood/ A lá carte/ Pirulitos/ Bolachinhas “Pit stop”/ Café/ Banana frita/ Algodão doce/ Melzinho/ Sorvete/ Pipoca/ Bolo de arroz/ Saladas/ Porções de carne/ Feijão/ Pão/ Alimento Espiritual hóstia.

Como se namoram (copulam)

Trocam carícias/ Abraços/ Beijos/ Apertos/ mãos dadas sendo acariciadas às vezes/ recados mandados pelos amigos/ Abordam diretamente através de conversas amigáveis/ Trocam números de celulares/ Marcam um encontro/ Carinhos mais quentes/ Carinhos mais discretos/ Mãos dadas com um clima de romance/ Não namoram/ Ficam/ Em casa/ Na rua/ À distância/ com preservativo/ Sem extrapolar/ Dentro das celas/ No banco do shopping/ No cinema/ Saem com a garota para passear/ Pai e mãe não sabem/ Namoro sério/ Pai e mãe sabem/ Mantendo relação sexual

Como se adornam (enfeitam)

Bonés/ Brincos grandes e pequenos/ Correntes/ Colares/ Relógios/ Anéis/ Pulseiras/ Maquiagens/ Bolsas/ Óculos de sol/ Óculos de grau/ Prendedores de cabelo/ Anéis/ Gel/ Celulares/ Perfumes/ Gel/ Smartsphones/ Chapéus/ Tatuagens/ Cintos/ Chapinha/ Piercing/ Não possuem adornos/ Tintura no cabelo/ Cortes de cabelo/ Tornozeleiras.

Como se locomovem

A pé/ Correm/ Andam/ Transporte coletivo / Carro/ Moto/ Carona/ Táxi/ Moto-táxi/ Bicicleta.

Como se sentam

À vontade/ Cruzam as pernas/ Com os pés no banco ou no chão/ Crianças no colo/ inclinação do tronco para frente/ postura ereta/ Voltados para a TV/ braços apoiado na mesa/ não se preocupa com a postura.

Como se socializam (troca de informações)

Cumprimentos Gírias/ Bom dia/ Beleza/ Sentam-se frente a frente/ Receptivos/ Educados/ Sorridentes/ Conversando/ Abraçando/ Conversas/ Cumprimentos rápidos/ Gesticulando para chamar a atenção/ Socializam em grupos/ Telefonemas/ Internet/ Festas/ Shows/ Escola/ Socializam entre pequenos grupos/ Socializam através dos estudos.

Sobre o que lêem

Alguns são analfabetos/ Não tem tempo para leitura/ Livros didáticos (Obrigação)/ Fofocas dos artistas na mídia/ Catálogos de produtos/ Jornais/ Produtos em promoção/ Literatura Brasileira e internacional/ Livros populares/ Notícias Internet/ Revistas/ Jornais periódicos/ A Gazeta/ Folha do Estado/ Caderno de Esportes/ Bíblia/ Receitas/ Livros infantis/ Romances/ Folhetos da missa/ Revistas de bordados/ Livros específicos para a formação acadêmica / Gibis/ Revistas de mulheres peladas/ Atualidades/ Cartilhas de eventos empresarial/ Congresso/ palestra/ Seminários/ Novelas/ Cardápio/ Não costumo ler/ Revista veja / Revista Caras / Livros da biblioteca/ Livro de alto ajuda/ relações humanas/ Livro preparatório para concurso.

Como se divertem

Briguinhas/ Brincadeira do “AI”/ Rodas/ Conversando/ Gastando no shopping/ Planet park/ Cinema/ Lan houses/ Músicas ao vivo em barzinhos/ Bebendo/ Jogar truco/ Festas/ Baladas/ Fofocas/ Disputas/ Queda de braço/ Piadas/ Jogando baralho/ Lanchonete/ Computador/ Sair com os amigos/ Família/ Futebol/ Teatro/ Churrasco/ Viagens/ Reuniões em casa/ Namorando/ Louvando/ Fatos do dia-a-dia/ Bafões.

Se e como se Exercitam

Correndo para não perder o ônibus/ Carregando peso/ Compras/ Crianças/ Espreguiçando/ Sedentários/ Academia/ Caminhada/ Não exerce nenhuma atividade física/ Futebol/ Corridas trilha UFMT/ Levantamento de “copo/talheres/ Caminhadas em parque e ruas/ Aulas de Educação Física/ Abdominal/ Musculação/ Dançando/ Trabalhando em pé o dia todo/ Esticando os braços/ Alongamento.

Considerações finais

    Com o trabalho feito foi possível chegar a algumas constatações que pudessem descrever o comportamento humano nos locais que serviram de observação. As pessoas de um modo em geral se comportam, assumindo movimentos com gestos estereotipados muito específicos de cada situação que acabam orientando as suas atitudes tão próximo daquilo que pontuou Montagu (1988): “em razão de nossa progressiva sofisticação e falta de envolvimento recíproco passamos a utilizar exageradamente a comunicação verbal, chegando inclusive a excluir de nossa experiência o universo da comunicação não verbal, para o nosso acentuado empobrecimento”.

    Para esse autor há na “ocidentalização do corpo” (grifo nosso), uma inexistência de toque. Essa falta de pele a que ele se refere pode ser visto em nossos dias dentro de apertados elevadores em condomínios das grandes cidades, em filas de bancos, em casas de show e em terminais de ônibus. Abarrotados de pessoas esses lugares ditam uma corporeidade e afinam uma “técnica corporal” para ser caro a Mauss, que elimina qualquer possibilidade de toque, qualquer experiência de pele.

    Os dados da pesquisa puderam registrar com sua coleta de informações, a partir das imagens e conversas com transeuntes, que apesar de algumas pessoas apresentarem diferenças visíveis quanto à situação financeira, no modo de ir e vir, no modo de ser, vestir, falar, ler, se divertirem e ocupar esses lugares, eles se assemelham em quase tudo. Há um “corpo social” tangível no modo de eles se comportarem em público. Eles se parecem em seus assuntos cotidianos: futebol, mulheres, sexo, dinheiro são os temas que monopolizam a conversa para os “machos”; moda, namorado, shopping center, filhos, são a predileção das “fêmeas”, conforme assinala o quadro (retro).

    No Restaurante, o corpo mostra que a cultura molda um êthos nas pessoas desde o modo de se vestir até a maneira de se comportar diante de uma determinada situação, que é normalmente influenciado pelo ambiente que se ocupa, pela classe social ou pela “tribo”, para lembrar um termo usado pelo sociólogo Michel Mafessoli. Em tempos passados, quando as pessoas eram diferenciadas pelas classes sociais que pertenciam, o que podia ser visto em suas vestimentas e tons de pele, hoje nas grandes cidades essa diferenciação se faz no êthos de cada tribo. Assim temos a tribo dos fanqueiros, dos country, dos esportes radicais, dos notívagos. Cada grupo, a partir de hábitos intra-específicos, vai compondo aquilo que a sociologia compreensiva chama de “tecido social”.

    Para Montagu (1988) “a linguagem dos sentidos, na qual podemos ser todos socializados é capaz de ampliar a nossa valorização do outro ou do mundo em que vivemos, e de aprofundar nossa compreensão em relação a eles”. Daí que somos todos parecidos nesses espaços para produzir uma acomodação necessária no trato de pertencer a um determinado grupo social...

    As pessoas que utilizam os terminais de ônibus geralmente possuem a vida muito corrida e seus usuários em sua maioria pertencem às classes desfavorecidas, que pelas imagens estão sempre em situação de descontentamento. Esses locais estão sempre “apinhados” e seus ônibus carregam passageiros que parecem transbordar seus ocupantes. A imagem abaixo pode mostrar esse descontentamento das pessoas.

    Existe um apego à territorialidade, no uso que o “animal” faz do espaço. Há padrões de espaçamento e distância que a maioria emprega entre uns e outros. Em determinados horários do dia, acontece muito engarrafamento.

    Quanto aos locais de festas, o estudo pôde mostrar que indivíduos de vários estilos (tribos) procuram os bares como forma de divertimento. Há nesses ambientes um entrosamento entre amigos que faz “quebrar” aquela vida rotineira, aliviando o estresse do cotidiano, num lugar agradável e bem receptível. As repostas dalguns entrevistados corroboram aquilo que os tempos atuais têm cunhado de Qualidade de Vida. Essa vida só pode ser vivida se completada com essa vazão do tempo do labor, e nunca é demais repetir o poeta Schiller: “o homem só se completa quando se diverte”.

    Duas universidades fizeram parte dos loci estudados e algumas diferenças são gritantes, embora não sendo esse o interesse da pesquisa, não podemos nos furtar de fazê-lo, no tratamento antropológico do dado. Uma leitura sociológica já fez essa observação de que a sociedade brasileira há muito tempo tem como opção o aluno das classes abastadas é que deve freqüentar o ensino superior de qualidade, estudando nas universidades públicas. Sobram para alunos das classes trabalhadoras as universidades particulares com vocação de ensino apenas sem investimentos em pesquisas, o que acaba prejudicando a sua formação. Dados do último censo, do Ministério da Educação, confirmam essas discrepâncias.

    Outras diferenças entre o comportamento desses alunos observados estão no sentido de que os alunos da universidade pública (UFMT) ficam mais à vontade no seu modo de ser e de estar no campus. Há uma aura de contentamento e um despojamento no modo de vestir e de falar dos mais variados assuntos. Mesmo nos cursos noturnos, quando cobram um “padrão” mais elitizado em se vestir, essa diferença parece apontar para um corpo mais solto, menos tenso que os alunos da universidade particular (UNIC). Nesta universidade as salas de aula são abarrotadas, o que faz aumentar a distância de interlocução entre professores e alunos. Os bares pertos dessa universidade, às vezes parecem ter mais alunos contentes que cabulam a aula para se divertirem. Os assuntos ali tratados passam ao largo das disciplinas escolares...

    Outro lugar bem pós-moderno, elegido pela pesquisa foi o shopping center. Durante a pesquisa foi possível observar que o shopping não é um local apenas de pessoas de classe social elevada, mas também de pessoas de todas as classes sociais. Diferenciando-se muito nos gostos e costumes das pessoas esse local faz conviver todas as tribos. Os shoppings centers são, nem medo de errar, as nossas praças atuais. Lá esse ajuntamento reserva o direito seguro de ir e vir, de perambular, de consumo também, mas nem tanto. As pessoas que a ele freqüentam se dedicam muito mais a uma “conversação”, termo caro a Maturana (2004), do que apenas ao consumismo. A fala de um entrevistado pode conferir essa análise:

    “― O shopping é um local onde todos podem freqüentar, e a diferença só se vê no bolso de cada um na hora de ir às compras, porque no geral elas se vestem, calçam, comem e se divertem de forma igual, o diferencial está nas marcas das grifes e na qualidade da comida que comem” (Entrevistado/M. – 30anos).

    Muito foram os dados, conforme o quadro pôde mostrar e muitas são as análises que outros olhares com outras lentes podem fazer, mas para esse fórum nos damos por satisfeito. A fala de um outro entrevistado pode conferir os objetivos da pesquisa:

    “― Estamos tão acostumados com o que vemos que não percebemos a gravidade do que estamos olhando, participar desta pesquisa, foi algo extremamente importante para o meu desenvolvimento pessoal, analisar as pessoas sobre um ponto de vista diferente do qual estamos acostumados não é fácil, infelizmente somos unilaterais, temos dificuldade em ver o outro lado (...) o dia-a-dia nos consomem que nem damos conta de pensar no que estamos vivendo...”. (Entrevistada/F – 25anos)

    Outros aspectos sobre os materiais analisados como se vestem, se alimentam, se comportam, se namoram, se deslocam... neste meio, servem de diapasão não apenas como detalhes, mas podem nos servir para perceber que nosso corpo é regido por regras sociais que são obrigadas a cumprir. No entanto, os aspectos emocionais que pudemos analisar olhando para essas pessoas é algo realmente relevante. Fazer um relato da história particular de cada participante é entendê-lo como pertencente a um todo tecido social. Os sofrimentos vividos por cada um se mostram em sua corporeidade. Há uma comunicação não verbal que fala o tempo todo. Seja no ato de vestir, na expressão dura do rosto, na insatisfação durante os transportes coletivos, no desconforto da poluição sonora, no isolamento individual em meio a multidão de pessoas que superlotam os espaços públicos, essa corporeidade vai gritando, se ajeitando no jeito que pode.

    É verdade que muitos não se importam com o que acontece em seu entorno, mas basta ver e escutar uma mãe chorando ao ouvir o barulho da sela batendo para perceber que existem pessoas que sonham com a reabilitação de seus entes queridos ou parentes que por algum motivo ingressaram na vida do crime, da transgressão dessas regras sociais.

    Com base na teoria de Marcel Mauss (1974), o comportamento humano não se faz somente por uma consciência individual, se não também pela mentalidade coletiva. O homem tende a agir de forma similar ao seu grupo seja qual ele for, para ser aceito. Ser aceito por algum grupo traz ao indivíduo um bem-estar, de maneira que o exterior reflete no interior. Cada ambiente forma uma idiossincrasia social, com as técnicas corporais. E através destas técnicas corporais pode-se identificar de qual ambiente o indivíduo pertence. Os fatores econômicos, culturais, sociais entre outros têm um papel decisivo no comportamento de ser de cada grupo. Antes de serem culturais, os homens como os animais são mais naturais do que possam imaginar.

Referências

  • BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada: vidas contadas e histórias vividas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2009.

  • DADOUN, Roger. A violência: ensaio acerca do “Homo violens”. Rio de Janeiro: DIFEL, 1998.

  • HALL, Edward T. La dimensión oculta. México: Siglo Veintiuno, 1986.

  • Hall, Edward T. Proxémique In WINKIN, Yves. La nouvelle communication. Paris: Seuil, 1981.

  • HUXLEY, Julien (ed.) Le comportement rituel chez l’homme et l’animal. Paris: Gallimard, 1971.

  • LE BRETON, David. Sociologia do corpo. Vozes, 2006.

  • LE BRETON, David. Adeus ao corpo. Campinas Papirus, 2003.

  • LORENZ, Konrad. A demolição do homem — Crítica à falsa religião do progresso. São Paulo: Brasiliense, 1986.

  • LORENZ, Konrad. A agressão: uma história natural do mal. Lisboa: Moraes, 1974.

  • MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro: Forense-universitária, 1987.

  • MATURANA, Humberto R. e VERDEN-ZÖLLER, Gerda. Amar e Brincar: fundamentos esquecidos do humano. São Paulo: Palas Atenas, 2004.

  • MONTAGU, Ashley. Tocar o significado humano da pele. São Paulo: Summus, 1988.

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