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Investigação educacional: o paradigma 

‘pensamento do professor’

Investigación educativa: el paradigma ‘pensamiento del profesor’

 

*Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa

**Doutorando na Faculdade de Motricidade Humana

Universidade Técnica de Lisboa (Portugal)

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro

(Brasil)

Carlos Januário*

Francis Anacleto**

José Henrique***

fanacleto@fmh.utl.pt

 

 

 

Resumo

          O presente artigo, ainda que sucinto, integra uma revisão referenciada de estudos empíricos, cujo epicentro teórico incide no paradigma Pensamento do Professor. Tem como pretexto iluminar os múltiplos olhares e a análise das linhas de investigação no âmbito deste paradigma. Os programas de investigação no contexto deste paradigma preocupam-se em descobrir os processos cognitivos que ocorrem na mente do professor durante as três fases do ensino – planificação (pré-acção), interacção e reflexão (pós-acção). É consensual que, através da compreensão das cognições, concepções, crenças e teorias implícitas dos professores nas distintas fases do processo ensino-aprendizagem, podemos percepcionar a leitura que estes fazem do mundo, sendo os referenciais que possibilitam a orientação da acção educativa.

          Unitermos: Pensamento do professor. Paradigmas de investigação. Tomada de decisão. Educação Física

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 133 - Junio de 2009

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1.     Introdução

    Por paradigma, entendemos o conjunto de postulados, de valores, de teorias comuns e de regras aceitas pela ciência, tidos como verdades, transmitidos às novas gerações de pesquisadores. Embora possa ser substituído por outro, de tempos em tempos, não pode ser facilmente abandonado. É um resultado científico fundamental que inclui, ao mesmo tempo, a teoria e os meios, não sendo esse resultado definitivo e deixando em aberto uma série de pesquisas a serem feitas (Anacleto, 2008).

    Neste artigo temos como ponto de partida o paradigma Pensamento do Professor, cuja finalidade, ainda que de forma sucinta, é mapear os estudos nesta área, a sua génese, contributos teóricos e metodológicos, e principais resultados de investigação.

2.     Génese

    Historicamente, na conferência do National Institute of Education, efectuada nos EUA em 1974, surge um painel intitulado O Ensino como Tratamento Clínico da Informação, o pilar de fundamentação que tornaria decisivo o desenvolvimento da investigação relativa ao pensamento do professor. Difunde-se pela Europa devido à acção da International Study Association on Teacher Thinking (ISATT), sediada em Londres (Sanches & Jacinto, 2004).

    O status paradigmático e a obra mais referenciada e inspiradora de grande parte dos trabalhos deu-se com a publicação do estudo de revisão da literatura de Clark & Peterson (1986), na 3ª edição do Handbook of Research on Teaching onde, pela primeira vez na história desta publicação, se inclui um capítulo exclusivo sobre os processos de pensamento dos professores, se tornando marco na investigação didáctica. No entanto, o primeiro artigo de revisão e do estado da arte foi escrito por Shavelson & Stern (1981).

    Clark e Peterson arquitectaram um modelo heurístico (Figura 1) que abrange tanto a dimensão mais visível do ensino, como a sua dimensão mais invisível, com o fim de organizar e integrar o campo investigativo no âmbito do Pensamento do Professor, integrando afinal as duas grandes orientações investigativas – a via behaviorista e a via cognitivista (Januário, 1992, 1996; Henrique, 2004; Anacleto, 2008).

Figura 1. Modelo de pensamento e acção do professor

    O modelo propõe a integração dos dois grandes domínios de investigação, sendo proposital a sua configuração circular, pretendendo dar sentido à influência recíproca entre as três componentes de cada domínio. A dimensão visível refere-se às acções do professor e seus efeitos observáveis: o comportamento do professor na sala de aula, o comportamento do aluno na sala de aula e o rendimento do aluno. A dimensão invisível refere-se aos processos cognitivos do professor: a planificação (pensamentos pré e pós-interactivos), os pensamentos e decisões interactivas e as teorias e crenças.

    Na sua centralidade, este paradigma tem como objecto os processos de raciocínio, as decisões, as concepções ou as crenças dos professores (Januário, 1992, 1996; Henrique, 2004; Anacleto, 2008). Foca a atenção sobre a parte oculta do ensino, procurando compreender o porquê de determinados comportamentos e explicar o como e porque do ensino (Carreiro da Costa, 1996). Daí, duas premissas são tangíveis de serem investigadas no seio deste paradigma.

    A primeira configura o professor como profissional racional, elaborando a sua acção de forma reflexiva, agindo em função dos seus pensamentos, juízos e decisões. Os professores são, basicamente, reflexivos, não reactivos: são sujeitos reflexivos que possuem crenças e criam rotinas próprias no decurso de sua trajectória profissional.

    A segunda explicita que a postura e comportamento do professor são determinados pelos seus pensamentos. Estes guiam a sua acção, e esta, por sua vez, influencia os pensamentos, pressupondo, por isso, um processo dialéctico e construtivista, e não relações casuísticas (Clark & Peterson, 1986).

    Pensamento e acção constituem estruturas independentes, mas interligadas, que se vão modificando mutuamente ao longo do desenvolvimento profissional. Nesta perspectiva, as acções expressas ou observáveis estão organizadas, ou seja, dirigidas pelas operações cognitivas do professor. Conhecer seus pensamentos poderá permitir prever, mas não predizer a sua conduta. Através dos seus comportamentos, poderemos inferir parcialmente o seu pensamento, mas não explicá-lo e, possivelmente, nem sequer compreendê-lo (Zabalza, 1994).

    A literatura ressalva, ainda, as limitações do design metodológico para aceder aos processos internos dos professores em associação com as suas práticas. Deste modo, nem sempre os designs se adequam ao carácter intrínseco e subjectivo do pensamento profissional, adquirindo sentido enquanto quadros de inteligibilidade e formas de significar o mundo e a profissão, já de si perpassados por outras intersubjectividades. Várias são as limitações, entre as quais destacamos três:

  1. a predisposição dos professores em expressar as suas concepções e crenças mais profundas, como justificativos das decisões e comportamentos perante o investigador;

  2. a descontextualização, significando a amputação da situação prática; os processos de pensamento não podem ser analisados no ‘vazio’, mas sempre referidos a um contexto prático particular e próximo da realidade; estas duas limitações justificam a necessidade de utilizar e adaptar modelos e técnicas de investigação apropriadas, já validadas e testadas, e oriundas da Psicologia Cognitiva, que possibilite adentrar no iceberg cognitivo dos professores;

  3. a ideia de que os pensamentos, concepções e crenças dos professores sobrevivem imutáveis ao longo do tempo, ou seja, questiona-se a validade temporal dos estudos, assumindo certo presentismo das concepções e das perspectivas dos professores que, segundo a literatura, sofrem alterações com o evoluir da pessoa e/ou dos contextos.

    Assim, considerando a natureza atemporal dos processos cognitivos, esta área de investigação apresenta a necessidade de estudos longitudinais, que possibilitem compreender a evolução destes processos e quando se automatizam nas acções de ensino dos professores, tornando-se rotinas (Clark & Peterson, 1986; Januário, Anacleto & Henrique, 2009).

    Em síntese, os programas de investigação no contexto deste paradigma preocupam-se em descobrir os processos cognitivos que ocorrem na mente do professor durante as fases do ensino – planificação (pré-acção), interacção e reflexão (pós-acção). Estudar os processos de pensamento e as tomadas de decisão dos professores possibilita melhor compreender o processo ensino-aprendizagem, o modo de pensar e os procedimentos didácticos mobilizados – o que ensinar/como ensinar, revelando nos próprios actores a face mais oculta do ensino, embora apresente alguns desafios metodológicos.

3.     Alguns estudos e resultados sobre os processos de pensamentos dos professores

    As pesquisas sobre os processos cognitivos do professor desvelam-se à luz da psicologia cognitiva, onde o professor é concebido como processador da informação, interagindo com o seu ambiente de modo único e idiossincrático, constituindo-se como objecto de análise sobre o ensino (Graça, 2001).

    Esta área de investigação, objectivando a compreensão do como e do porque do comportamento do professor, dedicou-se a observar as relações existentes entre: 

  1. o pensamento e as decisões de planeamento; 

  2. os processos de planeamento e de experiência docente; 

  3. os pensamentos e as decisões interactivas dos professores; 

  4. a articulação entre as decisões de planeamento e acção do professor na aula;

  5. as concepções e teorias implícitas dos professores (Sanches & Jacinto, 2004). Para maior esclarecimento, vejamos alguns estudos e epicentros de análise de algumas linhas de investigação acima mencionadas.

    O estudo de Januário (1992) relacionou as decisões pré-interactivas e os comportamentos interactivos de ensino. Utilizou a entrevista retrospectiva e, com uma amostra de 22 professores e 44 sessões, permite uma generalização aceitável das conclusões. O autor destaca o carácter interdependente das decisões dos professores. Algumas conclusões merecem especial atenção: 

  1. o carácter intencional da reflexão pré-interactiva no comportamento interactivo; 

  2. as relações no interior das fases pré-interactiva e interactiva são mais consistentes do que a existente entre fases; 

  3. as relações entre as variáveis da fase pré-interactiva são mais fortes; 

  4. uma planificação mais rica corresponde a melhores indicadores de comportamento na aula; 

  5. as variáveis que reflectem a participação do aluno na aula são as que apresentam relações mais fortes com a fase pré-interactiva; 

  6. as preocupações práticas identificadas durante a fase pré-interactiva se reflectem na aula; e 

  7. a organização e gestão do tempo associa-se às variáveis pré-interactivas, i.e., dependem do planeamento.

    Nos estudos de Januário (1994; 1996), comparando 13 professores experientes e 9 estagiários, a diferença reside, principalmente, em constructos sobre regras e rotinas de organização dos alunos e procedimentos da função instrução. Quanto aos sistemas de legitimação, não foram observadas diferenças. Outra distinção reside na indiferenciação do ensino pelos estagiários na fase pré-interactiva. Todavia, é de notar que, nos mais experientes, a diferenciação do ensino não se reflecte, de forma consistente, na sala de aula. Os mais experientes evidenciam maior número de pensamentos didácticos, enquanto que os estagiários possuem menor número de constructos didácticos na fase prévia do ensino. Quanto ao diagnóstico, não foram observadas diferenças e a literatura apresenta resultados diversos na comparação entre grupos de professores com experiência e capacidade diferenciadas.

    Henrique (2004) conjugou metodologias quantitativas e qualitativas (os paradigmas processo-produto, pensamento e acção do professor e pensamento dos alunos), numa amostra composta por 10 professores classificados como ‘mais’ e ‘menos’ eficazes. Os objectivos de pesquisa foram a análise e comparação dos pensamentos e decisões didácticas dos professores ‘mais’ e ‘menos’ eficazes, assim como dos respectivos perfis pré-interactivos. Os pensamentos e decisões didácticas foram recolhidos por entrevista retrospectiva. A análise dos resultados possibilitou concluir: a) os professores ‘mais’ eficazes possuem mais constructos de pensamentos didácticos e de decisões alternativas (possuem mais opções para enfrentar as contingências do processo ensino-aprendizagem); b) os ‘menos’ eficazes têm mais preocupações com as dimensões afectiva e de socialização dos alunos. O teor qualitativo das proposições revela que os ‘mais’ eficazes formulam um procedimento mais racional de estruturação do conteúdo e elaboração de metas comprometidas em maior grau com a maximização e refinamento da aprendizagem dos alunos.

    No estudo realizado por Januário & Henrique (2005), a análise das decisões alternativas de ensino indicou que os professores ‘mais’ eficazes, munidos com mais opções para enfrentar as contingências do processo ensino-aprendizagem, são capazes de prever com maior frequência alternativas didácticas, se munindo de conjecturas estratégicas para controle e gestão da actividade, quando comparados com os ‘menos’ eficazes.

    O estudo de Anacleto (2008) identificou as decisões pré-interactivas de estagiários e utilizou a entrevista retrospectiva. Os resultados seguiram genericamente a literatura e foi possível constatar a importância que o planeamento tem para estes professores: uma ferramenta que lhes possibilita autonomia, segurança e controle, promovendo mudanças em suas práticas pedagógicas, permitindo estabelecer suas metodologias e fazer selecção de conteúdos e de actividades pedagógicas mais adequadas aos alunos, segundo o interesse ou suas necessidades e dificuldades.

    Com a finalidade de elucidar o perfil decisional dos estagiários, Januário, Anacleto & Henrique (2009) utilizaram a entrevista retrospectiva e uma amostra de 20 professores em Estágio Pedagógico e 60 aulas. Os autores identificaram quatro perfis decisionais, aplicando a estatística cluster analysis. O perfil 1 demonstra que as concepções pessoais se sobrepõem às adquiridas na formação inicial; na tomada de decisões pré-interactivas, recorrem com frequência à memória profissional proveniente de sua trajectória profissional antes da licenciatura; o perfil 2 abrange a maioria dos estagiários (75%), com uma atitude de indiferenciação do ensino, poucas decisões alternativas e limitada capacidade de gestão e controlo da actividade, indiciando ser um perfil tipicamente influenciado pelas características do processo de formação inicial; o perfil 3, independente dos estagiários que o compõem não terem leccionado antes do Estágio, revela um perfil diferenciador, com características de pensamento típicas de professor experiente; por fim, o perfil 4, atípico e singular, cujo processo de pensamento didáctico é simplista, demonstrando limitada capacidade de lidar com a diversidade do contexto de ensino.

4.     Breves notas de fecho ou considerações finais

    Acreditando na estabilidade dos resultados, verificamos que os processos de pensamento dos professores tendem a embasar-se no conhecimento e nos dispositivos práticos possuídos, assimilados e automatizados durante as fases de desenvolvimento profissional. A experiência profissional e pessoal dos professores parece emergir, no que respeita ao perfil decisional do professor, assentando no habitus e nas representações das suas concepções teóricas e práticas em relação às diferentes etapas do desenvolvimento profissional: Estagiários, Experientes, Eficazes e Expert – os 4 E.

    Nesta óptica, é importante podermos analisar e compreender como se desencadeia o processo de automatização das decisões de ensino nas etapas de desenvolvimento profissional, com a finalidade de conhecer como e quando estes processos se tornam rotinas da actividade profissional. Este conhecimento é, ainda, de extrema importância aquando de processos de reforma curricular nos sistemas educativos.

Referências

  • Anacleto, F. (2008). Do pensar ao planear: Análise das decisões pré-interativas de planejamento de professores de Educação Física em Estágio Curricular Supervisionado. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa.

  • Carreiro da Costa, F. (1996). Prefácio. In C. Januário, Do pensamento do Professor à sala de aula (pp. 1-6). Coimbra: Livraria Almedina.

  • Clark, C. M., & Peterson, P. (1986). Teachers' thought processes. In M. Wittrock (Ed.), Handbook of research on teaching (3rd ed., pp. 255-296). New York: Macmillan.

  • Graça, A. (2001). Breve roteiro da investigação empírica na pedagogia do desporto: A investigação sobre o ensino da educação física. Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 1, 1, 104-113.

  • Henrique & Januário, (2005). Educação física escolar: A perspectiva de alunos com diferentes percepções de habilidade. Revista Motriz, Rio Claro, v.11 n.1, 37-48.

  • Henrique, J. (2004). Processos mediadores do professor e do aluno: Uma abordagem quali-quantitativa do pensamento do professor, da interação pedagógica e das percepções pessoais do aluno na disciplina de Educação Física. Dissertação de Doutoramento. Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa.

  • Januário, C. (1992). O Pensamento do Professor: Relação entre as decisões pré-interactivas e os comportamento interactivos de ensino em educação física. Dissertação de Doutoramento. Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa.

  • Januário, C. (1994). A influência da experiência profissional nas decisões pré-interactivas e no comportamento interactivo de ensino. Revista Portuguesa de Pedagogia, Ano XXVIII, nº 1, 61-78.

  • Januário, C. (1996). Do pensamento do professor à sala de aula. Coimbra: Livraria Almedina.

  • Januário, C.; Anacleto, F. & Henrique, J. (2009). O processo de planeamento dos estagiários de Educação Física: o perfil decisional pré-interactivo. Comunicação ao X Symposium Internacional: El Practicum y las prácticas, organizado pela Universidad de Vigo, Poio.

  • Sanches, M. F. C. & Jacinto, M. (2004). Investigação sobre o pensamento dos professores: Multidimensionalidade, contributos e implicações. Revista da Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, ano/vol. 3, 131-233.

  • Shavelson, R. J., & Stern, P. (1981). Research on teacher’s pedagogical judgments, decisions, and behavior. Review of Educational Research, 51, 455 498.

  • Zabalza, M. (1994). Diários de Aula – Contributos para o estudo dos dilemas práticos dos professores. Porto: Porto Editora.

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