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Esporte e sociedade

Sports & society

Deporte y sociedad

 

*Prof. Dr. da Escola de Esporte e Educação Física de Ribeirão Preto

Universidade de São Paulo

**Prof. Titular da Faculdade de Educação Física

Universidade Estadual de Campinas

Marco Antonio Bettine de Almeida*

Gustavo Luis Gutierrez**

marcobettine@usp.com.br

(Brasil)

 

 

 

Resumo

          O esporte é um fenômeno social complexo. Definimos dessa forma pela sua abrangência e inserção social. Palavras derivadas de ações esportivas são utilizadas nos meios empresariais como equipe, time, recorde, marcação cerrada, entre outros. Nos momentos de lazer a presença da linguagem provinda do esporte é ainda mais evidente. Dessa inserção da linguagem no cotidiano e nas várias formas de relação sociais vem à força do esporte. A comunicação é muito importante para vivermos em sociedade, logo, se certo tipo de símbolo típico do esporte é reproduzido em vários contextos sociais, ocorre o que denominamos de esportivização da sociedade contemporânea.

          Unitermos: Esporte. Sociedade. Sociologia

 

Abstract
          The sport is a complex social phenomenon. Thus defined by its scope and social inclusion. Words derived from action sports are used in business as a team, time, remember, tight marking, among others. In moments of leisure the presence of language coming from the sport is even more evident. This insertion of language in daily life and various forms of social relationship is the strength of sport in everyday life and also the title of this text, Sport and Society. Communication is very important to live in society, so if some kind of symbol typical of the sport is played in various social contexts, there is "Sportive of the society”.

          Keywords: Sport. Society. Sociology

 

Resumen
          El deporte es un fenómeno social complejo. Define, por lo tanto su ámbito de aplicación y su inserción social. Palabras derivadas de acciones deportivas se utilizan en los ámbitos empresariales como equipo, tiempo, record, entre otros. En los momentos de ocio la presencia del lenguaje proveniente del deporte es aún más evidente. Esta inclusión del lenguaje en la vida cotidiana y las diversas formas de relación social es la fuerza del deporte en la vida cotidiana y también el título de este texto: deporte y sociedad. La comunicación es muy importante para vivir en sociedad, de modo que si algún tipo de símbolo típico de este deporte se juega en diversos contextos sociales, acontece lo que llamamos la deportivización de la sociedad.

          Palabras clave: Deporte. Sociedad. Sociología

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 133 - Junio de 2009

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Papel do Esporte

    O esporte desempenha um importante papel na formação do homem e da vida em sociedade, matriz de socialização e transmissão de valores, forma de sociabilidade moderna, instrumento de educação e fonte de saúde, estes são alguns dos atributos do fenômeno esportivo.

    Particularmente no caso brasileiro, o esporte é parte fundamental da cultura do país tomada como representação da identidade nacional, incorporando na sua prática os valores da sociedade. O esporte é espetáculo ritual. Com a camisa e hinos, com as paixões e desilusões, enfim é o pulsar da cultura viva. E, no mundo contemporâneo, o esporte é também um grande negócio que movimenta bilhões e bilhões de dólares. Constitui, portanto, fenômeno social observável na vida cotidiana que se articula com símbolos culturais, produção cultural, economia e política.

    Para entender o esporte e sua abrangência apresentaremos três visões do esporte moderno que se articulam, a primeira trabalha com a racionalização e secularização, a segunda discute o processo civilizador e a terceira apresenta as interfaces com o poder.

Racionalização e secularização

    O esporte pode ser interpretado a partir de duas categorias principais, a racionalização e secularização.

    A secularização, no sentido weberiano, diz respeito ao desencantamento do mundo, vale dizer, à substituição das explicações de caráter mágico ou religioso para os mais diversos fenômenos por aquelas de natureza racional, técnica e científica. É processo característico da mudança social que constituiu as economias de mercado e as democracias de massa, onde as normas sociais se baseiam mais em cálculos utilitários e regras escritas do que em mitos e tradições. As ações são voltadas para o próprio êxito, denominado-as como ações racionais com respeito a fins (WEBER, 2001).

    O esporte, na sua origem, derivava de jogo e brincadeira. Eles eram parte da cultura, como expressão das tradições do sagrado ou do profano, consistindo em uma atividade essencialmente lúdica de caráter ritual. Pelas exigências físicas, estas atividades celebravam o corpo, a força, a beleza e o mágico.

    O esporte moderno retira o caráter ritual mágico religioso do esporte e o transforma em algo secularizado, sem estruturar-se na religião, incorporando elementos racionais, como medidas, recordes ou igualdade de chances.

    A crítica feita a esta visão do esporte é que ela apenas transformou os rituais, é verdade que se desvincula da religião, no entanto, o esporte não perde seu caráter essencialmente mágico. Os uniformes – a camisa da equipe –, são exemplos deste processo, pois são venerados pelos torcedores, quase como objeto de adoração, culto. O time se transforma em algo mágico adquirindo formas quase próximas de uma religiosidade. Poderemos ver isso em jogos de futebol onde a religiosidade caminha por meio do sincretismo religioso com as crendices e adoração divina.

    Como parte do processo de racionalização, o esporte, segundo uma visão weberiana, perderia o seu caráter religioso, conservando o culto ao corpo, o conteúdo lúdico e o ritual simbólico da equipe, das cores e do pertencimento.

    Entretanto, a brincadeira esportiva no esporte de alto-rendimento não é tanto assim. Poderemos colocar o lúdico na prática esportiva desinteressada, pois o esporte de alto-rendimento é algo muito sério que, há muito, deixou de ser uma atividade desinteressada e gratuita, porém ainda possui esta dimensão no esporte amador, esporte educativo e esporte de lazer. O esporte de alto-rendimento passou do jogo ao esporte não-lúdico, uma atividade regulada por normas estritas.

    A racionalização trata do uso da razão instrumental na ação humana (WEBER, 2001).

    Significa tomar atitudes e decisões descartando os elementos de natureza pessoal, afetiva e emocional. A eficiência torna-se um valor normativo prioritário para o esporte moderno e a quantificação dos feitos atléticos uma exigência fundamental das máquinas competitivas. Trata-se da tendência de transformar qualquer atividade esportiva em algo que possa ser medido e quantificado, esta característica encontra-se no esporte amador, esporte educação, e em menor grau no esporte de lazer. As estatísticas tornam-se tão importantes quanto os eventos.

    A quantificação geralmente se faz acompanhar de dois outros fenômenos muito freqüente no mundo esportivo de alto-rendimento que é a especialização, quando se busca uma definição precisa dos papéis a serem executados pelos atletas e desenvolvem-se estratégias e táticas de jogos cada vez mais formais, rígidas e calculistas, que visam, em última instância, a um melhor desempenho dos atletas e das equipes nas competições. E a quebra dos recordes, que é a briga virtual dos atletas pela superação não do adversário, mas do tempo, da marca, dos centímetros, das cestas.

    A introdução do uso de aparelhos tecnológicos confere mais racionalidade e precisão matemática aos processos de especialização, que adquirem, assim, uma nova legitimidade. A legitimidade tecnológica e científica.

Processo civilizador

    Para além da secularização e da racionalização, a consagração do esporte como prática social legítima e reconhecida também pode ser vista como parte da modernização do mundo ocidental, de seu processo civilizador, no sentido que lhe atribui Nobert Elias (ELIAS, 1980).    

    Segundo essa perspectiva, aqui exposta de forma muito simples e esquemática, a predisposição humana de agir segundo seus instintos e paixões para satisfazer suas necessidades gera tensões e ameaças à vida social. Na sociedade ocidental, a sobrevivência e o desenvolvimento são garantidos pelo crescente controle exercido sobre esses apetites - primeiro, pelo poder coercitivo do Estado; em seguida, pela interiorização das normas de conduta social. É a inibição dos instintos primários a que se referia Freud, vale dizer, o autocontrole individual de Elias, que vai domar os impulsos libidinais, afetivos e emocionais e conter a violência que lhes são inerentes. Porém, por mais que se civilizem os costumes, os gestos, as expressões corporais e as maneiras à mesa, resta uma tensão individual e coletiva que produz o mal estar da civilização (ELIAS, 1980).

    O esporte opera como uma espécie de válvula de escape, pois a incorporação de hábitos mais racionais, controlados, leva a uma repressão exterior, conter os gestos e palavras, e interior, proibir-se de pensar em atos violentos.

    No esporte as pessoas podem exercitar a violência sem a repressão do violento, no espaço físico e social delimitado pelo esporte as pessoas podem expressar sentimentos fortes e apaixonados represados pelo controle social. A expressão tem os limites de um descontrole controlado, isto é, sem ir até o limite daqueles impulsos destrutivos próprios da sua luta pela satisfação das necessidades mais primárias. Esta característica do esporte pela visão eliana é percebida nas diferentes manifestações esportivas (ELIAS, 1980).

    No esporte do alto-rendimento tanto os jogadores liberam suas tensões como os torcedores nos estádios ao se comportarem de maneira que não seria possível em outros ambientes.

    No esporte de lazer a questão do alívio das tensões existe pelo caráter mimético da atividade. E no esporte educação apesar do seu caráter formal carrega a possibilidade de descarregar as tensões, mesmo estando sob supervisão de um educador físico, devendo manter a postura dentro das aulas.

Esporte e Poder

    Finalmente, o esporte também tem sua função na reprodução social, simbólica e de manutenção da lógica da dominação. Pierre Bourdieu coloca que o campo esportivo constitui uma arena de lutas simbólicas e de fato, onde se contrapõem forças e interesses consolidados, pelo capital e pelas diferenças de capital simbólico entre os sujeitos, onde operam os mecanismos que distinguem dominantes e dominados (BOURDIEU, 2000).

    Bourdieu (1990) lembra que o esporte é fruto da distinção de grupos sociais, aristocracia e plebeus, possui ainda hoje filosofias típicas da aristocracia como atividade desinteressada e gratuita, que contribui para mascarar a verdade do esporte, a dominação e subjugação do outro (GEBARA, 1998).

    O esporte como fenômeno dentro do campo simbólico reproduz a segregação, pois quem tem acesso aos bens materiais é o grupo que tem a maior acesso à prática esportiva, e, logicamente, ao consumo esportivo. Portanto, o esporte tem um corte econômico muito forte, distinguindo praticantes e até mesmo o acesso ao esporte.

    Mesmo sendo um direito constitucionalmente assegurado a população carece de locais com profissionais para dirigir e ensinar as práticas esportivas (MARQUES, 2007). Por isso da necessidade de disseminação do esporte e seus valores através de políticas públicas esportivas.

Considerações finais

    A compreensão dos processos de secularização, racionalização, civilização e distinção podem contribuir para analisar os problemas que afetam o Esporte de alto-rendimento e sua inserção social no Brasil e no Mundo. A lógica da secularização revela os excessos do marketing, que se traduz no desencanto do torcedor ao ver profanados seus “objetos sagrados” com marcas coloridas que enfeitam os símbolos do clube, ou mesmo mudança das cores da equipe para dar mais destaque aos patrocinadores. A camisa da equipe, símbolo por excelência da paixão pelo clube, é apenas um objeto de consumo, com alto valor de troca, inserido no caráter fetichista da mercadoria (MARX, 1985).

    Os efeitos da racionalização acabam por impor um padrão de jogo, perdendo cada vez mais seu caráter lúdico e peculiar da modalidade quando se encontra com a cultura local. A especialização funcional, a racionalização dos procedimentos e a contenção dos gestos leva a uma perda simbólica e sistematização das condutas.

    No processo de civilização percebe-se a falta de estrutura nos ginásios e estádios levando a um descontrole dos torcedores e conseqüentemente brigas.

    Na questão referente do acesso ao esporte percebemos a prática não sistematizada e a falta de locais para que o esporte de lazer e esporte educação se desenvolvam, bem como uma falta de estrutura dos esportes amadores, da profissionalização, ficando apenas alguns esporte eleitos que dão retorno midiático.

    Avançando as discussões anteriores sobre o esporte, hoje podemos afirmar que ele possui distintas dimensões, possui uma dimensão voltada ao alto-rendimento com patrocínios, mídia, regras rígidas, superioridade, vencer a qualquer custo, biótipo, ciência do treinamento. Possui uma dimensão educativa, dos valores do esporte como cooperação, participação, conhecimento do corpo, das modalidades e do universo desportivo, encontra-se tanto na escola formal como nos locais de ensino esportivo não-formais, como as escolinhas de esporte. Lembremos da dimensão lúdica que busca adaptar a prática esportiva privilegiando uma ampla participação, transmite valores, porém sem uma preocupação tão clara como no esporte educação. Nas práticas de esporte lúdicas encontramos o esporte amador, com características muito próximas do alto-rendimento, ou as voltadas para questões estéticas, e por último, a busca da qualidade de vida no esporte e o esporte como fator de saúde.

    O importante deste texto é pensar o esporte como elemento cultural. Ele se insere na sociedade de distintas maneiras, por isso a dificuldade de dissociá-lo da economia, cultura e da política. O esporte integra a todos estes elementos em maior ou menor grau dependendo da finalidade da prática e do sentido que a pessoa dá ao esporte.

Referências bibliográficas

  • BOURDIEU, P. Da regra às estratégias. In: ______. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990.

  • ______. O campo econômico: a dimensão simbólica da dominação. Campinas: Papirus, 2000.

  • ______. O capital social: notas provisórias. In: NOGUEIRA, M. A.; CATANI, A. M. Escritos de educação. Rio de Janeiro: Vozes, 1998.

  • ELIAS, N. Introdução à sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 1980.

  • GEBARA, A. Norbert Elias e Pierre Bourdieu: novas abordagens, novos temas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DO ESPORTE, LAZER E EDUCAÇÃO FÍSICA, 6., 1998, Rio de Janeiro. Coletânea ... Rio de Janeiro: UGF, 1998. p. 75-81

  • MARQUES, Renato Francisco Rodrigues. Esporte e Qualidade de vida: Reflexão Sociológica. 2007. 160 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Pós-graduação em Educação Física, Unicamp, Campinas, 2007.

  • MARX, Karl. O Capital: crítica e economia política. Tradução Regis Barbosa e Flavio Kothe. 2ª. Ed. São Paulo, Nova Cultural, 1985.

  • WEBER, Max. A ética protestante e o espírito do capitalismo. Tradução Vinicius Eduardo Alves. São Paulo, Centauro, 2001.

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