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A renovação na Educação Física escolar: desafios e perspectivas

La renovación en la Educación Física escolar: desafíos y perspectivas

 

Mestrando em Educação, História, política e sociedade PUC/SP

LETPEF - UNESP / Rio Claro

(Brasil)

Anoel Fernandes

anoelfernandes@ig.com.br

 

 

 

Resumo

          O presente trabalho tem como objetivo apresentar suas considerações acerca do movimento renovador da Educação Física escolar. Buscou-se através de breve resgate histórico apontar para os fatos mais marcantes dessa disciplina no contexto escolar, além de refletir sobre as possíveis renovações da Educação Física escolar. Apontamos para uma lacuna entre a formulação acadêmica e a prática cotidiana dos professores na escola, e uma das saídas é a formação continuada dos professores em serviço, num processo de permanente diálogo entre os órgãos superiores e os professores.

          Unitermos: Educação Física Escolar. Renovação. Formação

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 14 - Nº 133 - Junio de 2009

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Introdução

    A Educação Física escolar vem a algum tempo apresentando significantes avanços no campo teórico através de sua produção científica. Essa área de conhecimento vem na tentativa de romper com alguns modelos pedagógicos que nortearam essa disciplina na escola até aproximadamente três décadas atrás.

    Quando se pensa em novas abordagens e novas tendências, naturalmente novas perspectivas surgem, como uma possibilidade de que novos resultados possam ser obtidos devido à tentativa de renovação. Na Educação Física escolar não é diferente, pois com o surgimento das novas abordagens pedagógicas acredita-se que uma renovação no campo prático é possível. Buscaremos nesse presente trabalho apontar para alguns avanços, dificuldades e incógnitas da Educação Física na escola norteada por seu pensamento renovador. 

Metodologia 

    Para os fins deste trabalho, utilizaremos como procedimento metodológico a pesquisa bibliográfica. Segundo Lakatos e Marconi (2003), a pesquisa bibliográfica, utiliza-se de como fontes de consulta em diferentes tipos de publicações (livros, artigos, publicações avulsas, etc.).

Um pouco de história 

    Inicialmente, ressalto que o presente trabalho não se aterá a um resgate histórico profundo da Educação Física no Brasil, e sim, localizar os principais fatos dessa área de conhecimento e sua relação com a escola. Para que se compreenda o atual momento da Educação Física, seu objeto de estudo e conhecimento, torna-se necessário considerar suas origens no contexto brasileiro, passando pelas principais influências que marcaram e caracterizaram essa disciplina. No pequeno resgate histórico em que apresentaremos, buscar-se-á subsídios para entender seu contexto atual.

    Delineando pela História da Educação Física, mais precisamente nos períodos de sua entrada na escola, temos relatos de sua presença na escola ainda no século XIX. Conforme Betti (1991) o Projeto n° 224, recebeu um Parecer de Rui Barbosa, que recomendou a instituição de uma seção especial de ginástica para ambos os sexos, e fosse oferecida pelas escolas normais. No entanto, a implementação da Educação Física de fato, ficou restrita até os primeiros anos da década de 1930 restrita apenas em parte no Rio de Janeiro (até então capital da República) e nas escolas militares.

    Foi no contexto de reformas educacionais iniciadas na década de 1920, que os diversos Estados da Federação realizaram suas reformas educacionais que a Educação Física foi incluída com o nome de ginástica (BETTI, 1991).

    Conforme Betti (1991) a partir de meados da década de 1930, a concepção dominante na Educação Física é baseada na perspectiva higienista, sendo que a preocupação central é com os hábitos de higiene e saúde, com a valorização do desenvolvimento físico e moral, tendo o médico higienista um papel destacado. No modelo militarista, os objetivos da Educação Física na escola eram vinculados à formação de uma geração capaz de suportar o combate, a luta, para atuar na guerra, por isso era importante selecionar indivíduos “perfeitos” fisicamente, excluir os incapacitados.

    Soares (et. al.,1992) ao mencionar as influências  que norteavam a Educação Física nesse período,destaca que : 

    no desenvolvimento de seu conteúdo da Educação Física Escolar o médico , e mais especificamente o médico higienista, tem um papel destacado, sendo esse profissional um personagem quase indispensável , porque exerce uma autoridade perante o conteúdo de ordem biológica por ele dominado . Esse conhecimento vai orientar a função a ser desempenhada pela Educação Física na escola: desenvolver a aptidão física dos indivíduos. As aulas eram ministradas por instrutores do exército, que traziam para as instituições os rígidos métodos militares da disciplina e da hierarquia (p.53). 

    De acordo com Brasil (1997, p.19) “no século passado, a Educação Física esteve estreitamente vinculada às instruções militares e à classe médica”, sofrendo influências nos seus modos de concepção e ensino dessas duas vertentes. A Educação Física ministrada na escola nessa época tinha como objetivo a formação de indivíduos fortes e saudáveis para contribuir com a indústria nascente e defender a pátria (SOARES, et al. 1992).

    Diversos autores Soares (et al., 1992); Darido (2003; 2005); Betti (1991) e os PCNs (Brasil, 1997), destacam que em ambas as concepções (higienista e militarista) a Educação Física era considerada como disciplina meramente prática, não necessitando de uma fundamentação teórica que desse suporte, por isso, não havia uma distinção evidente entre a Educação Física e a instrução militar, não sendo necessário para ensinar Educação Física dominar conhecimentos, e sim ter sido um ex-praticante.

    No campo constitucional, apenas em 1937, pela primeira vez na história do país, uma constituição fazia referência direta à Educação Física, determinando a obrigatoriedade da Educação Física, ensino cívico e trabalhos manuais na escola primária, enquanto no ensino secundário, a reforma Capanema tornou a Educação Física obrigatória a todos os alunos até 21 anos de idade (Betti, 1991).

    As aulas de Educação Física eram associadas a movimentos ginásticos, principalmente pelos interesses militares, tendo reforçado esse tipo de aula o período da 2ª Guerra mundial, e estendendo-se até a década de 1960. Conforme Soares (et al., 1992) após a 2ª Guerra Mundial surge na Educação Física outras tendências disputando a supremacia no interior das escolas. Darido (2005) destaca que na década de 60, quando os generais assumiram o Poder executivo do país (1964), o governo planejou usar as escolas públicas e particulares como fonte de propaganda do regime militar.

    Nesse período, o conteúdo da Educação Física passa a ser predominantemente o esporte, fato este destacado por Soares (et al. 1992) p “que essa influência do esporte no sistema escolar é de tal magnitude que temos, então, não o esporte da escola, mas sim o esporte na escola” (p.54), sendo que essa fase da Educação Física é denominada de esportivista.

    Betti (1991) ressalta que nesse período, o método de ensino era o método esportivo, os objetivos estavam relacionados ao modelo econômico vigente, sendo a Educação Física voltada para o esporte de rendimento com o intuito de formação de atletas, destacando ainda, a ascensão do esporte à razão do Estado, e a inclusão do binômio Educação Física/Esporte na planificação estratégica de governo.

    Darido (2005) menciona que é nessa fase da história que o rendimento, a seleção dos mais habilidosos, o professor centralizador e a repetição de movimentos esportivos mecânicos tornam-se evidentes, sendo esse modelo esportivista também chamado de mecanicista, tradicional e tecnicista.

    Em oposição ao esporte de rendimento tão predominante nesse período, a Educação Física em alguns casos voltou-se para outro extremo, passando para um tipo de aula que os alunos decidem o que vão fazer nas aulas, escolhendo o que vão fazer, e o professor restringi-se o papel de dar a bola e marcar o tempo, sendo denominado esse tipo de aula de recreacionista.

    Todas essas tendências nortearam em seus períodos os modos de gerir e pensar a Educação Física. No entanto, com o advento das ciências humanas, começou-se a pensar numa renovação, com o intuito de romper com esses modelos e propor uma nova concepção didático-pedagógica para a Educação Física escolar. 

Os novos rumos da Educação Física escolar

    Após essa etapa acima mencionada, estudiosos da Educação Física começam a propor os tidos como movimentos “renovadores” da Educação Física escolar. Todos os que começam a propor as mudanças, tentam de alguma forma romper com os antigos paradigmas até então presentes nessa área de conhecimento. A Educação Física escolar vem desde os meados de 1980 numa constante busca de romper com os modelos tradicionais que permearam esta área de estudo, sendo que é nesse momento que a Educação Física passa por um período de valorização dos conhecimentos produzidos pela ciência.

    A partir desse enfoque dado à Educação Física de ciência com corpo próprio de conhecimento, começa a surgir algumas abordagens pedagógicas da Educação Física escolar. Conforme Darido (2003) todas essas abordagens tem algumas divergências, mais possuem um ponto em comum, todas estão em oposição à vertente tecnicista, esportivista, biologicista e recreacionista até então predominantes na Educação Física escolar.  Todos os autores que se desdobraram na difícil tarefa de apresentar novas propostas para a Educação Física desde meados dos anos 1980, estão sugerindo várias transformações de ordem didático-pedagógica.

    A Educação Física escolar tem atualmente baseado suas perspectivas e propostas nas abordagens que surgiram visando uma mudança de concepção da área. Conforme Darido (2003) na busca de romper com os moldes tradicionais, surgem várias abordagens, algumas com enfoque mais Psicológico (Psicomotricista, Desenvolvimentista, Construtivista e Jogos Cooperativos), outras com enfoque mais sociológico e político (Crítico- superadora, Crítico- emancipatória, Cultural, Sistêmica, e baseada nos PCNs), e também biológico , como a da Saúde Renovada.

    Dentro dessas abordagens há vários discursos tentando justificar a importância da Educação Física na escola, outros se apoiando em áreas diversas como a Antropologia, a Psicologia, a Sociologia e também a Biologia.  Embora com embasamentos teóricos diferentes, discutam e enfatizam seu modo de propor a Educação Física na escola um tanto quanto também diferente, todas as abordagens apresentam significativas contribuições para a Educação Física escolar. 

Algumas reflexões sobre a renovação da Educação Física escolar

    Com o surgimento dessas novas abordagens, o campo cientifico da Educação Física escolar começa a tomar novos rumos. O que por hora nos torna pertinente é refletir se as intenções de reformulação dessa área não estão ficando restritas às argumentações teóricas, ou seja, torna-se relevante levarmos em consideração que os avanços “teóricos” por si só não nos garantem que os mesmos avanços possam ter chegado aos professores da educação básica, entendendo esses como os reais interlocutores da prática educativa na escola.

    Torna-se relevante desse ponto de vista, refletir que embora tenhamos uma base teórica reformulada, a Educação Física na escola ainda pode sofrer algumas influências dos modelos tradicionais.  Resende (1995) ao mencionar a questão das influências nas novas tendências da Educação Física na escola afirma que: 

    existe um grupo com intenções renovadoras relacionado ao movimento de críticas às tendências pedagógicas manifestadas no ensino da Educação Física Escolar, mas cabe ressaltar que essas tendências, fundamentalmente inspiradas na aptidão física e no desporto de alto rendimento, ainda são predominantes no contexto da prática profissional em questão (RESENDE,1995, p. 72). 

    Com base nessa afirmação, nos torna pertinente refletir sobre: Como as novas abordagens vêem sendo trabalhadas no cotidiano escolar, suas influências na prática pedagógica do professor, enfim, se o professor na escola apropriou-se das renovações realizadas no campo teórico. Autor que contribui para esse debate, Daólio (1998) afirma que 

    ...a grande massa de professores de Educação Física no país está distante dessa discussão, não discernindo com precisão um discurso de outro, consumindo algumas publicações e idéias por oportunidade, sem a devida reflexão (DAÓLIO, 1998, p. 60). 

    Borges (1998) é outra autora que contribui para esse debate. Em seu estudo, ao interrogar a respeito dos conhecimentos que os professores de Educação Física utilizavam em suas práticas cotidianas na escola, os mesmos desconsideravam sua formação acadêmica, alegando, sobretudo o distanciamento entre a formação acadêmica e realidade escolar durante o processo de formação docente.

    Embora faça aproximadamente uma década das proposições desses autores, não devemos desconsiderar sua relevância para possíveis reflexões. Esses autores demonstram não serem otimistas em acreditar que devido a Educação Física escolar ter passado por uma renovação no seu campo acadêmico, a sua prática no cotidiano escolar tenha avançado concomitantemente. Outro fator relevante pelas quais os autores acima mencionados são enfáticos é com relação aos conhecimentos dos professores, deixando claro em seus entendimentos que os professores em geral não tiveram contato com as novas tendências científicas da Educação Física escolar.

    Outro autor mais recente que reforça essa tese é Gonzalez (2006) que, por sua vez, em suas pesquisas cotidianas com os professores de Educação Física, apontou que na realidade escolar ainda há um hiato entre aquilo que se propõe na universidade e o que acontece nas aulas de Educação Física.

    Não mencionando a Educação Física especificamente, mas sim a Educação em geral, Tardif (2002) destaca que numa dimensão formadora dos saberes, educadores e pesquisadores, ou seja, o corpo docente e a comunidade científica tornam-se dois grupos cada vez mais distintos, que por ora são destinados a tarefas especializadas de transmissão e de produção de saberes sem nenhuma relação entre si.

Considerações finais 

    Apontamos como finalização do presente trabalho não respostas, mas, sim, questionamentos e apontamentos para possíveis reflexões. O que por hora pode ser interpretado como um avanço de âmbito acadêmico, por outro lado, temos que ter um olhar mais preciso sobre os professores da educação básica, uma vez que, os mesmos são os reais representantes da Educação Física na escola.

    Os apontamentos nos mostram que estamos diante de uma lacuna entre as proposições teóricas e práticas pedagógicas na escola. Uma das possíveis saídas são por meio dos órgãos superiores, como as secretarias municipais e estaduais de educação por meio da formação continuada para os professores (e nesse caso, não só os de Educação Física, mas todas as disciplinas).

    Torres (1998) alerta-nos que a capacitação em serviço versus formação inicial estão em dois momentos distintos e desvinculados. A referida autora aponta para a necessidade de um sistema unificado de formação docente. No entanto, quando remetemos nosso olhar para a lacuna entre as proposições teóricas e práticas dos docentes, apontamos que a tal lacuna seja de alguma forma senão acabada, ao menos diminuída, sendo assim, a capacitação em serviço torna-se relevante.

    A tal formação não deve ser imposta na relação acima - abaixo, mas sim através de um diálogo permanente com os professores sobre suas necessidades, sem, contudo, perder de vista o conhecimento científico “renovado” que a Educação Física escolar alcançou. Mas por outro lado também, entendendo as experiências dos professores como uma saber. Garcia (1999) ao fazer referência à formação dos professores e sua prática pedagógica, destaca que existe uma separação clara entre a teoria e a prática do ensino, havendo na prática o elemento fundamental para adquirir o ofício de professor. 

    Não se trata de separar as experiências dos professores de um lado, e a teoria acadêmica de outro, mas sim, mediar por meio de um diálogo permanente essas duas categorias: o conhecimento dos professores (prática) X conhecimento acadêmico (teoria), na busca de uma real prática pedagógica dos professores que atinja o centro maior da educação, que é a formação do aluno.

Referencias bibliográficas

  • BETTI, Mauro. Educação Física e Sociedade, São Paulo: Movimento, 1991.

  • BORGES, Cecília Maria Ferreira. O professor de Educação Física e a construção do saber – Campinas, SP: Papirus, 1998. – (Coleção Magistério: Formação e trabalho pedagógico).  
    BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Introdução aos parâmetros Curriculares Nacionais-MEC,1997

  • DAÓLIO, Jocimar. Educação Física brasileira: Autores a atores da década de 1980. Campinas, SP: Papirus, 1998. (coleção Corpo e motricidade).

  • DARIDO, Suraya Cristina. Educação Física na escola: questões e reflexões. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,2003

  • DARIDO, Suraya.Cristina., RANGEL, Irene ConceiçãoAndrade. Educação Física na escola: implicações para a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

  • GARCIA, Carlos Marcelo. Formação de professores – Para uma mudança educativa. Editora Porto. Portugal, 1999.

  • GONZÁLEZ, Fernando Jaime. Projeto curricular e Educação Física: o esporte como conteúdo escolar. In: REZER, Ricardo (org). O fenômeno esportivo: ensaios críticos – reflexivos. Chapecó: Argos, 2006.

  • RESENDE, Helder Guerra. Necessidades da Educação Motora na escola.  In: DE MARCO, A (org). Pensando a Educação Motora. Campinas, SP: 1995. – (Coleção Corpo & Motricidade).

  • SOARES, Carmem Lucia; TAFARREL, Celi; VARJAL, Elizabete; CASTELANI FILLHO, Lino; ESCOBAR, Micheli; BRATCH, Valter. Metodologia do ensino de Educação Física, São Paulo: Cortez, 1992. Coleção magistério 2 grau. Série Formação do professor

  • TARDIF, Maurice. 2002. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis Vozes, 2002. 328p.

  • TORRES, Rosa Maria. Reflexões sobre a Avaliação do Processo de Implementação de Políticas e Programas Educacionais. In: M.J.WARDE. (Org.). Novas políticas educacionais: perspectivas e críticas. II Seminário Internacional. 1ª ed. São Paulo: Ed. PUC/SP, 1998, v. 01, pp. 173-191.

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